Volume Único
Ato 6: Lancer
A floresta era profunda — muito profunda —
Parecia ter caído num pântano sem fundo.
—— corra
—— corra —— corra
—— corra —— corra —— corra
Ele atravessou a floresta, cortando a noite.
Será que ele realmente pensou sobre por que exatamente estava correndo? Talvez.
Suas ações podiam ser descritas simplesmente como “fugir”, mas ele não tinha tempo para pensar e correr ao mesmo tempo.
Poderíamos dizer que a razão pela qual ele estava “fugindo”—
Em outras palavras, o desejo de “viver”, foi o que o fez avançar.
Ele agiu por instinto, não por razão.
Ele era impulsivo, não racional.
Ele nem sabia para onde deveria fugir. Simplesmente seguiu em frente sem parar.
Há quanto tempo ele estava correndo?
A cada passo, suas pernas gritavam em agonia. A dor irradiava por todo o corpo sem ser atenuada.
Mas tinha que continuar. Seu corpo não queria parar, nem sua mente.
Talvez as endorfinas já tivessem se esgotado. Ondas de dor percorriam o seu corpo sem serem atenuadas, de novo e de novo e —
—————?
Seu instinto feroz era forte o suficiente para superar isso.
Árvores passavam por ele como uma brisa, e na verdade, da forma como ele corria pela floresta, era como se ele próprio se tornasse o vento. Justo quando estava prestes a chegar ao fim da brisa —
Uma bala magicamente alterada atravessou o vento.
“?!”
Antes mesmo de sentir dor, seu corpo foi dominado pelo choque.
Seu ímpeto o levou até o chão. A terra bateu impiedosamente contra seu corpo. Como se fosse uma vingança pela maneira como suas pernas chutavam no chão enquanto corria, a terra se tornou uma arma e bateu nele.
“ — — — ?!”
Um grito inaudível.
Por mais que tentasse se levantar, as convulsões que dominavam seu corpo o impediam.
Quando sua mente sentiu seu corpo gritar de dor, seu ouvido ouviu uma voz silenciosa ecoar.
“...você me deu um pouco de dificuldade.” O orador parecia calmo, mas havia indícios claros de que ele estava irritado.
O homem, que parecia um mago, abaixou seu revólver e pisou cuidadosamente no estômago do fugitivo caído — e então empurrou o cano ainda quente do revólver para o ferimento aberto de bala.
Se ouviu um som sibilante quando a carne do fugitivo foi queimada. O cheiro de carne chamuscada ecoava na floresta.
O fugitivo abriu a boca mais do que deveria ser possível e exalou o ar úmido das profundezas de sua garganta.
“Isso é absurdo. De todas as coisas que poderiam ocorrer, você recebeu os Selos de Comando! Que farsa!”
O fugitivo gritou silenciosamente enquanto se debatia. Certamente havia marcas em forma de corrente em seu corpo que pareciam Selos de Comando.
“Por que você acha que me dei ao trabalho de criar você? Por que acha que amplifiquei seus Circuitos Mágicos até o limite? Por que acha que deixei você viver tanto tempo?”
O mago balançou a cabeça em silêncio e chutou o fugitivo — ainda se contorcendo de dor — como uma bola de futebol.
“...Para ganhar a Guerra do Santo Graal, devo convocar um ser que transcenda todos os Heróis.”
Ele caminhou até o fugitivo — e pisou em seu rosto novamente.
“Se eu não convocar um ser que exceda todo Herói — um ser que tem poder para ser chamado de deus — não posso esperar derrotar aqueles Heróis que se dizem reis.”
E de novo.
“E se chegou a esse ponto... não tenho escolha senão convocar um ser mais antigo do que o primeiro Herói — um daqueles do Egito que se tornaram deuses.”
E ele o pisou.
“Mas mesmo o poder dos Selos de Comando, combinado com o poder latente desta terra, não basta para chamar um ser tão poderoso como um deus. Eu também devo violar algumas restrições para obter isso.”
E o esmagou.
“E você — você deveria ser meu catalisador! Um catalizador para convocar um deus! Por que você recusaria essa honra!? Você pagou minha bondade com malícia!”
O fugitivo não podia nem tentar gritar. Ele mal podia ver com a escuridão da noite e o vermelho se espalhando do seu próprio sangue.
E ainda assim —
Mesmo se a respiração se tornasse dolorosa —
Enquanto bebia o sangue que derramava de sua garganta, ele tentou se levantar.
