Volume 1 – Arco 3

Capítulo 21

O grupo seguia pela estrada em silêncio, a atenção voltada aos arredores. O dia estava ensolarado, o céu sem nuvens, uma paisagem que, em tempos de paz, poderia ser apreciada como um presente dos deuses. Mas a jornada que trilhavam era perigosa demais para se darem ao luxo de relaxar; pelo menos durante o dia.

— Alguém está à frente — disse Takashi, a voz baixa e séria.

Erina e Kenshiro trocaram olhares rápidos, impressionados pela percepção aguçada do arqueiro. Segundos depois, avistaram a figura que Takashi havia mencionado: um homem solitário, com vestes longas tingidas de branco e detalhes dourados, símbolos de cruzes bordados em suas roupas, e um chapéu estranhamente comprido que balançava com o vento. Sua postura desajeitada e seu nervosismo eram evidentes. Ele os avistou também e, com um aceno desesperado, correu na direção da carruagem.

Erina fez sinal para Kaji parar, e a carruagem diminuiu o ritmo.

— Graças a Deus! Pensei que ninguém iria parar para mim... — disse o homem, ofegante, assim que alcançou o grupo.

— Precisa de uma carona? — perguntou Erina, sem esconder seu tom rude e desconfiado.

O clérigo ajeitou o chapéu, tentando recuperar a compostura, claramente incomodado com a atitude dela.

— Desculpem-me, senhorita... Mas vocês não seriam mercenários ou aventureiros? — perguntou, observando mais atentamente a formação do grupo. — Já faz um bom tempo que não vejo pessoas como vocês por essas estradas...

Os olhares de Erina e Kenshiro se encontraram, e por um momento eles perceberam a imagem que projetavam: uma cavaleira de armadura pesada, um espadachim ágil, um arqueiro sombrio e uma jovem misteriosa. Além, é claro, da carruagem grande e imponente puxada pelo cavalo flamejante. Não era difícil entender por que o homem estava nervoso.

Os mercenários e aventureiros tinham sido comuns no continente, cada um com suas habilidades especiais, ofereciam seus serviços por recompensas ou exploravam ruínas em busca de tesouros. No entanto, nos últimos anos, muitos desses grupos começaram a desaparecer, especialmente com o aumento do controle imperial e as ameaças crescentes das criaturas sobrenaturais.

— Sim, somos aventureiros — disse Erina, firme. — Estamos com pressa, então diga logo o que precisa.

O clérigo gaguejou, o nervosismo evidente em sua voz.

— V-vejam bem, eu estava em uma caverna próxima, procurando plantas medicinais. Mas me deparei com uma criatura... uma monstruosidade! Fugi com o que pude, mas deixei para trás meus pertences... e não posso voltar sem eles.

Kenshiro estreitou os olhos, avaliando o homem de cima a baixo, enquanto Xin, com gestos rápidos, expressou suas suspeitas de que ele poderia ter roubado esses “pertences” de seus superiores. O clérigo desviou o olhar, sem ousar se defender.

— O que você deixou para trás que é tão importante? — perguntou Erina, cruzando os braços.

— Uma enciclopédia de plantas medicinais... e alguns objetos sagrados que trouxe comigo para proteção — respondeu o homem, os olhos arregalados.

— Esses objetos — começou Kenshiro, com um tom mais sombrio — você os trouxe com permissão?

O clérigo tremeu, incapaz de esconder o nervosismo. Ele abaixou a cabeça e murmurou algo inaudível.

— Não importa — interrompeu Erina. — O que pode nos oferecer em troca? Não fazemos nossos serviços de graça.

A tensão no ar aumentou quando o homem ficou pálido, suas pernas começando a vacilar. O desespero estava estampado em seu rosto.

— Eu... eu não tenho muito — balbuciou, caindo de joelhos diante deles. — Mas posso lhes dar algumas poções que preparei... É tudo o que tenho...

Ele bateu a testa no chão, em súplica. O grupo permaneceu em silêncio por um momento, observando a humilhação do homem. Xin trocou olhares com Takashi, que mantinha sua expressão impenetrável. Kenshiro parecia pronto para recusar a oferta, mas Erina suspirou.

— Está bem — disse Erina finalmente, tirando a carruagem da estrada. — Vamos ajudá-lo.

