Volume 1

Capítulo 3

Dia 12

Aqui no escritório, o calor da meia-noite queima até de manhã.

Sento-me diante de uma luz solitária, incapaz de dormir a maior parte da noite.

As incontáveis mortes, as pessoas perdidas...

Não há diferenças entre mim e eles. Não nascemos todos no mesmo planeta, só para retornarmos ocasionalmente para o paraíso eterno da morte juntos?

“Permitam-me começar.”

Eu me dirijo aos participantes sentados ao redor da mesa. A sala de reunião da Agência funciona como uma sala de estar. Temos o total de sete funcionários presentes - funcionários do escritório e detetives - e não seria um exagero dizer que esses são os melhores dos nossos principais membros. É extremamente raro eles se reunirem assim. Passo a eles os documentos necessários e depois, explico.

“Eu gostaria que vocês olhassem estes documentos sobre nossa situação atual. Para resumir, a nossa Agência está atualmente sendo ameaçada. Alguém construiu um escândalo elaborado e desonesto contra nós.”

“Sim, a Agência está em perigo, já entendemos. Agora vá direto ao ponto e nos fale da bomba.”

Um dos participantes fala. É a médica pessoal da Agência, Dra. Yosano.

“Tudo bem. Esse é o e-mail que recebi do ofensor. Vai ajudar a traçar o perfil do criminoso também, então, por favor, leiam.”

 

Prezado senhor,

Espero que todos na Agência de Detetives Armados estejam bem. Eu quero primeiro expressar a minha gratidão pelo seu trabalho investigando o prédio abandonado. Agora, eu sei que é um tanto inesperado, mas estou contatando vocês na esperança de solicitar outro favor.

Apenas alguns momentos atrás, nós armamos uma bomba enorme em algum lugar da cidade. Portanto, para a segurança das pessoas, eu gostaria que vocês encontrassem esse explosivo e o descartassem. Além disso, essa bomba está armada para explodir amanhã ao pôr do sol, então eu peço encarecidamente que vocês resolvam este caso antes disso.

Esse explosivo que criamos é do mesmo tipo de bomba que roubou a preciosa vida de mais de uma centena de pessoas durante um certo incidente no passado. Que evento horrível foi aquele. As chamas eternas e a coroa ofuscante fizeram com que parecesse que o próprio sol tivesse caído do céu. Os prédios caíram uns atrás dos outros enquanto a pele de pessoas inocentes derretia em suas tentativas de fuga. O chão tornou-se líquido e os veículos foram atirados neles como se fossem lanças. Eu poderia descrever este cenário como o inferno na terra. É por isso que eu imploro que sua Agência se esforce o máximo que puder para prevenir que algo assim aconteça em Yokohama.

Embora eu entenda que isso é óbvio, nós estaremos gravando as ações da sua Agência como da última vez. Por favor saibam que, se infelizmente falharem em desarmar a bomba, iremos divulgar as imagens ao público mais uma vez.

Desejando o melhor para vocês, rezo por sua saúde e sucesso.

Com os melhores cumprimentos, O Apóstolo Azul.

 

“... Que tipo de pessoa doente escreve algo assim?” A Dra. Yosano zomba.

“Eu concordo completamente. Está mais do que claro que esse chamado Apóstolo Azul foi quem gravou o incidente no hospital abandonado e expôs para o público para sujar o nome da Agência. E agora está nos ameaçando de novo.”

“Então vocês acreditam que o objetivo do infrator é acabar com a reputação da nossa Agência?” O presidente pergunta calmamente.

“Provavelmente.”

A Agência de Detetives Armados já passou pelo inferno em múltiplas ocasiões. Você precisaria de um exército para nos derrubar em uma batalha de força bruta. Mesmo assim, enquanto formos uma corporação comercial no setor de serviços construída com a confiança dos nossos clientes, um escândalo como esse nos deixaria vulnerável. Se as notícias de que falhamos ao tentar desarmar uma bomba se espalhassem e acontecesse alguma intervenção judicial, a reputação da Agência estaria arruinada. Seríamos expulsos dos negócios.

“Você tem alguma ideia de onde a bomba pode estar?”