Ao ver o fugitivo que não estava disposto a admitir a derrota, o mago suspirou e —
Ele pôs o pé sobre as costas do fugitivo e, impiedosamente, esmagou o fugitivo sob seu peso.
“Chega disso. Tenho várias peças de reposição prontas... Você me devolverá os Selos de Comando. E então, você vai morrer. E morrerá do jeito que eu quiser. Vou jogá-lo em uma fornalha e usar seus restos para criar um novo espécime.”
Ele estendeu a mão direita para os Selos de Comando do fugitivo.
O fugitivo não se importava com os Selos de Comando.
Ele nem sequer conhecia a frase “Guerra do Sando Graal”, muito menos o seu significado.
—— viver.
Ele, como ser vivo, apenas obedecia aos instintos que brotavam dentro dele.
—— viver —— viver
Mesmo assim, à medida que o fim se aproximava, esses instintos não diminuíam.
—— viver. viver. viver.
— Era tudo o que pensava.
—— viver. viver. viver. viver viver viver viver
—— viver. viver. viver. viver viver viver viver
viver. viver. viver. viver. viver. viver. viver.
viver viver viver viver viver viver viver viver viver viver
viver viver viver viver viver viver viver viver
viver viver viver viver viver viver viver viver viver
viver viver viver viver viver viver viver viver
viver viver viver viver viver viver viver
viver viver viver viver viver viver viver viver viver
viver viver viver viver viver viver viver viver viver
viver viver viver viver viver viver viver viver ——
— viver!
Não era uma “Eu não quero morrer.”
Nem era “eu quero viver”.
Não era um desejo, mas um simples instinto.
A mera esperança de “viver”.
Teria ele percebido essa distinção? Ou —
Então, ele pelo menos tem os meios para expressar “Eu não quero morrer”?
Seu corpo lentamente parava, mas —
De todos os seres vivos de Snowfield, sua vontade era a mais forte. E com aquela vontade poderosa, ele gritou.
“———————————”
O mago não percebeu o que aquele grito significava — e assim, ele não notou:
Que naquele instante, o ritual estava completo.
Que o grito do fugitivo era apenas dele. Que era sua própria forma de magia. Que eram palavras de convocação.
Isso, o mago não sabia.
Há pouco tempo atrás, o quinto Servo foi convocado na ravina ao norte, e —
Parecia que o falso Santo Graal estava um pouco apressado para manifestar o sexto Servo.
Naturalmente, desde o início desta Guerra do Santo Graal, com a convocação de Rider, a natureza do ritual era bastante vaga.
Mas, em todo caso, foi nesse momento que —
O sexto Servo finalmente surgiu sobre as florestas de Snowfield.
Uma luz brilhante atravessou a floresta, e um poderoso turbilhão balançou as árvores próximas.
O mago foi atirado a poucos metros pelo vento forte. Assustado, ele preparou sua arma — mas, naquele momento, sentiu uma enorme quantidade de energia mágica e, assim, fortaleceu seus Circuitos Mágicos.
“O qu...”
Diante dos seus olhos, um ser apareceu, vestido com um simples pedaço de pano.
Que o ser era um Espírito Heroico era claramente evidente a partir da energia mágica esmagadora que fluía dele.
Ao mesmo tempo, havia algo incomum nisso.
Parecia muito simples para ser um herói.
Não parecia ter nada que pudesse realmente ser chamado de “equipamento”, e sua roupa parecia um pouco gasta. Claro, não é como se o valor de um Herói dependesse do valor de suas posses materiais, mas — mesmo assim, que tipo de Herói não teria uma única arma?
Ele calmamente examinou o ser.
—— Uma mulher?
Baseado apenas em seu rosto, ele poderia chamá-lo de mulher.
Tinha pele lustrosa e características suaves.
No entanto, seu peito e seus quadris estavam ocultos pelo pano solto que usava. Só seus membros se estendiam para fora do tecido, e pareciam firmes e tensos.
—— N-não, espere... poderia ser um homem.... ...? Qual deles...?
O rosto do Servo parecia ter alguns traços vagamente infantis, tornando mais fácil confundir com homem ou mulher. De qualquer maneira, seu corpo era firme. Estava tenso como uma mola espiralada, e provavelmente poderia disparar da mesma maneira. Isso estava muito claro. Homem ou mulher, seu rosto era bonito do mesmo jeito.
