Volume 1 – Arco 2

Capítulo 18

O grupo estava pronto para partir, até Kenshiro pedir para conversar a sós com Takashi.

— Está tudo bem para você entrar em nosso grupo? — perguntou Kenshiro, com um olhar sincero.

— É claro, por que não estaria? — Takashi respondeu, mas sua voz carregava um peso invisível.

Kenshiro estreitou os olhos, percebendo a camada oculta nas palavras de seu novo aliado.

— Você acabou de perder seu amigo. Sua família. Tudo que conhecia e acreditava. Não pode estar tudo bem...

Houve um momento de silêncio, e Takashi desviou o olhar para o horizonte da caverna, como se estivesse buscando respostas que ele próprio não conseguia encontrar.

— Acredite, a única coisa que importa para mim agora é encontrar meu sucessor — disse Takashi, sua voz grave. — Eu estou em luto pela morte de Kuroda, tenha certeza disso, mas... agora que me tornei o Flecha Fantasma, tenho coisas mais importantes para me preocupar além da mediocridade da vida de Takashi.

Ele estava prestes a seguir o caminho para fora da caverna, mas Kenshiro segurou-o firmemente pelo ombro, obrigando-o a encará-lo.

— Você de fato é o Flecha Fantasma, mas também é Takashi. Não pode se esquecer disso... Não pode perder de vista quem você realmente é.

Takashi hesitou. Com um suspiro pesado, retirou seu capuz e máscara, revelando seu rosto pela primeira vez. Sua aparência era tão diferente do que Kenshiro imaginara: traços finos e delicados, pele clara que brilhava à luz tênue da caverna, orelhas pontudas que denunciavam sua herança, e olhos de um azul tão profundo quanto um lago de memórias amargas.

— Este é um segredo que apenas o líder, Kuroda, e meu antecessor sabiam — disse Takashi, com a voz embargada. — Eu sou um elfo. Um sobrevivente da Muralha de Aranost.

— Sobrevivente? — Kenshiro repetiu, confuso, tentando entender a gravidade do que aquilo significava.

Takashi respirou fundo antes de continuar.

— A Muralha de Aranost foi construída com o sangue e o suor de meu povo... Elfos, como eu, foram usados como escravos, prometidos a riquezas que jamais chegaram. Minha mãe me deu à luz durante a construção, e quando o Império traiu nossa raça, prendendo-nos para que continuássemos trabalhando para sempre, ela criou uma pequena abertura na muralha... Uma abertura para minha fuga.

Sua voz vacilou, e Kenshiro viu um brilho triste nos olhos de Takashi.

— Naquela noite... — Takashi continuou, quase sussurrando — todos os elfos foram executados. Minha mãe me empurrou pela abertura, sacrificando sua vida para que eu pudesse sobreviver. Eu vi tudo. Vi o comandante ser morto por uma flecha que cortou o céu como um raio roxo... Foi assim que encontrei Hitoshi. Quando pedi para ele repetir o “show de luzes”, ele apenas chorou e me abraçou com força, dizendo que finalmente havia encontrado seu sucessor.

Kenshiro sentiu o impacto daquelas palavras como uma onda de gelo. Agora, tudo fazia sentido: a frieza, a determinação quase cega de Takashi, o motivo pelo qual ele se apegava tão desesperadamente ao manto de Flecha Fantasma.

— Entende agora, Kenshiro? — disse Takashi, com lágrimas contidas nos olhos. — Tudo que existia na história de Takashi foi destruído. Apenas o manto de Flecha Fantasma me restou. Então, deixe-me vesti-lo, pois não há mais nada para mim.

Kenshiro viu o quanto Takashi lutava contra si mesmo. Mesmo que ele falasse que o manto era tudo que importava, sua alma estava em conflito, buscando um sentido. A dor da perda, o peso da responsabilidade, tudo isso estava destruindo-o por dentro. Se não fosse pelo título e pela missão de encontrar um sucessor, Kenshiro tinha certeza de que Takashi já teria desistido de viver.

— Você é o Flecha Fantasma por algum motivo — disse Kenshiro, suavemente. — Algo em sua vida tem valor. Seu título pode ser tudo que lhe resta, mas foi graças ao Takashi que você o conquistou. Não permita o manto esconder o Takashi de você mesmo.

Takashi ficou em silêncio, absorvendo aquelas palavras. Ele sabia que Kenshiro tinha razão, mas também sabia que voltar a ser apenas "Takashi" significaria enfrentar um oceano de dor que ele não estava pronto para encarar.

Kenshiro virou-se e caminhou em direção à saída, deixando Takashi com seus próprios pensamentos. O elfo permaneceu parado por alguns instantes, encarando o vazio, antes de olhar uma última vez para a caverna que havia sido seu lar por tanto tempo. Ele se lembrou de Kuroda, de Hitoshi, e de todos os momentos em que seu coração foi aquecido por essas figuras que agora descansavam na morte.

