Volume 1 – Arco 4

Capítulo 31

Aprisionados no cofre de Eldoria, o grupo enfrentava dificuldades para se mover e enxergar. Estavam sobre um mar de riquezas, moedas e pedras preciosas que refletiam a luz em ângulos cegantes. Era um cenário deslumbrante, mas traiçoeiro, como se a fortuna ao redor tentasse sabotar qualquer tentativa de ação. Apenas uma luz iluminava o ambiente, e o reflexo entre os metais forçava o grupo a manter os olhos semicerrados.

Sebastian, ainda se recuperando do impacto do último golpe, sentiu uma dor aguda no peito. Seus dedos tocaram a área, encontrando o inchaço de um hematoma.

— Droga... — murmurou ele, os olhos arregalados de surpresa. — A armadura dele é de prata... ele conseguiu me ferir.

Seu tom carregava mais que dor, havia uma sombra de medo. A prata, letal para vampiros como ele, deixava claro o perigo real que enfrentava.

— Infelix é descendente direto de Fabris — declarou o governador, com um sorriso arrogante, enquanto sua figura deformada, porém poderosa, reluzia na penumbra. — Forjar essa armadura e o anel que a sela foi brincadeira de criança. É uma pena que o último legado dele será responsável por suas mortes.

O cofre, que limitava tanto os movimentos de seus adversários, parecia desenhado para favorecer o governador. Sua armadura não só o protegia como amplificava sua agilidade e poder, adaptando-se ao ambiente traiçoeiro de forma impressionante.

Antes que qualquer um pudesse reagir, o governador lançou-se sobre Sebastian com velocidade sobre-humana, seu braço pronto para empalar o vampiro.

Tudo pareceu desacelerar para Kenshiro. Ele assistiu, impotente, enquanto o governador avançava com uma fúria voraz. Não havia tempo para pensar, apenas agir.

Com um movimento instintivo, Kenshiro se abaixou e acertou as pernas de Sebastian, jogando-o ao chão no último segundo. O golpe do governador passou a centímetros de acertá-lo. O impacto retumbou pelo cofre, e Sebastian ofegou de surpresa, seus olhos encontrando os de Kenshiro por um breve segundo. Ambos sabiam o quão perto estiveram da morte.

— Como... você conseguiu...? — Sebastian mal podia acreditar no que havia acabado de presenciar.

Para ele e Xin, o governador parecia ter desaparecido em um piscar de olhos, apenas para reaparecer atrás deles. Mas Kenshiro, de algum modo, havia conseguido acompanhar sua velocidade.

Apesar de sua façanha, Kenshiro sentia o peso da responsabilidade crescente. Ele sabia que podia lutar, mas a verdadeira questão era: por quanto tempo conseguiria proteger seus companheiros?

Xin, por outro lado, não era de esperar ordens. Notando um diamante próximo ao seu pé, agiu rapidamente. Ela pegou a pedra e a amarrou habilmente na ponta de seu chicote, criando um laço improvisado, mas mortal. Com um movimento rápido e preciso, ela golpeou com o chicote em direção ao governador. O diamante foi arremessado com tanta força que o governador mal teve tempo de desviar.

A pedra perfurou a armadura, criando um corte raso, mas o suficiente para arrancar um grito agudo do governador. O ferimento foi superficial, um corte na orelha, mas a dor que ele sentiu parecia desproporcional, como se seu corpo deformado amplificasse cada sensação.

— Arghh! Malditos! — rugiu ele, os olhos preenchidos de ódio e fúria.

Xin, aproveitando a distração, começou a procurar outro diamante, mas sua busca foi interrompida bruscamente. O governador já estava diante dela, as mãos prontas para arrancar sua cabeça do corpo.

Kenshiro, novamente, agiu sem hesitar. Com um chute poderoso, afastou Xin do alcance do governador. O impacto fez o governador recuar momentaneamente, mas sua resposta foi rápida e brutal. Irritado pela perda da oportunidade, ele golpeou Kenshiro na perna com força descomunal. O som do osso se partindo ecoou pelo cofre. Kenshiro caiu, seu osso exposto, mas a dor não o deteve.