 

 

“O terrorista insinuou que está em algum lugar em que ela poderia matar ou machucar mais de uma centena de pessoas, então, no momento, temos funcionários procurando por possíveis locais. No entanto, existem inúmeras possibilidades, como estações e arranha-céus, então encontrar a bomba antes do tempo acabar pode ser quase impossível.”

“Que tal começarmos procurando por cabos de câmeras de vigilância?”

Como mencionado no e-mail, o Apóstolo Azul precisaria nos filmar falhando e expor esses vídeos ao público para arruinar a nossa reputação. Por causa disso, eles provavelmente usariam equipamentos para secretamente nos gravar como da última vez, mas...

“Se o aparelho de monitoramento e as escutas usarem as baterias mais recentes, eles poderiam conseguir alguns dias de filmagens tranquilamente. Elas também poderiam ser até pequenas e em forma de um objeto como um dado ou caneta-tinteiro, e capazes de transmitir dados por via de uma rede wireless até que a explosão as destrua. Realisticamente falando, encontrar esse equipamento de vigilância seria um trabalho mais difícil do que achar a bomba. Só para garantir, eu estive contatando distribuidores se eles sabem sobre alguém comprando uma grande quantidade desses aparelhos, mas as respostas que recebi até agora não estão nem perto do ideal.”

“Algum registro de um criminoso que tenha usado o nome Apóstolo Azul?”

“Não achamos nenhum até agora.”

Apóstolo Azul. A única diferença do primeiro e-mail é o fato de que o cliente assinou com seu nome. Houve uma razão para isso. Tudo que podemos dizer com certeza é que o Apóstolo Azul tem conhecimento sobre explosivos e está, por algum motivo, tentando fazer com a que a Agência seja jogada na lama.

“Estou em contato com um afiliado que, no momento, está fazendo uma lista de candidatos que são especialistas em explosivos e talvez tenham algum rancor contra a Agência.”

“Ainda não conseguiram falar com o Ranpo?” A Dra. Yosano pergunta.

Eu tenho certeza que o próprio presidente está mantendo contato com o Ranpo...

“Eu falei com ele esta manhã.” O presidente responde, cruzando seus braços. “Ele disse que o caso em Kyushu está quase solucionado, então dele deve estar voltando em breve. De qualquer forma, é improvável que ele consiga chegar antes do pôr do sol.”

Ranpo Edogawa é um usuário de habilidade e o melhor detetive que temos na Agência. Agressão, sequestro, assassinato, não importa o crime, sua habilidade extraordinária, Super Dedução, permite que ele revele a verdade. Nós poderíamos desvendar esse caso imediatamente se ele estivesse aqui... mas, infelizmente, ele está em Kyushu, cuidando de outro caso a pedido de um oficial do governo central. Ranpo está investigando um caso bizarro de assassinato onde, aparentemente, um homem de cabelos brancos voltou dos mortos e matou sua esposa e melhor amigo, então ele não está em uma posição em que possa voltar imediatamente para Yokohama.

“Seria possível ter uma entrevista com aquele taxista que está sob custódia?” O presidente pergunta.

“No momento, o motorista se encontra a bordo de um avião militar especial que ainda está no ar enquanto conversamos. Está o mantendo a salvo de tentativas de assassinato vindas da Máfia, mas também faz com que entrevistas com ele sejam extremamente difíceis de se conseguir.”

Até mesmo a Máfia não seria capaz de alcançar o seu alvo se ele está no céu. Infelizmente, isso faz com que conseguir informações com nossa testemunha seja um algo muito difícil também.

“Vou falar com o departamento de inteligência da polícia militar. Eu quero que você entre em contato com qualquer um que esteja naquele avião e faça com que o taxista responda às nossas perguntas de forma escrita.”

“Vou preparar os documentos necessários imediatamente.”

É improvável que o taxista seja o Apóstolo Azul. Não faz sentido algum que ele nos enviasse um e-mail com informações sobre onde as vítimas sequestradas estavam sendo mantidas. De certa forma, ele também é uma ‘vítima’ que foi usada pelo Apóstolo Azul. Mas isso leva a uma pergunta: como o taxista e o Apóstolo Azul estão conectados? De qualquer forma, tudo o que podemos fazer agora é esperar que ele saiba algo.

