Volume 1 – Arco 1

Capítulo 1

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O sol nasceu no longínquo horizonte, dissipando as trevas e banhando o mundo com sua luz dourada. Apenas as sombras resistiam, fugindo do brilho poderoso que as caçava.

Os primeiros a despertar eram os moradores do campo, aqueles que habitavam pequenas vilas e cidades sem muralhas, conectadas por simples estradas de terra. Esses eram os responsáveis pelos trabalhos básicos e essenciais de suas províncias. Tudo que essas vilas produziam era enviado à cidade principal da província por estradas de pedra, protegidas e fiscalizadas pelos soldados. Plantações, animais, matérias-primas e até suas crianças eram levadas.

Os alimentos e materiais eram repartidos entre a nobreza e a plebe. A nobreza sempre ficava com o melhor. O restante, ou o excesso, era vendido para outras cidades. As crianças, por sua vez, eram alistadas nas academias militares, onde passavam por um rigoroso treinamento e educação, destinadas a se tornarem os futuros soldados do Império.

Todos deviam arder em paixão pelo reino que serviam, sem jamais questionar suas ordens.

As cidades principais, cercadas por muralhas de pedra, abrigavam a nobreza e o exército. Bandeiras e estandartes destacavam o símbolo do Império: um falcão negro com asas abertas e peito estufado, as palavras "Submissão e Controle” jaziam inscritas abaixo de suas garras.

***

Em Aeterna, uma cidade principal, a vida seguia seu curso habitual. Comerciantes com suas carroças, nobres em trajes finos, soldados em patrulha, chefes de vilarejos e pessoas comuns se misturavam nas ruas. Mas entre eles, um jovem destacava-se.

Seu nome era Kenshiro Torison.

Ele era um jovem adulto de aparência simples: cabelos e olhos escuros, rosto magro e livre de imperfeições. Seu físico era magro e bem definido, com músculos que refletiam a disciplina militar. Mas não eram suas características físicas que o faziam se sobressair, o motivo era sua armadura, negra com símbolos do exército, que o denunciava como um recém-formado da academia militar.

A armadura negra exibia o brasão imperial em seu peito, um falcão gravado com ferramentas em alta temperatura, como se o animal tivesse sido queimado na superfície da fina armadura cerimonial.

Embora fosse comum os recrutas serem dispensados aos 16 anos, Kenshiro havia permanecido dois anos a mais na academia, mesmo possuindo notas acima da média.

Do lado de fora da academia, enquanto escutava os gritos dos jovens cadetes, ele lembrava de seus primeiros dias quando fora recrutado. Até que uma lembrança distante e traumática veio em sua mente: uma menina de cabelos azuis, ajoelhada, com um monstro segurando seus cabelos.

Sacudindo a cabeça, Kenshiro afastou o devaneio. Era hora de seguir em frente.

***

Enquanto caminhava pelas ruas de Aeterna, as pessoas abriam caminho para ele; todos os encaravam torcendo o nariz. Até que um tomate podre acertou suas costas, o cheiro repulsivo o fez procurar pelo agressor. Para sua surpresa, era uma criança, uma menina.

— Seu traidor! — disse ela, com a voz carregada de ódio.

O grito da criança atraiu a atenção dos demais. Em resposta, começaram a agir como verdadeiros cidadãos imperiais.

— Covarde... — murmurou um idoso, cuspindo aos pés de Kenshiro.

Uma nobre, disposta a se sujar, pegou uma pedra pontiaguda e a atirou contra Kenshiro, causando um pequeno corte em sua testa. O sangue escorreu imediatamente. Incentivados por aquela que jogou a primeira pedra, todos começaram a atirar pedras contra o espadachim.

Essa era a reação esperada de todos ao verem um desertor.

Kenshiro, cansado de sua humilhação, pôs a mão em sua espada e ousou desembainhá-la um pouco, apenas para que todos vissem sua lâmina prateada.

Rapidamente, as pessoas pararam as agressões e começaram a acelerar seus passos para se distanciar do espadachim desertor. O pai da menina a pegou em seus braços e correu, temendo que ela pudesse ser o primeiro alvo.

Vendo a rua vazia e silenciosa, Kenshiro se dispôs a rir com um sorriso similar de uma criança.

"São tão inocentes", pensou ele.

