Volume 1 – Arco 2
Capítulo 19.6: Líder*
LEIA COM ATENÇÃO:
Caro leitor,
Este é um capítulo especial e opcional. Não é necessário lê-lo para seguir a história principal. Esses capítulos extras têm como objetivo aprofundar determinados temas como: personagens, grupos ou eventos, e em alguns casos, exploram histórias que não são cruciais para a trama central.
Neste capítulo (Capítulo 19*), você acompanhará a formação dos primeiros Flechas Fantasma, como o arco se tornou mágico, e enfim a história de Hitoshi e do próprio Takashi.
- 1 - Sigmund
- 2 - Hildegard
- 3 - Rudolf
- 4 - Doctrina Hereditas
- 5 - Hitoshi
- 6 - Líder
- 7 - Kuroda
- 8 - Takashi
6 - Líder
Hitoshi caminhava com passos lentos e pesados, sentindo o cansaço acumulado das últimas semanas. Ele não conseguia deixar de notar que a grande montanha que servira de lar durante tantos anos parecia ter diminuído, como se tivesse perdido parte de sua imponência. Mas ele não se importou. A verdade era que, depois de tudo, o vilarejo que um dia chamou de lar era tudo em que ele pensava.
Quando finalmente avistou as ruínas do que um dia fora sua vila, seu coração se apertou. As casas estavam em escombros, e os sinais de destruição eram evidentes. Um profundo silêncio pairava sobre o local, um contraste com as lembranças que ele guardava de uma vila viva e cheia de vozes.
Hitoshi caminhou entre os destroços, analisando com atenção cada detalhe, até que se deparou com os cadáveres de figuras estranhas, suas roupas e armaduras claramente não pertenciam àquele lugar. Foi então que ele entendeu: a vila fora atacada por Renascidos.
Ele parou, tentando processar o que via. As datas não batiam. Pela aparência dos corpos e o estado da vila, o ataque havia ocorrido no mesmo período em que Jango o sequestrara. A confusão se misturou com a dúvida.
“Então... Naquele dia, o Jango me salvou? Não... Só pode ter sido uma coincidência...”
A ideia parecia absurda demais para aceitar, e Hitoshi decidiu seguir adiante, sem rumo definido. Mas, conforme os dias passavam, a solidão o consumia. Mesmo odiando Jango durante anos, agora ele lamentava a morte de seu mestre. O vazio deixado por sua ausência ameaçava quebrá-lo por completo.
Foi nesse momento de crise que seu arco começou a brilhar com uma intensa luz roxa. O arco velho e desgastado que sempre carregara consigo agora mudava diante de seus olhos, transformando-se em uma arma nova e imponente. Ainda chocado com a mudança, Hitoshi tocou o arco, e, assim que o fez, foi transportado para uma visão do passado.
Ele enxergava através dos olhos de Jango, revivendo o dia do sequestro, mas desta vez com um novo entendimento.
Viu Jango observando o vilarejo de longe, pensando em como se aproximar dele e de seu pai sem levantar suspeitas. Mas, então, ele viu o exército de Renascidos se aproximando. Jango sabia que, mesmo sendo poderoso, não teria tempo para salvar todos. Foi quando avistou um Renascido entrando na casa de Hitoshi.
Adentrando a casa rapidamente, Jango disparou duas flechas no Renascido, uma em sua cabeça e outra em seu coração, desintegrando o monstro. O pai de Hitoshi já estava morto, e o jovem ainda estava ali, vulnerável. Jango, sem alternativas, nocauteou Hitoshi e o tirou de lá, teleportando-os para a montanha momentos antes da invasão total.
De volta à realidade, Hitoshi compreendeu o sacrifício de Jango. O sequestro, que ele tanto odiara, não fora um ato de crueldade, mas de salvação. O mestre havia arriscado tudo para salvá-lo, e, ironicamente, também havia aceitado sua própria morte nas mãos do aprendiz. A culpa que Hitoshi sentia por ter matado Jango desapareceu, substituída pela compreensão de que Jango havia desejado esse destino.
Determinando-se a honrar seu mestre, Hitoshi retornou à montanha. Lá, ele enfrentou o urso que havia devorado seu corpo, recuperando os ossos que o animal engolira. Com os restos de Jango em mãos, ele construiu um pequeno túmulo e, pela primeira vez, ofereceu uma oração de gratidão.