“Ouçam, todos. O que nós temos aqui é um ataque covarde contra a Agência de Detetives Armados. Nós temos dois objetivos: encontrar o culpado e desarmar a bomba. Desarmar a bomba antes do tempo acabar é nossa prioridade máxima. Se nós permitirmos que a bomba mate alguém, não teremos mais o direito de nos chamarmos de detetives. Entendam que o nosso orgulho como humanos, não como detetives, está em jogo. Agora, vamos começar.”

E com essas ordens vindas do presidente, todos levantaram e prontamente começaram a agir.

 

 

A investigação está tão caótica que quase não temos um momento para respirar. O prazo é o pôr do sol de hoje. Até lá, temos que procurar na cidade inteira e encontrar essa bomba. Não temos tempo.

Eu penso na investigação que levou a isso e pego o telefone. Eu pedi ao Rokuzou que rastreasse o primeiro e-mail, o que possivelmente poderia ajudar a solucionar esse caso. Após ouvir o telefone chamar por um tempo, Rokuzou finalmente atende.

Alôôô... aqui é o Taguchi. Desculpe, eu não... uaaaah... estou disponível agora. Até.

“Não tenho tempo para os seus joguinhos. Isso é urgente.”

Ah, é você, Quatro-Olhos? Você faz alguma ideia de que horas são? São nove da manhã, pelo amor de Deus!

“Você é o único que ainda está dormindo às nove da manhã, seu desastre social. Comece a agir como uma pessoa normal e saia um pouco mais. É bom para a sua saúde.”

Tsc. Quem cê pensa que é? Meu pai?

“Não, eu-”

Eu não posso ser seu pai. Engulo as palavras antes que elas saiam da minha boca.

“Enfim, houve uma mudança de planos. Eu preciso que você rastreie o e-mail daquele cliente e descubra quem ele é o mais rápido possível. Você fez algum progresso?”

Ah, aquilo? Acabou sendo mais difícil do que eu esperava. Não vou usar termos técnicos, mas ele está usando vários hubs para esconder sua identidade. Não é o trabalho de um amador.

Eu estou ciente disso, infelizmente.

“Eu recebi um outro e-mail do mesmo remetente. Você poderia encontrar a fonte por meio dele?”

Pode ser de ajuda, mas eu não vou garantir nada até eu tentar... Mas há outras formas de se fazer isso.

“O que quer dizer?”

Eu posso mandar um vírus para o hub e usar ele para rastrear a fonte por lá. Dá um pouco de trabalho, mas é confiável. Mas eu meio que teria que quebrar a lei.

“Tudo bem. Os fins justificam os meios. Faça isso.”

Uau. Tá falando sério? Logo você, o Sr. Certinho? Estou gravando essa conversa, sabia? E se eu disser para você me dar as provas de quando tentei hackear a sua Agência de Detetives em troca dessa conversa?

“Eu faço isso, então. Só se apresse, ok?”

Eu nunca planejei entregá-las para as autoridades, mesmo. Eu só disse que faria isso como uma desculpa para ter a assistência de Rokuzou. Aparentemente, ele não descobriu isso até hoje.

Uau, que generoso da sua parte, Quatro-Olhos. É melhor você ter algum dinheiro esperando por mim quando tudo isso acabar.

O telefone desliga. Eu reflito silenciosamente com ele ainda em mãos. Não é hora de ficar sentimental. A bomba é prioridade máxima. Vamos ter a morte de inocentes nas nossas mãos se não a encontrarmos a tempo. Merda. O que o Dazai está pensando, desaparecendo no meio de uma situação dessas?

 

 

Não demora muito para que eu encontre Dazai durante minha procura no centro. Ele está em um café antiquado de frente para a rua, tentando conversar com uma mulher.

“Essa é sua primeira vez em Yokohama? Posso te mostrar os arredores, se quiser.”

“Sério? Você faria isso por mim? Mas eu me sentiria péssima... Quer dizer, parece que as coisas estão caóticas na Agência de Detetives com a ameaça da bomba. Você até disse que o Detetive Kunikida esteve ocupado a manhã toda com ligações e investigações.”

“Ele é um viciado em trabalho. Um louco por pontualidade. Digo, entenda o seguinte: se o disser para se encontrar com você perto do meio-dia, ele vai aparecer faltando dez segundos para o meio-dia todas as vezes. O que ele é? Um trem?”

