Volume 1 – Arco 2

Capítulo 12

A mulher possuía uma presença imponente. Seus cabelos castanhos, curtos e alinhados, mal tocavam seu pescoço, dando a impressão de que haviam sido recentemente cortados para um propósito específico. Seus olhos verdes esmeralda tinham um brilho quase hipnótico, como se pudessem sondar a alma de qualquer um que os encarasse por tempo demais.

No entanto, o que realmente se destacava era sua armadura colossal. Feita de um metal enegrecido, que refletia a luz de maneira sinistra, parecia forjada em forjas que nenhum homem comum poderia conhecer. O peso dela, somado ao enorme escudo que a mulher carregava, sugeria uma força sobre-humana, algo que talvez se equiparasse à de um orc.

Aos olhos dos assassinos escondidos na sombra das árvores, ela era uma figura invencível, uma muralha de metal vivo.

O homem ao seu lado, por outro lado, passava despercebido à primeira vista. Seus cabelos e olhos escuros não denunciavam nada de especial, condizendo com a descrição simples que fora passada no contrato. Vestia uma armadura leve de couro, incompleta, com partes de seu abdômen e braços desprotegidos. Era claro que ele prezava mais a agilidade do que a defesa. Duas espadas balançavam ao seu lado, presas ao cinto como se fossem extensões naturais de seu corpo.

Tudo nele era ordinário, exceto por algo que os assassinos ainda não conseguiam entender: um ar de absoluta tranquilidade.

Mas isso não importava. Os dois sabiam que aqueles eram os alvos.

Takashi e Kuroda se posicionaram, preparando-se para o ataque. Takashi armou seu arco, enquanto Kuroda se esgueirou entre os galhos das árvores, como uma sombra, esperando o momento certo para desferir o golpe fatal. Eles se moviam como predadores silenciosos, calculando cada respiração, ouvindo atentamente cada palavra dos alvos.

— Faz tanto tempo desde que estivemos aqui... — disse a mulher, sua voz carregada de uma nostalgia velada.

— Sim... — respondeu o homem, sem emoção. — Incrível o que alguns meses podem fazer com um lugar.

A porta da cabana atrás deles fechou-se com um som seco, quebrando o silêncio da floresta. O ambiente parecia denso, quase sufocante, como se soubesse que o sangue estava prestes a ser derramado.

— E então? — continuou a mulher, seu tom ganhando uma leve malícia. — Quando vai pegar nossos admiradores?

Os assassinos congelaram. Eles haviam sido descobertos.

— Agora — murmurou o homem.

E num movimento tão rápido quanto o bater de asas de um corvo, ele desferiu um golpe lateral com sua espada. O corte foi tão preciso que, mesmo distante, partiu a árvore onde Kuroda se pendurava.

O assassino, pego de surpresa, tentou saltar em direção ao telhado da cabana, mas, como se o próprio destino conspirasse contra ele, a telha cedeu, e Kuroda despencou para o chão, o impacto atordoando-o.

Antes que pudesse reagir, sentiu o peso da armadura da mulher sobre seu peito. O metal negro pressionava sua pele, esmagando suas costelas e imobilizando-o. Ele sentiu o ar lhe faltar, como se a morte estivesse apenas aguardando a permissão para levá-lo.

— Pegamos o seu amigo — anunciou a mulher, com uma voz que parecia não ter pressa, como se já soubesse o desfecho daquele encontro. — Apareça, ou ele morre.

Do outro lado, Takashi saiu da sombra das árvores, seu arco ainda preparado, a corda tensionada com uma flecha apontada diretamente para a cabeça da mulher. Seu coração martelava no peito, mas ele manteve a postura firme.

— Vamos, Takashi! — gritou Kuroda, em desespero. — Use alguma habilidade! Encerre o contrato!

A mulher estreitou os olhos, sem deixar de pisar no peito de Kuroda. — Habilidade? — murmurou, intrigada. — Assassinos contratados, é? Interessante... Diga-me, quem os enviou? Não me importo com vocês. Só quero o nome do mandante.

Takashi permanecia em silêncio, a mente trabalhando freneticamente. Ele não podia entregar aquela informação. Se fossem descobertos, eles estariam mortos. Mas também sabia que o contrato nunca errava. Aqueles alvos deveriam ser perigosos, pessoas que representavam uma ameaça à irmandade.

— Ainda pensando? — provocou a mulher. — Então, que tal um trato? Tente me ferir. Sei que acredita ter uma chance... essa postura, esse arco erguido. Deve ter algo especial em você. Se me ferir, quem sabe terá a sorte de me matar. Caso contrário... você responde minhas perguntas de qualquer jeito.

O homem ao lado dela deu um passo à frente, franzindo o cenho. — Você tem certeza disso?

— Aceito! — disse Takashi, tentando evitar que a mulher reconsiderasse sua oferta. — Mas solte meu amigo primeiro.

Relutante, a mulher ergueu o pé, libertando Kuroda. Este rastejou até Takashi, que o ajudou a levantar-se.

— Nós temos que fugir, Takashi! — sussurrou Kuroda, aflito. — Algo está errado com esse contrato!