Enquanto se ajoelhava diante do túmulo, um nome ecoou em sua mente.
— Flecha Fantasma... — sussurrou ele, como se finalmente entendesse o legado que Jango deixara. — Parece que você decidiu partir na parte mais difícil do meu treinamento, não é? Mas está tudo bem. Eu escutarei tudo o que você e nossos mestres terão para me ensinar.
Agora, com o arco renovado e uma nova determinação, Hitoshi aceitou o manto de Flecha Fantasma. Seu propósito era claro: continuar o ciclo e encontrar seu sucessor, enquanto decifrava os mistérios e habilidades que o arco revelaria.
***
Certo dia, Hitoshi caminhava por uma floresta densa quando sentiu uma estranha energia emanando de uma caverna próxima. A sensação era perturbadora, como se o próprio arco estivesse tentando alertá-lo sobre algo perigoso. No entanto, havia também uma estranha sedução que o atraía para a caverna. Após observar com mais atenção, percebeu que a entrada da caverna estava disfarçada por uma ilusão, camuflada entre as pedras.
“Isso seria medo?”, pensou Hitoshi, sentindo algo incomum percorrer seu corpo. “É a primeira vez que sinto algo assim... Tanto meu instinto quanto meu arco me dizem para fugir, mas há algo que me puxa para dentro... Será o meu sucessor?”
Ele adentrou a caverna, cauteloso.
No fundo, avistou uma criatura corcunda se alimentando de forma feroz. Ao se aproximar, percebeu que não era uma fera, mas um homem moribundo, maltrapilho e tão magro que era um milagre ainda estar vivo. Ele se alimentava de uma barata gigantesca, devorando-a com uma fome desesperada.
— Você veio mesmo... — disse o homem, com a boca cheia, sem nem olhar para Hitoshi.
— Estava me esperando? — perguntou Hitoshi, tentando conter o nojo que sentia.
— Ele disse que você viria... caso eu comesse essa maçã. E você veio mesmo!
Hitoshi olhou para a barata que o homem comia e não pôde evitar de sentir dúvida. O homem estava tão debilitado que parecia estar delirando. Mas, de alguma forma, o arco se acalmou. Não havia mais sensação de perigo. Talvez aquele homem realmente fosse seu sucessor.
Com essa possibilidade em mente, Hitoshi decidiu cuidar do homem, alimentando-o e protegendo-o até que recuperasse a sanidade.
E assim, quase um ano se passou até que o homem pudesse, enfim, se levantar e caminhar por si mesmo.
***
O nome do homem era Mihai.
Mihai, um antigo nobre do Império, havia perdido tudo. Sua família fora caçada e assassinada por ter se oposto ao Bispo e à sua tirania. O jovem escapou por um triz, escondendo-se nas profundezas de uma caverna, onde viveu por anos.
Alimentava-se de qualquer coisa que encontrava e bebia da água de um poço estranho no fundo da caverna. Durante esse tempo, ele desenvolveu uma fé inabalável em uma visão recorrente: a de um homem belo e peculiar que, segundo ele, havia salvado sua vida.
Esse homem, segundo Mihai, era de uma beleza sobre-humana. Sua pele brilhava com um toque etéreo, seus olhos negros como o abismo pareciam capazes de ver através de almas. Seu cabelo escuro flutuava como se estivesse submerso em água, e ele usava uma manta que parecia ser feita de sombras. Sobre sua cabeça, uma coroa de espinhos negros perfurava sua carne, com gotas de sangue escorrendo suavemente pelo rosto, uma visão terrível, mas ao mesmo tempo de uma beleza macabra.
Mihai acreditava que esse homem lhe havia dado uma maçã, prometendo que, se ele a comesse, alguém apareceria para cuidar dele. Ele mordeu a fruta sem hesitar, e não muito tempo depois, Hitoshi o encontrou na caverna.
Apesar da sanidade de Mihai retornar aos poucos, ele nunca deixou de acreditar que esse ser enigmático era real. Talvez, pensava Hitoshi, Mihai tivesse visto algo ou alguém dos antigos mestres de seu arco. Convencido de que era obra do destino, Hitoshi o tomou como aprendiz, acreditando que Mihai poderia ser seu sucessor.
Com o tempo, a relação entre Hitoshi e Mihai transcendeu a de mestre e aprendiz, tornando-se uma amizade profunda. Contudo, apesar de todo o treinamento, o arco nunca aceitou Mihai como sucessor, o que deixava Hitoshi cada vez mais desconcertado.
