Volume 1

Capítulo 1: Hasegawa Kodaka

Eu estava lendo na biblioteca e, antes que eu me dessa conta, o sol já estava se pondo no horizonte.

É hora de ir para casa. Eu caminhei para fora da biblioteca e lembrei que havia esquecido meu uniforme de Educação Física, então fui até minha sala de aula.

Uma vez que a maioria dos estudantes já havia ido para casa ou estavam ocupados com as atividades de seus Clubes, não haviam muitas pessoas no corredor.

Eu caminhei sozinho pelo corredor vermelho âmbar.

Quando eu cheguei na porta da minha classe, a turma 5 do Segundo Ano, eu pude ouvir risadas vindas lá de dentro.

— Haha, pare de brincar comigo, isso não é verdade.

... Parece que ainda há alguém na sala.

É a voz de uma garota.

Como eu poderia descrever a voz... é uma voz agradável.

O tom não é nem muito alto e nem muito baixo — ela atravessa minhas orelhas e atinge meu cérebro diretamente. De lá, ela se expande lentamente por toda minha cabeça. Essa voz causa em mim uma sensação maravilhosa.

No entanto, eu não me lembro de já ter escutado essa voz.

Embora tenha apenas um mês desde que eu fui transferido para essa escola, eu já deveria ter escutado a voz de todos os meus colegas de classe. Eu não iria me esquecer de uma voz tão maravilhosa.

Outra coisa que eu havia notado é que eu só podia escutar uma voz.

Talvez ela esteja falando ao telefone.

Suponho que se eu entrar na sala enquanto ela está ao telefone, ela não vai se assustar e ficar brava, certo?

Bem, embora eu não possa fazer nada quanto a isso, é melhor não a assustar.

Eu gostaria de evitar essa situação.

Então, o que eu deveria fazer... eu deveria esperar até que ela termine seu telefonema e saia da sala?

Não, espere um pouco, não é como se eu estivesse planejando nada de mal. Eu não posso apenas entrar na sala como uma pessoa comum e pegar minhas coisas? Isso não seria melhor?

Na sala de aula, havia uma única garota.

Ela estava sentada ao lado da janela aberta. Suas pernas expostas, tingidas de âmbar pela luz do sol poente, estavam balançando perto da parede. Ela estava conversando alegremente.

Enquanto uma brisa suave soprava, um brilho levemente azulado podia ser visto em seu cabelo esvoaçante.

Ela não é nem alta e nem baixa, mas, mesmo assim, ela tem um corpo magro.

Acima de tudo isso, ela é muito bonita — em outras palavras, ela é o que as pessoas comuns chamariam de ‘bishoujo’.

Pelo que me lembro, o nome dela é Mikazuki Yozora.

Normalmente, eu sou muito ruim para lembrar dos rostos e dos nomes das pessoas. Deixando de lado os caras, eu lembrava o nome apenas de algumas garotas. Mesmo assim, eu tenho uma impressão muito efêmera sobre ela.

Ela é uma das minhas colegas de classe na turma 5 do Segundo Ano.

Mikazuki Yozora, uma estudante da turma 5 do Segundo Ano da Academia Santa Chronica... mesmo que isso fosse tudo o que eu me lembrava sobre ela, eu estava confuso.

— Ahaha, isso que eu disse antes, não é verdade. Oh, você sabe aquele professor —

Até onde eu consigo me lembrar, eu nunca havia visto ela conversando como uma aluna normal do Ensino Médio.

Mikazuki sempre estava com cara fechada. Sempre havia uma aura irritada ao redor dela. Durante os intervalos, eu nunca a vi ir para algum lugar ou mesmo falar com alguém.

Nas aulas de Inglês, algumas vezes haviam exercícios de diálogo em duplas. Ela apenas sentava-se no seu lugar e ficava olhando pela janela. Aparentemente, ela vinha agindo assim desde o Primeiro Ano, então o professor de Inglês já havia desistido dela há muito tempo.

E também, quando alguém fazia uma pergunta a ela nas outras aulas, ela sempre respondia à questão corretamente com uma voz muito triste, totalmente diferente do tom de voz que ela estava usando agora. (Ela parece ser uma estudante esforçada, pois eu nunca a vi responder incorretamente).

— Eeh? Sério? Ahaa, estou tão feliz...

Com sua expressão fechada e atitude áspera desaparecidas, Mikazuki ria como se fosse outra pessoa. Ela... é realmente fofa.

... Ela é mesmo a Mikazuki Yozora?

Com toda seriedade, eu contemplei essa possibilidade.

E então, notei algo ainda mais esquisito.

... Ela não está segurando um celular.