***

Enquanto o grupo começava a seguir o clérigo em direção à caverna, deixando Kaji para guardar a carruagem, o silêncio foi preenchido apenas pelo som de passos cautelosos e o farfalhar das árvores. Mesmo que o dia estivesse claro e o céu ainda azul, uma sensação de inquietação crescia entre eles. A menção de uma criatura monstruosa pendia no ar como uma sombra invisível, e todos, silenciosamente, preparavam-se para o pior.

— Vocês não têm ideia de quanto tempo esperei por alguém aparecer... Achei que encontraria uma patrulha imperial, mas parece que estão atrasados hoje. — O tom do clérigo soava cansado, quase derrotado.

Xin ergueu uma sobrancelha, gesticulando calmamente. Explicou que aquela estrada levava para uma cidade livre, logo o Império não patrulhava. Suas mãos se moviam com precisão, mas seus olhos mostravam vigilância.

O clérigo franziu a testa, incomodado pelo silêncio repentino.

— Você entendeu o que ela disse? — perguntou Erina, sua voz carregada de impaciência.

— Desculpe-me... — O homem gaguejou, nervoso. — Não faço ideia do que sua amiga está fazendo...

Erina sentiu um arrepio estranho percorrer seu corpo. Uma sensação crescente de raiva e desprezo a invadiu. Seu punho se fechou, e por um breve momento, ela considerou a possibilidade de matar o clérigo ali mesmo. Mas logo afastou esse pensamento.

— Estamos chegando — murmurou o clérigo, sua voz trêmula enquanto apontava para frente.

Erina respirou fundo e voltou sua atenção para a caverna à frente. A largura de seu escudo poderoso tornava impossível passá-lo pela estreita entrada. Relutante, ela o deixou ao lado da rocha, sabendo que ninguém ali conseguiria retirá-lo.

Kenshiro preparou duas tochas improvisadas com eficiência e as acendeu.

Erina liderou o grupo, seguida por Xin, o clérigo ainda hesitante, Takashi, e Kenshiro fechando a formação.

Uma gota d'água pingou na cabeça de Xin, fazendo-a olhar para cima. As estalactites pareciam ameaçadoras, prontas para despencar a qualquer momento. Sua respiração acelerou, e ela apertou o chicote em sua mão, cada vez mais consciente do perigo.

Takashi, andando um pouco atrás, pisou em algo pegajoso e olhou para o chão. Fezes esbranquiçadas, provavelmente de algum animal. Ele franziu o cenho, mas decidiu seguir em frente, o cheiro pútrido impregnando o ar.

O clérigo, por outro lado, suava abundantemente. Seus dedos estalavam de nervosismo, e ele tremia tanto que mal conseguia segurar sua tocha.

— Para de estalar esses malditos dedos ou corto suas mãos fora — disse Kenshiro em um sussurro ameaçador, a frieza em sua voz deixando claro que não era uma piada.

— D-d-desculpa... — balbuciou o clérigo, visivelmente aterrorizado.

À medida que avançavam, o túnel apertado enfim se expandiu, revelando uma câmara ampla. O teto apresentava um buraco por onde a luz do sol e a chuva nutriam a vegetação que crescia ali. Em um primeiro momento, o local parecia um pequeno santuário natural, mas a ilusão logo se desfez ao verem o sangue e os cadáveres espalhados pelo chão.

Dúzias de morcegos mortos cobriam o solo, seus corpos minúsculos, cerca de 30 centímetros, destroçados como se fossem presas fáceis. Eles eram de uma espécie rara, sem garras ou presas, indefesos. E próximos a eles, três corpos humanos, dilacerados até se tornarem irreconhecíveis.

Em cima de um dos corpos, um homem estava sentado.

Suas vestes antigas e elegantes davam-lhe um ar nobre e atemporal. Usava um manto negro que o cobria da cabeça aos pés, com um colete marrom-escuro por baixo. De sua boca, uma linha fina de sangue escorria. Quando ele a abriu, revelou seus dentes, com caninos proeminentemente afiados.

Um vampiro.

Seus olhos rubros encontraram o grupo com uma indiferença assustadora, enquanto o clérigo, incapaz de controlar o pavor, deu um grito e fugiu correndo, lágrimas escorrendo por seu rosto enquanto implorava por sua vida.

