Volume 1 – Arco 4

Capítulo 24: A Cidade Dourada.

A manhã despertou estranha, carregada de uma tensão silenciosa, especialmente para Takashi. 

Sebastian, com a calma típica de quem conhece os códigos do grupo, explicou os títulos que Erina, Kenshiro e ele mesmo carregavam; símbolos de respeito e autoridade entre eles.

Capitã, Vice-líder e Confidente, respectivamente. 

Takashi não pôde deixar de arquear uma sobrancelha desconfiado, imaginando tratar-se de uma brincadeira quando Kaji, com ar pomposo, autointitulou-se “Intendente”. 

— Até parece que o vampiro, o membro mais novo, vai me dar ordens... — murmurou, quase para si mesmo. 

Kenshiro, de postura rígida e olhar cortante, aproximou-se. A luz do sol por trás lançando sua sombra sobre o elfo, obscurecendo parcialmente seu rosto e dando um ar pavoroso. 

— Chame-o pelo título ou pelo nome — disse, a voz firme e gélida. — Lembre-se de que ainda precisa conquistar seu lugar entre nós. 

A sútil ameaça fez Takashi baixar a cabeça, sentindo o peso da responsabilidade que carregava. Durante a noite, eram amigos, rindo e compartilhando histórias; mas ao amanhecer, a disciplina reinava soberana, e o foco era indispensável. 

Ele precisava aceitar sua posição e provar seu valor. 

Quanto a Zudao e Xin, permaneciam como meros passageiros naquela jornada, suas presenças discretas, quase invisíveis aos olhos do grupo. 

Sem mais delongas, desmontaram o acampamento e partiram. 

***

O restante da viagem se desenrolou em um silêncio contemplativo, até que a silhueta da próxima cidade emergiu no horizonte. 

Antes de alcançar Shenxi — terra natal de Zudao e Xin — cruzariam Altunet, uma cidade-livre de fama que ecoava por todo o Continente. 

Altunet não era famosa por suas tradições ou exércitos, mas sim por sua opulência. Conhecida como a “Cidade Dourada”, suas lendas sobre riqueza pareciam verdadeiras fábulas para muitos, histórias contadas e recontadas, ganhando contornos mitológicos. 

Mas o que ninguém duvidava era do brilho dos portões dourados que guardavam o que havia de mais valioso: o ouro e as moedas acumuladas por gerações. 

Uma cidade tão repleta de mistérios e histórias não poderia passar despercebida. 

Entretanto, não eram os tesouros ou os cofres que atraíam Erina. 

Ela buscava um ferreiro habilidoso, um artesão que pudesse garantir que seus equipamentos resistissem às provações da jornada — alguém essencial para a sobrevivência do grupo, ainda que fosse uma função a qual não envolvesse a batalha direta. 

Para os demais, Altunet era um lugar de possibilidades, cada um com suas próprias expectativas, esperanças e receios sobre o que encontrariam. 

Conforme avançavam, Sebastian começou a observar a fauna e a flora ao redor com mais atenção; algo ali não parecia natural. Uma sensação inquietante que crescia em seu peito. 

— Qual o tamanho de Altunet, afinal? — perguntou, franzindo o cenho. 

— Você não sabe? — Kenshiro respondeu, surpreso. 

— Quase nunca me aproximo de civilizações. Tenho medo de ser reconhecido. Jamais me arriscaria a ir até uma cidade grande, quanto mais uma tão famosa quanto Altunet. 

— E você, Zudao? — perguntou Erina. — Shenxi é praticamente vizinha daqui. Não tem nada a dizer? 

— Hm. Mesmo que seja rica, tenho certeza de que é mesquinha demais para compartilhar algo com os outros. 

— Caridade não é comum, não importa o quanto alguém, ou uma cidade, tenha de dinheiro — acrescentou Takashi, com um sorriso meio cínico. 

— De todo modo — Erina voltou a falar —, o que está te incomodando, Sebastian? 

— Esta região onde estamos... — Sebastian falou baixinho, quase para si mesmo — não é adequada para o desenvolvimento de uma cidade ou sequer uma vila autônoma. Para existir, teria que ser abastecida constantemente, com água e comida vindo de fora. 

A pequena revelação do Confidente fez o grupo refletir. Talvez Altunet fosse apenas uma lenda, ou no máximo uma cidade que deixara de existir há muito tempo. 

Nenhuma rota comercial atravessava aquelas terras; o próprio Império jamais perderia a chance de conquistar um aliado ou vassalo tão rico. 