—— É... isto é... isto é mesmo um... um humano?
O mago sentiu uma pontada de embaraço.
Certamente tinha um rosto humano, mas havia algo desconfortável sobre ele. Ele não conseguia descobrir como descrevê-lo, mas definitivamente havia algo de errado com ele. Talvez fosse perfeito demais. Não havia nada fora do comum, mas todo o seu corpo exalava uma aura estranha — como um manequim. Era como se fosse uma marionete, no sentido mágico.
Ele não conseguia entender a sua construção, talvez por causa de suas roupas soltas. Tornou-se cada mais incerto se o Espírito Heroico era um homem ou uma mulher, ou mesmo se era um ser humano ou algo completamente diferente.
No entanto, uma coisa era certa.
Esse herói era irresistivelmente lindo.
Era um ser paradoxal, possuindo tanto a impureza característica da humanidade como a pureza inerente à natureza.
Seu corpo era como os ramos aveludados que envolviam a estátua de Vênus. Era como se a forma do Espírito Heroico desafiasse a classificação de homem ou mulher, ser humano ou animal, deus ou demônio.
Com a floresta de fundo, o Espírito Heroico, um ser de perfeita harmonia, deixou seus cabelos lustrosos ondularem no vento e —
“Você é... o Mestre que me chamou?” Perguntou ao fugitivo ferido, esparramado no chão diante dele.
Ah, que voz gentil.
Sua voz também era andrógina. No final, o mago nunca compreenderia sua verdadeira identidade.
O fugitivo ficou perplexo com o súbito clarão de luz e a rajada de vento que acompanhava sua aparência, mas quando o olhou, sabia.
—— Aquele que está diante de mim não é meu inimigo.
Ele sabia que isso era uma verdade absoluta.
Por um breve instante, ele suprimiu seu desejo de fugir e olhou atentamente para o seu salvador.
Seus olhos eram tão puros, como se estivesse imaginando o que estava dentro da própria alma do Espírito Heroico.
Ajoelhou-se em silêncio enquanto o fugitivo cambaleava até seus pés, de modo que pudesse olhá-lo nos olhos e —
“—— —— ————” ele falou com palavras que o mago não conseguiu entender.
O fugitivo respondeu.
“——— ———” silenciosamente.
E então, o Espírito Heroico estendeu a mão e levantou o fugitivo ferido para ele braços.
“Obrigado. Nós formamos um contrato.”
Falava como se fosse para um amigo de longa data — e assim, o fugitivo sentia alívio.
Ele recebeu a vida. Seu coração inchou de emoção.
Ele sabia que não teria mais que fugir — e, finalmente, poderia relaxar.
“Im... possível... impossível! Isto não pode ser!” Seus gritos ecoaram sobre a floresta.
Incapaz de entender o que estava vendo, o mago acenou com a arma.
“Isto é um absurdo! Eu não vou tolerar isso!” Ele gritou enquanto apontava a arma.
E na sua mira estava —
Um lobo prateado, sua pele manchada de sangue e sujeira, descansando nos braços do Herói.
“Sua besta! Isto... não tem nem habilidades para falar! Você é apenas uma quimera! E você é um Mestre!? Não posso acreditar!”
O mago continuou a brandir ferozmente sua arma, mirando com cuidado.
“Por favor, baixe a sua arma. Meu Mestre não deseja que se machuque.” Disse o Espírito Heroico, calmamente.
“O qu...”
Ele ficou surpreso com a polidez com que falou, mas mais importante ainda, ele estava perturbado pelo conteúdo de sua declaração.
“Como! Que ridículo...”
“Eu posso entender a linguagem da sua espécie... mas em todo caso, não é difícil imaginar o que você fez ao meu Mestre.”
O mago tentou zombar do Servo, mas ele continuou a falar, uma expressão solene em seu rosto. “E, no entanto, meu Mestre não deseja que você se machuque... Entende o que isso significa?”
Com isso, se afastou do mago e começou a caminhar lentamente para fora da floresta.
“E-espera! Por favor, espere! Você deseja o Santo Graal, não é?! Você não concordaria que teria uma melhor chance de atingir o Graal se eu fosse seu Mestre, ao invés de um sarnento?”
E quando o Espírito Heroico ouviu isso, parou de andar e —
Ele se virou.
Isso foi tudo.
