Volume 1 – Arco 2

Capítulo 14

Chegando à elevação rochosa natural, o grupo parou, trocando olhares enquanto aguardava que alguém tomasse a iniciativa. O silêncio entre eles era cortante, e o peso da expectativa parecia pairar no ar. A dupla de assassinos estava visivelmente tensa, o que chamou a atenção de Erina. Seus instintos lhe diziam que haviam chegado ao destino.

— Xin, você vai esperar aqui fora — ordenou Erina, sua voz firme como sempre. — Só entre se realmente for necessário.

Sem hesitar, Xin se acomodou ao lado de uma árvore. Suas mãos descansavam sobre os joelhos, e seu olhar distante indicava que ela estava disposta a aguardar pacientemente, mesmo que demorasse.

***

O grupo avançou em direção à parede de pedras naturais. À primeira vista, era apenas mais uma formação rochosa comum, sem qualquer sinal de entrada. No entanto, os assassinos seguiram diretamente em direção à parede, atravessando o que parecia ser uma barreira ilusória. As pedras haviam sido dispostas de maneira engenhosa, ocultando uma passagem lateral, quase invisível a olhos desatentos.

Ao adentrarem a caverna escura, o ambiente mudou drasticamente. Ossos e esqueletos estavam espalhados pelo chão, presos nas paredes ou até pendurados no teto, criando uma atmosfera macabra e opressiva. A luz que penetrava pelas frestas das pedras refletia nas caveiras, dando a impressão de que os mortos os observavam.

— Que entrada acolhedora… — comentou Kenshiro com um tom sarcástico.

Kuroda olhou para ele, um pouco envergonhado.

— São apenas os corpos de alguns irmãos que faleceram. Colocamos eles aqui para afastar intrusos que pudessem descobrir a ilusão.

Kenshiro lançou um olhar cético em direção aos restos mortais, que pareciam servir mais de aviso do que de decoração.

— Depois de anos de serviço, esse será o destino de vocês? — retrucou ele, com uma ponta de desprezo. — Uma simples decoração para assustar os curiosos?

Takashi, que caminhava em silêncio, sentiu o impacto das palavras. Não era o futuro que ele imaginava para si. Seu coração se apertou com a ideia de ser reduzido a um cadáver exposto, sem dignidade, sem propósito. Ele havia sido criado para ser muito mais do que isso.

O caminho pela caverna não era longo, mas o silêncio que os envolvia era perturbador. Cada passo reverberava pelas paredes rochosas, criando uma sinfonia lúgubre. Takashi, cada vez mais perto de sua irmandade, não conseguia afastar os pensamentos que corroíam sua mente. Os princípios e tradições que um dia ele defendera com orgulho agora pareciam pesados e questionáveis.

— Está realmente disposta a aceitá-la em seu grupo? — perguntou Takashi de repente, quebrando o silêncio com uma voz carregada de dúvidas.

Erina, surpresa pela pergunta, olhou para ele. Sua resposta veio rápida, mas sincera.

— Ainda não sei. Quero descobrir quem ela realmente é.

Kuroda, curioso com a conversa, se intrometeu.

— Como assim? Você está dizendo que consegue ler a alma das pessoas?

Erina sorriu diante da ingenuidade do comentário.

— Fui treinada por Reiji — começou a explicar. — Ele enfrentou adversários muito mais poderosos e os venceu, graças à sua capacidade de “lê-los”. Além de ser um espadachim habilidoso, ele aprendeu a analisar seus oponentes, identificando fraquezas e pontos fortes nos menores detalhes. Ele me ensinou tudo o que sabia, e eu aperfeiçoei essa habilidade, aplicando-a também no dia a dia.

Kuroda parecia intrigado.

— E o que pode dizer sobre nós? — perguntou ele, como se estivesse desafiando-a a testar sua habilidade.

Erina ficou em silêncio por alguns segundo, levando a mão até seu queixo, fazendo as engrenagens de sua mente começarem a racionar intensamente. Ela estava analisando minuciosamente tudo que vira na dupla até então. E com uma serenidade fria, respondeu:

— Vocês ainda não estão completamente desenvolvidos. São jovens, talvez nem adultos ainda. Carregam um fardo que não escolheram e vivem à sombra de expectativas impostas por outros, mas principalmente de vocês mesmos. No entanto, há uma linha que vocês não cruzariam: nunca tirariam a vida de um inocente, mesmo que isso lhes custasse algo.