“Oh, nossa... Não diga.”

“Dazai! O que você acha que está fazendo, faltando o trabalho?! E não me use nas suas tentativas de flertar com mulheres!”

“Ah, e quando fomos no hospital abandonado,  Kunikida-kun pensou que tinha visto um fantasma e começou a gritar que nem uma garotinha-”

“Não me ignore!”

Eu bato na parte de trás da cabeça de Dazai enquanto ele conversa animadamente com a senhorita Sasaki.

“Ai! Por que fez isso, Kunikida-kun? Hmm? ... Kunikida-kun? Há quanto tempo você estava aí?”

“Não se faça de idiota. Você sabia que eu estava atrás de você. Além disso, o que acha que está fazendo? Temos uma emergência terrível nas nossas mãos, e você aí, em um tipo de encontro chique? Para piorar, você está com uma vítima de um de nossos casos!”

“Está com ciúmes?”

“Eu não estou com ciúmes!”

Eu não estou com ciúmes de forma alguma. Absolutamente não.

“Vamos lá, não fica assim. Ela quase foi morta por um monstro. A pobre garota está traumatizada. Não é nosso trabalho como uma Agência de Detetives protegê-la e providenciar apoio emocional? E, pela minha experiência, basta apenas um sorriso e um pouco de gentileza para fazer que uma mulher se encantar por você depois que ela passa por momentos difíceis.”

“Você deveria ter calado a boca antes disso.”

... Vou ter que anotar essa dica no meu caderno depois.

“Além disso, como alguém tão fútil como você poderia ter uma chance?”

Com certeza uma mulher tão linda quanto ela já deve estar comprometida com alguém.

“E é isso que faz de você o Doppo Kunikida. Eu perguntei e ela não tem uma família ou outra pessoa para quem voltar. Além disso, ela e seu namorado terminaram não faz muito tempo.”

... Eu lembro dela ter mencionado que não tinha ninguém, mas não achei que seria para tanto.

“Então ela está disponível, Kunikida-kun.” Dazai sorri, me cutucando levemente com o cotovelo.

“Disponível para quê?”

Vou só fazer uma cara de quem não sabe do que ele está falando.

“Olha, Dazai, eu vim aqui para te informar sobre o que foi discutido na reunião desta manhã, que você casualmente ignorou. E, se eu ver que você ignorou mais uma vez, eu vou tomar todas as medidas apropriadas para te ressuscitar com sucesso na próxima vez que tentar se matar.”

“Ei, isso é pesado. Você é sujo, Kunikida-kun.”

Dazai faz uma expressão enojada. Satisfeito, eu coloco os documentos que estavam na minha mão na mesa e os espalho.

“Essa é a última informação. Nós recebemos uma gravação do criminoso durante o interrogatório da polícia militar. Parece que ele admitiu o sequestro das vítimas e utilizar o gás para que elas não pudessem escapar. Mas isso foi tudo que ele admitiu. Ele afirma que não sabia sobre o equipamento de vigilância e é improvável que ele esteja mentindo sobre isso agora. É porque isso que--”

“Deve haver pelo menos duas pessoas por trás disso, certo? A pessoa que sequestrava as vítimas e a que gravava tudo: a primeira é o motorista, enquanto a segunda é o Apóstolo Azul, estou certo?”

“Aparentemente, sim.”

“Hm...” A senhorita Sasaki fala, timidamente. “Você tem certeza que eu deveria estar ouvindo isso? Isso não se enquadra como informação confidencial?”

“Você é uma vítima, Sasaki-san, e você é tão parte disso quanto nós dois, então não se preocupe com isso. Se você não fosse, o Sr. Apaixonado-Por-Regras aqui nunca teria começado a explicar as coisas com você por perto.”

“Eu não sou particularmente apaixonado por regras. Isso é normal.”

“Viu? Ele até conta piadas às vezes. Hilário, não é mesmo? Enfim, alguma nova pista sobre o criminoso que estamos procurando?”

“Eu sou completamente normal.”

“... Desculpa, você está certo. É completamente normal. Então, pode continuar me falando sobre o que está acontecendo?”

Por que ele se desculpou?