Não há mais ninguém além dela dentro da sala de aula e eu não escuto nenhuma outra voz além da dela.

Ela está olhando para um lugar vazio e, como se houvesse alguém ali,  estava conversando alegremente.

Sozinha na sala de aula iluminada pelo sol poente, uma bishoujo estava falando com alguma coisa invisível.

... Estranhamente, a introdução da light novel que eu estava lendo na biblioteca era muito parecida com isso.

Então, é isso que está acontecendo, certo?

Eu acidentalmente descobri sobre o segredo dela e serei tragado para um mundo de batalhas contra fantasmas, monstros e diversas outras coisas que ‘não deveriam existir nesse mundo’. Enquanto a bishoujo e eu sobrevivemos as mais diversas batalhas e dificuldades, nós nos apaixonamos. Eu estou fadado a embarcar nesse tipo de história clichê?

Porém, se eu me acalmar e pensar no assunto, esse cenário é impossível. Essas novels apenas me marcaram, isso é tudo. Como minha vida escolar é muito maçante, eu estou inconscientemente procurando por uma dessas histórias sobrenaturais.

Não importa a razão, mas eu estava começando a ficar um pouco inquieto.

Sem notar, eu girei a maçaneta da porta da sala de aula —

*Garagara*

A porta se abriu suavemente.

— Falando nisso, naquela vez a Tomo-chan disse —

Eu fiz contato visual com Mikazuki Yozora.

Por um breve segundo, ela pareceu ficar sem palavras. No entanto, ela rapidamente voltou para sua expressão irritada de costume... e suas bochechas ficaram muito vermelhas por causa do sol poente.

Isso é muito ruim.

Por hora, tudo que eu posso fazer é agir como se eu não tivesse visto nada, dizer em voz alta que “Esqueci minhas coisas”, e pegá-las — e então dar o fora daqui o mais depressa possível.

Porém, devido a uma infeliz coincidência, meu assento ficava ao lado da janela, exatamente na frente de onde ela estava.

Então, eu não tinha escolha além de me aproximar dela. Enquanto eu debilmente sorria para ela, cuidadosamente caminhei na direção dela (tecnicamente, eu estava caminhando na direção da minha mesa).

E nesse instante, Mikazuki tinha um olhar aterrorizante em seu rosto.

— ... É como uma águia que acabou de avistar sua presa e está salivando de alegria...!

Sem dúvidas, como esperado, ela está olhando para mim.

Minha presença a deixou completamente em guarda contra mim.

— Ah, isso...

Se eu apenas me aproximar dela sem dizer nada, ela continuará a ser hostil. Acho que antes disso, eu deveria abrir a boca e dizer alguma coisa.

— ... O que.

Então, ela olhou para mim e perguntou. A voz dela estava completamente diferente da de um momento atrás. Muito baixa e sem mostrar nenhuma restrição a sua hostilidade.

— ... Isso...

Infelizmente, eu não sou nem um detetive e nem um negociador. Além disso, eu não sou sociável, em primeiro lugar. Eu não sei que tipo de tópicos de conversação eu poderia usar para quebrar o gelo.

— Você... você pode ver fantasmas ou algo assim?

 

... De todo modo, eu senti que deveria dizer alguma coisa, então disse isso.

Em resposta, Mikazuki disse “O que? ” e olhou para mim como se eu fosse um idiota.

— Por que teria um fantasma aqui?

— Não, mas você estava falando com alguma coisa...

De uma só vez, o rosto de Mikazuki ficou vermelho brilhante.

— Então você viu...

Depois que ela gemeu indignada, ela voltou-se para mim e me encarou diretamente. De forma orgulhosa e direta, ela declarou:

— Eu estava apenas conversando com minha amiga. Com minha amiga de ar!

...?

Levei quase meio minuto para tentar compreender o que ela havia acabado de dizer.

E então, eu finalmente entendi — ela havia acabado de dizer algo que eu jamais conseguiria entender na vida.

— ... Amiga de ar?

Enquanto fechava a cara, Mikazuki assentiu com irritação.

— O que é isso?

— ... Significa exatamente o que o nome diz! Não tem aquela coisa chamada ‘air guitar¹’? É algo parecido com aquilo, exceto pelo fato de que é uma amiga!

— ... Vejamos...

Levei minha mão até minha testa, para dar a mim mesmo a chance de pensar.

– Então, o que você está dizendo é que você tem uma amiga imaginária e que você estava conversando com ela? Então por que —

— Ela não é imaginária. A Tomo-chan é real! Veja, ela está bem aqui.

Parece que o nome da amiga de ar dela é Tomo-chan.