As palavras dela deixaram os dois assassinos visivelmente impressionados. Kuroda, em um gesto inesperado, retirou o capuz que escondia sua face. Seu rosto jovem era pálido, com olhos grandes e castanhos que refletiam uma espécie de vulnerabilidade, e seus cabelos ruivos caíam sobre a testa em um desalinho quase infantil.

— Takashi completou dezoito anos há poucos dias, eu farei dezoito em dois meses — revelou ele, como se estivesse confessando algo importante. — Fomos adotados pelos fundadores da irmandade. Eu fui adotado pelo líder, e Takashi... pelo Flecha Fantasma.

O nome fez com que Kenshiro e Erina trocassem olhares imediatos. Ambos já tinham ouvido falar da lenda do Flecha Fantasma, um arqueiro temido e respeitado em todo o continente. A revelação trouxe novas camadas de mistério sobre Takashi, que, apesar de ser habilidoso, ainda não parecia à altura da fama de seu mentor.

À medida que se aproximavam da entrada do covil, Kuroda recolocou sua máscara, recuperando a postura e a seriedade.

O covil, meio vazio, era iluminado por velas dispostas aleatoriamente, projetando sombras dançantes nas paredes irregulares. O cheiro de cera derretida e poeira enchia o ar, e o lugar revelava uma desordem evidente. Camas desarrumadas, beliches e sacos de dormir estavam espalhados pelo chão de maneira desorganizada, indicando que um grande número de assassinos passava por ali.

Aparentemente, a primeira onda de assassinos já havia partido.

Quando o grupo entrou, os assassinos restantes os cercaram rapidamente, com as armas em punho.

— Kuroda! Takashi! O que estão fazendo trazendo civis aqui?! — um deles gritou, sua voz carregada de fúria.

— Temos um assunto urgente para tratar com o líder. Diz respeito ao contrato — respondeu Kuroda, tentando manter a calma.

— Vocês trouxeram os alvos aqui?! — O assassino que falava parecia ainda mais furioso. — Quanta imaturidade! Eles só mentiram para sair vivos, e agora vão pagar. Eu mesmo vou acabar com isso!

Sem esperar resposta, o assassino se lançou em um salto ágil, quase alcançando o teto da caverna. Durante a queda, sacou duas adagas, mirando diretamente no pescoço de Erina. O tempo pareceu desacelerar. Ela, no entanto, não se moveu.

Antes que o golpe a alcançasse, Kenshiro reagiu com a velocidade de um relâmpago, desferindo um chute preciso que arremessou o agressor contra a parede com tamanha força que ele desmaiou ao impacto.

Os demais assassinos hesitaram, percebendo que a diferença de habilidades era gritante. Mesmo relutantes, decidiram ouvir seus companheiros.

— Onde está o líder? — perguntou Takashi, seu tom agora era sombrio.

— Na Câmara dos Contratos, como sempre. Mas ninguém pode entrar lá — respondeu um dos assassinos, ainda tentando remover o corpo do companheiro desacordado da parede.

— O líder vai abrir uma exceção hoje — disse Takashi, separando-se do grupo e seguindo em direção à câmara.

Os assassinos impediram o restante do grupo de segui-lo, exigindo que aguardassem sua volta ou partissem. Erina, sem discutir, sentou-se no chão, fazendo a caverna inteira tremer com o peso de sua armadura.

— Obrigada por me defender. Se eu agisse, poderia ter matado aquele homem — disse ela, olhando diretamente para Kenshiro.

— Ou poderia simplesmente ter colocado o elmo — comentou Kuroda com um sorriso contido.

Erina riu, percebendo o quanto estava distraída, e Kenshiro, ainda de pé, continuava vasculhando o ambiente com os olhos. Ele procurava o mapa que os assassinos haviam mencionado, mas não parecia estar ali.

Com a tensão no ar, Kenshiro, ainda com a lâmina erguida, questionou Kuroda enquanto observava os assassinos se aproximarem.

— O "Flecha Fantasma", até onde suas histórias são verdadeiras?

Kuroda respirou fundo, tentando se recompor do ataque surpresa, e ajeitou-se no chão. Seus olhos mostravam um misto de desconforto e resignação.

— É mais decepcionante do que parece — começou ele, olhando para o chão. — O primeiro Flecha Fantasma apareceu muito antes do Império sequer existir. Na época, ele era apenas um aprendiz de caçador, sem nenhuma habilidade excepcional. Não era um arqueiro habilidoso, mal poderia ser chamado de bom.