“Nós procuramos o histórico do taxista e, pelo que pudemos ver, ele não tinha conexões com organizações clandestinas. Os dados sobre ele fazem com que ele pareça ser nada mais que o seu taxista comum. Ele não tem histórico criminal e também não o conheciam por andar com as pessoas erradas. E mesmo assim, eu ainda acho difícil acreditar que ele surgiu com a ideia de sequestrar pessoas e vender suas entranhas para um grupo de tráfico de órgãos sozinho. Alguém deve ter falado para ele sobre esse esquema de ‘enriquecimento rápido’.”

“Alguém como o Apóstolo Azul? Não podemos só perguntar ao motorista quem falou isso pra ele?”

“Ele não vai nos dizer. Ele acha que, se falar, eles vão realmente matá-lo dessa vez. Eu adoraria arrancar cada um dos fios de cabelo dele até que ele nos diga algo, mas infelizmente, ele está sob vigilância acima das nuvens agora.  Ficaríamos sem tempo antes de conseguirmos conexões para tentar uma entrevista com ele.”

Quem será que está por trás disso? Ele não apenas se aproximou do motorista com a proposta do tráfico de órgãos, instalou o equipamento de vigilância no hospital abandonado, como também fez uma bomba, a instalou em algum canto da cidade e está ameaçando a nossa Agência. Mas por que? Ele está atrás de quê?

“Eu espero não estar me intrometendo muito, mas...” A senhorita Sasaki fala de repente. “Você não acha que esse Apóstolo Azul poderia ser o criminoso por trás do incidente com Terrorista da Bandeira Azul?”

“Hm...”

O caso do Terrorista da Bandeira Azul - o incidente que custou a vida do pai do Rokuzou. O momento em que vi a palavra azul no nome dele, eu mesmo tive rapidamente a mesma ideia.

“Mas o terrorista responsável por aquele caso, o Rei Azul, morreu na explosão. Os mortos não podem ameaçar os vivos. Isso é certo nesse mundo.”

“Ah, então quer dizer que você não tem mais medo de fantasmas, Kunikida?”

“Nunca mais fale sobre fantasmas de novo.”

“Mas foi uma explosão bem grande, certo? Eu ouvi que eles nunca acharam o corpo do Rei Azul também. E se ele fingiu a sua morte e agora está escondido em algum lugar?”

Eu pensei nisso também, por isso entrei em contato com a polícia militar. No entanto, eles disseram que isso não é possível.

“De acordo com a análise da polícia, o Rei Azul definitivamente morreu na explosão. Eles têm as tecnologias forenses mais avançadas disponíveis e algum dos seus colegas morreram também, então é difícil de imaginar que eles deixariam algo assim passar.”

“Mas...”

“Bom, eu não sei muito sobre esse Rei Azul, mas ele realmente é alguém que voltaria das profundezas do inferno para se vingar da Agência?”

A ignorância do Dazai nunca cansa de me surpreender.

Eu explico, relutantemente. O Rei Azul era o cabeça por trás do incidente do Terrorista da Bandeira Azul, que atacou e destruiu instalações do governo. Ele ficou conhecido como a pior e mais destrutiva ameaça terrorista doméstica do Japão pós-guerra.

Uma vez tido como um excelente oficial do governo antes de levantar a bandeira azul, o jovem ambicioso se formou como o primeiro da classe em uma instituição educacional de elite, trabalhou como funcionário público no mundo legislativo e executivo depois de estudar no exterior. No entanto, em algum momento ele misteriosamente começou a aspirar a limpeza da sociedade através da sua destruição.

Então, um dia, um certo vídeo foi enviado a uma grande emissora doméstica. Era um vídeo de um homem cuja face estava coberta por um lenço azul. Ele se chamava de o Rei Azul e disse que cometeria um ato de terror. Depois, ele disse o quanto lamentava por esse mundo imperfeito e que essas imperfeições só poderiam ser enterradas por outras imperfeições.

“Não importa o quanto nós tenhamos esperança, nossos vizinhos vão ficar doentes, nossos pais vão morrer, e apenas uma pequena parte dos malfeitores verão a justiça. Então, nos permita construir um mundo ideal, não pelas mãos de um deus, mas por meio das nossas mãos imperfeitas e manchadas de sangue.”

