Volume 1 – Arco 1

Capítulo 2

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Longe do portão, Kenshiro respirou profundamente como se tivesse corrido uma maratona. As pessoas ao seu redor estranhavam sua repentina chegada, como se ele tivesse acabado de aparecer.

Vendo a cidade de Aeterna de longe, ele a admirou uma última vez, não sentindo intenções de voltar.

Assim, ele começou a caminhar, seguindo pela estrada de terra.

***

Após algum tempo na estrada, Kenshiro desviou bruscamente para o lado, adentrando uma floresta de pinheiros e desaparecendo entre as árvores.

Apesar da floresta parecer idêntica em todos os sentidos, Kenshiro reconhecia os poucos sinais que o guiavam. Primeiro, um pinheiro caído, apontando a direção correta. Depois, uma muda de pinheiro, confirmando que estava no caminho certo. E, por fim, uma grande rocha, onde o musgo crescia somente em um dos lados.

Mesmo vendo que depois da rocha não haviam nada além de mais pinheiros, Kenshiro seguiu em frente.

Ao cruzar a linha onde o musgo parara de crescer, ele atravessou uma barreira ilusória, sentindo a mudança do ar em sua pele, revelando aquilo que procurava: seu lar.

Uma cabana simples de dois andares, feita da própria madeira dos pinheiros daquela floresta, escondida no coração da floresta e reforçada por uma barreira ilusória. A família Torison sempre buscou isolamento do mundo.

Kenshiro se lavou rapidamente com a água do poço, não querendo entrar na cabana sujo e sangrando.

Ao chegar à porta, sua mão tremeu. Seus dedos suados tocavam a madeira hesitantes, enquanto ele respirava fundo, tentando acalmar o coração.

Finalmente, Kenshiro abriu a porta.

A visão quase o fez chorar. A pia estava cheia de louça suja, pratos, talheres, comida e livros estavam espalhados pelo chão; uma desordem caótica, exatamente como ele se lembrava.

O jovem olhou para a lareira e viu o fogo dançando timidamente, as chamas menores do que o normal, apesar da quantidade de lenha. Com o sentimento nostálgico, Kenshiro estendeu a mão e começou a acariciar as diminutas chamas. Elas não queimavam sua pele nem suas roupas.

O fogo cresceu, subindo até seu ombro, e então uma voz ecoou:

— O jovem Kenshiro retornou!

— Sim, Kaji. Eu voltei — respondeu Kenshiro, com um sorriso.

Kenshiro permitiu que o fogo tomasse conta de todo o seu corpo, dando-lhe um calor reconfortante. Era um abraço comum o qual ele sentira muita falta.

Kaji, um elemental de fogo, abaixou suas chamas até o tamanho normal, encerrando o abraço. Seus olhos e boca, criados magicamente, apareceram, dando-lhe uma aparência quase fofa.

Apesar de sua forma inusitada, Kaji era um ser poderoso, responsável pela ilusão que protegia a cabana e por manipular a energia necessária para transformar sua crepitação em palavras compreensíveis.

— Finalmente poderemos começar nossa jornada! — disse Kaji, com um sorriso largo.

— Sim. Apesar do meu atraso — respondeu Kenshiro, sentando-se à mesa —, nós vamos sim.

Kenshiro tocou a chaleira percebendo que o café estava frio. Vendo o desapontamento do jovem, Kaji prontamente decidiu preparar um novo café fresco para ele.

A chaleira flutuou até a pia, descartou o café antigo e, após ser devidamente lavada e reabastecida, foi levada acima da chama de Kaji, que a esquentou quase instantaneamente. Kenshiro observou o processo em silêncio, aproveitando o momento.

Atitudes como aquela apenas mostravam o quão fiel era Kaji com a família Torison. Embora gostassem de conversar, palavras não eram necessárias para agradecer ou elogiar o pequeno elemental de fogo, pois o mesmo já sabia e sentia o que seus mestres pensavam dele.

Ansioso para saber como sua família tem se comportando sem sua presença, Kenshiro perguntou:

— Vocês... — Percebendo o estranho silêncio na casa, concluiu que apenas Kaji estava lá. — Onde estão todos?

Kaji ignorou momentaneamente a pergunta, fazendo algumas xícaras limpas que estavam no armário flutuarem até a mesa. Ainda concentrado no preparo à mesa, ele respondeu sem cerimônia:

— Mestre Reiji foi chamado para uma audiência. A jovem Erina decidiu acompanhá-lo.

— Audiência? O Império não pode estar pensando em atacar agora... A “Grande Campanha” já acabou? — perguntou Kenshiro, levando a mão até sua testa em desconforto.