Foi então que Mihai, após ouvir toda a história de Hitoshi, chegou a uma conclusão:
— E se o ciclo ainda não foi reiniciado? — disse Mihai, interrompendo o silêncio que pairava sobre os dois.
— O que quer dizer com isso? — Hitoshi indagou, confuso.
— Você disse que Jango havia quebrado o ciclo ao fazer algo terrível, algo contra a ética do arco. Isso lhe trouxe juventude e longevidade até que o ciclo fosse reiniciado. E se o que precisa ser feito agora não for algo terrível, mas algo extraordinariamente bom? Algo que quebre a ética do arco de novo, mas em outra direção.
Hitoshi ficou em silêncio por um momento, considerando a ideia.
— Mas o que eu poderia fazer? Jango destruiu uma vila inteira... O que seria grande o suficiente?
Foi então que Mihai, com um sorriso perturbador, sugeriu:
— Vamos libertar as pessoas da tirania do Império!
A ideia de Mihai, por mais audaciosa que fosse, convenceu Hitoshi.
Juntos fundaram uma irmandade de assassinos, recrutando pessoas com habilidades e características que pudessem lembrar um possível Flecha Fantasma. Para Hitoshi, essa seria uma maneira de testar potenciais sucessores enquanto, ao mesmo tempo, lutava por uma causa nobre.
Rapidamente, a irmandade cresceu, tornando-se uma força formidável. Mihai, com sua liderança carismática, se destacou como o “pai” do grupo, cuidando de seus membros com zelo e garantindo que seus contratos fossem moralmente justos. Nenhum inocente seria alvo.
Hitoshi, por outro lado, manteve-se como uma figura icônica de honra e disciplina, alguém que os outros admiravam e buscavam orientação.
Conforme o tempo passava, Hitoshi começou a questionar seu papel. Ao invés de ser o Flecha Fantasma destinado a grandes feitos, ele se via apenas como mais um assassino de aluguel, e isso o consumia. Embora eles estivessem eliminando tiranos e corruptos, não era o suficiente para mudar seu destino ou aliviar o peso que sentia.
Percebendo o estado deprimido de seu amigo, Mihai planejou uma missão ambiciosa: destruir o Império de uma vez por todas. Ele acreditava que, com essa grande ação, o ciclo poderia ser reiniciado, libertando Hitoshi de seu fardo; e saciando a sede de vingança de Mihai.
***
Hitoshi começou a aceitar contratos cada vez mais distantes, se tornando uma figura quase esquecida pela própria irmandade.ç
Em seu último contrato, Hitoshi precisava assassinar o comandante da muralha de Aranost. Ele sabia que essa seria uma das operações mais arriscadas que já tinha feito. Montou seu acampamento em uma posição estratégica, onde poderia ter uma visão clara do alvo e aguardou.
Certa noite, seu arco vibrou em suas mãos, e ele soube que era o momento certo.
Hitoshi armou o arco e, ao fechar os olhos, sentiu o mundo ao seu redor desaparecer. Quando os reabriu, estava em um espaço branco, com apenas ele e o comandante à sua frente. O alvo se movia lentamente, e Hitoshi, vendo seu arco apontado para baixo, apontou sua mira para a cabeça do alvo.
Sem hesitar, soltou a flecha.
O mundo retornou ao normal, e ele viu a flecha luminosa cortando o ar como uma estrela cadente. Hitoshi sabia que seu alvo estava morto, mas algo diferente aconteceu naquela noite.
Desmontando o acampamento, ele foi surpreendido pela aparição de uma pequena criança elfa, um menino que assistira a cena.
— Senhor, pode fazer de novo? — perguntou a criança, seus olhos brilhando de admiração.
Hitoshi sentiu uma emoção intensa em seu peito. Aquilo não era uma simples coincidência. Aquele garoto tinha visto o brilho da flecha. Ele finalmente encontrara o seu sucessor.
Caindo de joelhos, ele abraçou o menino com lágrimas nos olhos.
— Finalmente... eu te encontrei! — disse Hitoshi, sua voz embargada de alívio.
Após décadas de incertezas e dúvidas, aos 80 anos de idade, Hitoshi havia finalmente cumprido seu propósito. O ciclo estava reiniciado, e ele, o último Flecha Fantasma, havia encontrado aquele que continuaria o legado.