Volume 1 – Arco 1

Capítulo 8

— Morra, sua vadia! — gritou Erina, girando sua espada lentamente.

Sua adversária estremeceu com o golpe inesperado, mas logo virou o rosto para encará-la. Os olhos vermelhos, acompanhados de um sorriso doentio, fizeram Erina sentir um frio subir pela espinha e o estômago embrulhar.

— Então era você que o Reiji estava tentando proteger...

— Por que você não morre?! — Erina gritou.

A mulher retirou novamente sua adaga de seu próprio pescoço, obrigando Erina a recuar, conseguindo evitar de ser acertada e ferida.

Enquanto Erina mantinha a guarda levantada, sua adversária parecia despreocupada, estudando seu corpo e tentando identificar seus pontos fortes e fracos.

— Vejo que trabalhou bem todo o seu corpo, Reiji deve ter sido um excelente professor. Devo dizer que seu ataque e reflexos superam os dele — disse a mulher, com um tom admirado.

— Não ouse falar o nome dele! — retrucou Erina, furiosa.

— Isso foi um elogio! Não é qualquer um que é capaz de superar o "Melhor Espadachim do Império." Mas seja como for, você é uma pessoa especial que ele queria proteger...

A mulher começou a respirar profundamente, parecendo recuperar a compostura. Ela abaixou a adaga, expondo-se completamente. Erina percebeu que o ferimento no peito da mulher estava se fechando, mas o coração não havia se curado.

— Tenho certeza que ele foi um grande homem — disse a mulher, olhando para o corpo de Reiji. — Pelo menos, melhor do que eu julguei ser. Não deixe que a morte dele seja em vão. Volte para sua cabana, e fingirei que não há mais ninguém por aqui; aproveite os cinco anos que lhe restam...

Erina não quis pensar naquela oferta, mas ao olhar para o corpo de Reiji, ficou horrorizada ao ver os ferimentos que ele havia adquirido em batalha, percebendo que suas chances de vitória eram mínimas. Refletiu em uma maneira de derrotar alguém que sobrevivera a uma perfuração no coração.

Sabendo que havia a oportunidade de escapar daquela luta e viver, apenas uma louca recusaria aquela chance.

Erina era louca.

Adotando uma postura similar à de Reiji, Erina guardou sua espada na bainha, mantendo sua mão sobre o cabo. Ela se virou para esconder sua espada e mão. Uma postura tão simples quanto a original, mas igualmente eficaz em manter seu próximo movimento um mistério, como Reiji havia lhe ensinado.

A mulher, percebendo que Erina não iria desistir, soltou a adaga e abriu os braços, como se estivesse chamando por algo. Antes que qualquer uma pudesse atacar, a expressão da mulher mudou repentinamente ao ver Kenshiro.

Erina se sentiu mais confiante, mas ficou confusa ao notar a reação de Kenshiro.

— Anna? É você? — perguntou Kenshiro, pasmo.

— Ken... shiro? — respondeu a mulher, em choque.

Um trauma antigo de Kenshiro veio à tona: cadetes imperiais, uma aula prática, uma caverna, um monstro, Anna... e morte.

— Kenshiro! Você conhece ela?! — exigiu Erina, se aproximando dele.

Kenshiro voltou à realidade ao ver a mulher gritar de dor, colocando as mãos sobre os olhos.

— É a Anna, da academia. Ela morreu naquele “incidente” — respondeu Kenshiro, ainda perdido.

Aquele nome não lhe era estranho. Forçando-se a lembrar de quando visitou a academia imperial, Erina se recordou de Anna, uma garota determinada e corajosa, líder de seu pequeno grupo de amigos. Anna, agora adulta, apenas carregava consigo um semblante de derrotada e infelicidade.

Os olhos de Anna voltaram ao seu azul original, trazendo assim sua voz.

— Ken... shiro... — disse Anna, com uma voz rouca e fraca. — Está doendo tanto... Dói respirar. Ver. Falar. Pensar... Dói estar aqui novamente... Me mate, por favor...

— Não, Anna! Deve haver outro jeito, eu posso salvar você desta vez! — implorou Kenshiro.

— Eu já estou morta, Kenshiro... Você... precisa me superar... e seguir seu próprio caminho...