E é claro, eu não vejo nada no local para onde ela está apontando.

— É sempre tão agradável conversar com a Tomo-chan. Eu sempre esqueço sobre o tempo. É tão bom ter amigos...

Mikazuki disse isso com sinceridade. Ela até mesmo corou um pouco enquanto falava.

— Nós estávamos conversando sobre a vez em que fomos ao parque de diversões, quando estávamos no Fundamental, e alguns caras tentaram bater em nós e sobre como nós conhecemos nosso novo professor legal — esse é o cenário.

— Cenário! Você acabou de dizer cenário!

— Eu nunca disse isso! Essas coisas realmente aconteceram.

— ... Então, das coisas que você disse, o que é realmente verdade?

— A parte do Fundamental.

— Então é 100% inventado!? Ao menos a parte sobre ir ao parque de diversões deveria ser verdade...!

— Qual a graça de ir a um parque de diversões sozinha?

— Você acabou de admitir que estava sozinha.

— Ah, isso não conta. É porque a Tomo-chan é tão bonita que se nós fôssemos ao parque juntas, certamente seríamos incomodadas por idiotas. Portanto, nós podemos apenas ir ao parque de diversões na minha mente.

— Você realmente disse que você e sua amiga de ar foram ao parque de diversões na sua mente...

— ... Ela é um caso perdido... se eu não fizer algo logo...

— ... O que há com essa sua expressão?

Mikazuki olhou diretamente para mim.

— Não, isso...

Eu rapidamente voltei atrás.

— ... Se você quer conversar com amigos, por que você apenas não faz alguns? ... Quero dizer, amigos de verdade e não amigos de ar...

Eu quis ir direto ao ponto e abordar a questão principal.

No entanto, Mikazuki bufou com minha sugestão.

— Hum, é mais fácil falar do que fazer.

Waah.

Como ela foi tão franca sobre isso, eu fiquei sem palavras.

E então, Mikazuki olhou para mim com mais intensidade ainda.

— Ei, agora que eu olhei com cuidado, você não é o estudante transferido que sempre está sozinho na classe?

Só agora você notou com quem estava falando?

— Você não está em posição de ensinar aos outros sobre fazer amigos, estudante transferido.

— ... Já faz um mês desde que eu comecei nesta escola. Pare de me chamar de estudante transferido.

De todo modo, Mikazuki ficou em silêncio após ouvir minha reclamação.

— ... Seu nome?

Ela nem mesmo sabe meu nome. Droga!

— ... Hasegawa Kodaka.

Desanimado, eu disse meu nome a ela.

— Kodaka, eh? ... Hum, você não está em posição de ensinar os outros sobre fazer amigos, Kodaka.

— Qual é a de me chamar pelo primeiro nome...

— Hum? O que tem isso?

Mikazuki parecia despreocupada.

— ... Nada.

A última vez em que eu fui chamado por esse nome foi pelos meus colegas na formatura da minha antiga escola. Já faz muito tempo desde que alguém da minha idade me chamou assim, então eu me senti um pouco feliz.

Enquanto eu pensava nisso, Mikazuki continuou com seu olhar triste.

— ... Já faz um mês e você ainda não fez nenhum amigo. O Kodaka deve estar tão solitário.

— Eu não quero ouvir isso de alguém que tem uma amiga de ar!

Mikazuki gemeu levemente.

— Você está dizendo que a Tomo-chan é idiota? A Tomo-chan é bonita, esperta, atlética, simpática, sociável, uma boa ouvinte e... ela nunca irá me trair.

Eu poderia dizer que ela disse essa última parte com muita emoção.

— Amigos de ar são bons, por que você também não tenta fazer um?

— Não, obrigado. Eu estaria dando um passo para longe do mundo humano se eu fizesse isso.

— O modo como você disse isso faz parecer que eu estou acabada como ser humano.

Eu calmamente desviei meus olhos de Mikazuki.

Mikazuki recomeçou a corar e então murmurou.

— ... Eu sei. Eu sei que estou fugindo, eu sei disso. Mas não posso fazer nada. Eu não sei absolutamente nada sobre fazer amigos...

Ela disse de mau humor.

Não saber como fazer amigos — como eu me sentia do mesmo jeito, fiquei em silêncio.

— ... O que fazer para fazer... amigos.

Eu suspirei e murmurei.

Mikazuki também suspirou.

— ... Então, Kodaka, você também não tinha amigos na sua antiga escola?

Eu balancei a cabeça.

— Eu tinha.

— Hum?

Ela parecia cética.

— É verdade. Coincidentemente, tinha um garoto muito interessante que se sentava ao meu lado. Como ele era muito popular, naturalmente as pessoas se reuniam ao redor dele e todos saíamos juntos.

