Volume 1 – Arco 1

Capítulo 6

Kara e Reiji se posicionaram para o embate.

O silêncio predominava. Ambos se fitavam, tentando prever os possíveis movimentos que seu adversário realizaria. Uma batalha mental estava acontecendo, inúmeras possibilidades com reviravoltas e encerramentos variáveis passavam na cabeça de ambos. Sabiam que aquele que antecipasse o maior número de variantes teria a maior vantagem.

Reiji manteve a respiração calma e constante, conectando-se ao ambiente ao seu redor. Aquela floresta, onde ele vivera por toda a vida, sempre fora sua aliada.

A lua iluminava a floresta, criando poucas sombras. O vento soprava pelos pinheiros, compondo uma melodia suave. O cheiro da grama molhada ainda estava presente, e os animais haviam se afastado, temendo por suas vidas. Exceto por um pássaro curioso que se acomodou em um galho frágil.

Havia algo novo o incomodando. Quando sua adversária surgiu na floresta, alguma coisa parecia ter ficado preso no topo das árvores. Foi então que Reiji percebeu, sentindo um frio subir pela espinha, sua expressão de determinação deu lugar à preocupação, suas chances de vencer haviam diminuído drasticamente.

Sabendo que todas as variáveis que havia previsto eram inúteis, Reiji concluiu que Kara já estava inúmeros passos à sua frente, precisando imaginar que a floresta, outrora sua aliada, agora também era sua adversária.

Kara, notando a mudança na expressão de Reiji, não pôde evitar de soltar um leve sorriso de confiança; já havia concluído todas as variantes daquela luta, ela venceria.

Com a tensão aumentando, ninguém queria fazer o primeiro movimento. O menor dos ruídos seria o causador do confronto.

***

Crac! O galho cedeu ao peso do pássaro.

Kara foi a primeira a atacar, ordenando suas adagas a perfurarem Reiji. Aproveitou para retirar mais duas adagas de seu corpo e empunhá-las.

Reiji avançou contra sua adversária, ignorando as adagas e os ferimentos que elas faziam, buscava finalizar a luta com um corte simples e fatal. Kara se defendeu, desviando o corte com as adagas que segurava, aproveitando a abertura para perfurar o peito do espadachim.

A força da mulher, que outrora mal suportava seu próprio peso, agora resistia à investida de Reiji.

Ele evitou o ataque ao acertar o antebraço da mulher, deixando-o dormente. Reiji não possuía compreensão apenas na arte da espada; dominava diversos conhecimentos como anatomia. Ele usaria tudo que aprendera em sua vida para derrotar sua adversária

Kara atacava de múltiplas direções. As adagas voadoras eram livres para ferir cada parte do corpo de Reiji; causando ferimentos incômodos que se tornavam cada vez mais profundos. Enquanto as que mantinha em mãos utilizavam uma grande força, onde cada investida poderia ser fatal.

Reiji não seria derrotado mesmo que enfrentasse dez adagas ao mesmo tempo, ele ignorava os ferimentos para conseguir realizar seus ataques, do contrário, estaria sempre na defensiva. Sua adversária pensara que o fato de nunca ter sido ferido pudesse perturbá-lo, mas a vontade de proteger sua família era maior que seu orgulho próprio.

Sentindo dificuldades durante a luta, o semblante de Kara começou a transparecer preocupação. Se a luta se prolongasse ela perderia. Sacando mais uma adaga, restando apenas uma dentro de seu corpo, ela correu floresta adentro, deixando as 5 atacarem Reiji.

Percebendo a direção que ela tomara, ele precisou apressar seu passo para impedi-la. Uma perseguição começou.

As adagas agora atacavam tão ferozmente que Reiji precisava desviar-se e refleti-las, permitindo que Kara conseguisse aumentar a distância entre eles aos poucos enquanto alternava entre as árvores. Em pouco tempo, ele já não podia mais vê-la, apenas a escutava correndo à sua frente.

Quando viu a pequena muda de pinheiro, concluiu que já não tinha muitas opções. Reiji decidiu usar o "Impulso" mais uma vez.

