Volume 1 – Arco 3

Capítulo 20

O grupo, composto por Erina, Kenshiro, Xin e Takashi, seguiu em silêncio durante boa parte da viagem. Erina mantinha todos em alerta, exigindo que focassem nos arredores, sem tempo para conversas. Somente ao cair da noite, quando montavam o acampamento, tinham a chance de desabafar sobre os pensamentos e preocupações que acumulavam durante o dia.

Xin, ironicamente, era a que mais demonstrava vontade de falar. Suas mãos gesticulavam com entusiasmo, formulando palavras tão rapidamente que até Kenshiro tinha dificuldade em acompanhá-las. Ver o entusiasmo de Xin trazia um sorriso discreto a Erina, que se esforçava para responder ao máximo que podia.

Takashi, por outro lado, era mais reservado. Falava pouco sobre o que o incomodava, e suas respostas breves costumavam encerrar as conversas rapidamente, frustrando quem tentava se aproximar.

Haviam combinado que Erina e Xin ficariam encarregadas de montar o acampamento, enquanto Kenshiro e Takashi procurariam algo para comer.

Naquela noite, Xin, enquanto organizava a fogueira, perguntou por que Erina nunca tirava sua armadura, nem para dormir. A perguntar fez Erina hesitar ao responder, seu semblanta havia se apagado, mas logo ela voltou a sorrir, tentando parecer relaxada.

— Não se preocupe. Esta armadura é mais confortável do que parece.

Xin sabia que aquela desculpa escondia algo mais profundo, mas decidiu não insistir. Talvez Erina ainda não confiasse o suficiente para revelar seu segredo.

Enquanto isso, Kenshiro e Takashi estavam envolvidos em uma pequena competição de caça. Separaram-se na floresta, com o acordo de retornar ao acampamento assim que o sol desaparecesse no horizonte. Quando a noite caiu, ambos voltaram ao mesmo tempo.

Takashi trazia um cervo sobre os ombros, enquanto Kenshiro carregava duas dúzias de coelhos. A quantidade exagerada fez Erina balançar a cabeça, desaprovando a cena.

— Vocês acham que estamos alimentando um exército? — perguntou ela, cruzando os braços. — Bem, ao menos podemos defumar ou salgar o que sobrar para não desperdiçarmos.

Enquanto Kenshiro salpicava a carne, Erina preparava o cervo para assar sobre a fogueira. Kaji, sem perder tempo, intensificou as chamas, apressando o cozimento.

Sentados ao redor da fogueira, Takashi quebrou o silêncio com uma pergunta inesperada:

— Por que vocês dois são sempre tão sérios?

Erina e Kenshiro se entreolharam, forçando Takashi a reformular.

— O que tanto os preocupa? Você, Erina, exige que fiquemos atentos o tempo todo, e de noite, Kenshiro e Kaji quase não dormem. O que os preocupa tanto?

Xin concordou com um aceno de cabeça, sugerindo que a razão para Erina nunca tirar a armadura talvez fosse o medo de ser pega desprevenida.

Sentindo o peso das dúvidas de seus companheiros, Erina suspirou e decidiu compartilhar algo:

— Nossa jornada... não é das mais seguras. Ainda não posso contar tudo, mas saibam que estamos em constante perigo.

Xin, inquieta, perguntou por que não podiam revelar mais detalhes.

— A verdade — respondeu Kenshiro, em tom gélido — é que ainda não confiamos em vocês. Se contássemos tudo e vocês decidissem desistir, eu seria obrigado a matá-los.

A seriedade de suas palavras fez um arrepio percorrer as costas de Xin e Takashi. Ambos perceberam que Kenshiro falava sério.

Takashi, que já havia cogitado deixar o grupo ao encontrar seu sucessor, sentiu-se incomodado. A ideia de não ser confiável o atingiu, e ele não sabia se era por orgulho ou algo mais profundo, mas queria provar seu valor.

— Esta noite... eu faço a vigília — ofereceu Takashi.

— Por que você? — questionou Kenshiro, desconfiado.