O vampiro se levantou lentamente, seus movimentos calculados, e começou a caminhar na direção deles.

Erina ergueu a mão, mantendo sua postura firme.

— Abaixem as armas — ordenou com calma.

Kenshiro imediatamente obedeceu, soltando a empunhadura de sua espada e se colocando em uma postura defensiva, mas sem atacar.

Xin e Takashi, no entanto, mantinham-se tensos. Os olhos de Xin seguiam cada passo do vampiro, o chicote em sua mão pronto para desferir um golpe letal. Takashi, com o arco puxado ao máximo, preparava-se para disparar.

Antes que qualquer um deles pudesse agir, Kenshiro, com um movimento rápido e preciso, jogou ambos ao chão, suas armas caindo perigosamente perto de seus rostos.

— Não ouviram a ordem? — sibilou ele, a irritação evidente.

— Vocês ficaram loucos?! — gritou Takashi, incrédulo.

Xin, por sua vez, permaneceu em silêncio, sabendo que o menor movimento poderia ser fatal naquele momento.

Os três observaram com apreensão enquanto Erina, com passos firmes, deixava o grupo e se aproximava do vampiro, seus olhos fixos nos do morto vivo.

— Interessante... — disse o vampiro, seus olhos vermelhos se fixando em Erina com um cansaço perceptível. Sua voz, áspera e ameaçadora, soava surpreendentemente jovem. — Vocês não são os primeiros que o falso clérigo traz até aqui, mas são os primeiros que não me atacaram de imediato. Me pergunto o porquê...

— O clérigo me deu razões para desconfiar dele — respondeu Erina, firme. — Quanto a você, parecia apenas estar defendendo seu covil. Preferi dar o benefício da dúvida.

O vampiro sorriu de leve, levando a mão à testa em um gesto exagerado e teatral, como se encenasse um personagem.

— Estou comovido com sua conduta, senhorita. Mas devo adverti-la: qualquer outro vampiro teria se lançado sobre você sem hesitar, só para beber seu sangue e ganhar sua força.

Erina retribuiu com um sorriso desafiador.

— Acredite, isso não acabaria bem para ele.

Percebendo que o vampiro parecia mais civilizado do que esperavam, Xin e Takashi relaxaram suas posturas. Kenshiro, então, fez um leve gesto para que eles se levantassem, mas seu olhar os advertia para não baixarem a guarda completamente.

— Agora que estamos todos mais calmos, permitam-me apresentar... — O vampiro cuspiu uma quantidade considerável de sangue no corpo de um dos bandidos mortos. Sua pele, já pálida, ficou ainda mais branca. — Eu me chamo Sebastian Drakul, e gosto de pensar que sou o primeiro vampiro animalista.

Sebastian se inclinou em uma reverência elegante, o braço posicionado de forma cerimonial, como um cavalheiro que saúda uma dama ou um rei.

— Eu sou Erina Waltz. Aquele é meu marido, Kenshiro Torison, e estes são meus companheiros, Xin e Takashi — disse Erina, fazendo as apresentações com a mesma formalidade que Sebastian demonstrava.

O vampiro sorriu e balançou a cabeça, apreciando a cortesia.

— Ah, a formalidade... — ele riu suavemente. — Reconheço que meu estilo é um tanto antiquado. Talvez seja eu quem precise me adaptar ao mundo, e não o contrário.

Xin, curiosa, fez um sinal perguntando o que Sebastian quis dizer com "vampiro animalista". Ele sorriu, parecendo satisfeito em compartilhar sua filosofia.

— Peço desculpas pela primeira impressão. Provei do sangue daquele homem morto apenas para garantir que minha dieta estava funcionando. — Ele apontou para o corpo dilacerado no chão. — Ao contrário da maioria da minha espécie, eu me alimento exclusivamente de carne e sangue animal, e não humana.

— E sua dieta está funcionando? — perguntou Takashi, ainda desconfiado, os olhos semicerrados.

— Ah, sim. — Sebastian sorriu com malícia. — O sangue humano, que antes era uma iguaria sem igual, agora me parece... mijo.

Xin ergueu as sobrancelhas, intrigada, e gesticulou mais uma pergunta: como ele havia conseguido tal feito?