Guardando sua espada na bainha, flexionando os joelhos, Reiji permitiu que as 5 adagas o ferissem livremente. Cada corte sendo mais doloroso que o anterior; sua roupa branca já estava picotada e avermelhada por tantos cortes em seu corpo. Então, ele atacou.

Cortando todos os pinheiros em seu caminho, buscava cortar sua adversária junto. Exatamente como ela havia previsto.

Com a sexta e última adaga em mãos, Kara aguardava por ele, posicionando a adaga em direção de seu coração. A velocidade do Impulso o impediria de desviar a tempo, e mesmo se a matasse, morreria junto.

Após o ataque, Reiji apareceu atrás de Kara e deu de joelhos. A adaga estava cravada em seu peito. Kara olhou para trás, satisfeita, com um sorriso largo.

— Você é realmente impressionante! — disse ela, com os olhos brilhando.

Então, seu braço caiu.

Reiji havia cortado o braço de Kara e desviado a ponta da adaga. Embora ainda tivesse sido perfurado, seu coração não fora atingido.

As demais adagas chegaram até eles, mas Reiji usou sua velocidade para se colocar à frente de Kara. Segurando-a pela cabeça, ele a jogou contra o chão, e gritou:

— Liberar!

Sua mão brilhou em dourado, causando uma pequena explosão de luz na floresta.

Kara estava desmaiada, seus olhos fechados e corpo estático. As adagas caíram no chão. Por precaução, Reiji as recolheu e as enterrou sob um dos pinheiros caídos.

A mulher começou a se levantar, murmurando.

— Desculpe-me pelo braço, mas foi a única maneira de evitar minha morte... — disse Reiji.

— Meu braço? O quê? Onde estou? — perguntou a mulher.

Sua voz havia mudado um pouco. Seu tom sedutor agora era leve, transparecendo inocência e simpatia. Ao abrir os olhos, sua íris era azul, lembrando a água de um rio ao ser tocado pela luz do sol. O vermelho parecia ter sido extinto.

Aquela mulher havia sido controlada por Kara, sua personalidade e ações manipuladas. Com a falta de memória, Reiji concluiu que ela não estava consciente e nem sentia dor enquanto estava sob controle.

Embora estivesse preocupado com a mulher, algo pior o incomodava. O fato de ela estar inconsciente revelava que Kara possuía um domínio quase perfeito da habilidade de controle, pois era raro um controlador se esforçar para que seu fantoche não sentisse dor, exigindo muita energia para tal feito.

Além disso, o controle mental era uma magia delicada e facilmente quebrável, onde o controlador precisava estar perto do controlado. Mas Kara não estava em nenhum lugar da floresta ou dos seus arredores.

E, por último e mais importante: Kara poderia ter vencido desde o começo se seus movimentos fossem sempre claros e objetivos. A maioria de seus ataques eram amplos, onde dificilmente conseguiria atingi-lo fatalmente, mesmo ela já demonstrando habilidade suficiente para isso.

Reiji concluiu que Kara não possuía uma visão muito clara da luta, onde sua visão poderia estar turva ou até duplicada. Por isso que apenas em alguns ângulos específicos ela representava um perigo real. Desses ângulos, a "linha invisível" entre o controlador e o controlado era nítida, deixando-a com uma visão perfeita.

Fazendo um mapa mental de todos esses ângulos, Reiji percebeu que havia um único lugar onde Kara poderia estar: A Grande Montanha do Norte.

Reiji começou a encarar a montanha, sentindo seu coração acelerar com a descoberta. Estava tão entusiasmado quanto amedrontado.

— Então, vocês estavam aí o tempo todo...

Enquanto ainda raciocinava, começou a sentir-se tonto, e sua visão começou a enfraquecer, perdendo o foco. Seu ferimento poderia ser mais grave do que pensava. Quando olhou para baixo para analisá-lo, viu a ponta de uma adaga atravessando-o.

Ao olhar para trás, viu Kara sorrindo maliciosamente. Seus olhos vermelhos haviam retornado, causando medo e angústia ao espadachim. Kara puxou a adaga, deixando o sangue escorrer; havia perfurado o coração de seu alvo.

Reiji agora estava no chão, agonizando.