***

Chegando ao portão da cidade, um guarda o parou para revistá-lo em busca de itens proibidos ou roubados.

— Parece que está tudo em ordem... Apenas um kit de escoltador imperial comum — disse o guarda, liberando a passagem.

Antes de deixar Kenshiro partir, o guarda colocou a mão em seu ombro, alegando que havia esquecido de dar-lhe um "visto de liberação".

Uma joelhada seca atingiu o estômago de Kenshiro, expulsando o ar de seus pulmões. Seu corpo se curvou involuntariamente, e ele caiu de joelhos. A dor pulsava em sua barriga, e por um breve instante, sua visão ficou turva.

Antes que pudesse se recuperar, o peso brutal da bota do guarda esmagou sua nuca, forçando-o a deitar o rosto na terra fria. O mundo ficou mais escuro, com apenas uma visão parcial entre a bota do soldado e o chão que repousara. Kenshiro tentou respirar, mas a poeira que inalava dificultava sua respiração, cada tentativa de inspirar era uma luta.

Um novo par de botas havia aparecido na visão de Kenshiro, sendo seguidos por dezenas de pés descalços e pequenos.

— Olhem bem, crianças! — O recrutador anunciou, aproximando-se com passos lentos e calculados. Sua voz era firme, quase teatral, ecoando no ambiente como se estivesse dando uma lição. — Este é o destino dos desertores, aqueles que viram as costas para o Império. Um insulto não só ao falecido Imperador, mas a todos nós! — Ele se abaixou um pouco, os olhos duros e impiedosos fitando os de Kenshiro, que ainda lutava para erguer o rosto do chão. — Ele acha que é melhor que nós, mas aqui, rastejando, ele mostra o contrário.

As crianças, pequenas e indefesas, observavam em silêncio. Algumas tinham os olhos arregalados de medo, outras desviavam o olhar, como se não quisessem testemunhar aquela humilhação.

Kenshiro podia sentir o peso das palavras. Ele sabia que a exibição não era apenas para as crianças, mas para todos que observavam. Um espetáculo de poder, uma demonstração de controle.

Diferente da população alienada, os guardas faziam parte do problema estrutural, incentivando uma conduta patriótica quase fanática; aqueles que desobedeciam eram punidos. O desertor não seria tão piedoso com eles como foi com os cidadãos anteriormente.

***

— As crianças já foram? — Kenshiro perguntou, a voz rouca, mal conseguindo formar as palavras.

O guarda riu, empurrando ainda mais seu peso sobre a nuca de Kenshiro.

— Sim, elas foram. Você é livre para apanhar agora, sem testemunhas. — Sua risada era baixa, cheia de desdém.

Kenshiro, ainda pressionado no chão, riu baixo e forçado. Com um movimento repentino, ele se libertou torcendo o pé do guarda com apenas uma de suas mãos. O guarda levantou o pé, estava pronto para gritar, mas foi surpreendido pela agilidade de Kenshiro que, em um piscar de olhos, estava de pé tampando sua boca.

Kenshiro o empurrou até bater com força contra a muralha de pedra.

O som seco do impacto ecoou nas muralhas. O guarda soltou um gemido baixo, seus olhos arregalados de pavor. Kenshiro, agora no controle, aproximou-se ainda mais, mantendo o guarda pressionado contra a pedra. Seu braço levantado enquanto segurava uma pequena adaga, apontada diretamente para o rosto do soldado.

— Você vai fazer uma queixa? — A voz de Kenshiro era fria, quase calma, como se ele estivesse lidando com algo corriqueiro. — Ótimo. Mas antes disso, me diga uma coisa... — Ele posicionou a adaga contra o olho do guarda, a ponta da lâmina quase causando um pequeno corte. — Qual é o nome completo do nosso falecido Imperador?

O guarda começou a tremer, seus lábios balbuciavam algo, mas nenhum som coerente saía. Ele estava em pânico. Kenshiro riu, um riso seco e desapontado.

— Patético. Um guarda que nem sabe o nome do Imperador a quem serve? — Kenshiro então afrouxou o aperto, deixando o guarda escorregar pela parede, tossindo e engasgando. — Vá em frente, faça sua queixa. Só tenha certeza de saber pelo menos o nome de quem você defende.

Antes que o guarda pudesse reagir ou pedir reforços, Kenshiro já havia desaparecido.



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