Erina franziu o cenho, interessada na história, enquanto Kenshiro, atento, aguardava por mais detalhes.

— Ele vivia isolado, após sua vila ter sido destruída por uma catástrofe — continuou Kuroda. — E, um dia, vagando pelas florestas, encontrou uma criança abandonada. Sentindo-se compelido, ele decidiu criá-la, treinando-a da maneira que sabia. Quando a criança já havia se tornado uma adulta, ele morreu, vítima de uma doença simples.

Kenshiro balançou a cabeça, como se tentasse imaginar o que Kuroda estava prestes a dizer.

— A nova arqueira ficou sozinha, assim como seu mestre. E, em uma de suas viagens, encontrou outra pessoa em situação semelhante. Tal como havia sido criada, ela também decidiu treinar essa pessoa. Esse ciclo se repetiu, geração após geração. Mestres encontravam aprendizes, passando adiante tudo que sabiam — explicou ele, a voz ganhando uma tonalidade mais pesada. — E, com o tempo, o próprio arco se tornou mágico. Ele absorveu a essência de todos esses mestres, reforçando a necessidade de um sucessor.

Erina trocou um olhar rápido com Kenshiro, refletindo sobre a profundidade da história.

— Então o Flecha Fantasma nunca foi uma única pessoa — concluiu Kenshiro, seus olhos fixos em Kuroda.

Kuroda assentiu lentamente.

— É um manto, um legado que é herdado por gerações — disse ele, a voz mais baixa. — E Takashi... ele é o Flecha Fantasma atual.

Erina fez uma pausa, considerando as implicações.

— E o mestre dele? O que aconteceu?

Kuroda suspirou, seu olhar perdido em memórias.

— Morreu há alguns dias... Parece que, quando um mestre passa o manto, não demora muito até que ele sucumba. É como se o ciclo devesse continuar... à custa de suas vidas.

As palavras de Kuroda pesaram no ar, e Kenshiro e Erina começaram a compreender um pouco mais sobre o fardo que Takashi carregava. Havia mais naquela lenda do que apenas habilidade com o arco; era uma maldição de solidão e sacrifício.

Erina voltou sua atenção para Kuroda, agora curiosa sobre ele.

— E quanto a você? Sabemos agora o peso que Takashi carrega, mas... e você? Qual é sua importância nessa história?

Pegando-o de surpresa, Kuroda hesitou por um momento antes de responder com simplicidade.

— Minha história é mais simples. Eu fui achado pelo líder da irmandade. Ele e o antigo Flecha Fantasma fundaram esse grupo juntos. Quando ele me encontrou, acreditava que eu era um candidato para a irmandade.

Kenshiro, ainda de pé, arqueou uma sobrancelha.

— Um candidato? Que tipo de requisitos você tinha?

Kuroda deu um sorriso triste.

— Não ter família, nem um objetivo de vida... Basicamente, nada que me prendesse a este mundo. Eu fui encontrado em um mercado de tráfico de humanos. Minha família já havia sido vendida, e eu não tinha nada para provar quem eu era...

Kenshiro soltou um suspiro cético.

— Reconfortante... bom que eu sempre preferi espadas.

Erina lançou um olhar solidário a Kuroda.

— Você devia ser muito novo na época... — disse ela com suavidade.

— O líder acredita que eu tinha uns três anos. Não lembro de nada da minha família, então essa parte da história não me afeta tanto... mas para Takashi é diferente.

Antes que Erina pudesse perguntar mais, o som súbito de passos rápidos ecoou atrás dela. Um assassino silencioso emergiu das sombras, adaga em punho, mirando sua garganta. O ataque foi rápido, mas Kenshiro foi ainda mais veloz. Em um movimento certeiro, ele sacou a espada e decepou a mão do atacante, que gritou de dor antes de cair no chão.

Os assassinos, percebendo que o plano de emboscada havia falhado, sacaram suas armas e correram em direção ao grupo, prontos para eliminá-los.

— Eddie... — murmurou Kuroda, reconhecendo o homem ferido no chão, em choque.

Erina ergueu seu escudo massivo, protegendo o grupo. Kenshiro, com suas espadas prontas, preparou-se para o combate, enquanto Kuroda, ainda confuso, olhava ao redor, sem entender a traição de seus antigos companheiros.

— O QUE ESTÁ ACONTECENDO?! — gritou ele, o desespero evidente em sua voz.



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