Imediatamente — o mago soltou um grito curto. Com a arma ainda na mão, ele virou as costas para o Espírito Heroico e o lobo e fugiu pela a floresta.
Tão impressionante era o poder de rejeição no olhar do Espírito Heroico.
Quando o mago desapareceu de sua vista, removeu a aspereza dos seus olhos e seguiu para o rio para curar o animal que aceitou como seu Mestre.
Não podia ouvir o som da água corrente, nem podia ver, mas —
Mesmo assim, podia sentir a presença de água lá fora. E então ——
Ele saltou do chão, segurando suavemente o lobo em seu peito, atravessando da floresta tão rápido quanto um falcão.
Enquanto corria pela floresta, o mago gritou internamente.
—— aa aAA aaaaAAA AAaaaAAAAaAAAAaa aaAaa ——
Ele, que tinha sido o caçador, mas agora estava sendo caçado enquanto fazia seu caminho por entre as árvores.
—— Por quê!
—— Por quê! Por quê! Por quê, por quê, POR QUÊ!?
—— Por que isso foi... aquele animal!
—— Por que não eu?!
Nem o Espírito Heroico nem o lobo prateado o perseguiam.
Ele sabia disso e, no entanto, fugiu o mais rápido que suas pernas permitiam.
Ele fugiu da vergonha insuportável e da realidade inalterável que o seguia.
Depois de correr por um tempo, o mago percebeu que, em algum momento, saiu da floresta — e se lembrou que seu ateliê estava por perto.
Finalmente, ele foi capaz de deixar suas pernas relaxarem.
E então, quando parou completamente, virou para encarar a floresta.
“Apenas... o que era aquele Espírito Heroico?” Ele perguntou, conversando consigo mesmo.
Ele havia refinado toda a magia que ele e seus antepassados tinham desenvolvido para criar aquela quimera. Seu corpo continha muito mais Circuitos Mágicos do que o de qualquer mago comum. Seu tempo de vida — tanto como uma oferenda quanto como um ser vivo — era extremamente curto, mas isso estava correto, pois era apenas um catalisador a ser usado para invocar um Espírito Heroico.
No entanto, ele, entre todas as opções, recebeu os Selos de Comando.
Mesmo com toda a sua experiência como mago, ele não conseguia entender como uma mera besta — uma que não entendia o que era a Guerra do Santo Graal — poderia se tornar um Mestre.
“Era um Herói com alguma ligação com animais...? Mas isso era apenas uma quimera — nem mesmo um animal. Era uma marionete de carne. Talvez fosse um herói com alguma conexão com... quimeras...?”
Dado que o lobo parecia um cão, o mago também considerou a possibilidade de que o Servo poderia ter sido o cão dos Celtas. Porém, ele não conseguiu assimilar a imagem que tinha do guerreiro feroz com o que viu do Espírito Heroico.
“Tsk... bem, que seja. Vou apenas ter que roubar seus Selos de Comando. Não, na verdade, qualquer Selo de Comando deve servir. É melhor eu começar. Se usar o resto de minhas quimeras quando eles entrarem na cidade, eu devo ser capaz de me livrar dessa besta...”
Ele já estava de bom humor, com seus sentidos no lugar.
Ele realmente era digno de louvor como mago.
Infelizmente, não era um elogio que o esperava, mas —
“Não, senhor, certamente não podemos permitir isso.”
“? ——?. ...?!?”
“Preferimos não ter mais fontes de incerteza. Minhas mais humildes desculpas.” Essas palavras frias o congelaram por dentro.
“——” O mago abriu a boca para perguntar quem estava lá. De sua garganta não vinham palavras, mas sangue quente e vermelho.
“Nós já temos magos vagando pela cidade que não manifestaram nenhum Selo de Comando. Seria complicado se você saísse por aí causando problemas para a Guerra do Santo Graal. A Associação e a Igreja já são problemas suficientes. Não podemos ter o luxo de irritar da milícia, entende. Afinal de contas, são funcionários públicos.”
Ao ouvi-lo falar, o mago percebeu que o homem que estava diante dele era o homem que foi discípulo do mestre de marionetes Rohngall — um homem da Associação chamado Faldeus.
Naturalmente, mais importante para o mago do que as afiliações de Faldeus era a questão de como parar o sangue que saía do seu pescoço.
“Oh, não, nem tente. Apenas aceite. Não tenho nenhum desejo particular de responder às suas perguntas, nem planejo deixá-lo viver. Sendo assim, tomei a liberdade de cortar sua garganta.”
