Volume 1 – Arco 1
Capítulo 3
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Kenshiro foi surpreendido, reconhecendo o homem que adentrada na cabana tão rudemente.
O homem era alto e largo, precisando se abaixar para passar pela porta e quase ficando preso na mesma. Seus músculos robustos eram bem distribuídos pelo seu corpo, sendo comparado até aos temíveis orcs. Sua armadura negra, e apertada, era idêntica à de Kenshiro.
Carregava consigo apenas uma modesta espada, elegantemente presa em sua cintura; a falta de um escudo mostrava que ele era confiante em sua velocidade, apesar de seu tamanho. Sua lâmina, aparentemente simples, refletia a luz com um brilho platinado, revelando a qualidade de seus materiais.
Seu olhar assassino e expressão ameaçadora logo se desfizeram quando seus olhos se encontraram com os de Kenshiro. Seu rosto endurecido se acalmou, e um brilho caloroso tomou conta dos seus olhos escuros.
O homem, um parente próximo de Kenshiro, possuía um rosto similar ao do jovem, com marcas da idade e uma barba curta, e bem cuidada, diferenciando-os.
— Tio Reiji! —Kenshiro comemorou, guardando instantaneamente sua espada de volta à bainha.
— Kenshiro! — clamou Reiji, com um sorriso largo.
Reiji empurrou a mesa rudemente, derrubando-a, enquanto corria até seu sobrinho para dar-lhe um abraço esmagador. Kaji, observando a cena, suspirou ao perceber que teria que consertar a porta e arrumar a mesa mais uma vez.
Depois do abraço apertado, e a mesa posta em seu lugar graças ao Kaji, Kenshiro disse:
— Vejo que você também foi dispensado com desonra, hein? — brincou ele, batendo levemente em sua própria armadura.
— Nós dois somos um desastre! — Reiji riu, deixando suas mãos em sua cintura. — Mas o que aconteceu com você? Esqueceu em qual lado fica o coração?
— Esqueci o nome do Imperador — respondeu Kenshiro, levando as mãos para trás da cabeça.
— Ah, sim, claro! — zombou Reiji, segurando o riso. — Errou um nome que aparece no juramento que precisa fazer todos os dias na academia, e ainda não conseguiu ler um texto pronto que, com certeza, lhe haviam entregado...
Os dois riram em meio às brincadeiras e provocações típicas que eram acostumados a fazer.
Reiji sentou-se à mesa e pegou uma xícara de café, pronto para saborear o que achava ser uma bebida quente e acolhedora. Assim que o líquido tocou sua língua, ele o cuspiu com força, criando uma nuvem amarronzada que salpicou em Kaji.
Com os olhos arregalados e a língua para fora, Reiji se virou para o elemental com indignação.
— Kaji! Você fez o café?! Está horrível como sempre!
— O jovem Kenshiro não reclamou! E o café da Erina já estava frio! — respondeu Kaji, elevando suas chamas até a altura de Reiji.
— Então você deveria ter guardado um pouco para mim! Eu prefiro tomar café frio do que esse caldo de piche!
Enquanto a discussão animada prosseguia, Kenshiro sentiu a ausência de mais uma pessoa.
— Tio, onde está Erina? Ela não estava com você?
Reiji arregalou os olhos, batendo as mãos contra as bochechas.
— Droga! Acho que exagerei na reta final! Ela pode ter se perdido! — disse ele, saindo apressadamente pela porta, que novamente arrebentou com um chute.
Mas sua pressa fora desnecessária. Um vulto entrou pela janela, quebrando-a junto da mesa, parando ao colidir com a base da lareira de Kaji. As chamas da lareira estalaram furiosamente, como se expressassem irritação.
— Você usou o “Impulso” para cortar tempo, não foi?! — questionou Kaji.
— Nos poupou duas horas de caminhada! — respondeu Reiji.
— Quantas vezes preciso repetir? A Erina teria mais chances de sobreviver se aprendesse a lutar de verdade, ao invés dessas gambiarras suicidas!
De baixo da toalha da mesa, ainda a cobrindo, uma voz suave e feminina murmurou:
— Vocês dois... parem de gritar um pouco...
Ambos se aquietaram.
Kaji prontamente ofereceu um pano molhado. A mão que se estendeu para pegá-lo era pequena e delicada. Quando acariciou Kaji em agradecimento, a mão queimou-se ligeiramente com o toque das chamas, mas não demonstrou dor.
Finalmente, retirando a toalha, Erina se revelou. Seus longos cabelos castanhos caíam em cascata sobre seus ombros, e seus olhos verdes, quase hipnotizantes, brilhavam sob a luz fraca vindo da janela quebrada. Seu rosto angelical era completado por um corpo esguio e atlético, mas que era coberto por vestes longas que evitavam atrair atenção indesejada.
Ao ver Kenshiro, Erina deu um pequeno passo para trás, surpresa.
— Oi, Erina... Já faz um bom tempo — disse Kenshiro, desviando o olhar, envergonhado.
— Kenshiro... — murmurou Erina, quase emocionada.
Ela se aproximou lentamente, levantando a mão queimada até tocar o rosto de Kenshiro, como se quisesse confirmar que ele não era uma ilusão. Então forçou-o a encará-la, virando seu rosto. E com a seriedade de um oficial mal-humorado, constatou:
— Você está com hematomas no peito e na cabeça, além de um corte na testa.
A mão de Erina começou a brilhar em verde, e enquanto suas próprias queimaduras desapareciam, Kenshiro sentiu seus ferimentos sendo curados.
— E você ainda está fedendo a tomate podre... Vá se lavar direito! — sugeriu Erina, sentando-se à mesa.
Kenshiro e Reiji trocaram olhares surpresos, ambos esperavam uma recepção mais calorosa vinda dela. Sem muitas opções, Kenshiro saiu para se lavar, acompanhado por seu tio, deixando Erina e Kaji a sós.
Erina preparou sua xícara de café, tomando um gole. Rapidamente teve que disfarçar a careta ao reconhecer o gosto característico de Kaji.
— Faz muito tempo desde a última vez que você preparou o café, Kaji — disse ela, sorrindo gentilmente.
— E faz muito tempo desde que você sorriu assim! Alguma razão em especial? — perguntou Kaji, já sabendo a resposta.
Erina riu docemente, olhando pela janela que ainda estava sendo consertada, seus olhos focados em Kenshiro.
— Quem sabe...
***
A muitos quilômetros da cabana, no cume da mais alta montanha do continente, uma mulher surgia de uma caverna.
De sua posição privilegiada, ela podia ver todo o Grande Continente. A floresta dos elfos, as geleiras dos Remanescentes, o pântano dos orcs, a imponente torre da Capital Imperial e até o distante deserto. Nada podia se esconder de sua visão na Grande Montanha do Norte.
A mulher caminhava com passos trêmulos; o pé esquerdo visivelmente quebrado. Seu corpo esquelético era coberto apenas por uma faixa branca que envolvia partes de sua pele azulada e doentia, em contraste com o vibrante azul de seus cabelos curtos.
Seus olhos, de um vermelho intenso e único, fixaram-se no penhasco à sua frente; uma queda na qual nem o chão podia ser visto. Inclinando-se para o precipício, ela murmurou:
— Matar os Torison.
E permitiu a gravidade a levar.
Mas o estrondo de seu impacto não pôde ser ouvido.