Volume 1 – Arco 4
Capítulo 30
A segunda etapa do plano começaria naquela madrugada silenciosa, carregada de tensão. Kenshiro, Xin e Sebastian tinham uma missão crítica: capturar o Governador de Eldoria antes que o caos tomasse conta.
A queda de Infelix era iminente, mas sem o Governador sob controle, Eldoria corria o risco de ser retomada pelo Império. Caso escapasse, ele não hesitaria em buscar apoio imperial para reconquistar a cidade.
Enquanto esperavam o momento certo para agir, as palavras de Lois ecoavam na mente de Kenshiro:
— O Governador não é um guerreiro. Ele é um corcunda, deformado, mas a sua mente é sua verdeira arma. Não acreditem em nada do que ele disser, e não o subestimem.
A prefeitura de Eldoria erguia-se sombria e imponente. Construída para dentro da montanha, suas pedras escuras eram vestígios de um tempo antigo, onde a precisão matemática e geométrica eram reverenciadas. As vigas e colunas ornamentadas, embora desnecessárias, refletiam uma era de grandeza perdida, enquanto as janelas, altas e estreitas, permitiam que o ar da noite entrasse no edifício, mas também facilitavam a vigilância dos guardas. À frente, uma porta monumental tornava qualquer tentativa de entrada mais arriscada. Kenshiro estudava a estrutura, ponderando sobre a abordagem.
— Talvez devêssemos invadir e derrubar os guardas rapidamente — sugeriu Kenshiro, olhando para Sebastian.
Xin, silenciosa como sempre, expressou uma objeção. Ela gesticulou com a mão, deixando claro que a estrutura interna do prédio era um enigma. Podiam haver passagens secretas, corredores escondidos e rotas de fuga que poderiam permitir ao Governador escapar caso soasse algum alarme.
Sebastian, atento à movimentação ao redor, avaliava a patrulha dos guardas como um predador paciente. Sua imortalidade lhe dava uma vantagem: ele sabia esperar. Depois de alguns minutos em silêncio, seus olhos brilharam levemente enquanto formulava um plano.
— A cada 36 segundos, os guardas perdem a visão da entrada — anunciou Sebastian. — É nesse momento que entraremos.
Xin, ainda cética, indicou o possível perigo de um alarme conectado à porta, uma armadilha tão sutil quanto mortal.
— Torça para que eles não tenham pensado nisso — respondeu Sebastian, com um sorriso quase predatório.
Com o sinal dado, Xin puxou seu conjunto de ferramentas, finos instrumentos metálicos com pontas precisas e de diferentes formas. Sem hesitar, ela começou a trabalhar na fechadura. O clique suave indicou que a porta havia sido destrancada. Kenshiro apertou o cabo de sua espada, pronto para agir.
— Agora! — disse Sebastian em um sussurro firme.
A porta se abriu de forma silenciosa, e o trio deslizou para dentro do prédio como sombras. Nenhum alarme foi disparado, mas o verdadeiro desafio ainda estava por vir. O vasto hall principal era quase desprovido de mobília, uma arena vazia que ecoava o silêncio da noite. Apenas as escadas de mármore polido levavam aos corredores superiores, onde, sabiam, o Governador estaria escondido.
Uma dupla de guardas caminhava pela entrada, e por um momento, seus olhares cruzaram com a porta fechada. Nada fora do comum.
No teto, suspenso como um morcego, Sebastian mantinha Kenshiro e Xin seguros, seu corpo imortal agindo como uma âncora silenciosa nas alturas. Os capacetes dos guardas, embora intimidantes, limitavam sua visão, e a possibilidade de serem observados de cima sequer lhes cruzava a mente.
Sabendo que não poderiam permanecer escondidos para sempre, o grupo desceu do teto, os pés mal tocando o chão enquanto se moviam pela escuridão dos corredores.
O plano dependia da capacidade de furtividade deles, e Xin e Kenshiro eram mestres nessa arte. Movendo-se quase como fantasmas, passavam pelos guardas sem serem vistos ou ouvidos. Sebastian liderava, seu olhar atento como o de um caçador nas trevas, antecipando cada patrulha, cada movimento.
Ao longo dos corredores mal iluminados, pequenos sinos eram presos às paredes. Bastaria um toque para que o alarme fosse disparado, alertando o edifício inteiro. O som estridente de metal contra metal faria o Governador escapar num piscar de olhos.
Cada passo era meticulosamente calculado. Xin, em seu silêncio absoluto, tocava levemente as paredes, sentindo o fluxo do edifício. Kenshiro, com seus reflexos de espadachim, estava sempre pronto para incapacitar qualquer guarda que se aproximasse demais. O vampiro, invisível na escuridão, era a garantia de que o grupo seguiria sem ser detectado.
Depois de minutos que pareciam horas, eles finalmente encontraram o que procuravam: a sala do Governador.
