Volume 1 – Arco 1

Prólogo: Profecia

“Quando as sombras roubarem todo o brilho do sol, os ratos sairão de suas tocas para nos devorarem...”

Ninguém sabia ao certo se era dia ou noite. Havia duas semanas desde que o sol desaparecera, engolido pelas nuvens negras que cobriam o céu. A única luz que restava vinha das chamas que consumiam cidades e vilarejos, incendiados pelo exército dos Renascidos.

Apenas uma cidade permanecia de pé, sua sobrevivência sendo a última esperança da humanidade. A Capital Imperial, protegida por muralhas altas e espessas, resistia à devastação que assolara o mundo.

Construída para abrigar toda a população de seu território, ninguém jamais acreditara que tal dia realmente chegaria; ninguém se dispôs a manter os suprimentos cheios.

A comida e água já se encerrara no final da primeira semana do cerco. Não havia nem mesmo um único rato presente em toda a vasta Capital. As chuvas, que caíam constantemente, ao menos faziam o trabalho de hidratar a população.

Mas a fome, já começara a deteriorar a esperança.

***

Todos que podiam lutar, entregaram seus corpos e almas à defesa de suas famílias. Muitos se ergueram, muitos caíram, e muitos perderam a vontade de continuar.

Os Renascidos sempre voltavam. Não importava a arma ou magia usada contra eles; nada podia destruí-los de forma permanente. Os mortos-vivos, desprovidos de necessidades, apenas esperavam seus inimigos morrerem de fome, ou tentarem outro ataque desesperado em busca de suprimentos.

Mas ainda havia um homem, um soldado cuja presença irradiava determinação. Ele se postava à frente de todos, observando o exército inimigo do alto da muralha.

Esse era o Herói do Povo.

Ele tentava, desesperadamente, elaborar uma estratégia. Os gritos dos inimigos eram tão altos que mal conseguia ouvir seus próprios pensamentos; sua fome atrapalha seus sentidos, deixando-o fraco e tonto; o choro e lamento de seu povo perfuravam sua alma, ameaçando quebrar o último fio de esperança que nele restava.

Foi então que a origem de todo aquele mal se revelou.

Um rei sombrio, montado em um dragão decapitado, aproximava-se. Sua capa escura escondia seu rosto, embora não houvesse algum, deixando apenas sua armadura prateada à vista. Sua coroa revelava sua realeza; uma coroa de espinhos e pregos enferrujados perfuravam sua cabeça.

Aquele era o Rei dos Ratos.

O Herói já o havia derrotado antes, mas as circunstâncias agora eram outras. Poderia ele, mais uma vez, derrotá-lo e salvar seu povo da morte?

Ignorando o medo que crescia em seu peito, o Herói encheu os pulmões e soltou seu grito de guerra, o mais alto que pôde. O Rei dos Ratos avistou aquele que outrora o vencera, mas em seu semblante não havia raiva, apenas indiferença.

Ainda assim, junto de seu dragão, o Rei alçou voo, aproximando-se da muralha.

Arqueiros e besteiros tentaram derrubar a imensa fera, mas suas flechas e setas eram repelidas antes de sequer tocá-la, como se uma barreira invisível o defendesse.

Com o inimigo tão próximo, o Herói desembainhou sua espada e retirou sua capa, revelando sua armadura platinada, adornada com símbolos que contavam histórias de batalhas passadas.

Cada peça de sua vestimenta era um presente dado pela população que ele jurara proteger, e pelos companheiros que perdera ao longo do caminho. Esses adornos, simples em poder, quando combinados, transformavam-no em um cavaleiro quase invencível, a própria personificação do Império. Ele era tanto o povo que defendia quanto os soldados que lutavam ao seu lado.

Aqueles que ousaram continuar na muralha ficaram extasiados ao ver o cavaleiro imperial em toda sua glória.

Talvez ainda houvesse esperança.

— Desista de uma vez! Eu já o matei antes, posso matá-lo novamente! — bradou o Herói, sua voz cortando o vento.

O Rei, ainda montado em seu dragão, balançou a cabeça lentamente, desapontado, antes de responder:

— Você não sabe o que é a morte, formiguinha. A morte é o meu poder!

Com um gesto lento e intenso, o Rei estendeu sua mão na direção do Herói e começou a fechar seu punho. O cavaleiro sentiu uma pressão avassaladora dentro de si, como se o próprio ar ao seu redor estivesse se contraindo, sufocando-o. Sua própria força não seria suficiente para vencer.

O barulho incomodo semelhante ao de um apito, mostrava que a pressão que sentira não era psicológica; ele estava sendo esmagado.

A luz da armadura, das joias e dos adornos que vestia começaram a brilhar intensamente, refletindo a força daqueles que ainda acreditavam nele. Pequenas rachaduras começaram a se formar, a luz começava a ceder. Mas o Herói não podia desistir, não enquanto a promessa de proteger seu povo ainda ardia em seu coração.

Com um esforço inabalável, o Herói se libertou do aperto invisível, erguendo-se diante do Rei, determinado a pôr fim àquela escuridão.

Então sua armadura se quebrou.

As joias e adornos perderam as cores, caindo ao chão em estilhaços. Seu semblante, antes resoluto e confiante, se tornou vazio e desolado.

O Rei fechou seu punho uma última vez. Agora, sem nenhuma proteção, o Herói sentiu a pressão esmagá-lo diretamente, quebrando seus ossos. Os soldados, ao perceberem que tudo estava perdido, fugiram em desespero.

Ajoelhado, o Herói estava à mercê do Rei.

— Você falhou. O Sol nunca mais brilhará... — sussurrou o Rei, sua voz invadindo a mente e coração do Herói.

O Rei sacou sua espada, uma lâmina negra como o vazio, que parecia devorar a própria luz. Ele a ergueu aos céus, e um relâmpago rasgou o firmamento, trazendo consigo uma tempestade negra.

E assim, o Rei dos Ratos realizou seu golpe derradeiro.



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