Volume 1 – Arco 2

Capítulo 17

Takashi começou a admirar seu novo arco, tocando-o gentilmente. Embora não houvesse nada de extraordinário em sua aparência, ele sentia uma ligação diferente, quase como se centenas de vidas estivessem conectadas entre ele e a arma.

Enquanto seus dedos exploravam a madeira fria, uma reflexão silenciosa o tomou: algo havia mudado nele também, algo que ele não conseguia definir claramente. Sua alma parecia mais pesada, como se cada morte e cada perda que presenciara agora ecoasse dentro de si, moldando-o de formas que ainda não entendia completamente.

Kenshiro estava prestes a dizer algo, mas, repentinamente, ele paralisou. Confuso, Takashi olhou para Erina, mas ela também estava imobilizada.

O arco desacelerou o tempo ao redor de Takashi, intensificando seus sentidos até o limite, como se o universo tivesse pausado apenas para ele. Ele conseguia ver tudo com uma clareza quase sobre-humana, mas uma sensação desconfortável começou a se formar em seu estômago; um frio cortante, uma tensão que rastejava por suas costas.

O perigo estava perto.

Ao virar-se, Takashi viu uma figura sombria com uma adaga manchada de sangue erguida acima dele, pronta para desferir um golpe fatal.

O líder ainda estava vivo, apesar da flecha cravada em seu peito. Seus olhos agora eram completamente negros, sem vida, como o próprio abismo. Era um olhar que transcendia a morte, vazio e implacável.

Kenshiro e Erina perceberam o perigo, mas mal tiveram tempo de sacar suas armas. Eles não conseguiriam salvar Takashi a tempo.

— Morra, Flecha Fantasma! — disse o líder, com uma voz sombria, como um vento gélido.

Takashi tentou armar seu arco, mas havia demorado demais para perceber seu agressor; estava mal posicionado e atrasado. Não havia nada que pudesse fazer para evitar sua própria morte que se aproximava lentamente, diante de seus olhos.

Então, num estalo rápido, o tempo voltou ao normal.

 O líder foi interrompido abruptamente e caiu no chão, morto agora de maneira definida.

Uma kunai estava cravada em sua nuca, ligada por uma corda que fora puxava de volta para Xin, que estava tão assustada quanto o grupo.

Ela havia lançado o golpe certeiro, embora também parecesse incrédula por ver o homem de pé, mesmo com a flecha perfurando seu coração.

Assim, ela perguntou para todos, com as mãos ainda trêmulas, se todos haviam visto o homem semimorto com olhos que pareciam com o abismo.

Por precaução, o grupo decidiu mergulhar o corpo do líder no poço.

Quando Takashi voltou a observar a profundidade da água, percebeu que o poço era menos profundo do que aparentava. A magia que uma vez dominara o local havia se dissipado.

***

Erina, intrigada, se aproximou de Xin.

— Xin, por que veio? Eu pedi para que esperasse lá fora.

Xin não respondeu, parecia absorta em seus pensamentos, as mãos abaixadas e os olhos distantes.

Percebendo o estado dela, Erina estalou os dedos na frente do rosto de Xin, tirando-a de seu devaneio. Xin, então, gesticulou rapidamente com as mãos, pedindo desculpas. Ela estava perdida em reflexões sobre a figura do líder, os olhos negros do inimigo traziam à tona memórias fragmentadas e dolorosas, que ela não conseguia alcançar completamente.

— Está tudo bem? — Erina perguntou, agora mais preocupada.

Xin, explicou que havia tido um vislumbre de algo que jurava ter esquecido, mas a memória já havia se esvaído novamente. A sensação de perda era angustiante, mas, ao mesmo tempo, havia um alívio em não lembrar. Ela sabia que, de alguma forma, essa memória era perigosa, mas o conteúdo do que fora esquecido continuava a assombrá-la.

Erina notou que algo profundo havia mudado em Xin. Em um gesto repentino e inesperado, decidiu testá-la.

— Xin, corte sua própria garganta. Quero que seja um ferimento letal.

A confusão tomou conta de Xin. Suas mãos tremeram enquanto gesticulava em resposta, questionando se aquilo realmente era necessário, se não haveria outra punição mais adequada do que a morte.

Mas, antes que a tensão se resolvesse, Erina a envolveu em um abraço firme, surpreendendo Xin e todos ali. O gesto confuso trouxe um calor inesperado ao coração de Xin, que, por um momento, sentiu-se humana novamente, uma sensação há muito esquecida. Sem precisar de palavras, ela se rendeu ao conforto do abraço, sua mente ainda tentando processar o que estava acontecendo.

Erina, ao se afastar, perguntou com gentileza:

— Poderia me explicar como funciona sua arma? Nunca vi nada parecido!

Xin hesitou, não por receio de compartilhar o segredo, mas pela excentricidade do momento. Ela sempre havia seguido ordens, sem questionar, mas agora, pela primeira vez, parecia ter uma escolha. Era livre para falar ou não, uma liberdade quase irreal para ela.

Com um pequeno aceno de cabeça, Xin começou a explicar com sinais.

Sua arma principal, uma corda mágica usada como chicote, era extremamente versátil. Com exceção de seu cabo, toda a arma havia sido mergulhada em um líquido de cola e vidro, capaz de cortar membros expostos facilmente.

Ela ainda poderia amarrar armas em sua ponta, como fizera com a kunai. E dependendo do nó que fizesse, conseguiria lançar a kunai de maneira violenta, aproveitando todo o movimento e impulso que o chicote criaria.

Xin havia aprimorado seu uso ao longo dos anos, transformando-a em uma ferramenta mortal de precisão, capaz de realizar ataques a longas e curtas distâncias.

