Volume 1 – Arco 3
Capítulo 23
Embora pudessem chegar em Eldoria ainda naquela tarde, Erina decidiu que era melhor descansar após o embate contra Oscar. O grupo estava cansado e os ecos da batalha ainda ressoavam em suas mentes.
Kaji, sempre atencioso, fez questão de encontrar um lugar bonito e pacífico para sua madame, buscando criar um ambiente acolhedor. Ele selecionou uma clareira rodeada por árvores majestosas, cujas folhas filtravam a luz do sol em um jogo de sombras e luzes, enquanto uma suave brisa carregava o perfume das flores silvestres.
O silêncio que tomou conta do grupo era carregado de sentimentos não ditos. Todos podiam perceber a inquietação de Erina, como se o peso de um passado sombrio a tivesse atingido novamente, trazido à tona pela presença de Oscar. Kenshiro, em contraste, estava calado, sua expressão marcada por uma tristeza que ia além da batalha. Parecia lutar com um demônio interno, um conflito que ele não estava pronto para compartilhar.
— Takashi! Está me ouvindo? — Erina perguntou, tocando sua testa levemente, interrompendo seus devaneios.
— D-desculpe! Acho que me distraí um pouco... — respondeu Takashi, sua voz hesitante.
— Bem... Tente caçar mais um cervo desta vez, pode ser? Estou faminta! — disse Erina, com um sorriso.
Takashi a observou, intrigado. Anteriormente, ela estava imersa em tristeza e melancolia, e agora sua expressão estava radiante. Ele se sentiu motivado a trazer um pouco de alegria para sua líder, afastando suas próprias inseguranças. Com uma determinação renovada, decidiu caçar o maior cervo daquela floresta.
Enquanto isso, Xin estava organizando seu lugar para dormir, um hábito que sempre a acalmava. De repente, sentiu um abraço apertado por trás e virou-se para encontrar Erina. O gesto a pegou de surpresa, e a timidez a envolveu em um manto de vergonha, mas não protestou.
Após o abraço, Erina se afastou um pouco e, com um brilho nos olhos, disse:
— Obrigado por ter sido tão fiel na caverna. A forma como você alertou Takashi sobre insubordinação... Eu adorei!
Xin, emocionada, apenas sorriu e agradeceu. Ela não buscava reconhecimento, mas as palavras de Erina aqueceram seu coração. Ela estava apenas tentando fazer o que era melhor para o grupo, e ouvir isso a fez sentir-se parte de algo maior.
Sebastian, observando a dinâmica entre eles, estava intrigado. Ele tentava compreender a estrutura do grupo. Erina era claramente a líder, mas estava visivelmente fragilizada por um momento de vulnerabilidade. Ele notou que, ao pedir um descanso mais cedo, Erina demonstrava sabedoria ao reconhecer seus limites. Kenshiro, o segundo no comando, parecia manter uma força silenciosa, mas havia uma carga de culpa em seu olhar que o tornava mais humano e acessível.
Quando Takashi e Kenshiro retornaram com um cervo e dois coelhos, Sebastian aceitou a responsabilidade de cuidar da carne. O simples ato de preparar a refeição fez com que a tensão do grupo diminuísse um pouco.
Ao ver que sua esposa estava sorrindo novamente, Kenshiro começou a agir com mais naturalidade, permitindo que um pequeno sorriso surgisse em seu rosto.
Pela primeira vez desde o combate, todos se sentiram mais à vontade, e as conversas começaram a fluir. Xin e Erina riam juntas, como se compartilhassem um vínculo especial, enquanto Takashi revelava histórias de sua irmandade, seus olhos brilhando com a emoção de recordar tempos passados. Ele falava sobre assassinatos e casos bizarros, e, para sua surpresa, a menção a Kuroda não parecia mais afetá-lo como antes. O peso de sua história estava sendo compartilhado e, de certa forma, aliviado.
***
Enquanto a noite caía e a carne assada se esgotava, o grupo começou a se preparar para a vigília. A fogueira crepitava suavemente, lançando sombras dançantes nas árvores ao redor.
— Deixa que eu fico — ofereceu Sebastian, quebrando o silêncio.
— Talvez devêssemos fazer uma dupla; afinal, você é o membro mais novo — sugeriu Takashi, seu tom leve.