— Fuhuh... então você fala com esse seu colega de classe mesmo depois de ter se mudado?

— ...

Meus olhos tornaram-se distantes.

— ... No meu último dia, todos fomos a um restaurante para ter uma festa de despedida. Naquela hora, todos estavam dizendo coisas como “Se você passar por aqui, não se esqueça de nos avisar” ou “Lembre de nos mandar uma mensagem”... Eles disseram isso...

— Em outras palavras, uma vez que você se mudou, eles te esqueceram.

Mikazuki atirou a verdade sem nenhuma hesitação.

— ... Você poderia dizer que eles eram seus amigos, mas isso é apenas um desejo seu, Kodaka.

Enquanto ela continuava com seus golpes, eu ficava mais e mais abatido.

— ... Aliás, quando a conta do restaurante chegou, ela foi dividida. Eles nem mesmo pagaram a minha parte na minha festa de despedida...

Até mesmo a Mikazuki parecia estar com pena de mim.

Eu encarei isso de frente e disse,

— Mas o que aconteceu no passado não é importante. O que importa é o presente e o futuro!

— ... E então o que?

— ... Então...

— ...

— ...

Novamente silêncio.

— ... Que tal pedirmos para os outros serem nossos amigos como pessoas normais?

Em resposta, Mikazuki novamente bufou com minha sugestão.

— Esses tipos de coisas acontecem apenas em programas de TV e mesmo assim eu não entendo isso. As outras pessoas magicamente viram suas amigas apenas porque elas aceitam isso? Mesmo que você seja alguém estranho para eles? E o que acontece depois que nos tornamos amigos, eles continuam sendo seus amigos mesmo quando vocês não têm nenhum tópico de conversação em comum?

— ... Bem, concordo com você nesse aspecto.

— Certo? Ah, sim.

Mikazuki bateu palmas.

— Você teve uma boa ideia?

— Sim.

— Ela assentiu com confiança.

— Que tal pagarmos um salário para que eles continuem nossos amigos? Coisas físicas são mais atraentes do que um mero acordo verbal.

— Isso é muito solitário!

— Ficar juntos na escola por mil ienes, comida e bebida inclusos. Que tal isso...

— Contrato de Amor... Não, um Contrato de Amizade!?

— Você entendeu isso depressa. Que piada engraçada. Sim, um contrato.

Mikazuki não parecia nem um pouco animada. Ela disse inexpressivamente,

— ... Se pagar com dinheiro diretamente não funciona, que tal comprarmos alguns jogos?

— Jogos?

— Se você tiver o vídeo game mais recente em casa, então talvez você possa se destacar e atrair os outros para ser seus amigos, com coisas como Virtualboy e Neogeo.

— O que são Virtualboy e NeoGeo?

Eu não estava familiarizado com essas palavras estrangeiras.

— Eu apenas citei o nome de alguns consoles que conheço. ‘Virtual’ e ‘Neo’, você não se sente energizado quando escuta essas palavras?

— Esses são bons nomes, mas... eu nunca ouvi falar deles. Ah, bem, quem se importa. De todo modo, apenas garotos do Fundamental seriam atraídos por vídeo games, não acha?

— ... Suponho que sim.

Mikazuki parecia arrependida, então disse,

— ... Não é como se eu precisasse mesmo fazer amigos de todo modo.

— O que?

— ... Eu não estou me sentindo mal por não ter amigos. Eu apenas não quero que as outras crianças da escola olhem para mim com pena e pensem “Essa criança não tem amigos, que triste”.

— Ah, entendo.

Todo mundo sempre supõe que ter amigos é uma coisa boa, então todos também supõem que o contrário, que não ter amigos é algo ruim, também é uma verdade absoluta.

Mas quer saber? Eu acho que tem algo errado com essa suposição.

— Eu não me importo se estou sozinha. Quando eu olho para as outras pessoas na escola, penso que é o bastante se eu apenas lidar com elas quando for necessário fazer isso.

A forma como ela disse isso me deu a impressão de que ela estava sendo excessivamente teimosa.

— Ao menos isso é melhor do que ter amizades vazias.

E então ela amargamente zombou.

— Todo mundo é assim, tudo bem? Quantas pessoas você acha que estão ligadas nesse mundo não por laços superficiais, mas sim por uma amizade verdadeiramente sincera?

— ...

Eu, que perdi todo o contato com meus amigos apenas por ter trocado de escola, não poderia negar o que ela havia acabado de dizer.

— ... Mesmo assim, eu ainda quero fazer amigos de verdade.