— Kenshiro! — gritou Sebastian, correndo até ele e agarrando seu companheiro antes que o governador pudesse finalizar o ataque. O vampiro já havia se adaptado àquele terreno traiçoeiro, seus movimentos agora ágeis e fluidos sobre o mar de riquezas.

— Não... temos tempo para isso... — murmurou Kenshiro, seus dentes rangendo enquanto lutava contra a dor. — Ele não vai parar.

O governador não deixava brechas. Sua armadura era uma obra-prima, tanto em design quanto em função, permitindo-lhe lutar com uma vantagem quase insuperável. Cada movimento parecia calculado para impedir que eles se recuperassem.

Com a perna destroçada, Kenshiro ainda se ergueu, os olhos fixos no governador. Sabia que não podia parar. O governador, percebendo a fragilidade do espadachim, investiu contra ele. Mas desta vez, Kenshiro estava preparado. Com um grito, ele reuniu suas últimas forças e, com uma velocidade surpreendente, desferiu um golpe que acertou o governador, jogando-o contra a parede do cofre.

O governador, atônito, se ergueu rapidamente. Apenas um arranhão marcava sua armadura.

— Patético. Vocês não têm nenhum chance — Ele riu, sua risada ecoando pelo cofre.

A armadura, embora não impenetrável, era resistente. Kenshiro sabia que seus ataques, por mais precisos que fossem, não seriam suficientes para derrubá-lo. Apenas Xin, com seus golpes engenhosos usando os diamantes, parecia capaz de ferir realmente o governador. Mas até para ela, encontrar os preciosos minerais no meio daquele caos era uma tarefa difícil e arriscada.

Xin, já ciente da situação, vasculhava desesperadamente o chão ao redor, mas o tempo não estava a seu favor. Cada segundo perdido era uma chance para o governador finalizar o combate.

O governador, agora sem cerimônia, já estava completamente recuperado de seus ferimentos. Kenshiro sabia que ele não se aproximaria facilmente, mas o inimigo era sagaz. O governador pegou uma barra de prata próxima e, com força bruta, quebrou-a em pequenos pedaços, afiando-os como lâminas improvisadas.

— Vamos ver como vocês reagem a isso... — murmurou ele, lançando os pedaços contra o grupo com uma precisão assustadora.

Sebastian tentou desviar, mas seus reflexos não foram rápidos o suficiente. A prata cravou-se em sua pele, e ele sentiu a necrose se espalhando. Seu corpo começou a enfraquecer. Kenshiro imediatamente colocou-se à frente do vampiro, bloqueando os projéteis com sua armadura, os pedaços de prata se cravaram nela.

— Sebastian! — Kenshiro gritou, tirando os olhos do governador por um momento. — Você precisa se afastar!

Antes que pudesse responder, o governador avançou novamente, um golpe certeiro visando ambos.

Kenshiro sabia que conseguiria desviar a tempo, mas  viu algo no canto do seu olho. Xin. Ela saltou à frente, em um movimento rápido e instintivo. O golpe que deveria ter perfurado Kenshiro e Sebastian atingiu Xin diretamente, arrancando parte de sua panturrilha.

O grito que se seguiu foi tão alto que ecoou pelas paredes do cofre. Foi a primeira vez que Kenshiro e Sebastian ouviram a voz de Xin. O som perfurou o ar como uma adaga.

— XIN! — Os dois gritaram, o horror estampado em seus rostos.

Mesmo com a dor que distorcia suas feições, Xin olhou para os dois, o rosto banhado em suor e sangue, e perguntou em Signês se eles estavam bem.

Kenshiro sentiu sua frustração crescer, as palavras saindo de seus lábios entre os dentes cerrados:

— Sua idiota! Não se preocupe conosco! Eu deveria... — sua voz falhou. — Eu deveria proteger vocês.