Anna olhou para Erina e começou a chorar sangue. Um pequeno sorriso se formou em seu rosto. Ela havia aceitado seu destino, e estava feliz que Kenshiro tinha alguém ao seu lado.

Kenshiro abaixou o olhar e pôs as mãos sobre suas espadas. Flexionou os joelhos, pronto para realizar o ataque, mas ainda hesitava em matar Anna.

— ISSO É UMA ORDEM! — gritou Anna, pela última vez.

O azul de seus olhos foi consumido pelo vermelho da mulher. Anna não existia mais.

A mulher, agora irritada, ergueu os braços. A floresta inteira estremeceu, fazendo os pássaros gritarem e voarem. Dezenas de milhares de adagas apareceram acima dos três, flutuando em volta da mulher e formando uma barreira.

O som era ensurdecedor.

A mulher manipulou as adagas, criando um padrão semelhante a uma broca que girava constantemente. As poucas adagas que não faziam parte do ataque orbitavam ao redor dela, servindo como proteção.

Erina estava espantada com a força da adversária. Mesmo se conseguisse atravessar a broca de adagas, e a barreira, acabaria sendo morta no processo. E nem sequer sabia se seu golpe seria suficiente para matá-la.

Kenshiro, pouco se importando com a situação, assumindo a posição para realizar o Impulso.

Diferente de Erina e Reiji, que escondiam suas posturas, Kenshiro deixava claro suas intenções: atravessaria a broca e a barreira de adagas, matando a mulher em um único movimento.

Percebendo a confiança do espadachim, a mulher gritou:

— Chega de brincadeiras! Morram!

A broca começou a avançar. A mulher começou a sangrar pelos olhos, nariz, boca e ouvidos. A falta de oxigênio deixava-a “alta”, mas a perda de sangue atrapalhava seus pensamentos e decisões.

Kenshiro manteve sua posição firme e os olhos fechados, mesmo com as adagas se aproximando. Ele esperou até o último instante. Ao abrir os olhos, eles brilharam em dourado, fazendo a mulher se abalar.

As adagas foram todas refletidas de uma única vez, voando violentamente para os lados. Felizmente, nenhuma feriu Erina por acidente. Kenshiro, após o ataque, estava atrás da mulher com suas espadas em mãos.

A mulher ainda estava de pé, com um sorriso simples no rosto.

— Aproveitem... — disse a mulher, caindo de joelhos ao chão, enquanto sua cabeça se separava do corpo.

Ela estava contente com o resultado da luta.

***

A vitória teve um gosto amargo.

Kenshiro e Erina perderam alguém importante para eles. Reiji era professor e defensor, quase um pai, para ambos, mas, acima de tudo, a última família que eles tinham.

Expectativas, sonhos, todo o futuro havia sido planejado com Reiji sendo testemunha de suas vitórias e conquistas. A jornada seria liderada por ele, o homem mais experiente, sensato e divertido que conheceram.

Mas agora, estavam sozinhos.

Erina se ajoelhou ao lado de seu mestre, chorando por não poder mostrar seu aperfeiçoamento, nunca tendo sido elogiada ou parabenizada pelo progresso duro que fez. Mas o que mais a magoava era não ter lhe agradecido por tudo que ele fizera por ela.

Kaji, tomado pela dor e agonia, queimou a cabana de seu mestre, criando uma chama gigantesca cuja fumaça podia ser vista até pela cidade de Aeterna. Todo o silêncio e discrição que Reiji lutou para manter haviam se perdido; Kaji queria gritar para o mundo, e queria que o mundo o escutasse.

Kenshiro manteve-se de pé, olhando para a lua enquanto lágrimas escorriam pelo seu rosto. Seu treinamento, o tempo que ficara distante, seus sacrifícios; a vida inteira havia se preparado para a jornada junto de seu tio. Agora, nada mais importava para ele. Mesmo depois de tanto evoluir e melhorar, não pôde proteger sua única família, como realizaria a jornada?

Kenshiro havia desistido. Não... Pior. Ele estava determinado a mergulhar em sua própria derrota e se afogar com ela.

Seus inimigos foram espertos em eliminar o pilar daquele pequeno grupo. Com esse único ataque, haviam vencido todas as batalhas futuras.



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