O Mundo de Sombras e Ratos Brasileira

Autor(a): E. H. Antunes


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 10.2: Pai*

LEIA COM ATENÇÃO:

Caro leitor,

Este é um capítulo especial e opcional. Não é necessário lê-lo para seguir a história principal. Esses capítulos extras têm como objetivo aprofundar determinados temas como personagens, grupos ou eventos, e em alguns casos, exploram histórias que não são cruciais para a trama central.

Neste capítulo (Capítulo 10*), você acompanhará a trajetória que levou Erina a conhecer e se afiliar a família Torison.

  • 1 - Família Waltz
  • 2 - Pai
  • 3 - Aeterna
  • 4 - Remorso
  • 5 - “Família”

2 - Pai

Henri Waltz teve uma infância relativamente comum. Embora tivesse nascido na mesma torre onde sua família residia há gerações, seus estudos foram conduzidos na cidade de Aeterna, onde aprendeu sobre política, história antiga e outros conceitos fundamentais que moldariam seu entendimento do mundo.

Desde cedo, ele demonstrou um talento prodigioso para a magia curativa, a ponto de não precisar da orientação de seus pais para tratar até mesmo os ferimentos mais graves.

A família Waltz, já há muito tempo, cobrava por qualquer tipo de tratamento, desde os mais complexos até os mais simples. Henri, contudo, nunca compreendeu por que o dom da cura deveria ser restrito a quem pudesse pagar. Para ele, seu poder era um presente que deveria ser compartilhado com todos. Assim, muitas vezes ele fugia dos estudos e das rígidas expectativas da família para ajudar os mais necessitados.

Um dia, foi solicitado a Henri que visitasse a residência de uma família nobre cujo filho estava terrivelmente doente.

Ao chegar, encontrou o quarto do menino isolado do restante da casa, decorado com grandes avisos, pergaminhos, velas e outros objetos supersticiosos. Henri ficou impressionado com a demora da família em chamá-lo; a reputação dos Waltz era tão temida que os pais do garoto esgotaram todas as suas opções antes de recorrer ao jovem mago.

Antes de entrar no quarto, Henri seguiu as instruções da família e vestiu uma máscara para sua própria proteção.

Ao adentrar o ambiente, foi imediatamente envolvido por uma sensação estranha. O quarto estava imerso em escuridão, apesar das janelas estarem abertas e o dia estar ensolarado. Embora só estivessem ele e a criança doente no quarto, era como se uma presença invisível estivesse o observando.

Ignorando os maus presságios, Henri se aproximou do menino acamado.

— Quem... é você? — perguntou o garoto, febril e suando intensamente.

— Sou um amigo. Seus pais me chamaram para curá-lo — respondeu Henri, ficando alarmado pelo calor intenso que emanava da testa do garoto.

— Eu não estou doente...

— Não? Então eu sou um cavalo acrobata.

— Eu sei quem você é, Waltz — disse o menino, tossindo sangue. — Podemos ser nobres, mas o custo para me curar pode levar minha família à falência. Ouvi dizer que vocês cobram uma fortuna para curar um simples resfriado... Nem quero imaginar quanto custaria tratar uma doença desconhecida.

— Você está certo — disse Henri, retirando a máscara —, sua família não tem condições de pagar pelo seu tratamento. Mas eu não estou aqui pelo dinheiro...

— O quê? — perguntou o garoto, observando Henri se afastar e encará-lo de pé, diante de sua cama.

— Sou um mago de cura! E meu propósito de vida é curar todas as doenças deste mundo!

Henri ergueu as mãos, e um brilho esverdeado começou a preencher o quarto sombrio. Recitando palavras antigas e esquecidas, o brilho se intensificou até se transformar em uma rajada de luz mágica, que banhou o garoto doente.

De repente, uma presença sombria revelou-se acima do menino, e Henri percebeu que não se tratava de uma simples doença, mas de uma maldição de altíssimo nível. A criatura sombria, ao sentir que estava sendo expulsa pela magia de Henri, voltou-se contra ele tentando atacá-lo.

Em um ato de desespero, Henri canalizou toda a sua energia curativa de uma só vez, gerando um brilho tão intenso que cegaria qualquer um que ousasse olhar para as janelas do quarto.