— Já é a terceira noite que você não dorme. Cochilos rápidos durante o dia não serão suficientes para você descansar de verdade. Podemos revezar, se for necessário.

Xin, ansiosa em também demonstrar seu valor, rapidamente se prontificou a ajudar na vigília, brincando que, se fosse preciso, faria um grande barulho para acordá-los.

Kenshiro e Erina se entreolharam novamente, dessa vez sem a mesma tensão de antes. Riram, quebrando o clima sério que havia se formado.

Xin, envergonhada, exigiu que os levassem mais a sério.

— Vocês estão tão ansiosos para provar algo? — perguntou Erina, ainda sorrindo. — Tudo bem, vamos dar um voto de confiança.

Takashi e Xin se inclinaram, prontos para ouvir algo revelador, mas Kenshiro foi direto:

— Esta noite, vocês ficam de vigília. Nós vamos descansar.

Surpresos, ambos assentiram em silêncio.

Erina finalmente retirou a armadura, ficando apenas com suas roupas casuais, revelando sua figura esbelta. Xin, sem querer, comparou-se a ela e sentiu-se intimidada.

— Boa vigília — disse Erina, deitando-se.

Kenshiro acenou com a cabeça antes de se deitar ao lado dela, passando o braço por cima de sua cintura, enquanto o rosto de Kaji desaparecia nas chamas, sinalizando que também descansava.

Agora, Xin e Takashi estavam completamente sozinhos.

***

Takashi mantinha os olhos atentos aos arredores. Cada som de pássaro, farfalhar de folhas ou leve brisa captava sua atenção. Talvez estivesse sendo paranoico, ou fosse a vontade de provar seu valor que o levava a procurar perigos inexistentes.

Xin, por sua vez, mexia na lenha da fogueira, imaginando se, de alguma forma, poderia estar incomodando Kaji enquanto ele dormia. Curiosamente, o cavalo flamejante permanecia de pé, mas suas chamas estavam mais fracas que o habitual.

Desviando o olhar, ela analisou a armadura de Erina, percebendo o quão pesada ela devia ser. Não havia como alguém movê-la sem um grande esforço.

Tentando chamar a atenção de Takashi, Xin fez alguns sinais com as mãos, mas ele estava concentrado demais. Sem alternativas, atirou uma pequena pedra, que ele agarrou no ar antes que o atingisse.

Sem querer despertar os outros, Takashi perguntou em Signês o motivo daquilo. Xin, levemente irritada, deixou cair um prato de metal, que fez um barulho estrondoso. Takashi ficou pálido de medo.

Mesmo assim, o casal e Kaji continuaram a dormir.

Xin explicou que os três estavam em um sono profundo. Erina, por gastar muita energia com sua armadura, comia mais que os outros e tinha o sono mais pesado. Kenshiro, embora fosse capaz de dormir com os olhos e ouvidos atentos, estava esgotado após quase três noites sem descanso. Já Kaji só despertaria quando um de seus mestres acordasse.

Aproveitando o momento, Xin pediu que Takashi falasse normalmente; ela não precisava ser tratada de forma especial.

— Certo, certo... — respondeu Takashi, ainda surpreso com a ousadia da amiga. — Mas por que me chamou?

Xin disse que queria apenas conversar.

— E se algo ou alguém aparecer? — retrucou Takashi, preocupado.

Ela o encarou com ceticismo, inclinando levemente a cabeça e arqueando uma sobrancelha em desapontamento.

— Já entendi... Sobre o que quer conversar?

Xin relaxou, então perguntou por que ele havia se juntado ao grupo, se tinha a intenção de ficar e o que achava de Erina e Kenshiro.

Takashi refletiu por um momento, incomodado com as perguntas, mas, desejando passar o tempo naquela longa noite, começou a falar sobre o que ocorrera no covil dos assassinos. Revelou sua identidade como elfo e Flecha Fantasma.

— Quanto a ficar... — continuou ele. — Não tenho certeza. Às vezes, só quero encontrar meu sucessor e encerrar essa história. Outras vezes, gosto de estar aqui, de viver essas noites ao redor da fogueira, caçando e contando histórias...