Quatro guardas vigiavam a porta, dois em posição fixa e outros dois rondando o corredor. Kenshiro observou atentamente, e Sebastian avaliou suas opções com a frieza de um predador noturno.
Quando um dos guardas completou sua ronda e começou a voltar, Kenshiro se escondeu nos arredores. Assim que o guarda virou as costas, Kenshiro o agarrou silenciosamente, sufocando-o até a inconsciência. O corpo foi arrastado para a escuridão antes que qualquer outro notasse.
No entanto, o segundo guarda logo percebeu o desaparecimento do colega. Sem hesitar, alertou os dois guardas parados à frente da porta. Um deles foi junto para investigar, enquanto o outro permaneceu alerta, preparado para soar o alarme a qualquer sinal de perigo.
Quando os dois guardas chegaram ao corredor onde seu companheiro caído estava, avisaram ao seu colega para acionar o sino, mas ao olharem para trás, seus olhos se arregalaram em terror. No lugar onde deveria estar o guarda responsável pelo alarme, estava uma figura de aparência sobrenatural. Braços abertos, olhos vermelhos brilhando como fogo, Sebastian os encarava. A visão de um vampiro, uma criatura de lendas e pesadelos, congelou os guardas no lugar, seus corações acelerados pelo pavor. Eles mal tiveram tempo de processar a cena antes que Kenshiro e Xin surgissem atrás deles, nocauteando-os.
— Precisava mesmo dessa dramatização? — Kenshiro sussurrou.
Sebastian sorriu, ajeitando o colarinho com calma.
— Existem tantas histórias sobre vampiros... sempre quis ver se realmente causariam esse impacto.
Com os guardas neutralizados e o corredor silencioso, restava apenas uma porta entre eles e o Governador de Eldoria.
***
Eles entraram na sala e ficaram surpresos ao ver o Governador esperando por eles, sentado e com as mãos cruzadas, como se já soubesse exatamente o momento em que chegariam. Ele mantinha uma expressão fria, indiferente, apesar de sua aparência peculiar: o rosto deformado desde o nascimento, com os olhos mais afastados do que o normal e um caroço que se estendia da testa até o nariz, dando-lhe uma aparência semelhante a de um peixe.
A sala era simples, menor do que esperavam para alguém de sua importância. Entretanto, a decoração denunciava um gosto refinado: adereços dourados contrastavam com o roxo do carpete, enquanto uma enorme estante de livros cobria uma parede inteira, indicando o tipo de homem que ele era. A janela mágica, que oferecia uma visão panorâmica da cidade, estava ativada, projetando o caos iminente do lado de fora.
— Ora, ora, ora... Vejo que finalmente chegaram. Um pouco mais tarde do que eu pensava, mas chegaram — A voz do Governador soou calma e controlada, quase amistosa. — Vocês devem ser os novos companheiros de Gurok e Lois, estou correto?
O grupo trocou olhares rápidos. Kenshiro manteve sua postura firme, a mão sobre o cabo da espada. Já sabiam que o homem à sua frente era mais astuto do que qualquer um que haviam enfrentado até agora.
— Você virá conosco, ou mataremos você aqui e agora — Kenshiro não perdeu tempo, levantando a espada em um movimento decidido.
O Governador sorriu, quase como se esperasse aquela resposta. Ele se levantou devagar, com as mãos cruzadas atrás das costas, e começou a caminhar pela sala, sua postura despreocupada.
— Sim, sim. “A revolução” — Ele murmurou, imitando o tom de voz de Kenshiro de forma cínica. — Eu sei que não irá me matar, Lois precisa de mim vivo. Mas eu gostaria de entender o motivo... O que ela realmente espera conseguir?
Kenshiro apertou os dentes, mas permaneceu em silêncio. Ele não tinha interesse em uma discussão prolongada. Sua única preocupação era cumprir o objetivo, o que tornava as palavras do Governador ainda mais desconcertantes.
— Pouco me importa os motivos dela. Eu só quero sair desta cidade o quanto antes — Kenshiro respondeu, sua voz carregada de frustração.
O Governador parou e virou-se, encarando-o com um olhar calculista.
— Se esse era o problema, por que não disse antes? Eu deixo você e seu grupo partirem sem pagar taxa alguma — Ele fez uma pausa, observando as reações. — Na verdade, irei dar a vocês suprimentos e dinheiro se decidirem não se envolver nesse golpe.
A espada de Kenshiro abaixou lentamente. Sebastian e Xin, ambos sempre atentos e cautelosos, agora olhavam incrédulos para ele. Era impossível ignorar a proposta tentadora do Governador.
— Kenshiro! Você não pode estar falando sério! — Sebastian foi o primeiro a quebrar o silêncio, a desconfiança evidente em sua voz.
Xin também olhou para ele com intensidade, questionando o que Erina acharia de tudo aquilo.