— Não — disse Takashi, sem desviar os olhos da mulher. — Se fomos contratados, é porque podemos matá-los.

A mulher sorriu, sua confiança inabalável. Com um simples movimento de cabeça, um elmo surgiu de trás de sua armadura, encaixando-se perfeitamente sobre seu crânio. Agora completamente coberta, ela abriu os braços, como se convidasse o ataque.

Takashi respirou fundo, focando sua mente. Flexionou os joelhos, esticou a corda do arco até o limite, e uma brisa suave começou a rodopiar ao seu redor. O ar parecia vibrar, carregado com uma energia invisível.

Ele disparou.

A flecha cruzou o espaço entre eles em um piscar de olhos, rápida demais para que qualquer um pudesse reagir. O som de metal sendo perfurado ecoou pela clareira, mas era apenas uma mera ilusão de sua própria confiança. Quando Takashi olhou, seu coração afundou.

Kuroda estava no chão, a flecha cravada em seu peito.

— Merda! — gritou Takashi, correndo até o amigo. — Merda, merda! Isso não deveria ter acontecido!

Kuroda lutava para respirar, seus olhos se fechando lentamente. Takashi segurou a flecha, indeciso se a retirava ou não. Ele sabia que, se o fizesse, poderia causar mais danos. Mas deixar a flecha ali... era deixá-lo morrer.

A mulher se aproximou, silenciosa. Antes que Takashi pudesse reagir, ela retirou a flecha de Kuroda com um movimento ágil. O grito de dor do amigo ecoou pela floresta, mas logo foi substituído pelo silêncio quando uma luz esverdeada começou a emanar das mãos da mulher.

Takashi armou novamente seu arco, temendo que a mulher estivesse fazendo algo sobrenatural com seu amigo.

— Acalma-se rapaz... — disse o homem atrás dele.

Foi então que Takashi percebera que duas espadas cruzavam contra seu pescoço, se fizer um único movimento errado, teria sua garganta cortada. Completamente derrotado, ele apenas observou o destino de seu amigo.

A mulher pousou a palma sobre o ferimento, e a magia fluiu. Quando a luz se dissipou, a ferida havia desaparecido.

Kuroda se ergueu, ofegante, olhando para seu próprio corpo em descrença. — Eu... estou vivo?

O homem atrás de Takashi abaixou a espada, liberando-o. — Sim. E agora vocês nos devem algumas respostas.

A mulher tirou o elmo, revelando novamente o rosto sereno e, de certa forma, bondoso.

— Me chamo Erina Waltz — disse ela, com a voz mais suave. — E este é meu marido, Kenshiro Torison. Creio que precisamos conversar.

Os dois assassinos se entreolharam perplexos, como se as palavras de Erina fossem impossíveis de processar. Kuroda foi o primeiro a quebrar o silêncio, sua voz carregada de incredulidade e desespero.

— Espera, o quê?! Isso é impossível... V-vocês estão mentindo para nós! — disse ele, tentando esconder o medo que começou a se manifestar em seus olhos.

Takashi, no entanto, permanecia calmo, mas não menos desconfiado. Seu olhar perscrutava o casal à sua frente, buscando qualquer sinal de falsidade. Porém, ele sabia que aquela tranquilidade, aquela dor nos olhos de Erina, não era algo que pudesse ser falsificado com facilidade.

— Vocês deveriam estar desaparecidos. Junto de Reiji Torison... — murmurou ele, seu tom controlado. — Se estão dizendo a verdade... poderiam nos levar até ele?

Erina e Kenshiro se entreolharam, trocando um olhar pesado, carregado de uma história que os assassinos ainda não compreendiam completamente. Finalmente, Kenshiro, com um suspiro quase imperceptível, assentiu com a cabeça.

— Claro... — respondeu o casal em uníssono, mas a gravidade em suas vozes revelava que não seria uma visão agradável.

***

Com passos pesados, Kenshiro e Erina guiaram os assassinos até a parte de trás da casa. O ambiente ali era simples, um pequeno monte de terra levemente elevado, decorado apenas com algumas pedras grosseiramente dispostas acima. Um túmulo. Sem nenhuma pompa ou marcações especiais. Apenas um sinal silencioso de que ali repousava alguém importante.

Takashi e Kuroda pararam, atônitos diante da simplicidade do túmulo. A mente de Takashi trabalhava furiosamente, tentando encaixar as peças daquele quebra-cabeça desconexo. Se Reiji estava morto, alguém havia cometido um erro grotesco na irmandade.

— Meses atrás, fomos atacados — começou Erina, sua voz carregada de uma dor contida. — Reiji não sobreviveu... E eu e Kenshiro fugimos. Acho que foi assim que nós “desaparecemos”.

Kuroda continuava estático, lutando para processar tudo aquilo. Seus lábios tremiam como se quisessem formar palavras, mas sua mente estava em um completo caos. Takashi, por outro lado, mantinha-se calmo, mas com um foco intenso, como se quisesse extrair cada fragmento de informação daquele momento.