Quando a luz finalmente se dissipou, tanto Henri quanto o garoto perceberam que a criatura havia desaparecido, levando consigo todos os sintomas e enfermidades.

— O que aconteceu?! — perguntaram os pais, entrando no quarto ao ouvir o estrondo.

Ao verem o filho curado, abraçaram-no e choraram de alegria, enquanto Henri ainda tentava processar o que havia acabado de testemunhar.

***

Após um breve agradecimento, Henri partiu e iniciou uma intensa busca por respostas na vasta biblioteca de Aeterna.

Curiosamente, o mesmo garoto, Noah, acabou encontrando Henri na biblioteca. Tentando expressar sua gratidão e desculpar-se, Noah aproximou-se de Henri e ofereceu-se para ajudar em sua pesquisa.

— O que você está procurando exatamente? — perguntou Noah, carregando uma pilha de livros.

— Qualquer coisa que explique o que aconteceu naquele dia — respondeu Henri, imerso em sua leitura.

— Que dia?

— O dia em que te curei. Você não estava com uma simples doença; estava amaldiçoado.

— Eu não sabia que magias curativas podiam curar maldições...

— E não podem! Tudo o que encontrei até agora está relacionado à criação dos orcs... Quando o primeiro deles foi amaldiçoado, diversos clérigos tentaram acabar com seu sofrimento usando magias curativas, mas isso apenas piorou a maldição.

— O que aconteceu? — perguntou Noah, agora preocupado.

— A maldição evoluiu ao ponto de transformar completamente o corpo do amaldiçoado... Assim, os orcs se tornaram uma nova raça.

— Algo parecido pode ter acontecido comigo?

— Isso é o que me incomoda. Teoricamente, o efeito deveria ter sido imediato, mas você parece estar completamente saudável!

— Talvez a diferença tenha sido a intensidade... Nenhum daqueles clérigos era um Waltz, imagino.

— Talvez...

Ainda preocupado, Noah tirou a camisa, o que deixou Henri surpreso e envergonhado por estarem na biblioteca. Noah insistiu que Henri o examinasse mais a fundo para descobrir a verdade.

Eles se dirigiram a um local mais reservado, onde Henri começou um experimento exploratório.

Com uma adaga em mãos, Henri se preparou para abrir o tórax de Noah.

— Vai doer? — perguntou Noah, olhando para a adaga.

— Não se preocupe, minhas habilidades curativas também são anestésicas. Você não sentirá nada.

O experimento foi grotesco e sangrento, mas o bom humor prevaleceu, com Noah fazendo piadas sobre seus próprios órgãos. Então, Henri finalmente encontrou o que tanto procurava.

Ao colocar alguns dos órgãos de Noah sobre a mesa, Henri ficou chocado ao vê-los tentando, lentamente e de forma quase imperceptível, retornar ao seu local original.

— O que foi? — perguntou Noah, notando a expressão de preocupação no rosto de Henri.

— Eu parei de te curar há pelo menos dois minutos...

Noah levantou-se, alarmado, percebendo que nenhum de seus sentidos havia sido afetado.

— Como isso é possível? — perguntou Noah.

— Eu... Não sei...

Apesar da estranheza da situação, Noah rapidamente se adaptou, recolocando seus próprios órgãos e descobrindo que era capaz de se curar sozinho. Enquanto Henri o observava atentamente, Noah começou a explorar suas novas habilidades, criando uma escuridão própria onde ele podia usar seus poderes livremente.

Henri, após muito refletir, chegou a uma conclusão.

Assim como os orcs, a maldição de Noah havia se assimilado a ele. Enquanto a maldição dos orcs gerava uma transformação que induzia ira descontrolada e desejo de carnificina, a de Noah manifestava-se através de características sombrias, que ele agora dominava.

— O que você pretende fazer com seus poderes? — perguntou Henri.

— Vou seguir o seu exemplo. Vou me tornar um herói e salvar o maior número possível de pessoas! — respondeu Noah, olhando para o horizonte e imaginando seu futuro.

