Volume 1 – Arco 3

Capítulo 22

Assim que saíram da caverna, o grupo foi imediatamente confrontado por uma cena inesperada. O falso clérigo, agora vestindo trajes mais apropriados para sua verdadeira identidade, um líder de bandidos, estava cercado por um bando de salteadores armados. Seu sorriso traiçoeiro crescia à medida que via os cinco saírem do covil do vampiro.

— Então, fizeram amizade com o monstro? — disse ele com uma voz carregada de sarcasmo. — Não importa. Ao acabar com vocês, estarei limpando o mundo de suas imundícies.

Kenshiro, irritado e sentindo-se traído, avançou, erguendo sua espada com determinação. Seus olhos, brilhando de fúria, miraram o clérigo como se quisessem atravessá-lo por completo.

— Vai precisar de mais do que esses bandidos de quinta pra enfrentar a gente — rosnou Kenshiro, mantendo uma postura firme.

O clérigo, riu baixinho, uma risada que parecia ecoar pela floresta ao redor.

— Ah, você acha? — ele respondeu, um sorriso maligno desenhando-se em seus lábios. — Eu sou Oscar, o Mestre dos Planos. E digo, vocês estavam em minhas mãos desde o começo.

Antes que qualquer um pudesse reagir, pequenas explosões ressoaram ao redor. Uma fumaça verde e densa começou a subir, envolvendo o grupo em uma névoa sufocante. Kenshiro e Erina, experientes, reconheceram o cheiro imediatamente, trocando olhares alarmados.

— PARA A CAVERNA, AGORA! — ela ordenou com autoridade.

O grupo começou a correr, mas a situação logo se complicou. Takashi tropeçou ao tentar acompanhar o ritmo dos outros. Ao olhar para baixo, percebeu que seu pé estava paralisado, enrijecendo conforme o gás tomava efeito. Ele lutou para se mover, mas seu corpo recusava responder.

Um dos bandidos, percebendo a vulnerabilidade do elfo, preparou rapidamente uma flecha e mirou. Takashi, impotente, apenas conseguiu assistir a flecha voar em sua direção.

No último segundo, Kenshiro se atirou na frente, a flecha acertando suas costas com um som seco. Sua armadura leve, embora protegida, não conseguiu absorver todo o impacto, mas foi o suficiente para evitar um ferimento fatal.

— AGUENTA FIRME! — gritou Kenshiro, levantando Takashi e o carregando para dentro da caverna.

Lá dentro, Erina rapidamente usou seu escudo gigantesco para bloquear a entrada. O metal do escudo reverberava ao ser pressionado contra a rocha, e os bandidos do lado de fora podiam ser ouvidos rindo e murmurando sobre sua suposta vitória.

Do lado de fora, Oscar continuava seu discurso pomposo, acreditando piamente que havia vencido.

— Vocês apenas adiaram o inevitável! — gritou ele, com uma postura exageradamente dramática. — Eu nunca venceria vocês em um combate direto, mas sabem o que vence batalhas? Não são os músculos, nem as espadas afiadas, mas sim a mente! Eu sou o mestre dos planos, o estrategista mais genial que já existiu! Lembrem-se deste dia!

Enquanto Oscar continuava a vangloriar-se, dentro da caverna a situação era cada vez mais desesperadora. As explosões lá fora fizeram com que estalactites despencassem do teto, obstruindo parte do caminho de volta ao santuário de Sebastian. O grupo sabia que o caminho estava comprometido, e cada segundo que passava, o gás os afetava mais.

Xin tentou comunicar algo, mas suas mãos começaram a endurecer, a paralisia tornando-a incapaz de fazer qualquer sinal. Seu olhar era aflito, mas ela manteve o controle, buscando uma forma de ajudar.

Takashi, ainda no chão, olhava para seu arco com determinação. Seu corpo resistia, mas ele tentava ignorar a dor.

