O Mundo de Sombras e Ratos Brasileira

Autor(a): E. H. Antunes


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 19.1: Sigmund*

LEIA COM ATENÇÃO:

Caro leitor,

Este é um capítulo especial e opcional. Não é necessário lê-lo para seguir a história principal. Esses capítulos extras têm como objetivo aprofundar determinados temas como: personagens, grupos ou eventos, e em alguns casos, exploram histórias que não são cruciais para a trama central.

Neste capítulo (Capítulo 19*), você acompanhará a formação dos primeiros Flechas Fantasma, como o arco se tornou mágico, e enfim a história de Hitoshi e do próprio Takashi.

  • 1 - Sigmund
  • 2 - Hildegard
  • 3 - Rudolf
  • 4 - Doctrina Hereditas
  • 5 - Hitoshi
  • 6 - Líder
  • 7 - Kuroda
  • 8 - Takashi

1 - Sigmund

Em uma era longínqua, antes das muralhas e cidades se erguerem para proteger os humanos, a vida seguia em sua forma mais simples, brutal e animal. Planícies, florestas e bosques, todos os lugares eram repletos de animais selvagens e criaturas desconhecias, prontos para caçar os humanos como outra presa comum.

Um pequeno grupo de humanos, talvez os primeiros a perceberem a força na união, vivia em uma primitiva vila, onde os laços entre as pessoas eram teias frágeis, sustentadas pelo instinto de sobrevivência.

As cabanas feitas de madeira bruta, barro e folhas eram pouco mais do que abrigos, mas ali, em meio à natureza, os humanos haviam encontrado algo mais valioso do que o conforto: a resiliência.

Sob a liderança de um ancião, cujos cabelos brancos balançavam como as folhas no vento, o grupo se movia constantemente, buscando novas terras quando o perigo se aproximava ou a comida se tornava escassa.

Sigmund ainda era jovem quando a tragédia o empurrou para o precipício da vida adulta. A morte repentina de seu pai, único caçador da vila, o forçou a assumir um papel para o qual ele não havia sequer amadurecido.

O arco de seu pai agora repousava em suas mãos.

Sigmund, que havia preferido a companhia dos jogos infantis aos ensinamentos sobre a caça, agora se via pressionado pela vila, pois suas falhas nas caçadas deixariam todos com fome.

Após tantas tentativas frustradas, seu destino parecia selado: seria exilado. Porém, como que por capricho do destino, ele finalmente conseguiu abater uma fera imensa. O peso da carne do animal, o cervo, parecia trazer consigo uma promessa de redenção.

Demorou mais do que o esperado para retornar, encontrando sua vila destruída.

Corpos caídos, mutilados, e o cheiro pútrido de carne podre preenchiam o ar. Os Renascidos, criaturas que, em vida, haviam sido humanos, mas que se recusavam a descansar na morte, haviam atacado.

As lendas que antes eram contadas para assustar as crianças agora se revelavam reais.

Os Renascidos eram monstros que carregavam os vestígios de suas antigas vidas; seus corpos apodrecidos, com carne pendendo dos ossos, e olhos vazios que não refletiam mais nada além de um vazio existencial.

Apenas três deles bastaram para massacrar toda a vila de vinte pessoas.

Sigmund, salvo apenas pelo acaso de sua demora, percebeu que o cervo abatido salvara sua vida, mas também o condenara a uma jornada árdua e solitária.

Desprovido de um lar ou de companheiros, Sigmund partiu sem olhar para trás.

***

A vida solitária na natureza foi dura, mas também foi o que o moldou. Fome, sede e ferimentos o acompanharam, mas, com o tempo, ele começou a aprender com seus erros. A natureza era uma mestra implacável.

Ele descobriu o valor de coletar água da chuva e de armazená-la em cantis improvisados de madeira e folhas. Aprendeu a fazer fogo após inúmeros erros, finalmente conseguiria ter luz ao anoitecer.

Recordando um fragmento de memória de sua vila, sobre como a terra endurecia com o calor, ele experimentou a criação de cerâmica, transformando a manipulação de barro em seu passatempo. Brincar com a terra lhe deu um alívio, mas também uma sensação de que ele nunca devesse ter sido um caçador.

O arco de seu pai, era um constante lembrete de suas falhas. Era uma arma de grande potencial, mas em suas mãos inexperientes, parecia apenas um fardo. Ainda assim, a necessidade de comer carne o forçou a continuar tentando.

Quando todas suas flechas se quebraram, ele experimentou criar flechas rudimentares, galhos tortos, espinhas de peixe, pedras afiadas. Cada fracasso o empurrava mais adiante, até que, finalmente, ele criou uma flecha de galhos e pedras que era decente o suficiente para caçar com sucesso. Nesse momento, Sigmund deixou de ser um menino brincando com a sobrevivência e começou a caminhar no caminho de um verdadeiro caçador.

Em seu pequeno, próspero e pacífico acampamento, onde treinara por todo o tempo, percebeu que estava na hora de partir. os peixes que ele capturava começaram a escassear. Sigmund deixou as ovas para trás, com a esperança de que, um dia, ele pudesse retornar àquele lugar.

***

O tempo passou sem que ele pudesse contabilizar. A solidão e o silêncio da natureza o transformaram, tanto fisicamente quanto emocionalmente. Seus pelos faciais cresceram, formando uma barba espessa, um sinal de que ele havia cruzado a linha entre juventude e maturidade. Sigmund agora era um homem, embora o conceito de idade lhe fosse irrelevante.

Certa noite, enquanto descansava em um de seus acampamentos improvisados, o silêncio familiar foi quebrado por algo inesperado: gritos humanos.

Após tanto tempo em isolamento, a ideia de encontrar outro humano o preencheu com uma mistura de esperança e curiosidade. Sem hesitar, ele pegou seu arco e seguiu o som pela floresta escura.

Os gritos o levaram até uma luz fraca, e ali, no meio da escuridão, estava uma menina, sozinha, segurando uma tocha que repousava ao chão. Suas pequenas mãos queimadas indicavam que ela não sabia manuseá-la adequadamente.

Ao vê-lo, a menina ficou apavorada.

A aparência de Sigmund, agora quase selvagem, com seus cabelos desgrenhados e barba espessa, o fazia parecer uma fera mais do que um homem.

Ele tentou falar, mas sua voz rouca e enferrujada, fruto de tanto tempo de silêncio, mal conseguia formar palavras compreensíveis. Em vez de tentar convencer com palavras, ele abaixou-se e colocou o arco no chão, indicando para que a garota o pegasse.

Relutante, a menina obedeceu. Quando ela pegou o arco, Sigmund estendeu a mão para a tocha caída e a entregou de volta.

Daquele momento em diante, um novo vínculo foi formado. A menina, insegura, mas sem alternativas, aceitou Sigmund como seu protetor. E ele, que havia passado tanto tempo sozinho, decidiu que dedicaria sua vida a cuidar da única pessoa que lhe restara.



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