— O quê? Não precisa fazer isso apenas por mim... Faça algo por você mesmo!

— Mas é exatamente isso que eu quero! Se não fosse por você, eu já estaria morto e não teria essas habilidades. Você foi contra o código da sua família para salvar um moribundo sem pedir nada em troca. Agora, esse moribundo irá salvar outras pessoas com o mesmo propósito!

— Bem... Se é isso que você deseja...

— Pessoas “especiais”, pessoas como “nós”, não deveriam usar tais habilidades em benefício próprio.

Henri, embora não concordasse inteiramente com a visão altruísta de Noah, admirava sua determinação e o fato de ter se tornado uma fonte de inspiração para ele. Afinal, embora fosse apenas um mago de cura, quantas vidas ele estaria salvando indiretamente por meio do jovem Noah?

***

Daquele dia em diante, conforme cresceram, cada um seguiu seu próprio caminho.

Noah tornou-se um herói imperial, apelidado de “A Mancha”, reconhecido por muitos cidadãos como alguém justo e bem-humorado.

Henri, ao envelhecer, casou-se com uma mulher peculiar, o amor de sua vida. Satisfeito com o que alcançara, dispensou os guardas de sua família e viveu pacificamente, viajando constantemente entre cidades.

Até que um dia, ao retornar para casa, encontrou sua esposa morta. Ela havia sido assassinada por um homem que o próprio Henri havia curado. Esse homem, com ideais extremistas, considerou a mulher uma inimiga que precisava ser eliminada, sem questionamentos.

Henri matou aquele homem com suas próprias mãos.

Com o amor de sua vida tirado dele, Henri começou a questionar sua própria filosofia.

"Quantas pessoas eu matei indiretamente? Quantos soldados, generais, ladrões, agiotas, assassinos e estupradores eu curei? Como pude ser tão cego?", perguntava Henri, completamente sozinho na torre de sua família.

Determinado a mudar, Henri compreendeu o propósito de sua família ao se distanciar das pessoas e cobrar por seus tratamentos. Assim, ele voltou a adotar essa prática, ignorando todas as cartas e pedidos que lhe eram enviados.

Henri curaria apenas aqueles que pudessem pagar.

***

Não querendo ser o último de sua linhagem, Henri anunciou que estava à procura de uma esposa. Depois de inúmeras pretendentes, finalmente encontrou o sangue que desejava para seus filhos.

A família de Caterina já fora mundialmente reconhecida, mas caiu no esquecimento devido aos feitos dos Descendentes. Esquecidos por tudo e todos, tentaram inúmeras vezes se reerguer, mas nunca conseguiram o destaque merecido, mesmo alcançando feitos tão impressionantes quanto os dos heróis imperiais.

Como última alternativa, enviaram Caterina, filha única da última linhagem, para se casar com Henri.

Apesar de sua incrível beleza, Henri nunca a amou de fato. Seu único interesse era engravidá-la e garantir que ela não tentasse roubar seus méritos. Não estava interessado em reviver o nome da família de sua esposa, apenas em aproveitar as habilidades que corriam em seu sangue.

Assim, Erina nasceu, após um parto complicado que exigiu muita energia de Henri para salvá-la.

Erina era uma criança abençoada, possuindo habilidades extraordinárias que ainda seriam exploradas. Seu potencial era tão grande que Henri se tornava mais obcecado por ela a cada dia.

Temendo que o que aconteceu com sua antiga esposa se repetisse, Henri contratou novos mercenários para servi-lo como guardas. Marco era o líder deles.

Apesar de Erina já ter a idade ideal, ela não demonstrava ter desenvolvido qualquer habilidade semelhante às de seus pais.

Frustrado e preocupado, Henri se perguntava frequentemente se isso era causado pelo nascimento conturbado ou se as habilidades de seus pais estavam em conflito dentro dela.

Henri treinava Erina constantemente.

Constantemente, Erina fracassava em seus treinamentos.

Henri descontava sua frustração em sua esposa constantemente.

Constantemente, Erina via sua mãe sofrer agressões de seu pai.

Essa foi sua infância, até que Henri decidiu levá-la a Aeterna, onde imaginava que poderia desbloquear suas habilidades.



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