E com essas palavras finais, três instalações do governo foram simultaneamente: a instalação associada da polícia civil foi incendiada, algo colidiu com um veículo do governo e um posto militar foi atingido por uma bomba.

Uma investigação revelou depois que oito das pessoas que foram mortas incluíam um assassino que não foi considerado culpado devido à documentação insuficiente do promotor, um membro do parlamento que, segundo se dizia, estava desviando fundos destinados a ajudar refugiados de nações industrializadas, e um pelotão militar que espancou um jovem policial militar até a morte antes de sistematicamente encobrir o fato. Essas oito pessoas morreram no ataque. O Rei Azul cometeu um crime para executar criminosos que não poderiam ser punidos pela lei.

Essa tática relâmpago chocou a todos. Ele foi capaz de atacar e destruir múltiplas instalações governamentais estritamente vigiadas e extremamente protegidas. Ninguém jamais poderia imaginar que um ataque como esse seria possível.

E os atos terroristas do Rei Azul continuaram ainda mais. Desonrado, os militares e o governo deram ordens nacionais para que o capturassem e prendessem. Até mesmo a Agência de Detetives foi chamada para ajudar. O que aconteceu depois foi exatamente como expliquei antes. Seu esconderijo foi descoberto e os que lá entraram foram mortos em seu suicídio explosivo. O caso foi encerrado à custa de vidas inocentes.

“Mas se quem está por trás disso é mesmo o Rei Azul, então por que ele seria tão persistente em tentar sujar o nome da Agência?”

“Talvez porque você é a pessoa contra quem ele tem rancor, Kunikida-kun.”

Rancor? Contra mim? Quer dizer, eu fui quem entrou em contato com a polícia e indiquei o esconderijo dele, mas... não pode ser. O fantasma do Rei Azul, o pior terrorista que esse país já viu, voltou da cova para ter sua vingança contra mim e contra a Agência por causa de um ressentimento?

“De qualquer forma, é melhor mantermos nossa guarda até sabemos com quem estamos lidando. Não tem como saber quem vai nos atacar ou quando vai fazer isso. Temos que levar a senhorita Sasaki para um lugar seguro, também.”

“Talvez o escritório da Agência? Mas ninguém fica lá à noite. Hm...”

Foi quando repentinamente entendi o que Dazai está tentando fazer.

“Eu sinceramente espero que você não esteja tentando encontrar uma desculpa para ela ficar na sua casa para ‘protegê-la’, porque eu não vou permitir que essa relação lasciva, imoral e prejudicial continue por mais tempo. Sério, você foi criado por selvagens ou algo assim? Absolutamente terrível. Se fosse eu, sabe, eu primeiramente faria com que ela ficasse confor--”

“Kunikida-kun, espera, você sabe que não tem nada acontecendo entre a Sasaki-san e eu, né?”

“O quê?”

“Olha, o dia que ela ficou na minha casa, eu dormi em outro quarto. Eu não encostei um dedo nela. Sério, você realmente pensou que eu tentaria seduzir uma mulher que quase foi morta mais cedo naquele dia? Eu tenho um pouco mais de senso do que isso. E mais, eu teria que lidar com você se isso acontecesse, e prefiro não o fazer.”

Ah... parece que eu tirei conclusões precipitadas.

“Mas não posso negar que eu sabia que você tinha tido a impressão errada, então só decidi não dizer nada porque era engraçado.”

Seu filho de uma...

Dito isso, um homem puro e honesto como eu poderia ser visto como muito pior nesse tipo de situação. Dazai poderia ter dito algo como “Você pensou logo nisso só por que ela passou uma noite na minha casa? Nossa, Kunikida-kun, você é mesmo um pervertido”. Eu não teria como refutar isso e provavelmente morreria uma morte agonizante ali mesmo. Eu acho que deveria ficar agradecido porque isso não aconteceu.

... Mas como eu poderia não imaginar algo assim? É do Dazai que estamos falando. Nesse caso, se tem algo para ser grato, é o fato de ele não ser um descarado que pula em cima de qualquer mulher que ele vê pela frente. Manter uma distância profissional da vítima é mais difícil do que eu pensei.

“Só para de me fazer perder meu tempo, Dazai. Se nada aconteceu, então não temos nada com que nos preocupar. Mas, de agora em diante, vamos ter certeza de manter uma distância saudável durante o trabalho e formar um relacionamento adequado com nossos clientes.”