— Quem sabe? — respondeu Kaji, finalizando mediocremente a mesa. — Sem um calendário, estamos às cegas quanto ao tempo.

Kenshiro soltou um suspiro, pensativo.

— A única razão pela qual sei que fiz 18 anos é por causa da academia. Daqui em diante, vou ter que me lembrar sozinho ou agendar uma consulta com algum dos estudiosos imperiais...

Kaji deu uma risada abafada, sua chama tremulando com o som.

— E nem pense que pode contar comigo para isso! Parei de contar a idade do mestre Reiji quando ele passou dos trinta.

— Não sabe nem sua própria idade? — brincou Kenshiro.

— Se você fosse um ser imortal como eu, também esqueceria! — reclamou Kaji, abrindo sua boca mágica exageradamente, conseguindo tirar uma pequena risada do jovem.

Manipulando os objetos, Kaji preparou uma xícara de café e ofereceu a Kenshiro. O jovem aceitou, sentindo o aroma forte subir de encontro ao seu rosto. Ele tomou um gole, deixando o gosto amargo e forte se espalhar por sua boca; exatamente como se lembrava, exatamente como queria.

— Pode ser que não seja um ataque — disse Kaji, deixando suas chamas dançarem livremente. — Alguma outra coisa pode ter acontecido...

— Talvez — respondeu Kenshiro, inclinando-se na cadeira e olhando para o teto —, mas não escutei nada de estranho durante meu tempo na academia, não o suficiente para uma audiência com todos os heróis imperiais... E se for o caso do Império realmente querer iniciar um ataque... Nossa jornada vai se complicar!

Kenshiro admirou a fumaça mágica de Kaji desaparecer ao chegar ao teto, sem se acumular ou criando um ambiente sufocante. Onde há fumaça, geralmente há fogo, e nesses tempos, o fogo apenas denunciavam a guerra.

***

O Império sempre teve a obrigação de defender seu povo de criaturas, bandidos e tiranos opressores, mas nunca havia entrado em uma guerra de fato. Até os Remanescentes atacarem os inúmeros vilarejos e vilas próximos da sua fronteira, iniciando o conflito.

Nesse período, o fogo se tornou algo recorrente, invadindo e se alojando na memória de muitos.

O Império, situado no coração do território humano, tinha recursos abundantes e uma influência que se estendia por diversas cidades. Já os Remanescentes, localizados no extremo Sudoeste, sobreviviam em um território gélido e desolado. Eles eram poucos, e seu exército era uma fração do tamanho das forças imperiais. Mesmo assim, continuavam a lançar ataques, devastando as cidades e recuando para seu território gélido logo em seguida, onde uma defesa natural quase impenetrável os protegia de qualquer ofensiva imperial.

Frustrado por anos de impasse, o Império finalmente tomou uma atitude decisiva. Em parceria com os elfos, construíram uma muralha colossal, isolando os Remanescentes em seu território gelado. A muralha recebeu o nome de Aranost, o elfo responsável por sua criação.

Isolados em uma terra infértil, e sem os abastecimentos imperiais, era apenas uma questão de tempo para que os Remanescentes declarassem rendição. Entretando, isso nunca ocorreu.

Apesar de nenhum outro ataque ser mais possível, o Império instituiu uma campanha ambiciosa para formar o maior exército do continente. Onde, no final de 30 anos, planejava lançar um ataque massivo, varrendo os Remanescentes de vez. Kenshiro fora obrigado a se alistar por causa desta campanha.

Talvez o motivo para a população e os guardas terem ficado tão irritados não era apenas por Kenshiro ser um Descendente desertor. Ele poderia ter deixado passar algum detalhe que denunciasse que a Grande Campanha tenha chegado ao fim.

Ainda que os Remanescentes não tenham se ousado fazer mais outro ataque, sendo considerados até um reino desaparecido, por estarem tantos anos em completo silêncio e mistério, o Império ainda utiliza de sua influência para fazer a população acreditar que eles estão prestes a sofrer outra investida.

Os estudiosos acreditam que o conflito tenha completado 50 anos e que Aranost foi construída a quase 45.

Porém, a falta de um calendário oficial impedia qualquer um de ter a certeza sobre tal tempo, deixando todos ansiosos para o dia que o Império resolvesse atacar.

***

Despertando-se de seu próprio pensamento, Kenshiro encarou a janela da sala, pois ouvira um barulho estranho vindo em direção da cabana. Alguém havia acabado de atravessar a barreira ilusória.

Com passos pesados e firmes, esse alguém se aproximou da cabana tendo a certeza de seu objetivo. Kenshiro levantou-se lentamente e levou sua mão para sua espada cautelosamente.

O homem estava parado à frente da porta, em completo silêncio.

Então a porta foi arrombada por um chute.



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