Xin, com um sorriso provocador, comentou que ele se tornava mais falante quando aqueles que ele queria impressionar não estavam ouvindo. Takashi, aproveitando a deixa, respondeu à última pergunta.

— Como posso confiar neles o que penso ou sinto se eles não confiam em mim? Deveria ser uma troca justa.

Xin balançou a cabeça em negativa, levantou-se e começou a expor seu ponto de vista.

Explicou que também gostaria de saber mais sobre a jornada e sobre os líderes, mas entendia o motivo da cautela. Em Shenxi, havia aprendido que as famílias Torison e Waltz haviam passado por diversas tragédias, quase sendo extintas, o que as tornara extremamente rigorosas quanto à lealdade.

Quanto à confiança, Erina e Kenshiro precisavam que os membros do grupo tivessem plena convicção neles. Esta jornada, qualquer que fosse sua verdadeira razão, era tão importante que estavam dispostos a matar quem quisesse abandoná-la.

Takashi permaneceu em silêncio, mesmo discordando, não podia negar que existia certa lógica no raciocínio.

O que nenhum dos dois sabia era que Kenshiro estava parcialmente acordado, ouvindo tudo. Seus sentidos, afiados como sempre, captavam os movimentos das mãos de Xin, interpretando-os com precisão.

— E você? — Takashi perguntou, desafiador. — Qual é a sua história?

Xin congelou por um momento, com um olhar assustado, mas respondeu com sinceridade.

Ela não sabia. Tinha certeza de que possuía um passado, mas suas memórias haviam sido apagadas como parte de seu voto de servidão, uma forma de torná-la uma ferramenta fiel. Embora mantivesse suas próprias convicções morais, não sabia se essas eram verdadeiramente dela ou impostas por seu senhor.

O clima ficou pesado. Takashi se levantou e, num gesto inesperado, abraçou Xin.

— Eu também não sei mais quem sou... Flecha Fantasma ou Takashi... Mas, vamos descobrir juntos nesta jornada, certo?

Xin olhou para ele com admiração e, com um sorriso determinado, concordou.

Sem mais palavras, os dois permaneceram de guarda pelo restante da noite, em completo silêncio.

***

— Acordem os dois! — ordenou Erina, jogando um balde de água nos rostos adormecidos de Takashi e Xin.

— O quê? Quando? Onde?! — exclamou Takashi, despertando assustado.

Xin tossia, quase se afogando com o susto.

— Vamos tomar um banho antes de continuarmos a jornada — disse Erina, entregando uma toalha para cada um. — Kenshiro encontrou um rio próximo. Eu e Xin ficaremos um pouco mais adiante para termos privacidade.

Confuso, Takashi se perguntou de onde haviam tirado as toalhas, até ver Kenshiro fechando a porta da carruagem, deixando claro que tinham se preparado melhor do que ele imaginava.

***

No rio, os quatro tomavam banho, enquanto Kaji, no cavalo flamejante, esperava pacientemente à margem. Erina lavava as costas de Xin, que estava visivelmente envergonhada ao notar a diferença entre seus corpos. Erina, por outro lado, achava as reações da jovem adoráveis, quase como as de uma criança.

Xin, ainda desconfortável, ousou perguntar o que a estava incomodando: se mesmo ela não confiando, se ainda gostava deles.

— Sim, é claro que gosto — respondeu Erina com seu típico sorriso confiante. — Se não gostasse, não teria permitido que vocês entrassem no grupo.

Xin se afastou um pouco, encarando Erina de frente, com um olhar nervoso. Ela perguntou por que Erina os havia aceitado no grupo se ainda não confiava neles, se não era melhor confiarem neles primeiro antes de terem recrutado.

Erina sorriu melancolicamente, como se entendesse bem as dúvidas de Xin, e respondeu com calma e gentileza:

— Se tivéssemos tempo, talvez eu fizesse algum tipo de teste para saber se vocês são de confiança, mas nosso tempo é curto... Preciso descobrir isso no decorrer da jornada.

Erina ergueu os braços, espreguiçando-se, o que fez Xin corar ainda mais e afundar na água até o pescoço.