“... Concordo com você.” Ele assente firmemente antes de encarar a senhorita Sasaki mais uma vez. “Então, qual é o seu tipo?”

“Você não acabou de dizer que concorda comigo?!”

Retiro o que eu disse. Ele é um descarado que pularia em qualquer mulher que tivesse a chance.

“M-Meu tipo...? Me desculpem, eu acho que seria um tanto presunçoso da minha parte procurar por um tipo específico de homem, mas... Eu acho que homens que são intensos sobre seus ideais e que realmente se entregam a alguma coisa são... muito atrativos.”

... Eu ouvi direito?

“Ah, cara. Você basicamente descreveu o Kunikida-kun! Parece que eu nunca tive chance. Tsc. Bom, aproveitem o resto do encontro, vocês dois. Eu vou conferir se ainda tenho todos os meus dedos.”

“D-Dazai, volte aqui agora!”

“O quê? Ah, agora eu esqueci em qual dedo eu estava!”

“Para com isso e se senta!”

Você não pode me deixar sozinho com ela! Eu não saberia sobre o que conversar!

“Mas eu sou só uma mulher comum. Mesmo que eu estivesse com alguém que vivesse por seus ideais, não ajudaria em nada. Mesmo se eu me tornasse devota a apoiar esses ideais, eu só entraria no caminho e cansaria nós dois... Por fim, ele escolheria seus ideais, não a mim, e as coisas acabariam ali. Então eu acho que vou me abster de namorar idealistas no futuro.”

Ela tem uma pontada de culpa em seu sorriso... mas por quê?

“É tão fácil te ler, Kunikida-kun! Sabia disso?”

“E-Eu não estava pensando sobre nada em particular! Para de olhar pra mim, Dazai!”

“Ai!”

Eu empurro a cabeça dele até que ele esteja encarando a direção oposta.

“Primeiro, você quer que eu sente. Agora você quer que eu olhe para o outro lado. Pode se decidir? Aliás, a gente pode só voltar para o assunto anterior?”

... Sobre o que nós estávamos falando, mesmo?

“Ah, sobre manter a Sasaki-san em um lugar seguro, certo? Bom, eu tenho alguns conhecidos na polícia com quem eu posso falar...”

“Eu agradeço pelo que estão tentando fazer por mim, mas eu não quero incomodar vocês mais do que já incomodei... Então, por favor, não se preocupem comigo. Eu vou encontrar um hotel para passar a noite.”

“Eu não posso permitir isso. Hotéis não são seguros e mandar você para um deles depois dos acontecimentos recentes não seria visto com bons olhos. Deixando isso claro, eu também não confio que o Dazai manteria suas mãos longe de você se ficasse na casa dele de novo. Venha ficar na minha.”

“Hã?”

“Hã?”

“N-Não entendam errado! Eu não tenho segundas intenções, se é isso que estão sugerindo!”

“Na verdade, do jeito que essa conversa está indo, parece que uma segunda intenção é tudo que você tem. Você simplesmente não sabe quando parar, hein?”

“Não é nada disso! Eu estou genuinamente--”

“Ah-ha-ha-ha! Eu estou brincando! Sasaki-san, você vai ficar segura na casa do Kunikida-kun. Ele não tem coragem de...” Dazai pigarreia. “Ele é um homem de bons ideais e virtude. Você gostaria de ver o caderno dele? Você deveria ler a página sobre o tipo de mulher ideal dele. É incrível.”

Dazai entrega um caderno à senhorita Sasaki. Surpreso, eu enfio a mão nos meus bolsos, mas ele não está mais lá.

“Dazai! Quando você roubou isso de mim?!”

“Aqui, é essa página.”

Ele abre meu caderno e aponta.

“Minha nossa... tem certeza de que está tudo bem em fazer isso?”

“Você está curiosa, não está?”

“Bom... pra ser sincera... sim, suponho que estou um pouco curiosa.”

Sasaki lê o caderno com um sorriso tímido, antes de lentamente empalidecer.

“Hã? O que é isso...? Ah, entendi. Mas isso...”

Minha mulher ideal: um trabalho volumoso, composto por oito páginas, quinze tópicos e cinquenta e oito requisitos.