Mas, antes que Erina pudesse reconsiderar o caminho, algo colossal surgiu no horizonte, quase como um segundo sol — as grandes muralhas douradas de Altunet. 

À distância, já impressionavam; à medida que se aproximavam, seu tamanho tornou-se absurdo, quase desumano. Pareciam erguidas para proteger a cidade contra gigantes. 

Medo, entusiasmo, euforia, confusão e até uma tênue esperança tomaram conta do grupo. 

Kenshiro e Erina se esforçavam para manter a compostura, mas o suor em suas testas denunciava a tensão que sentiam. 

— Algum de vocês já viu muralhas deste tamanho? — Sebastian perguntou, intrigado. 

— Nem pense em mim — disse Takashi, encolhendo os ombros —, só visitei algumas vilas, nunca uma cidade murada. 

— Elas devem ser pelo menos cinco vezes maiores que as muralhas da Capital — Kenshiro tentou comparar, a voz tensa. 

— Uma cidade lendária como essa... — disse Zudao, com a mão trêmula levando-a à boca — certamente tem a melhor defesa de todo o Continente! 

Devido à sua altura colossal, nenhuma torre de cerco ou corda seria grande o bastante para ultrapassá-las. Era certo que sua fundação também seria profunda, impedindo qualquer tentativa de passagem por baixo. 

Em perfeito estado de conservação, resistiam até às intempéries, e certamente não havia arma capaz de romper suas pedras ou seu gigantesco portão. 

A cidade era cercada por montanhas, tornando a muralha o único acesso possível. 

Abrir um túnel por uma das montanhas seria mais rápido, mas os recursos e o tempo gastos nesse feito deixariam qualquer reinado à beira da falência antes mesmo de alcançarem o interior de Altunet. 

— As muralhas da Capital ainda são superiores — comentou Kenshiro, retornando à sua postura habitual após sua análise. 

Xin, desacreditada, apertou seus lábios e, em gestos, perguntou como Kenshiro poderia ter tanta certeza sobre as defesas da Capital. 

— A Capital foi projetada para resistir a qualquer cerco ou ataque — explicou o espadachim, a voz firme. — Construíram três muralhas, espaçadas estrategicamente para desgastar qualquer exército invasor. Além disso... Altunet pode nunca ter sido invadida, mas um cerco bem abastecido poderia abalá-los. 

Bah! — retrucou Zudao, com desdém. — Acha que a cidade mais rica do Continente teria problemas com estoque? Pra alguém que não demonstra muita afinidade com o Império, você gosta de puxar o saco deles. 

— Não vejo problema em reconhecer as qualidades alheias — disse Sebastian, mantendo a calma. — Os dois podem estar certos. Altunet, pela sua localização, talvez nunca enfrente uma invasão direta, mas um cerco prolongado, com suprimentos adequados, seria um desafio.

Zudao virou o rosto. Não aceitava outra visão além da prórpria.

— Sobre o Império — continuou Sebastian —, ouvi falar da estratégia das três muralhas. Mesmo que todo o Continente se unisse contra, não seriam capazes de formar um cerco eficaz na muralha externa ou na intermediária, apenas na última, que é a mais protegida. 

A Capital não tem defesas naturais, como montanhas, pântanos ou climas hostis. Foi construída em terreno plano, no coração do Continente. Pensada para abrigar todos os humanos, é a maior cidade que existe. Levaria semanas para qualquer exército saqueá-la por completo. 

— Por isso, as três muralhas foram erguidas para protegê-la — explicou. — A primeira, a externa, é simples, mas serve como primeira barreira contra invasores despreparados. Depois dela, um amplo espaço aberto expõe os inimigos ao ataque da muralha intermediária. 

Essa segunda muralha é quase exagerada em sua robustez. Suas torres garantem proteção para arqueiros e besteiros, dificultando qualquer investida. Apenas torres de cerco conseguiriam penetrar suas defesas, mas estariam expostas em campo aberto. 

Se algum exército, contra todas as probabilidades, passasse da segunda muralha, teria pela frente a última barreira: uma muralha colossal, larga o suficiente para acomodar catapultas em sua superfície. A parte traseira da segunda muralha é frágil, e o Império não hesitaria em derrubá-la para negar abrigo ao inimigo. 

