Volume 1 – Arco 2

Capítulo 11

Na escuridão sufocante da caverna, como formigas ocultas sob a terra, a Irmandade preparava-se para uma operação audaciosa. Um grupo unido não por sangue, mas por um propósito sombrio e altruísta: libertar o povo da opressão do Império.

Não eram heróis, nem vilões, mas forças impiedosas guiadas por uma moral cinza, onde o fim justificava qualquer meio. Nas sombras, eles tramavam, uma família de assassinos, liderados por um homem que chamavam de pai.

Para eles, o sangue que derramavam não era um preço a pagar, mas uma moeda de troca por um futuro melhor para sua própria família.

Não seguiam regras além daquelas impostas pelo contrato, e suas vestes eram tão diversas quanto suas habilidades. Cada assassino possuía sua própria maneira de atuar, como lobos solitários que, juntos, formavam uma alcateia mortal.

Seus alvos não eram escolhidos ao acaso; o líder cuidava pessoalmente para que cada vida extinta fosse a de um corrupto, um abusador, um criminoso fora do alcance da justiça convencional.

Inocentes não eram o foco, mas se a linha entre o culpado e o puro fosse tênue demais, o contrato sempre prevaleceria.

A irmandade, em um momento de silêncio quase reverencial, se debruçava sobre um imenso mapa do território imperial. Alfinetes e fios se entrelaçavam, criando um emaranhado caótico de cores e direções, compreensíveis apenas para o gênio que os havia colocado.

Entre os assassinos, quatro figuras mascaradas se destacavam, envoltas em uma conversa baixa, quase conspiratória.

— Vocês têm certeza disso? — o mais jovem entre eles falou, com uma urgência mal contida. — A primeira etapa da operação está prestes a começar. Devíamos ir com a primeira onda.

— O contrato deve ser cumprido, e o líder deixou claro que esses alvos não podem esperar — respondeu o mais velho, com uma firmeza que apenas os anos traziam.

— Considere-se sortudo, Kuroda, é seu primeiro contrato — o intermediário, companheiro do mais velho, lançou-lhe um olhar cúmplice.

— Mas tinha que ser justo hoje?! — protestou Kuroda, sua frustração ecoando pela caverna.

— Chega disso — interveio o quarto membro do assassino, Seu tom era calmo, mas carregava a autoridade de quem sabia que a dúvida não tinha lugar ali. — Vamos partir antes que o sol nasça.

Enquanto se afastavam para se preparar, olhares os seguiam pelas profundezas da caverna. Havia algo de diferente nos dois jovens, uma inquietação que seus irmãos mais velhos tentavam ignorar, embora soubessem que, eventualmente, teriam de enfrentar a verdade.

O mais jovem, enquanto colocava os últimos itens em sua bolsa, não pôde deixar de desabafar:

— Estou feliz com nosso primeiro contrato, Takashi, eu juro. Só sinto que o líder fez isso de propósito... Só para nos manter longe da operação principal.

Takashi vestiu sua bolsa sem olhar para ele.

— Se realmente for isso, há um motivo. Não questione, Kuroda. — Sua voz, ainda que baixa, carregava uma certeza inabalável.

— Não somos mais crianças! Eles não podem nos proteger para sempre!

O mais jovem dos dois ainda lutava com o peso da expectativa. Ambos haviam atingido a maioridade recentemente, e a ansiedade para provarem seus valores crescia. Apesar de sua juventude, algo neles os distinguia dos outros.

Takashi, alto e imponente, vestia uma túnica azulada tão escura quanto a noite, que escondia quase todo o seu corpo. Sua máscara, simples e eficaz, revelava apenas seus olhos, de um azul celeste que parecia iluminar o próprio véu da noite. Ao seu lado, Kuroda, mais baixo, tentava emular o estilo do colega, mas sua túnica, de um vermelho vinho, refletia sua personalidade mais ardente e impetuosa. Seus olhos castanhos, quase sempre inquietos, brilhavam com curiosidade.