Faldeus girou lentamente uma faca militar suíça na mão. Gotas vermelhas pingaram dele. Não era uma arma de ritual, do tipo tipicamente usado pelos magos, mas sim, uma faca comum, do tipo que se poderia encontrar em uma loja qualquer.
“Tut-tut. Mesmo que não estivesse esperando por isso, você não devia ser vítima de uma faca tão sem graça. Seus ancestrais devem estar chorando.”
“—. ——.” Um som de chiado veio da garganta do mago, mas ele foi incapaz de respirar.
Ele estava rapidamente perdendo a consciência.
“...pensando bem, quem é você, afinal? Eh, tanto faz. Não tem como você me responder mesmo” disse Faldeus.
Enquanto Faldeus desdenhava do mago, alerta como sempre, ele acenou lentamente com a mão direita.
O mago sentiu um choque.
E esse era o fim. A consciência do mago se foi para nunca mais voltar.
Quando Faldeus acenou com a mão, inúmeras balas voaram pelo ar e alvejaram o corpo do mago.
Diante dessa visão sangrenta, Faldeus permaneceu sem emoção.
Talvez porque ele não podia sequer imaginar a possibilidade de que uma bala perdida iria atingi-lo, ele nem sequer alterava a respiração quando as balas corriam na frente dele.
Assim como na vez com Rohngall, os tiros foram abafados. Uma força de chumbo destroçou o que tinha sido o corpo do mago.
Quando cerca de metade do mago se foi, Faldeus acenou a mão novamente.
Em menos de um segundo, a chuva de balas cessou. Faldeus se sentou em uma rocha próxima. Sua expressão finalmente suavizou um pouco.
“Eu imploro seu perdão. Eu sou uma espécie de caixa falante, sabe. Eu nunca sei quando vou vazar informações confidenciais, então realmente não posso ter uma boa conversa a menos que esteja falando com um cadáver.” Ele disse com cortesia ao pedaço de carne, que, naturalmente, não podia ouvir, muito menos entendê-lo.
“Devo dizer, estou um pouco preocupado com o que os Kuruokas convocaram.... E, para ser honesto, você fez uma bagunça enorme. Acabei de dar uma olhada no seu ateliê, e... bem, fico espantado que tentasse convocar algo ao nível de um deus. Isso é uma afronta ao sistema. Você não sabia disso? As guerras têm regras também.” Faldeus falou fluidamente e por um bom tempo, agora que ele estava falando com um cadáver. Sua relutância havia desaparecido completamente.
“Mesmo que todo esse negócio seja uma espécie de teste para nós, realmente precisamos que vocês tenham um pouco de autocontrole.”
Ao contrário de quando ele tinha a marionete de Rohngall destruída, ele não tinha um exército de subordinados que o rodeavam. Além disso, ele estava falando em um cadáver real, não um mero fantoche.
“Eu dei uma olhada nas filmagens que fizemos na floresta... E, bem, é incrível que ele — bem, talvez ela, então por que não vamos com ‘aquilo’? ...Em todo caso, é incrível que pôde ser convocado como um Espírito Heroico. Se tivesse conseguido chamá-lo como Berserker, poderia muito bem ter adquirido o poder de um deus que desejou.”
Parecia que Faldeus realmente estava surpreso com o que viu, como evidenciado pelo seu estado emocional.
Talvez tenha sido uma agradável surpresa para ele. Um sorriso percorreu seu rosto.
“Bem, o sistema não deve permitir isso, mas como há anomalias em toda parte, eu não colocaria muita fé nisso. Por Júpiter, alguém poderia até ter convocado algo indizível em um esconderijo secreto em algum lugar. Mas então, aquela coisa que seu pet convocou é bastante absurda.” Faldeus gesticulou enquanto falava, como se estivesse falando com um velho amigo. Com um cadáver no chão diante dele, ele falou para si mesmo, de modo a reforçar sua própria compreensão da situação.
“Para começar, nunca foi exatamente um herói...”
“Era mais como um Fantasma Nobre dos próprios deuses.”
Claro, aquele Herói tinha o corpo de um ser humano.
No entanto, não era humano.
Há muito tempo, os deuses criaram um boneco de barro e o enviaram à terra para dentro de uma floresta. Aquele boneco não era nem macho nem fêmea. Em vez disso, era espectral.