— Fuuhuh

Eu insisti e Mikazuki deu uma resposta muito gentil.

— ... Então, o que você sugere fazer? Métodos que fariam com que você rapidamente fizesse amigos.

— Eu?

Eu pensei em silêncio e, depois de alguma hesitação, disse,

— ... Que tal se eu me juntar a um Clube?

— Clube?

— Enquanto você trabalha com os outros membros, você é forçado a encontrar alguns interesses em comum. Conhecer melhor uns aos outros através das atividades do Clube não parece uma ideia ruim.

Acho que é essa é uma boa e realista ideia.

Quanto a Mikazuki, uma vez que ela sempre estava sozinha na escola, são altas as chances de que ela também não esteja em nenhum Clube.

— Rejeitado.

Mikazuki ficou irritada e rejeitou minha proposta.

— Por que?

— Isso é embaraçoso.

— ............ Ei!

Eu olhei para ela. Ela olhou para o chão e de novo para mim antes de continuar.

— Pense nisso, nós já estamos em Junho do nosso Segundo Ano. Na maioria dos Clubes, as relações internas já estão estabelecidas. Você não iria se sentir envergonhado se você apenas forçasse sua entrada em uma dessas relações?

— Isso é verdade. Você tem um bom argumento.

— Não é!?

Mikazuki estava feliz por alguma estranha razão.

— Mesmo assim, eu não poderei avançar até superar esse desafio inicial.

Eu disse.

— Então, tem algo em que você seja bom, Kodaka... Qualquer coisa que você venha praticando desde o Primeiro Ano, uma habilidade que ninguém possa derrotar?

Mikazuki perguntou de repente.

Eu pensei sobre isso por um segundo.

— ... Não, eu não tenho.

Eu respondi vagamente. Um pequeno sorriso apareceu no rosto irritado de Mikazuki.

— Digamos que você entre em um Clube. Você iria alterar a dinâmica interpessoal já estabelecida entre os demais membros. Tudo porque você quer “fazer amigos”. E não basta você alterar essa dinâmica, você ainda é um novato sem qualquer habilidade considerável... Quem iria receber bem alguém assim?

— Ugh...

Eu gemi.

Eu não posso responder a isso.

Motivo inapropriado, falta de habilidade e, finalmente, estragando o trabalho em equipe. O efeito disso é ampliado pelo fato de eu ser um estudante transferido.

E então, Mikazuki murmurou,

— ... Mas atividades do Clube... Atividades do Clube...

Mikazuki parecia estar pensando profundamente em alguma coisa.

— É verdade, atividades do Clube!

E então, ela gritou.

— ...?

Eu estava confuso. Mikazuki sorriu para mim com confiança.

Ela fica muito bonita quando sorri, mas apenas quando sorri.

Depois disso, Mikazuki caminhou direto para fora da sala de aula.

Eu não entendi muito bem o que aconteceu, mas eu sabia o bastante para saber que seria inútil continuar na sala de aula. Então eu peguei meu uniforme de Educação Física e fui para casa.

 

Depois que cheguei em casa e terminei meu jantar, tirei meus cadernos da mochila.

*Suspiro...*

Enquanto suspirava, abri meu caderno de Inglês.

Eu odeio as aulas de Inglês.

Não porque eu seja ruim nisso.

Uma vez que minha mãe é Inglesa, então Inglês, na verdade, é minha especialidade.

Eu não sou ruim nisso, mas ainda assim odeio as aulas — para ser mais exato, algumas vezes nas aulas de Inglês você precisa “fazer os diálogos com as pessoas com quem você sai” ou “praticar com os amigos” e eu odeio isso.

Por ser alguém que não tem amigos, eu sempre fico triste quando sou forçado a essa situação.

Aliás, por razões similares eu odeio as aulas de Educação Física.

Eu, Hasegawa Kodaka, tenho sido transferido por várias escolas de todo o Japão por causa do trabalho do meu pai. Entretanto, meu pai começou a trabalhar em outro continente cerca de um mês atrás— por causa disso, no meio de Maio, durante o meu Segundo Ano no Ensino Médio, eu voltei para a casa da qual eu havia saído dez anos atrás, em Tóquio.

Além disso, como meus pais eram velhos amigos do Diretor, eu fui aceito na Academia Santa Chronica.

E então, eu comecei a andar pelo campus.

Como posso explicar isso, delinquente juvenil? Gangster? Isso é o que os outros pensam que eu sou.

A causa disso é, principalmente, minha aparência.

Como eu mencionei antes, minha mãe é Inglesa. Ela tinha um lindo cabelo loiro.