***

Assim que saíram da caverna, o ar fresco da floresta pareceu inebriar Kuroda. Ele respirou profundamente, apreciando o cheiro da resina dos pinheiros. Takashi, entretanto, manteve-se alheio, focado apenas na missão, enquanto pegava o contrato e seguia à frente, mergulhado em seus pensamentos.

Os alvos estavam escondidos nas profundezas da floresta.

Enquanto Takashi lia as informações com atenção meticulosa, Kuroda deixou-se distrair pelos sons e movimentos ao seu redor, cada folha farfalhante, cada animal que se movia na penumbra. Quando Takashi finalmente terminou de ler e se virou para compartilhar os detalhes, percebeu que estava sozinho. Kuroda desaparecera.

Em sua impetuosidade juvenil, Kuroda havia se distraído, perseguindo um esquilo curioso, que agora o guiava mais fundo na floresta. No entanto, ao invés de uma pequena criatura indefesa, deparou-se com um urso faminto, recém-desperto de seu sono. O imenso animal, imponente e furioso, avançou sobre ele com um rugido ensurdecedor.

Com uma alta velocidade, Kuroda sacou suas adagas e atacou, mas a grossa pele do urso mal foi arranhada. O assassino se viu encurralado, e, em sua tentativa de fuga, tropeçou em uma raiz que parecia surgir da terra para agarrá-lo. O urso, agora de pé, preparava-se para dar o golpe fatal.

Então, uma flecha atravessou o ar, acertando o coração do urso com precisão mortal. O urso ainda teve tempo de olhar na direção do arqueiro, vendo Takashi guardando seu arco, apenas para cair morto.

— Um segundo mais, e eu teria virado comida de urso! — disse Kuroda, ainda com a respiração acelerada, mas tentando esconder seu alívio com uma piada.

— Francamente — respondeu Takashi, seu olhar frio e desaprovador. — Um assassino de verdade não se distrai. Talvez o líder tenha nos dado essa missão para que eu o mantenha na linha, evitando que faça alguma besteira durante a operação.

Kuroda tentou retrucar, mas Takashi já havia se virado, ignorando qualquer tentativa de argumento. Irritado e sentindo-se desvalorizado, Kuroda não pôde evitar lançar um último comentário:

— E eu não sou o único que já cometeu erros. Eddie perde a cabeça em campo, e Peter... bem, ele tem uma obsessão estranha com cabras. Ainda acha que eu sou o pior?

— Por causa do que você é, você deveria ser perfeito.

— Como você? Obcecado pelo seu mestre ao ponto de esquecer como é viver a vida? A única coisa que importa para você é esse arco velho...

Takashi parou, seus olhos azuis brilhando com algo entre a raiva e a decepção.

Percebendo que havia falado demais, Kuroda abaixou a cabeça, seguindo o restante do caminho em completo silêncio.

***

A tensão entre os dois permaneceu no ar enquanto seguiam em silêncio pelo caminho até o local do alvo.

Takashi, com seu arco antigo e surrado, mantinha-se imerso em pensamentos. O arco era uma relíquia, mal mantido, mas de um valor sentimental que o impedia de trocá-lo por um novo. Mesmo com a corda prestes a arrebentar e a madeira cheia de farpas, Takashi se apegava a ele como se fosse uma extensão de sua própria alma.

Quando finalmente chegaram ao local do contrato, subiram nas árvores ao redor, amarrando cordas e formando uma rede improvisada onde poderiam descansar sem serem detectados.

O clima entre os dois ainda estava tenso, e, durante a montagem, nenhum dos dois falou uma palavra.

Mas, eventualmente, Kuroda quebrou o silêncio.

— Takashi... Desculpa pelo que eu disse. Sobre o arco. Eu não devia ter falado aquilo. Fui um idiota.

Takashi permaneceu quieto, observando a cabana de seus alvos à distância.

— Você tinha razão, eu iria acabar estragando toda a operação do líder... — completou Kuroda, deitando-se na rede e admirando o céu com um semblante entristecido.

Mas havia algo na sinceridade de Kuroda que o fez Takashi reconsiderar.