— Eu menti! Eu tinha sete adagas no meu corpo! — disse ela, eufórica.

Kara guardou sua sétima adaga em seu pescoço, um ferimento grotesco do qual ninguém poderia sobreviver.

— Foi impressionante! Você é o primeiro a perceber a magia de controle! Só é uma pena que eu possa reassumir o controle quando eu quiser...

Enquanto a mulher comemorava sua vitória, Reiji começou a engasgar com seu próprio sangue, levantando a mão em direção à lua, como se pedisse por algo.

Percebendo seu estado de agonia, Kara se calou e voltou a respirar profundamente para recuperar o bom senso. Ajoelhou ao lado do espadachim moribundo e colocou a cabeça dele em seu colo.

Ela mordeu a ponta do dedo, causando um pequeno sangramento, e deixou uma gota de sangue cair em sua boca. A visão de Reiji começou a clarear, seus ferimentos estavam anestesiados, e ele já conseguia respirar e falar, mas ainda sentia sua vida o abandonando.

Kara respirou fundo algumas vezes mais, e então disse:

— Meu cérebro não está recebendo oxigênio adequamente, peço desculpas se agi de forma indevida de novo... Agora que está tudo mais calmo, posso ser eu mesma outra vez.

— Por que fez isso? — perguntou Reiji.

— Eu prometi que sua morte seria agradável... Acho que ainda temos tempo para eu responder ao menos mais uma pergunta sua.

Reiji estava confuso sobre a verdadeira personalidade da mulher. Ele havia enfrentado uma maníaca, uma psicopata, alguém com múltiplas personalidades ou um anjo? Kara agora parecia uma mulher pacífica, educada e calma. Ele sentia como se estivesse sendo abençoado e protegido.

“Quem é você? Quem matou meu irmão? O Alpha é real? O que houve com Adam? O que o Império quer com os Remanescentes? Onde estão os outros Descendentes?”, havia tantas perguntas que Reiji gostaria de fazer... Sua jornada deveria responder cada uma delas, mas agora ele precisava escolher apenas uma.

— Eu fui um bom pai? — perguntou Reiji.

Kara ficou em choque, estava determinada a revelar até os segredos mais sombrios do mundo. Aquela simples pergunta a quebrou, permitindo que lágrimas se formassem em seus olhos.

Embora conhecesse o filho de Reiji, não deveria ser possível que ele soubesse disso. Lembrando de seus erros ao subestimá-lo, concluiu que Reiji era uma pessoa sábia por natureza, e então resolveu responder.

— Sim, você foi um bom pai. E... a morte de seu irmão não foi culpa sua.

Enquanto Kara acariciava seu rosto, Reiji começou a admirar a lua cheia, agora sem peso em sua consciência. Ela desceu do céu, preenchendo toda a sua visão, até ele estar em um lugar completamente branco. Uma mão se estendeu para ele, e uma voz o chamou; Reiji reconheceria aquela voz em qualquer lugar, era seu irmão.

Quando ele a agarrou... Reiji Torison deu seu último suspiro.

***

Em respeito, Kara fechou os olhos de Reiji e repousou sua cabeça ao chão, gentilmente. Agora, seu corpo poderia finalmente descansar em paz enquanto sua alma vagava rumo para um futuro desconhecido.

Sua missão estava cumprida, seu alvo eliminado, mas um homem bom havia morrido naquela noite. Enquanto a tristeza ameaçava dominá-la, Kara temia que Reiji não tivesse um enterro digno, nem fosse lembrado por alguém além dela e de seu filho.

Durante seu breve luto, foi subitamente surpreendida por uma espada que a perfurou pelas costas, atingindo seu coração.

A lâmina era de uma rapieira.

Ao olhar para trás, viu uma mulher de cabelos castanhos e olhos esverdeados. A expressão da jovem era de puro ódio, com dentes cerrados, sobrancelhas contraídas e um olhar fixo e feroz. Seu desprezo por Kara se manifestou em palavras simples e cortantes:

— Morra, sua vadia!

Erina havia chegado para vingar seu mestre.

Sentindo seu oxigênio se esvair novamente, Kara sorriu, ansiosa pelo próximo embate.



Comentários