— Takashi, como Flecha Fantasma, é alguém atento, capaz de acompanhar ou até substituir Kenshiro em patrulhas. E precisávamos de alguém para ataques à distância...

Xin, ainda curiosa, perguntou o que Erina via nela, qual havia sido o motivo para tê-la aceitado em seu grupo.

Erina se aproximou de Xin, levantando-a gentilmente da água e limpando seu rosto de maneira delicada, quase maternal.

— Você é tão delicada quanto uma flor... Se eu tivesse uma filha, gostaria que fosse como você. Às vezes, não parece, mas sou tão sentimental quanto Kenshiro.

Xin, envergonhada, insistiu na pergunta. Não queria estar no grupo apenas porque Erina gostava dela.

— Lamento, Xin — disse Erina, séria. — Mas não há outra razão para você estar no grupo.

As palavras atingiram Xin com força.

— Para ser sincera, você é a menos provável de conquistar nossa confiança, e a principal suspeita para ser eliminada no futuro... Mas isso não é culpa sua! — afirmou Erina. — A culpa é do seu voto de servidão. Não sabemos quem você realmente é. Pode estar nos enganando e nem sequer sabe disso.

Xin ficou em silêncio por um momento, refletindo. Sem memórias de seu passado e como escrava-arma de seu mestre, era um milagre Erina ainda não a matado.

Com lágrimas escorrendo pelos olhos, Xin sorriu tristemente e disse em Signês: "Eu não sei quem eu sou de verdade, mas espero que quando meu voto de servidão deixar de existir, que minha vontade de fazer parte de seu grupo seja maior do que é hoje.”

Erina abriu os braços, permitindo que Xin encontrasse conforto neles. Sabia que o destino de Xin só poderia ser um de dois: ou se tornaria uma aliada genuína, ou morreria como traidora.

***

Enquanto isso, rio acima, Kenshiro e Takashi disputavam quem conseguia ficar mais tempo debaixo d’água. Takashi havia aguentado três minutos, enquanto Kenshiro chegara a cinco. Na revanche, Kenshiro desistiu no segundo minuto, já cansado, mas Takashi, sem perceber, passou do limite e perdeu a consciência.

Alarmado, Kenshiro o despertou e, num desabafo, disse:

— Você precisa pegar mais leve... Relaxa um pouco!

Takashi, lembrando-se das palavras de Kuroda, levantou-se rapidamente, tentando disfarçar a situação com indiferença.

Impaciente com o teatro de Takashi, Kenshiro o empurrou de volta para a água, fazendo os dois parecerem duas crianças.

— O que está fazendo?! — perguntou Takashi, envergonhado.

— Me divertindo... E você? — respondeu Kenshiro, tentando boiar na água.

— Como você pode se divertir sabendo que esta jornada é cheia de perigos que podem nos matar? E se formos atacados agora?!

Kenshiro suspirou, desanimado, fechando os olhos por um momento. Depois de alguns minutos de silêncio, começou a falar como se recitasse uma lista:

— Erina e Xin estão a 50 metros de nós. Não consigo ouvir o que conversam, mas eu escutaria seus gritos se algo desse errado. Kaji está nos vigiando, além de estar cuidando da carruagem, e seu sinal de alerta é notável a quilômetros. Nossos equipamentos estão ao lado, prontos para pegarmos. E, mesmo que fossemos atacados, poderíamos nos esconder debaixo d'água ou usar a correnteza do rio a nosso favor; as variáveis são infinitas. Sim, podemos ser atacados a qualquer momento, mas se não tirarmos algum momento para relaxar, vamos enlouquecer em poucos dias.

Convencido, Takashi relaxou, tombando de costas na água enquanto admirava o céu azul.

"Acho que o Kuroda diria algo parecido...", pensou Takashi. "Ele amava a natureza e sua beleza. Talvez eu consiga apreciá-la também, se me esforçar um pouco..."

Com todos mais relaxados, era hora de seguir viagem. Sabiam que a jornada exigiria atenção constante, sem espaço para brincadeiras. No entanto, também sabiam que, quando a noite caísse, um novo momento de descontração os aguardaria ao redor da fogueira.



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