Com um gesto solene, Takashi juntou as mãos em oração, oferecendo uma última homenagem a todos que perdera.

"Descansem em paz", ele murmurou em silêncio, enquanto as lágrimas que antes havia contido rolavam por seu rosto.

Então, ele vestiu novamente sua máscara, escondendo não apenas seu rosto, mas também a dor que carregava.

O Flecha Fantasma havia renascido, mas Takashi ainda estava em algum lugar, enterrado sob camadas de luto e dever.

***

O grupo voltou todo o caminho até a cabana de Reiji, agora em um momento de quietude após tantos desafios. O ar parecia mais leve, mas as conversas ainda carregavam traços de incerteza sobre o que estava por vir.

Apenas Erina e Xin conversavam de forma mais descontraída, enquanto o restante mantinha-se imerso em pensamentos. Erina, sempre perspicaz, trabalhava silenciosamente para aproximar-se de Xin, tentando torná-la mais humana aos olhos dos outros. Seu objetivo era claro: fazer de Xin alguém confiável, uma peça importante no futuro do grupo.

— Você se adapta rápido — disse Erina, sorrindo para Xin, que retribuiu o gesto com um leve aceno de cabeça.

Kenshiro, no entanto, ainda pensava em sua próxima abordagem com Takashi. O jovem elfo era habilidoso, sim, mas seu passado turbulento e o peso do manto de Flecha Fantasma ainda pairavam sobre ele como uma assombração, uma joia preciosa, porém não lapidada. Kenshiro sabia que seria um desafio manter Takashi comprometido, especialmente com a missão de encontrar seu sucessor ainda fresca em sua mente.

***

Ao chegarem na cabana de Reiji, Erina os aguardava à frente do armazém com um olhar animado.

— Vamos, vamos — disse ela, batendo palmas. — Nossa jornada é longa, e temos uma parada no caminho!

Xin, um pouco confusa, sinalizou a Erina, perguntando como eles viajariam. Se fossem a pé, não teria sentido voltar para a cabana depois de sair da caverna dos assassinos.

Erina sorriu. — Não se preocupe, Xin. Não vamos a pé.

Ela apontou para o armazém, onde uma carruagem enorme estava guardada. Xin começou a duvidar ao notar a ausência de cavalos. A carruagem era robusta, o que significava que precisariam de pelo menos quatro cavalos fortes para movê-la. No entanto, não havia nenhum à vista.

Kenshiro, percebendo a confusão de Xin, sorriu e disse com entusiasmo:

— Kaji! Atenda ao meu chamado!

De repente, as pedras em frente à carruagem começaram a se mover. Elas se reuniram em uma forma imponente, e logo o que parecia ser um cavalo de lava se ergueu, com uma armadura alaranjada, forjada a partir das próprias pedras deformadas. O cavalo, brilhando com o calor que emanava de seu corpo, falou com uma voz grave:

— Interessante... Partiremos levando mais duas pessoas conosco; um assassino e uma... “coisa”.

Xin ergueu as sobrancelhas, surpresa com o cavalo falante, enquanto Takashi dava um passo à frente, analisando a criatura com um misto de admiração e cautela.

— Kaji, comporte-se — disse Erina, com uma leve reprimenda em sua voz.

— Sim, madame Erina — respondeu Kaji, imediatamente recuando no tom, sua voz grave agora mais submissa.

Apesar de sua aparência amedrontadora, o respeito e a humildade com que tratava Erina deram ao grupo um pouco mais de confiança. Talvez Kaji não fosse tão intimidante quanto parecia.

Com tudo preparado, o casal subiu na carruagem, assumindo os lugares de condutores. Erina fez questão de abrir espaço ao seu lado para que Xin se sentasse, enquanto Takashi, com uma habilidade natural, agarrou-se aos apoios na lateral da carruagem, ficando de pé no estribo.

— Finalmente nossa jornada começou! — disse Kenshiro, com um sorriso confiante, olhando para o horizonte.

Kaji relinchou, um som ressoante como o crepitar do fogo em meio à noite, e com uma arrancada poderosa, a carruagem começou a se mover, deixando para trás a cabana de Reiji.

No caminho, Xin perguntou para Erina aonde eles iriam antes de Shenxi.

Erina, sempre paciente com a curiosidade de Xin, respondeu:

— Vamos para Eldoria. É uma cidade conhecida pela riqueza e pelos ferreiros e artesãos. Seria um desperdício não passar por lá, e talvez precisemos de alguns reforços no equipamento.

A carruagem seguia seu curso, iluminada pelo brilho constante de Kaji, cujas passadas firmes ecoavam pelo solo. O grupo permaneceu em silêncio por um tempo, cada um absorto em seus próprios pensamentos. O som rítmico dos cascos de lava era quase hipnótico, e a estrada, por mais longa que fosse, oferecia uma sensação de calmaria que há muito tempo não sentiam.



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