— Sebastian fará a vigia essa noite — declarou Kenshiro, de maneira firme, sua autoridade não deixando espaço para discussão.
Takashi e Xin trocaram olhares, percebendo que a decisão de Kenshiro não seria contestada. Ao olharem para Erina, viram que ela não se opôs, e isso os fez aceitar a decisão com relutância. Assim, cada um se preparou para dormir, incluindo Kaji, que logo fez seu rosto desaparecer nas chamas da fogueira, como um fiel sentinela.
Na quietude da noite, os sons da floresta envolviam o grupo, e as estrelas brilhavam sobre eles como testemunhas silenciosas de sua jornada.
***
No meio da escuridão, enquanto todos dormiam, o par de olhos vermelhos de Sebastian se destacava naquele pequeno acampamento, sempre abertos e vigilantes. Ele observava cada um dos seus companheiros, a respiração tranquila e ritmada, mas sentia uma ansiedade crescente dentro de si. Com um objetivo em mente, ele percebeu que o sono profundo de todos; era a oportunidade perfeita.
Aproximando-se de Takashi, aquele que considerava o mais intrigante, Sebastian sentiu uma mistura de curiosidade e urgência. Com um movimento ágil, ele enviou o dedo indicador no pescoço do jovem, perfurando uma veia delicada.
“Fiquei muito tempo naquela caverna”, pensou Sebastian, enquanto a escuridão ao redor parecia se intensificar. “Preciso saber ao menos os últimos acontecimentos...”
Ao fechar os olhos, ele começou a revisar as memórias de Takashi, mergulhando em uma torrente de imagens e sons. Não estava interessado em sua história pessoal, apenas na história do mundo que havia mudado durante sua ausência.
“Interessante... Um assassino. Muitas informações, de fato, mas parecem um tanto preconceituosas”, refletiu.
Ouvindo fragmentos de conversas e eventos passados, ele sentiu uma nova compreensão sobre as tensões e as lealdades que permeavam o grupo.
Retirando seu dedo, Sebastian observou como o ferimento no pescoço de Takashi se curava rapidamente, uma demonstração de como os vampiros limpavam seus rastros. No entanto, ao perceber que as informações que coletara podiam não ser completamente precisas, decidiu que precisava confirmar os fatos com Kenshiro.
Sentando-se próximo a ele, Sebastian se preparou para realizar a mesma manobra. Mas quando seu dedo estava prestes a tocar a pele de Kenshiro, este, por instinto, abriu os olhos de forma abrupta.
O olhar do espadachim era penetrante, e antes que Sebastian pudesse reagir ao susto, Kenshiro já estava atrás dele, tampando sua boca com uma mão firme e uma espada reluzente pressionada contra seu pescoço.
— Kaji, a carruagem — sussurrou Kenshiro, sua voz transparecendo a urgência e irritação.
Levando Sebastian consigo, ele entrou na carruagem, que se fechou magicamente atrás deles, mergulhando os dois em um mundo vazio, onde o espaço parecia não existir. Kenshiro liberou Sebastian, que imediatamente tentou se justificar em meio ao desespero.
— Acalme-se! Eu só estava tentando saber em que ano estamos!
— É mais fácil perfurar nossos pescoços enquanto dormimos do que perguntar? — questionou Kenshiro, seu tom cortante.
Vendo que Kenshiro segurava suas espadas com firmeza, Sebastian tentou desmoralizá-lo para que a conversa fosse possível.
— Matar um vampiro é mais difícil do que você pensa...
— Acredite, se me deixar irritado... você irá desejá-la.
Sebastian se amedrontou. O olhar assassino de Kenshiro era algo que ele nunca havia visto em seus milênios de vida. Era uma mistura de fúria e determinação que o fez hesitar, reconhecendo que talvez Kenshiro estivesse falando a verdade. Ele abaixou a cabeça, a consciência pesando sobre ele.
— Por que não lê meu sangue e descubra suas respostas. Mas se tentar fazer alguma coisa estúpida...
A tensão era palpável. Nervoso, Sebastian obedeceu, tomando cuidado em seus movimentos. Com a intenção de ser o mais rápido possível, ele mergulhou em uma visão que se desdobrou rapidamente. Várias imagens surgiram em sua mente, cada uma tão reveladora que ele se sentiu sufocado.
Quando finalmente terminou, caiu de joelhos, suando e ofegante.