— Como vocês souberam da Erina? — perguntou Kenshiro, mais objetivo. Sua voz era cortante, como se estivesse pronto para confrontar a verdade.

Takashi sabia que mentir não seria uma opção naquele momento. O peso da situação exigia uma honestidade brutal. Ele respirou fundo, organizando seus pensamentos antes de responder.

— Temos um “mapa” em nossa organização — começou ele, sua voz grave. — Todas as pessoas minimamente relevantes são rastreadas e supervisionadas, assim nos mantemos atualizados.

Kenshiro ergueu uma sobrancelha, e Erina estreitou os olhos. O casal estava claramente interessado, mas também desconfiado. Takashi continuou, sabendo que cada palavra contava.

— Nossa irmandade tem um objetivo claro: combater a corrupção e a tirania do Império. Mas o território imperial é vasto demais. Mesmo com nossa rede de informações, não podemos estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Foi por isso que o mapa foi criado.

Enquanto falava, a tensão no ar parecia aumentar. Os olhos de Erina se apertaram levemente, como se estivesse se lembrando de algo distante.

— Esse mapa foi supervisionado pelo líder da irmandade — continuou Takashi, tentando explicar a complexidade da situação. — Ele é nosso mentor, o pai dos demais assassinos. Assassinos especializados são enviados para trazer informações frescas a cada poucos dias. E assim, mantemos nosso mapa atualizado, com detalhes sobre nossos possíveis alvos e... sobre aqueles que merecem viver, como nobres e políticos que ainda não corromperam seus corações.

— Um mapa... — murmurou Kenshiro, pensativo. — E vocês nos rastrearam usando esse mapa?

— Sim — confirmou Takashi, sem desviar o olhar. — Anos atrás, sua família foi posta sob supervisão, Erina. Mas então, vocês desapareceram debaixo do nariz da irmandade, enquanto visitavam uma cidade imperial. Depois desse dia, nosso líder percebeu que sua ideia de supervisionar todo o Império era uma ilusão. Não conseguimos prever o desaparecimento de sua família.

Kenshiro franziu o cenho. — E o que isso tem a ver conosco?

Takashi trocou um olhar rápido com Kuroda antes de iniciar sua explicação. — Depois daquele incidente, nosso líder passou anos planejando uma operação massiva. Ele decidiu que a única forma de derrubar o Império seria atacar seus líderes diretamente. A Capital Imperial seria alvo de uma onda de assassinatos, uma noite em que os mais corruptos e tiranos do Império seriam eliminados de uma vez.

O ar ao redor pareceu se tornar ainda mais denso. Era como se até mesmo as árvores ao redor os observassem em um silêncio aterrador.

— No entanto... Recebemos o contrato de eliminar vocês — concluiu Takashi. — Eliminar dois “sujeitos desconhecidos” e extremamente perigosos para nossa organização. Mas nunca imaginávamos que pudesse ser duas das pessoas que buscávamos proteger...

Erina deu um passo à frente, sua expressão misturando raiva e tristeza. — Está me parecendo que vocês estão mais preocupados em “limpar” a Capital, do que realmente proteger as pessoas!

— Precisamos ver esse mapa — afirmou Kenshiro, seus olhos brilhando com determinação.

A tensão entre os quatro crescia. Takashi podia sentir a pressão aumentar, enquanto Kuroda, ainda relutante, olhava de um lado para o outro, como se procurasse uma rota de fuga.

— Não! — Kuroda explodiu, finalmente encontrando sua voz. — Eu sei da importância de vocês e de suas famílias, mas nenhum civil pode entrar no nosso covil! Isso é contra as regras!

Kenshiro deu um passo em direção a Kuroda, sua voz ficando mais grave. — Acho que é o mínimo que podem fazer, depois de tentarem nos assassinar.

A discussão começou a ferver, com Kenshiro e Kuroda trocando acusações e ameaças veladas. Erina observava de perto, seus olhos avaliando cada movimento. Takashi, por sua vez, estava perdido em pensamentos, encarando o túmulo de Reiji, buscando uma resposta em meio ao caos.

"Meu líder jamais deixaria um contrato sair errado", pensou Takashi, com a mente em turbilhão. "Mas será que a grande operação o distraiu? Ou foi um erro de julgamento? Talvez ele confiou demais em nossas habilidades... ou... foi tudo intencional?"

Seu coração acelerava, enquanto as perguntas se empilhavam em sua mente.

— Takashi! — A voz de Kuroda o tirou de seus devaneios. — O que devemos fazer?

Todos os olhares se voltaram para Takashi. O peso da decisão estava sobre seus ombros. Ele sabia que não havia resposta fácil. Inspirando profundamente, ele fez o único julgamento que parecia sensato naquele momento.

— Eles vão conosco — declarou ele, firme. — Um erro no contrato é um problema grave demais para ser ignorado.

Sem esperar resposta, Takashi passou pelo casal, sua mente focada no próximo passo. Kuroda o seguiu, murmurando protestos, mas sem sucesso. Kenshiro e Erina observaram os assassinos desaparecerem na trilha, antes de trocarem um último olhar silencioso.

A jornada deles estava apenas começando.



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