Sebastian, lutando contra a necrose que lentamente tomava seu corpo, aproximou-se de Kenshiro com um olhar grave.

— Não temos mais opções. — disse ele, sua voz baixa, mas firme. — Você sabe o que precisa fazer.

Kenshiro não respondeu de imediato, seus olhos cravados em Xin, que perdia cada vez mais sangue.

— Use "aquilo", Kenshiro. Não temos tempo.

— Não! — Kenshiro rosnou, sua voz carregada de hesitação. — Num lugar fechado como este, posso acabar...

— Seus golpes não podem me matar — Sebastian o interrompeu. — E eu posso proteger Xin. A única saída é você vencer essa luta, e rápido.

Sebastian agarrou Xin nos braços, seus olhos determinados, apesar da dor que o consumia. Ele correu em direção a um dos cantos do cofre, enquanto Kenshiro cobria sua retirada. Outras pequenas barras de prata voaram em direção ao vampiro. Kenshiro o salvou após arremessar uma chuva de moedas que interceptaram a maiorias dos projéteis.

Quando finalmente chegaram ao canto, Sebastian deu o último pedido que Kenshiro precisava ouvir:

— Cumpra sua função... meu senhor.

Um silêncio caiu sobre o cofre.

Kenshiro, com os olhos fechados por um momento, inspirou profundamente. O peso da responsabilidade era esmagador, mas ele sabia que não havia outra escolha. Quando seus olhos se abriram novamente, não havia hesitação, apenas foco absoluto.

O governador avançou, confiante de que Kenshiro já estava enfraquecido, mas dessa vez o espadachim foi mais rápido.

Com um movimento quase invisível, Kenshiro desviou o ataque e contra-atacou com uma força descomunal, o impacto jogando o governador violentamente contra a parede do cofre. O vilão mal teve tempo de reagir, atordoado com a velocidade e precisão do golpe.

O som metálico da colisão foi seguido por um silêncio pesado, até que Kenshiro liberou uma energia tão densa que as moedas ao redor começaram a flutuar, como se o próprio ar fosse pressionado por sua presença. A atmosfera no cofre mudou, como se o ar fosse subitamente drenado de toda leveza, substituído por algo pesado e opressivo.

— Isso é... — O governador murmurou, seus olhos arregalados, aterrorizados com a visão à sua frente.

Kenshiro não tinha muito tempo. Em um movimento simples, ele empunhou suas espadas e desferiu um golpe no ar, tão poderoso que o vento ao redor cortou como lâminas invisíveis. A armadura do governador, antes impenetrável, foi finalmente rasgada. Um corte profundo surgiu em sua superfície, expondo a pele deformada e pálida por baixo.

O governador recuou, visivelmente abalado, seus olhos se fixando no fundo do cofre onde uma fissura se abria. Pela primeira vez, ele parecia verdadeiramente assustado. Ele havia subestimado Kenshiro, mas agora via que não estava enfrentando um simples espadachim. Estava diante de uma força que ele não compreendia completamente.

— Isso... não é possível! — O governador gritou, a voz trêmula.

Kenshiro, porém, não respondeu. Ele estava além das palavras agora, envolto em um poder que transcendia a razão.

Com seus joelhos flexionados, a cabeça levemente abaixada, e as mãos repousando sobre as espadas embainhadas, Kenshiro se preparou para o golpe final.

Quando levantou os olhos, um brilho dourado intenso emanava deles, uma luz que fez o governador recuar ainda mais.

Do lado de fora do cofre, os soldados podiam ouvir apenas o som ensurdecedor das correntes de ar girando como uma tempestade furiosa. As moedas e pedras preciosas tilintavam como sinos, mas o som era engolido pelo rugido do vento.

E então, o silêncio.

Quando o som do vento cessou, e o cofre foi mergulhado em uma quietude desconcertante, os mercenários do governador, temendo o que encontrariam lá dentro, fugiram. Nenhum pagamento era suficiente para encarar o que quer que estivesse esperando dentro daquele cofre.

O embate já havia se encerrado.



Comentários