— 5 anos? É tudo que temos? — perguntou Sebastian, a voz trêmula.
— Teoricamente, já se passaram 6 meses, então pode reduzir um pouco esse tempo — respondeu Kenshiro.
Ainda asfixiado pelas visões, Sebastian continuou, sua mente girando.
— Então... Foi aquilo que aconteceu com Erina... Por isso vocês já tinham conhecimento das fragrâncias. Por isso ela agiu daquele jeito com Oscar. Por isso você é tão...
Kenshiro apontou sua espada em um gesto ameaçador, silenciando Sebastian instantaneamente. O vampiro sabia que havia cruzado uma linha, e um arrepio percorreu sua espinha.
— Agora — começou Kenshiro, a voz grave —, terei que decidir seu destino. Você sabe demais e pode se tornar um perigo para nós no futuro...
— Não, nunca!
— Então faremos um pequeno teste. Se passar, será o membro mais confiável de nosso grupo. Mas se falhar, terei que eliminá-lo.
Engolindo em seco, Sebastian sentiu a gravidade da situação. Ele havia se colocado em uma posição arriscada e sabia que a confiança era um fio delicado. Com relutância, foi obrigado a concordar, ciente de que a traição não era o que ele pretendia, mas que sua existência estava em jogo.
***
Voltando para o acampamento, Sebastian se preparou para ler o sangue de Xin, determinado a descobrir mais sobre seu passado. Ele se aproximou da jovem, que estava adormecida, a respiração suave e serena.
Com um movimento cauteloso, ele penetrava o dedo em seu pescoço, sentindo a textura da pele e a pulsação sob seus dedos. Assim que as memórias começaram a fluir, Sebastian ficou horrorizado ao perceber que não havia nada. Nenhuma lembrança clara, nenhum fragmento da vida de Xin. As imagens mais antigas que ele conseguia acessar eram vagas, limitadas a uma caverna, onde ela viu os olhos negros do líder de uma irmandade obscura.
— Isso... não é possível! — exclamou Sebastian, estonteado, a mente girando com a incompreensão.
Kenshiro, que estava ao lado, já sabia do que se tratava. Ele suspirou, um peso visível em seus ombros, e guardou suas espadas cuidadosamente.
— Ela está sob um voto de servidão — esclareceu Kenshiro, a voz grave. — Pensava que sua habilidade pudesse burlar isso. Ao menos sei que ela não está mentindo sobre não se lembrar de seu passado.
A revelação fez Sebastian sentir um calafrio. A ideia de que alguém pudesse ser privado de suas memórias, escravizado por um voto, era quase insuportável. Ele olhou para Xin, que estava perdida em um sono profundo, inconsciente do que se passava ao seu redor.
Kenshiro, satisfeito, se preparou para dormir ao lado de sua esposa, buscando conforto na presença dela.
— Boa vigia — disse ele, olhando para Sebastian com cansaço.
***
Agora sozinho, Sebastian sentou-se em um canto do acampamento, a noite envolta em um manto de silêncio. Repleto de novas informações, ele decidiu usar a noite para refletir.
A jornada que eles estavam fazendo era muito mais complexa do que ele jamais poderia imaginar. Havia menos de cinco anos para finalizá-la, e se não o fizessem...
O pensamento o assombrava. Eles estavam em uma corrida contra o tempo, e as consequências de falharem seriam devastadoras. Tentando se acalmar, Sebastian sabia que logo Kenshiro e Erina revelariam tudo para os demais companheiros. Ele decidiu esquecer, por ora, as informações sobre Xin e a sombria revelação que acabara de descobrir.
Contudo, o passado do casal ainda o assombrava.
Ele nunca imaginara que ambos tivessem passado por tantas dificuldades. Atrelado ao fato de que havia visto tudo do ponto de vista de Kenshiro, Sebastian começou a sentir pena do casal. A empatia que sentia por eles crescia, e a responsabilidade que sentia em relação ao grupo tornava-se cada vez mais pesada.
Enquanto a lua lançava um brilho pálido sobre o acampamento, ele se pegou pensando nas decisões que teriam que tomar em breve. Eles precisariam unir suas forças e superar os obstáculos que surgiriam em seu caminho. E, em meio a essa tempestade de incertezas, Sebastian sentiu que sua própria história também estava entrelaçada com a deles, um fio invisível que os unia em um destino compartilhado.