— Você se subestima demais — disse ele finalmente, virando-se para o jovem. — Você é um dos melhores. Acredito que faremos parte da segunda onda.

Kuroda, surpreso, olhou para Takashi com incredulidade.

— O quê? Com os mais experientes? Você só pode estar brincando!

— E por que não? Você é um especialista com lâminas. Mas ainda assim, não venceria meu arco — disse Takashi, com um sorriso brincalhão que dissipou a tensão entre eles.

Eles riram juntos, como irmãos que sempre foram, deixando as desavenças para trás. Kuroda então, curioso, perguntou:

— A propósito, o que diz o contrato?

Takashi releu o documento em voz alta:

Alvos: Homem e Mulher sem nome.
Localização: Cabana no coração da floresta de pinheiros, próxima à cidade de Aeterna.
Descrição da Mulher: Nenhuma descrição obtida. ELIMINAÇÃO IMEDIATA.
Descrição do Homem: Jovem espadachim de cabelos escuros; habilidades e reflexos sobre-humanos; possui a capacidade de causar cortes a curta distância, ultrapassando o alcance de sua lâmina. ELIMINAÇÃO IMEDIATA.
Obs.: Os alvos andam sempre juntos e estão em local remoto; impossível haver inocentes na área. Eliminem os alvos assim que avistados.
NÃO TENTEM CONVERSAR OU ENFRENTAR. ELIMINAÇÃO IMEDIATA.

Kuroda segurava o contrato com as mãos trêmulas, lendo-o mais uma vez, embora já soubesse cada linha. O vento frio da floresta fazia as árvores balançarem suavemente, mas o jovem assassino parecia alheio ao cenário. O que o incomodava não era tanto o conteúdo do contrato, mas a sensação inquietante que não conseguia afastar.

— É um contrato meio estranho para ser nosso primeiro... — comentou Kuroda, tentando manter a voz firme, mas havia um toque de hesitação.

Takashi, que observava a cabana à distância, estreitou os olhos antes de responder, seu tom calmo e controlado como sempre.

— Está com medo dos nossos alvos? Nós damos conta deles.

Kuroda bufou, tentando afastar a ansiedade que o corroía.

— Não dos alvos... Do lugar. Olhe com mais atenção.

Takashi, cético, voltou seu olhar para os arredores da cabana, sem dar muita importância ao que o companheiro dizia. A construção estava claramente abandonada há algum tempo, com a natureza reclamando seu espaço. Ervas daninhas cresciam por entre as pedras, e a madeira da cabana, embora desgastada, ainda se mantinha de pé. Ao lado, um armazém e um poço seguiam o mesmo destino, cobertos por uma camada de musgo e folhas caídas.

— É uma cabana velha, Kuroda. Não há nada demais aqui — disse Takashi, sem desviar os olhos.

Mas algo no tom de Kuroda o fez hesitar. Relutante, ele olhou com mais atenção. Foi então que notou o que Kuroda tentava lhe mostrar.

Ao redor da cabana, o solo parecia perturbado. Não pela ação do tempo ou pelo crescimento natural da vegetação, mas por um círculo perfeito, onde a grama e as plantas eram diferentes do resto da floresta. Era como se uma linha invisível delimitasse o espaço, uma zona que não pertencia ao mundo natural. Além disso, perto das paredes da cabana, pilhas de cinzas se acumulavam, o que indicava que um incêndio deveria ter ocorrido ali. No entanto, a madeira da cabana permanecia intacta, sem sinais de que tivesse sido tocada pelas chamas.

Takashi franziu a testa. Agora que notava esses detalhes, o lugar parecia... errado. Como se houvesse algo sombrio e silencioso escondido naquela calmaria.

— O que você acha que aconteceu aqui? — Kuroda perguntou, seu tom carregado de um misto de medo e curiosidade.

Takashi não teve tempo de responder. A porta da cabana rangeu e, para a surpresa de ambos, os alvos saíram. Um homem e uma mulher, movendo-se com uma tranquilidade inquietante.



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