Faltava conhecimento humano, e assim ele vagou pela a floresta como uma besta.
No entanto, tinha um poder que superava a compreensão humana. Quando estava enfurecido, dizia-se que era mais poderoso do que o Herói que governava um certo reino na época.
Aquele rei riu com desprezo. “Jamais meu poder poderia ser comparado com o de uma besta.” Disse, se recusando a olhá-lo.
O rei acreditava em seu poder supremo. Que não poderia haver um ser mais forte do que ele. Assim, o rei riu rumores da besta.
Quando aquela besta encontrou uma certa prostituta festejando, entretanto, seus destinos mudaram para sempre.
Quando aquela massa de argila sem gênero encontrou aquela mulher cuja beleza transcendia o gênero, se apaixonou à primeira vista.
Enquanto passaram seis dias e sete noites juntos, compartilhando refeições e uma cama, o boneco de argila lentamente assumiu uma forma humana, como se imitasse aquela bela prostituta.
A ignorante besta de argila tentou assumir a beleza dessa prostituta.
Quando ela fez dessa beleza paradoxal sua, o boneco de argila perdeu muito de sua força. Em troca, ganhou a sabedoria e mente humanas.
Embora tivesse perdido muito de sua divindade —
Seu poder ainda excedia em muito o do homem.
E então, o boneco, agora dotado do corpo e da sabedoria de um ser humano, estava diante do poderoso rei.
Eles lutaram uma batalha que abalou os céus e a terra, e uma vez que a batalha terminou, cada um reconheceu a força do outro.
O rei dourado e o boneco de argila.
Certamente, não poderia haver seres mais distantes do que eles. No entanto, cada um se tornou o único amigo do outro. Eles embarcaram em incontáveis aventuras, compartilhando a dor e o prazer.
E então, milênios depois daqueles dias dourados e terrenos —
Seus destinos mudaram para sempre mais uma vez ——
Em um rio a dez quilômetros de distância, o Espírito Heroico tratou as feridas do lobo prateado — seu Mestre — e o deitou para descansar.
“Devo dizer... estou aliviado. Eu estava preocupado que o mundo inteiro tinha sido enterrado como Uruk, mas parece que o mundo está tão bonito como sempre.”
Olhou para o vasto deserto diante dele. Usando a linguagem das bestas, descreveu o mundo para seu Mestre que estava ao seu lado.
No entanto, seu Mestre já estava em sono profundo e não respondeu.
Rindo suavemente, ele se entregou ao som da água, quando —
De repente, virou-se para olhar para o norte.
Usando a habilidade da sua classe, Presence Detection — ele detectou uma presença muito, muito ao norte. Uma presença muito familiar.
Detectou um Espírito Heroico dourado saindo da caverna.
“Poderia ser—”
Incapaz de acreditar no que o destino tinha feito, abriu os olhos e —
“...é você?”
Era certo que a presença que sentia ao norte não era outra senão do rei que conhecia. Lentamente ele se levantou.
Um breve silêncio.
Nesse momento, o que passou pela sua mente?
Perplexidade.
Consternação.
E, finalmente — uma alegria imensa.
Não só o destino os trouxe para a Guerra do Santo Graal, mas também lhes proporcionou outra oportunidade de terem um combate mortal.
O que mais?
Mesmo que arrancasse sua cabeça e perfurasse seu coração, o que?
Os laços que os prendiam não desapareceriam com um duelo ou dois.
Não, mesmo que se matassem milhares de vezes, se manteriam fortes.
“Haha...”
Um sorriso muito natural aparecer em seu rosto. Abriu os braços e...
“Que divertido seria... continuar o duelo que travamos.”
De braços estendidos, cantava poderosamente, do núcleo do seu ser.
Era uma voz suave.
O herói Enkidu.
Sua música sacudiu a própria terra, tornando-se uma bela ondulação da terra que alcançou cada parte da área de Snowfield.
Isso era prova de que todos os Servos haviam chegado —
E também era um sinal para iniciar a batalha.
Todos os magos e Espíritos Heroicos haviam se reunido nesse falso palco.
Eles procuravam seguir o ritmo — apesar de saber que esta Guerra do Santo Graal era falsa.
Verdade e falsidade eram secundários aos seus desejos.
Eles não lutavam pelo Santo Graal, mas por suas convicções ——
Era uma Guerra do Santo Graal apenas para eles.
Essa foi a centelha que começou a guerra....