— As torres, e demais armas de cerco, estariam presas nas muralhas intermediárias, ou em seus escombros, impossibilitando-as de chegar nas muralhas internas — concluiu Sebastian. — Sem elas, nenhum exército possui poder para atacar qualquer uma das entradas, que têm portinholas para cercar e anular as forças invasoras. E nenhum bando de bandidos, reino ou cidade tem tamanho para cercar a Capital, em qualquer uma das três muralhas. 

— É por isso que a Capital é invencível — disse Kenshiro com convicção. 

— Porém, tudo isso tem um custo — acrescentou Sebastian, baixando o tom. — Manter uma fortaleza tão complexa exige enorme quantidade de recursos. Não é atoa que reclamar dos impostos se tornou algo comum, chegando até aos meus ouvidos.

— Ainda que seja verdade — ponderou Erina —, como Kenshiro disse, manter um cerco prolongado seria muito difícil por causa das distâncias entre as muralhas. Nenhum exército teria resistência para tanto. 

— Ao menos... — murmurou Zudao, como se falasse para si mesmo —, nenhum exército vivo aguentaria tanto. 

O comentário do idoso foi ignorado. 

Apesar de os mortos-vivos já terem atacado a Capital mais de uma vez, jamais conseguiram sequer tocar na terceira muralha. Eles não têm capacidade para organizar um cerco eficaz, muito menos atacar com estratégia. 

(...) 

Diante do imenso portão, envolvidos pela sombra colossal da muralha, o grupo permaneceu em silêncio por alguns minutos. 

— Será que chegamos cedo demais? — perguntou Zudao, desconfiado de que o portário ainda pudesse estar fechado. 

— Não faz sentido ninguém abrir — respondeu Kenshiro, com um tom de frustração. — Deveria ter pelo menos um guarda ou alguma sentinela para avisar da nossa chegada. Essa demora só afugenta qualquer tipo de comércio. 

Xin gesticulou um comentário, quase sem querer, se talvez essa demora não fosse intencional. 

Olhando para cima, uma pequena figura se recortava contra a muralha. 

— Uma sentinela — deduziu Takashi. 

— Ela precisa saber que estamos aqui, se quisermos que abra o portão — disse Erina, lançando a Kenshiro um olhar malicioso que ele preferiu não interpretar. 

Kenshiro subiu no banco próximo, buscou todo o ar do pulmão e bradou: 

— LICENÇAAA!!! 

Os risinhos abafados dos subordinados tentaram escapar. 

Mas não foi preciso repetir. A sentinela havia ouvido. 

— ... — Sua resposta veio baixa, quase distante, exigindo que ele repetisse. 

— Calem a boca, todos vocês! — ordenou Sebastian, com um tom firme e ameaçador. 

O grupo silenciou imediatamente. Sebastian levava a sério sua função. 

Respirou fundo e tentou novamente. 

— O QUEEE?!!! 

Desta vez, ninguém riu. 

— ... — A voz ainda estava longe, quase inaudível. 

Pensavam se tratar de uma brincadeira da sentinela. 

— Ele perguntou se somos comerciantes ou visitantes — traduziu Kenshiro, surpreendendo a todos com sua audição aguçada. 

— Sabe muito bem o que somos — retrucou Erina, com segurança. 

Outro suspiro profundo. 

— VISITANTEES!!! 

Klak-Gnnnnnn! O estrondo de um grande estalo ecoou. 

As duas portas gigantescas começaram a se abrir lentamente. 

Enquanto o grupo admirava o trabalho das engrenagens, Kenshiro encarava assustado a sentinela, e Erina observava o marido com um sorriso discreto. 

— O que foi? — cochichou Sebastian, desviando os olhos do portão. 

— Ele disse: “quero ver esses idiotas voltando sem um tostão.” — respondeu Kenshiro.

Sua audição era tão apurada que, apesar da movimentação barulhenta do portão, conseguiu captar a voz distante e abafada. Fingira não ter ouvido na primeira vez, apenas para enganar a sentinela. Com êxito, ela se permitiu escapar um comentário revelador. 

Erina ponderou as opções: poderiam ignorar Altunet e seguir direto para Shenxi, ganhando tempo e evitando problemas. Mas a cidade dourada era difícil de ignorar — as promessas de recursos e a chance de encontrar um ferreiro ou artesão valioso eram tentadoras demais. 

— Vamos em frente — decidiu ela. 

Kenshiro não concordava, mas não questionaria sua esposa, afinal, ela era a líder; a Capitã. 

Com um último olhar para as imensas portas, o grupo adentrou Altunet, em busca das promessas e vantagens que aquela cidade lendária poderia oferecer para sua jornada. 

 

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