Os olhos de Erina brilharam de admiração, absorvendo cada detalhe da explicação, e um pequeno, quase imperceptível, sorriso se formou no rosto de Xin.

Mesmo que Xin ainda estivesse confusa com a gentileza e empatia de Erina, algo dentro dela começava a florescer. O peso da servidão que antes a definia estava, aos poucos, se esvaindo.

— Imagino que queiram ver o mapa? — disse Takashi com um tom sério, seus olhos cintilando com uma urgência contida.

***

Takashi guiou o grupo até outra câmara, uma sala que mais se assemelhava a um local de treinamento. Ao centro, havia um enorme mapa do território imperial, feito à mão. Não era perfeito, mas era detalhado o suficiente para seu propósito.

Diversos alfinetes e linhas coloridas se espalhavam pelo mapa, cada uma indicando algo diferente, como rastros de contratos de assassinos. Haviam tantos detalhes distintos entre si, que somente seus criadores poderiam decifrá-los.

Takashi se aproximou de uma seção específica do mapa e destacou uma série de marcações feitas com alfinetes pretos. O preto estava sendo utilizado para marcar os heróis e pessoas importantes que foram mortos.

— Como vocês descobriram essas mortes? — perguntou Kenshiro, impressionado.

— Fofocas — respondeu Takashi. — Mas os culpados nunca foram encontrados. Temos uma teoria de que o Império esteja por trás disso, eliminando os heróis locais apenas para que os próprios heróis imperiais sejam reverenciados.

Xin, com movimentos rápidos e precisos de suas mãos, comentou que isso era algo típico do Império. Ela lembrava que o regime pregava ser o único verdadeiro defensor da humanidade, e controlar os heróis reforçava essa imagem.

— E quanto aos outros? Os que não são heróis? — perguntou Erina, analisando o mapa com olhos atentos.

— Eles são o motivo para a nossa teoria — explicou Takashi. — Cada um dos mortos, sem exceção, se opunhava abertamente ao governo do Bispo.

— Sim — Kenshiro continuou, com um tom de pesar. — Reiji Torison foi morto logo após participar de uma audiência na qual o Império discutia um ataque iminente contra os Remanescentes. Ele fora o único a se opor ao ataque...

Xin fez um sinal com as mãos, questionando por que os Remanescentes e o Império estavam em guerra há tanto tempo, e quanto tempo exatamente essa guerra já durava.

Erina a encarou com surpresa. — Você não sabia disso?

Xin explicou que em Shenxi, sendo uma cidade livre, raramente recebia notícias do Império. O próprio Zudao, o líder da cidade, mantinha seu povo intencionalmente desinformado sobre os acontecimentos do continente.

Isso deixou o grupo intrigado. Eles se perguntaram se essa falta de informação era algo exclusivo de Shenxi ou se todas as cidades livres compartilhavam da mesma política de isolamento.

***

Com Xin agora mais atualizada, Takashi fez uma observação:

— Muitos estudiosos dizem que estamos nos últimos anos da “Grande Campanha”. Mas essa guerra... ela está em andamento desde a fundação da nossa irmandade.

— E há quanto tempo exatamente vocês existem? — questionou Kenshiro.

— Sessenta anos, pelo menos. — Takashi respondeu, sem hesitar. — Nosso antigo líder, e Hitoshi, usavam o calendário lunar para contar o tempo. Não é exatamente o mesmo calendário do Império, mas a diferença não passa de alguns dias.

Xin sinalizou que Shenxi também usava o calendário lunar, mas que o início e o fim de cada ciclo eram determinados por Zudao. Assim, ela nunca tinha certeza em que ano estavam exatamente.

O silêncio que se seguiu pesava com a sensação de que todos eram peões de um jogo muito maior.

Kenshiro e Erina trocaram olhares. Sabiam que Reiji havia morrido pouco mais de seis meses atrás, e se o Império tivesse designado um substituto para ocupar o seu posto, logo após sua morte, então outra audiência provavelmente aconteceria em breve.

Observando mais atentamente o mapa, a mente de Erina começou a trabalhar em um ritmo acelerado.

Ela retirou as linhas e agulhas coloridas do mapa, deixando apenas as marcações em preto. Com uma linha avermelhada, traçou ao redor de cada uma das mortes, formando padrões que, à primeira vista, pareciam sem sentido. Mas, ao continuar, ela percebeu algo: uma sequência de arcos. Começava no Norte e seguia em direção ao Sul, parando na fronteira com o território Remanescente.

— Mesmo que essas mortes beneficiem o Império — Erina ponderou, inclinando-se sobre o mapa —, eles não poderiam matar todas essas pessoas em uma única noite. Não sozinhos.

— Que tipo de grupo faria algo assim? — perguntou Takashi, com um olhar aterrorizado para o padrão que se formou.

— Não foi um grupo — disse Kenshiro, com a voz firme e fechando os punhos —, foi uma pessoa. Kara. A mulher que matou Reiji. Ela nos atacou com um fantoche, e deve ter feito o mesmo com os outros.

Xin, ainda processando a enormidade dessa revelação, fez um sinal perguntando onde Kara poderia estar agora.

Erina, unindo as peças com rapidez, respondeu: — Todos os fantoches vieram do Norte. Cada um foi enviado com um alvo específico. Aqueles que chegaram primeiro completaram suas missões e recuaram.

— Mas qual é a ligação entre Kara e o Império? — Takashi perguntou, sua voz carregada de incerteza.

O casal voltou a encarar o mapa gigantesco. Não havia nada que sugerisse o paradeiro de Kara, nem uma pista sobre sua aparência ou os rastros de seus fantoches. Ela poderia estar em qualquer lugar, movendo-se como uma sombra no campo de batalha.

— Vamos embora — disse Erina, rompendo o silêncio. — Temos uma longa jornada pela frente.



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