— Ainda posso disparar... uma última flecha... — murmurou ele, preparando-se com todo o esforço que conseguia reunir.

Enquanto o gás continuava a encher a caverna e a mente de todos tentava processar uma solução, Erina e Kenshiro trocaram olhares. Eles sabiam que precisavam agir rápido, antes que o efeito fosse devastador demais para qualquer um deles reagir.

Foi então que ambos tomaram uma decisão arriscada. Sabiam que o membro mais único do grupo precisava ser chamado, mesmo que o uso de tal poder fosse reservado para momentos extremos.

— Kaji! — gritaram eles em uníssono, suas vozes ecoando pelo interior da caverna. — Atenda ao nosso chamado!

***

Do lado de fora, Oscar finalizava seu monólogo, ignorante do que se passava.

— ...e com minha mente, eu dominarei o mundo! — exclamou ele, com uma confiança arrogante.

Um silêncio profundo pairou no ar, sem nenhum som vindo da caverna. Oscar sorriu satisfeito, acreditando que o grupo já estaria completamente imobilizado pelo gás paralisante. Com um gesto de mão, ele ordenou que seus homens avançassem.

— Tragam-nos para fora, amarre o escudo com uma corda. Parece que nem eles conseguiram movê-lo — riu, confiante na vitória.

Mas antes que qualquer um dos bandidos pudesse se aproximar, um som agudo e grave, como o toque sinistro de uma trombeta, cortou o ar. O ruído parecia vir de dentro da própria terra, penetrando o coração de cada um dos homens. O som não era apenas físico, mas psíquico, um presságio de morte iminente.

Subitamente, Kaji surgiu atrás de Oscar, emergindo da escuridão com a força de um inferno vivo. Sua forma era imponente, um verdadeiro demônio de fogo e lava, com cerca de três metros de altura. Sua armadura alaranjada, composta de metal derretido e rochas vulcânicas, era adornada com chifres e espinhos, cada rachadura emitindo vapor em altos silvos. Era o sinal claro de que Kaji estava furioso, e qualquer um que ousasse se aproximar pagaria o preço.

Oscar tentou comandar seus homens, mas sua voz se perdeu no medo. Seus lábios tremeram, e ele apenas conseguiu emitir um som gaguejante antes que o pânico tomasse conta de sua tropa. O caos explodiu.

Gritos desesperados e lamentos se misturaram ao rugido das chamas de Kaji. Os bandidos que tentaram resistir foram imediatamente engolidos por labaredas tão intensas que suas armaduras derreteram, e os que tentaram fugir se viram presos por uma barreira de fogo que Kaji ergueu ao redor do campo. A simples proximidade com o ar ao redor de Kaji era sufocante, queimando a pele e os pulmões. Ninguém escaparia. A vingança de Kaji seria completa.

Dentro da caverna, labaredas e explosões ecoavam pelo ambiente, sacudindo as paredes de pedra. Sebastian, mantendo a calma, administrava um óleo medicinal nos membros do grupo. Ele retirou o frasco de uma de suas bolsas, aplicando o líquido com destreza. O óleo aliviava a rigidez muscular causada pelo veneno, permitindo que Kenshiro, Erina, Xin e Takashi começassem a recuperar lentamente o movimento.

— Esse óleo é eficaz, mas as movimentações ainda estarão lentas por algum tempo — explicou Sebastian, enquanto passava o líquido nas articulações de Takashi. — Precisamos ganhar tempo até que o efeito passe por completo.

— Como sabe o que fazer? — questionou Takashi, a voz ainda entrecortada pela tensão.

— Kenshiro me disse que já havia encontrado esse gás antes. Tive a sorte de ter comigo o óleo necessário para contrabalançar os efeitos — respondeu Sebastian, com um sorriso contido. — Vamos apenas agradecer que o vampirismo também tem seus benefícios quando se trata de adquirir conhecimento ao longo dos séculos.