— Você vai mesmo confiar nesse homem? Veja o que ele fez com essa cidade! — argumentou Sebastian.
O Governador sorriu mais uma vez, aproveitando a brecha. Ele se aproximou da estante de livros e, com um movimento leve, puxou um dos volumes, revelando um mecanismo oculto. A estante inteira se moveu, deslizando para o lado e expondo o grande cofre de Eldoria. Dentro dele, um brilho intenso preenchia o ar. Moedas, pedras preciosas, artefatos de valor incalculável. A quantidade de riqueza era tão grande que o brilho machucava os olhos.
O impacto foi imediato. Até mesmo Sebastian e Xin hesitaram, incapazes de desviar o olhar da visão deslumbrante. O ouro reluzente parecia hipnotizá-los, como uma tentação que testava suas moralidades.
— Se minha oferta ainda não for suficiente, posso pedir ao próprio Juiz que acompanhe vocês em viagem — O Governador continuou, sua voz ganhando um tom mais persuasivo. — Ele não é apenas um grande cavaleiro, mas um exímio ferreiro, descendente direto de Fabris.
O nome causou um impacto imediato. Kenshiro, que até então se mantinha firme, pareceu momentaneamente abalado.
— Mentira — Ele murmurou, tentando manter o controle.
— O senhor já deveria ter percebido que eu não mentiria para vocês... — O Governador gesticulou calmamente em direção ao cofre aberto. — Acabei de revelar toda a riqueza da minha cidade, junto com seu maior segredo.
O peso do nome de Fabris não podia ser subestimado. O lendário ferreiro, que forjara ferramentas mágicas poderosas o suficiente para desafiar os magos e feiticeiros mais habilidosos. Um descendente dele seria um aliado inestimável, e a oferta do Governador parecia uma jogada final, irresistível.
Sebastian, agora mais desconfiado, estreitou os olhos.
— Você não perderia seu maior trunfo por causa de um grupo de desconhecidos.
O Governador riu, sua voz ecoando pela sala.
— Meu caro, você não sabe o que já fiz... — E então começou a revelar sua história.
Ele apontou para os retratos na parede, onde vários Juízes e Governadores de Eldoria estavam imortalizados. Algo chamou a atenção do grupo: os últimos Juízes serviram ao mesmo Governador. Ele estava no poder há mais tempo do que qualquer um poderia imaginar.
A cada troca de Juiz, o Governador manipulava os eventos, criando rivalidades e traições. Ele forjava o caminho para o mais poderoso se destacar, garantindo que, independentemente de quem ocupasse o posto, Eldoria permaneceria sob seu controle. Até mesmo os mais nobres Juízes eram lentamente corrompidos, seus corações sucumbindo à ganância e ao poder.
— Seja Lois ou Gurok... não importa quem seja o próximo Juiz. Eldoria continuará sendo a "cidade dourada", sua riqueza é infinita — O Governador concluiu, seus olhos faiscando de orgulho. — E logo o próprio Império será apenas mais uma ferramenta nas minhas mãos.
Uma explosão ensurdecedora interrompeu a conversa, sacudindo a estrutura da prefeitura. A explosão pôde ser vista pela janela mágica, mas o impacto foi tão forte que desativou a projeção. O alarme soou imediatamente, e o som de passos apressados no corredor ecoou em direção à sala.
O Governador, agora mais impaciente, estendeu a mão.
— Meu jovem, não há mais tempo! Você aceita ou não a minha oferta?
Kenshiro, envolto em seus pensamentos, sentiu a pressão da escolha. Sabia que aceitar garantiria a segurança de seu grupo, mas... seria o certo? A cidade mudaria de verdade? Ele olhou para seus companheiros. Sebastian e Xin aguardavam sua decisão, prontos para segui-lo, independentemente de qual fosse.
"Será que... mesmo tomando a decisão certa, algo realmente mudaria?", Kenshiro questionava-se internamente. Mas, por mais tentadora que fosse a oferta, ele não poderia trair seus princípios, nem seus companheiros.
Com um movimento ágil, Kenshiro levantou sua espada novamente, apontando-a para o Governador.
— É de fato uma boa oferta, mas temo que terei que recusá-la. Mesmo que a chance de mudança seja mínima... as pessoas desta cidade precisam aproveitá-la.
Xin e Sebastian o acompanharam, prontos para lutar. O Governador suspirou profundamente.
— Uma pena...
Ele tocou em seu anel prateado, e uma armadura mágica se formou ao redor de seu corpo. Antes que Kenshiro pudesse reagir, o Governador avançou com uma força avassaladora, lançando o grupo para dentro do cofre, onde foram amortecidos pelas riquezas que tanto haviam tentado resistir.
— Parece que terei que matá-los... — murmurou o Governador, enquanto trancava a porta do cofre com um sorriso cruel.