Sendo filho dela, eu também sou loiro — mas meu cabelo não é agradável como o da minha mãe. Meu cabelo tem várias manchas acobreadas, como se elas tivessem sido queimadas. Essa combinação única de tonalidades deixa as pessoas desconfortáveis.

Então, ninguém nunca pensa que meu cabelo é natural.

Se eu não disser isso explicitamente, as pessoas que me veem vão pensar que eu sou o exemplo perfeito de um delinquente juvenil que queria ir a um salão de beleza pintar o cabelo de loiro, mas não tinha dinheiro para fazer isso. Sendo assim, ele comprou uma tintura de algum vendedor ambulante, tentou pintar ele mesmo e acabou falhando.

Em adição a isso, além da cor do meu cabelo, eu herdei os traços faciais Japoneses do meu pai. Minhas pupilas são pretas e meus traços são tipicamente Japoneses. Meus olhos também são levemente puxados.

Tempos atrás, quando eu estava no Fundamental, houveram incontáveis ocasiões em que eu estava apenas agindo normalmente e as pessoas vieram me perguntar por que eu estava olhando irritado para elas.

A Academia Santa Chronica é muito conhecida por seus estudantes disciplinados. Fiel a este rumor, comparado a todas as outras escolas em que eu estudei, os alunos daqui são muito mais calmos. Isso é por que nenhum deles nunca foi chateado por um delinquente ou por que não tem nenhum delinquente na área? Eu posso apenas supor.

E então, há o fato de que... eu me atrasei no meu primeiro dia. Acho que ter cometido esse gigantesco e retardado erro também é parte do motivo.

Isso aconteceu um mês atrás.

Eu sabia que para um estudante transferido, a primeira impressão é muito importante, então eu não poderia me atrasar. Sendo assim, eu saí de casa duas horas (às 6 da manhã) antes do começo das aulas.

Leva cerca de dez minutos para ir da minha casa até a estação. Se eu pegasse um ônibus, isso levaria vinte e cinco minutos. Quando eu cheguei na estação antes das seis e meia, eu era a única pessoa usando o uniforme da Santa Chronica.

Eu certamente estava adiantado, eu pensei. Então, eu embarquei no ônibus que ia até Sawara Kita (onde fica a escola).

E então, eu já estava a bordo daquele ônibus há quase uma hora—em outras palavras, o ônibus nunca chegou a estação Santa Chronica. Eu sabia que algo estava errado, mas como o ônibus estava lotado de homens de terno, eu não tive chances para perguntar ao motorista. Ao mesmo tempo, eu estava com vergonha de perguntar para algum estranho aleatório no ônibus. Portanto, eu fiz todo o trajeto até o ponto final.

Depois que todos os passageiros desceram do ônibus, eu finalmente reuni coragem o bastante para perguntar ao motorista. Foi quando eu descobri que aquele ônibus ia para Sagara Kita e não para Sawara Kita. Fora o fato de que o nome dos dois locais é parecido, ambos ficam no Norte. Então é difícil distingui-los.

Então, eu embarquei no ônibus de retorno, fiquei nele por mais uma hora, voltei para o ponto perto da minha casa e esperei pelo ônibus certo (Mais uma vez, eu era o único aluno da Santa Chronica no ponto, pois a hora do rush já havia passado. Eu ainda tive que esperar mais vinte minutos até que o ônibus viesse).

No meu primeiro dia eu já estava atrasado para a aula. Quando eu finalmente cheguei na escola, eu queria chorar.

Como a professora titular da classe já havia ido para outra turma, eu não tive escolha além de entrar na sala no meio do primeiro período. Então, lá estava eu, parado sozinho no meio da classe. Meus novos colegas de classe todos olhando para mim de um jeito estranho.

Meus olhos estavam um pouco vermelhos por causa das lágrimas e meu corpo tremia levemente. Eu tentei camuflar meu nervosismo piscando muito e baixando minha voz. Eu disse friamente: “Eu sou um estudante transferido. Meu nome é Hasegawa Kodaka”. Meus colegas de classe ficaram um pouco agitados com o que eu disse. O professor, que parecia um pouco frágil, também parecia estar tremendo. Ele permitiu que eu me sentasse em um assento vazio.

... Depois que o primeiro período acabou, ninguém veio tentar falar comigo.

Normalmente, quando tem uma pessoa nova na sua classe, você perguntaria para ela coisas como “onde você mora? ”, “do que você gosta? ” e “medidas corporais?”. Eu até mesmo tinha tido o cuidado de preparar algumas respostas engraçadas e espirituosas de antemão, então eu poderia deixar uma boa impressão de “cara engraçado” na mente de todos (eu estou confiante de que eu poderia ter respondido todas as perguntas de modo brilhante, especialmente a pergunta idiota sobre as medidas. Mesmo agora, sempre que eu me lembro fufufufu). Tudo isso foi um esforço em vão.