Do lado de fora, os gritos dos bandidos começaram a diminuir. Poucos minutos depois, o som das chamas também cessou. O silêncio que se seguiu era mais assustador do que o caos anterior. Apenas o eco dos passos pesados de Kaji podia ser ouvido, cada passo fazendo o chão tremer levemente. Finalmente, a voz imponente e autoritária de Kaji soou na entrada da caverna.

— Mestre Kenshiro, madame Erina, vocês já podem sair — disse ele.

Com esforço, Erina empurrou o escudo que bloqueava a entrada, liberando a passagem para o grupo. Quando finalmente emergiram, depararam-se com uma visão infernal. O campo onde Oscar e seus homens estiveram agora era um cemitério carbonizado. Corpos enegrecidos, esqueletos fumegantes e pilhas de cinzas estavam espalhados por todo o terreno. Alguns corpos ainda estavam parcialmente derretidos, enquanto outros tinham sido completamente consumidos pelas chamas, deixando apenas o pó.

No meio desse cenário apocalíptico, apenas uma figura ainda se movia, rastejando pelo chão com dificuldade: Oscar. Seu corpo estava praticamente ileso, exceto por sua expressão de terror absoluto.

— E-eu sei que começamos com o pé esquerdo... — ele começou a dizer, a voz embargada de pavor. — Mas viram como eu os enganei? Eu sou útil! Se aceitaram um vampiro no grupo, podem me aceitar também, certo? Posso ser de grande ajuda! Eu...

Erina se aproximou dele com passos firmes, agachando-se diante de Oscar para olhá-lo de cima. Seus olhos, frios, avaliavam o homem sem piedade. Ela escutou suas palavras, mas não havia compaixão em sua expressão.

— O veneno que você usou... — disse ela lentamente. — Ou melhor, a "fragrância." Você é de Sombriavil, não é?

Oscar, surpreso, arregalou os olhos.

— Como você...?

— Sei que Sombriavil é uma região esquecida pelo Império, onde eles mandam os indesejados. Superpopulação, fome, violência... muitos de vocês se tornam bandidos para sobreviver, não é? — Erina suspirou, como se refletisse por um breve momento, antes de lançar-lhe um olhar gélido. — Mas você não é um simples ladrão. Você mata e viola inocentes, mulheres e crianças. Isso te faz um monstro, Oscar. E monstros como você... me lembram de outro que eu preferia esquecer.

Oscar tentou falar, mas as palavras travaram em sua garganta.

— Se hoje fosse um dia comum, talvez eu poupasse você — continuou Erina, sua voz sombria e fria como aço. — Mas já que você me fez lembrar de coisas que preferia não reviver... terei que tomar providências.

Ela se levantou, olhando para Kaji.

— Kaji, marque-o.

Oscar começou a implorar, sua voz um misto de desespero e incredulidade, mas antes que pudesse protestar, a mão gigante de Kaji agarrou sua cabeça. A temperatura ao redor aumentou instantaneamente. Kaji fez sua armadura brilhar, queimando a carne de Oscar com uma precisão cruel. Ele manteve o calor em um nível que não o mataria, mas garantiria uma dor insuportável.

Oscar gritava em agonia, o som de sua carne queimando ecoando pelo campo. Quando Kaji finalmente o soltou, seu rosto, pescoço e couro cabeludo estavam desfigurados. Ele nunca mais seria o mesmo.

Consumido pela dor e pela humilhação, Oscar tentou pegar uma espada para acabar com sua vida, mas, apesar da agonia, seu orgulho o impediu de terminar o ato. Envergonhado e mutilado, ele fugiu, seus gritos ecoando pela caverna enquanto se perdia na escuridão.

***

Retornando à carruagem, o grupo estava exausto, tanto físico quanto emocionalmente. O efeito da fragrância ainda pairava sobre seus corpos, deixando seus movimentos lentos e pesados. O ambiente ao redor parecia abafado, e todos aguardavam pacientemente o alívio total do veneno.