— Vocês talvez não saibam, mas nós, vampiros, éramos chamados de Quiropterantropos. Fazíamos parte da grande família dos Teriantropos.

Os rostos confusos do grupo fizeram Sebastian se deter. Ele suspirou, tentando simplificar.

— Há muitas eras, humanos consumiram a carne de feras mágicas e, assim, adquiriram seus poderes e até suas formas. O mais famoso desses casos é o lobisomem, ou Licantropo, como é chamado corretamente. Mas havia outros: homens que se transformavam em touros, cobras, até dragões. Os vampiros foram apenas uma dessas variações.

Ele fez uma pausa para tomar um pequeno frasco de sangue de seu bolso, bebendo rapidamente. Sua pele recuperou um leve tom rosado, mais próximo do de um humano.

— Continuando... Havia uma espécie de morcego que se alimentava de sangue animal. Mas, com o tempo e a magia que permeia todos os seres vivos, esses morcegos começaram a buscar sangue humano, não por necessidade, mas por poder. Isso corrompeu minha espécie. As variantes vampíricas que se alimentavam de animais foram quase todas destruídas, sobrando apenas os que hoje conhecemos como predadores de humanos.

Enquanto falava, Sebastian se moveu pelo covil, pegando frascos e plantas e colocando-os em uma pequena bolsa de couro. O grupo o observava com atenção, absorvendo suas palavras.

— Obviamente, por causa dessa fome por sangue humano, nós, vampiros, fomos caçados. Cansado de ver tantos da minha espécie sendo mortos, decidi evoluir. Voltei a me alimentar apenas de sangue e carne animal, na esperança de que, um dia, vampiros e humanos possam coexistir.

— É um objetivo nobre — comentou Erina, sua voz neutra, mas ponderada. — Mas o que exatamente você estava tentando fazer aqui?

Sebastian parou de arrumar seus frascos e olhou para os morcegos mortos com um olhar triste.

— Estava criando esses morcegos para serem como eu: alimentando-se apenas de sangue animal. Gerações de cruzamentos e dietas os fizeram perder suas garras e dentes, deixando-os indefesos. Irônico, não? Minhas tentativas de salvar minha espécie acabaram matando-os.

Xin, visivelmente tocada, perguntou por meio de sinais o que Sebastian pretendia fazer agora.

— Ora, o que mais? Vou viajar com vocês! — disse ele, sorrindo largamente.

O grupo olhou para Erina, esperando sua decisão.

— E por que eu deixaria você se juntar a nós? — perguntou Erina, encarando-o com seriedade.

— Acredite, posso ser bastante útil. Não existem muitos vampiros por aí com minha perspectiva. E você poderia usufruir de habilidades que só um de nós pode oferecer.

— E por que eu deveria confiar em você? — rebateu Erina, sua expressão inabalável.

— Serei honesto... você não pode. Mas para alguém como eu, passar um século ao seu lado não é mais do que uma breve pausa. — Ele riu baixinho, amargo. — Preciso esfriar a cabeça. Perdi meus filhos... E vocês parecem a companhia ideal.

Erina ficou em silêncio, meditando por alguns instantes. Seus olhos não saíam dos de Sebastian, como se tentasse ler suas intenções.

— Está bem. Mas não cause problemas — respondeu ela finalmente, virando-se para sair.

Takashi, irritado, segurou o ombro de Erina.

— Você vai confiar nele? Ele é um vampiro! Pode nos matar enquanto dormimos! Eles são manipuladores por natureza... Como sabemos que ele não está nos enganando?

Xin rapidamente puxou Takashi pela camisa, gesticulando com firmeza para que ele se acalmasse. Não era hora para discutir.

Erina, sem sequer olhar para trás, afastou a mão de Takashi e continuou caminhando. O grupo a seguiu em silêncio, com exceção de Takashi, que ficou para trás, hesitando.

Sebastian, vendo a hesitação, colocou a mão suavemente no ombro de Takashi.

— Takashi, sei que algum dia esquecerei seu rosto. Mas estou ansioso para conhecê-lo enquanto isso não acontece.

O vampiro sorriu e seguiu com o grupo, deixando Takashi pensativo.

“Devo mesmo continuar com eles?”, ele se perguntou, considerando suas opções.



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