E isso continuou por um mês.

Eu, que sofri um enorme revés na minha primeira impressão, não tive chances para me redimir.

Nas aulas de Inglês, meu parceiro sempre tem que ser o professor (um Americano, ele parece ter um interesse especial em mim, por causa da minha pronúncia correta). Nas aulas de Educação Física, eu sempre formo grupo com as pessoas que sobram nas outras classes (mas fica claro para mim que elas também têm medo). Durante a prática de passes na aula de futebol, raramente alguém passava a bola para mim. Ninguém nunca grita meu nome e passa a bola para mim. Algumas vezes, há pessoas que passam a bola para mim sem querer, então elas ficam desconfortáveis e se desculpam comigo. Não importa o que aconteça, eu sempre acabo ficando desconfortável também e no fim concordo com elas e digo “Aah...”. Uma vez eu tentei sorrir e dizer “Sem problemas” e a pessoa começou a ofegar, parecendo aterrorizada. No dia seguinte, durante o almoço, ela me deu uma garrafa de suco e implorou que a perdoasse.

Eu sempre almoço sozinho na classe.

Teve essa outra vez quando eu fui comprar pão e uma garota de outra classe sentou na minha cadeira. Quando eu voltei, ela e as amigas com quem ela estava comendo saíram correndo da sala. Para um garoto adolescente, ter garotas “correndo para longe de você” pode ser uma experiência bastante traumática. Naquela noite, eu chorei no banheiro.

Esses tipos de coisas já aconteceram várias vezes. Sempre que eu me lembro delas, eu fico traumatizado. Mais algumas vezes e eu vou chegar ao meu limite.

Eu tentei ler livros e estudar na biblioteca e na sala de aula, para passar uma imagem de “sofisticado”, e nem isso teve efeito.

Enquanto isso, eu chorava ao terminar minha lição de casa (se houvesse uma novel para celulares chamada “As Lágrimas da História de uma Juventude”, minhas trágicas circunstâncias iriam vender muito bem).

Nesse momento, eu me lembrei da conversa que tive com a Mikazuki após as aulas.

Uma lamentável colega de classe que alegremente conversava com sua amiga de ar.

E ela também é tão bonita... Que desperdício.

...... Mas, um amigo de ar, hum....... Ela parecia muito feliz lá......

Não!

No momento, eu estou seriamente considerando se eu deveria fazer um amigo de ar! Eu bati nas minhas bochechas com minhas mãos e disse para mim mesmo,

— Não, sem chance! Se eu fizer isso, eu também estarei acabado.

Eu preciso encontrar um bom meio para virar essa situação.

... Originalmente, eu pensei que me juntar a um Clube fosse uma boa ideia.

De fato, eu vinha pensando nisso antes mesmo de falar com a Mikazuki.

No entanto, assim como ela disse, eu não tenho coragem para me intrometer em um Clube já estabelecido. Agora, de acordo com o que ela disse hoje, eu seria o cara novo, que confunde as relações no Clube. Logicamente, eu não seria popular. De fato, se eles negassem meu pedido de entrada (Eu nem mesmo ousava pensar nisso), eu não acho que seria capaz de me levantar novamente.

*Suspiro...*

Apenas pensar nisso é o bastante para me estrangular.

Uma vez que eu acabei minha lição, por que eu não tomo um banho agora e vou dormir cedo...

 

No dia seguinte, durante a hora do almoço.

Enquanto eu estava almoçando sozinho na sala de aula, Mikazuki subitamente caminhou até minha frente.

— Kodaka, vem aqui.

Ela ainda tinha uma expressão irritada no rosto. Sem esperar pela minha resposta, ela caminhou para fora da classe.

— O que? Ei!? Espere!

Eu timidamente a segui.

Assim que coloquei os pés para fora, a sala subitamente ficou muito barulhenta.

Comigo a seguindo, ela rapidamente caminhou até a ponta do prédio escolar, na direção de uma plataforma de descanso pouco popular.

Quando eu finalmente a alcancei, ela subitamente se virou e disse,

— A papelada já está pronta.

— ... Papelada?

— A papelada para começar um novo Clube.

— Um novo Clube?

— Aah, veja bem, se você não pode se juntar a um Clube já estabelecido, por que você mesmo não começa um?

Eu finalmente percebi que essa é uma continuação da conversa de ontem após as aulas.

— ... Ah, a conversa sobre fazer amigos. Essa é uma forma de fazer isso, suponho. Se é um Clube recém-formado, não existiriam relacionamentos já estabelecidos com os quais se preocupar.