Takashi, incomodado pelo silêncio, decidiu romper o gelo.

— Quando vocês passaram por algo parecido? — perguntou ele, tentando entender o motivo da frieza de Erina e Kenshiro sobre o assunto.

Ambos o fitaram com um olhar duro, carregado de memórias que nenhum dos dois desejava reviver. Kenshiro desviou o olhar para o horizonte, enquanto Erina simplesmente apertou os punhos, suas cicatrizes emocionais claramente despertadas. Não era um tema para ser discutido, não naquele momento.

Sentindo o peso da tensão crescente, Sebastian, sempre observador, tentou suavizar o clima com uma observação casual.

— É realmente impressionante a diferença entre um Servo de fogo e um elemental de fogo... — disse ele, com um leve sorriso, seus olhos fixos em Kaji, que agora se preparava para voltar à forma de corcel.

— Essa é a primeira vez que você vê um Servo? — Kenshiro perguntou, ainda com um tom sério, mas buscando uma conversa mais leve.

— Sim — respondeu Sebastian, com um tom mais descontraído. — Você não é o primeiro Descendente que encontro, nem o primeiro Torison. Mas é raro ver um Servo fora da proteção de seu lar. Normalmente, eles são mantidos por gerações dentro de seus clãs, por medo de perder o controle ou de serem caçados.

Kaji, que até então permanecia em silêncio, ergueu a cabeça com orgulho antes de falar.

— Onde mestre Kenshiro e madame Erina estiverem, será minha casa — disse ele, sua voz firme e leal, antes de sua imensa forma começar a mudar, transformando-se em um corcel imponente e de aparência quase mitológica, com seu corpo ainda irradiando o calor remanescente do combate.

Xin, ainda sentindo os efeitos do óleo que Sebastian havia aplicado em seus músculos, olhou para o vampiro com curiosidade. Movimentando-se lentamente, ela gesticulou para chamar a atenção dele e perguntou, em sua linguagem de sinais, sobre o conhecimento que ele possuía em alquimia e outras áreas.

Sebastian captou rapidamente, apreciando sua curiosidade.

— Bem... — começou ele, passando os dedos longos pelo queixo, pensativo. — Além das habilidades inerentes ao meu sangue, como força e agilidade aprimoradas, a alquimia é, de longe, o campo onde mais me especializei. Fui treinado há milênios por uma bruxa antiga e belíssima. Claro, neste mundo, as combinações de plantas e ingredientes são infinitas. Estou constantemente aprendendo, e admito que essa fragrância era algo completamente novo para mim. — Ele olhou para Kenshiro, que permanecia quieto, e completou: — Uma experiência intrigante, para dizer o mínimo.

O comentário de Sebastian trouxe um breve momento de reflexão ao grupo. O vampiro tinha vivido tanto, visto tanto, e, no entanto, ainda encontrava surpresas e desafios, como todos eles.

Kenshiro e Erina, ainda absortos em seus próprios pensamentos, caminharam até seus lugares na carruagem sem dizer uma palavra, o peso de experiências passadas os mantendo distantes da conversa.

— Vamos, subam todos — ordenou Erina, finalmente, com sua voz decidida. — Chegaremos em Eldoria amanhã.

Com um leve aceno, o grupo obedeceu. Takashi ajudou Xin a subir, e Sebastian, com seu equilíbrio inato, preferiu tomar posição no topo da carruagem, onde poderia vigiar o horizonte com facilidade. Apesar de tudo, ele estava em paz, como se cada movimento da carruagem fosse uma dança que ele já conhecia bem.

Kaji, agora um corcel imponente, posicionou-se na frente, e assim, sem mais delongas, o grupo partiu em direção à próxima fase de sua jornada. O ar ainda carregava um leve aroma de cinzas e vapor, lembrando-os da fúria recente de Kaji, mas a estrada à frente os aguardava, trazendo com ela novos perigos e mistérios em Eldoria.



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