No entanto, isso não funcionaria se não houvesse mais ninguém com quem iniciar um relacionamento.

Uma vez que você não quer entrar no caminho dos relacionamentos interpessoais de um Clube já existente, então você mesmo começa um novo Clube. Isso não é meio que declarar derrota?

— ... Espere um pouco. Você acabou de dizer “A papelada já está pronta”?

— Foi exatamente o que eu disse.

— ... E que tipo de Clube é esse?

Eu perguntei, ansioso. Mikazuki proclamou com confiança,

— O Clube dos Vizinhos.

— Clube dos Vizinhos?

Ela assentiu.

— “Como ditado pelos ensinamentos do Cristianismo, aqueles que frequentam a mesma instituição de ensino devem tratar seus companheiros como vizinhos — com amizade, sinceridade e envolvimento em trocas de carinho e em trocas significativas”, esse é o objetivo do Clube dos Vizinhos.

— Muito, muito suspeito.......

 Eu notei.

Eu não posso dizer qual é o objetivo desse Clube!

— Não importa o quão bom ou nojento você seja, essa escola sempre vê bondade em você. Na mente dos funcionários, desde que você diga que qualquer baboseira será feita com o espírito do Cristianismo, ou seguindo os ensinamentos de Jesus, ou com a bondade da Virgem Maria, eles muitas vezes não irão compreender seus reais objetivos. Religiosos podem ser muito descuidados.

Eu acho que a Mikazuki acabou de dizer algo que irritaria cada um dos devotos do Cristianismo ao longo do globo.

— ... Você terminou a papelada em apenas um dia? Você certamente é uma pessoa motivada.

Eu comentei com um certo espanto na voz.

Se você pode ser assim tão ativa, por que não se juntou a um Clube de verdade, para começo de conversa?

— Eu sou especialmente talentosa com coisas chatas e monótonas como preencher formulários e escrever propostas — coisas que eu posso deixar de lado uma vez que estiverem prontas.

— Isso é um talento?

— Sim. Eu também sou muito boa com o canal de compras da TV.

Por alguma razão, Mikazuki parecia orgulhosa de si mesma. Ela começou a balançar a cabeça positivamente.

Você pode ser bom com o canal de compras da TV?

... Embora eu seja terrível em telefonar para outras pessoas.

— Então, esse Clube dos Vizinhos, para que ele é de verdade?

Mikazuki respondeu minha pergunta com uma frase simples,

— Para fazer amigos, é claro.

— ... Não era isso que eu tinha em mente.

— E então, você poderá começar a fazer amizade com pessoas que antes olhavam você com pena, já que você não tinha amigos, e um dia poderá ser capaz de encontrar o que você chamaria de “verdadeiro amigo”.

“Eu não sou esperta? ”, Mikazuki disse com orgulho.

Eu suspirei.

— ........ Tanto faz... Faça o que quiser.

No entanto, Mikazuki ficou surpresa com minha reação e disse,

— Por que você está falando como se isso fosse problema de outra pessoa? Você já é um dos membros!

— O que!?

Eu levantei minha voz, surpreso. Mikazuki permaneceu imperturbável e continuou,

— É porque o Kodaka foi embora sozinho ontem, então eu preenchi seu pedido de entrada por você. Lembre-se de me agradecer.

— O que!?

— Os professores também estão muito preocupados com o Kodaka. No segundo em que eu disse “O Hasegawa Kodaka quer se tornar um membro do Clube”, os professores ficaram muito felizes. Um deles disse “Eu oro para que ele experimente o verdadeiro espírito do Cristianismo através das atividades do Clube. Talvez ele possa ver seu erro em seu caminho e se arrependa de tudo”.

— Que “erro no meu caminho”!? Eu não sou um delinquente!

Até mesmo os professores pensam isso de mim. Eu estou arrasado.

— Como eu disse, membro Kodaka, hoje estaremos começando nossas atividades após as aulas.

Ela deu as costas e foi embora dali.

Bem, ao menos eu tenho certeza de uma coisa — uma das razões por que Mikazuki não tem amigos é porque ela não escuta nada do que os outros dizem.

....... Não importa o que seja, então é por isso.

Foi assim que eu, Hasegawa Kodaka, e uma estranha pessoa chamada Mikazuki Yozora, começamos a nos envolver nas estranhas atividades do Clube dos Vizinhos.


Nota:

1 Air guitar é uma modalidade na qual o praticante finge estar tocando uma guitarra feita de ar. Por incrível que pareça, existem competições regulamentadas dessa modalidade...



Comentários