“Hã?! ... Ah, então isso significa... Hmm... Ohhh...”

Me lembro do que Dazai disse. “Nunca mostre isso para uma mulher. Isso realmente a irritaria”. Quando ela levanta a sua cabeça depois de ler, a sua expressão não tem um sinal de alegria. A única coisa em seu rosto é um sorriso arrepiante, sem vida, parecido com o de uma estátua.

“Detetive Kunikida.”

“Sim...?”

“Pessoas assim não existem.”

Alguém, por favor, me traga uma bebida bem forte.

 

 

É na capital, Tóquio, que está localizado o coração deste país, onde as funções políticas e econômicas centrais se cruzam.

Estrangeiros de todas as raças e credos entram e saem daquele prédio, a Embaixada dos Estados Unidos, o maior território estrangeiro no Japão. Mesmo que já seja de tarde, as pessoas na sala de espera para visitantes em geral estão silenciosamente vendo os minutos e horas passarem até a sua vez. Eles mantêm o silêncio como se estivessem esperando o veredito de um juiz, mirando o nada como se estivessem olhando para algo que só eles podem ver.

Um jogo da Principal Liga de Baseball está ao vivo na TV de tela plana instalada na parede, enquanto um homem caucasiano de meia-idade usando um boné preto preguiçosamente critica seu time favorito por terem deixado o outro pontuar um run.

Eu olho para Dazai ao meu lado. Ele está sorrindo alegremente. Ele deve estar realmente animado para essa missão. Mas isso não é motivo para rir.

“Tudo pronto, Kunikida-kun?”

“Meu estômago já está doendo só de pensar. Não estrague tudo, por favor. Nós poderíamos ser julgados de acordo com a lei internacional se não formos cuidadosos.”

“Foragidos internacionais... Isso soa bem, não é? Beleza, então, aqui vamos nós!”

Em pânico, eu tento pará-lo, mas ele já está indo até a bancada de informações. Dazai está vestindo uma camiseta esfarrapada e remendada, enquanto eu estou usando um terno azul escuro de alta qualidade. Ele fica em frente à mesa do funcionário da embaixada e desajeitadamente abre sua boca.

“Ei, você aí! Quanto tempo mais vou esperar? Eu já estou aqui por maisss de seeeis horaaas!”

Todo mundo na sala se vira e encara. A moça japonesa que trabalha na recepção pisca, surpresa.

“Eu não quero mais esperar! Não dá...! Não aguento mais! Me deixa falar com seu chefe agora mesmo!”

Dazai balança os braços e as pernas enquanto continua a falar com a recepcionista. Mesmo sendo parte da missão, é doloroso assistir outro adulto agindo dessa forma. Eu preferiria beber veneno e morrer do que agir dessa forma.

“Com licença... O que você precisava, mesmo?” Ela pergunta, confusa. Sua forma de lidar com a situação é admirável, mas ela é superior.

“Eu disse, num disse?! Eu vim procurar refúgio! R-E-F-Ú-G-I-O! Eu aqui para ser refugiado na sua honrada nação! Mas você está me fazendo esperar pra sempreeee! Isso significa que está recusando o meu pedido? É isso? Moça, você tem muita coragem de fazer decisões políticas assim! Você não tem direito!”

“Você aí! O que acha que está fazendo?! Causar perturbação na embaixada é uma ofensa séria, sabia?”

Naturalmente, os guardas da entrada começam a correr na direção de Dazai. Parece que é minha vez.

“Parem aí mesmo. Esse homem fazendo uma confusão ali está comigo. Vocês têm autoridade para prendê-lo?” Eu fico na frente dos guardas apressados. “Convenção de Viena sobre Relações Consulares, artigo trinta e um, parágrafo dois! ‘As autoridades do país receptor não entrarão nas partes das instalações consulares que são utilizadas exclusivamente para os fins do trabalho do posto consular, exceto com o consentimento do chefe do posto consular ou de seu designado ou do chefe da missão diplomática do país que envia’. Esse homem é um convidado da embaixada até ser considerado um obstáculo pelo posto consular. Pará-lo sem permissão pode transformar isso em uma questão internacional!”

Minha repreensão alta paralisa os guardas.

Eles obviamente sabem a Convenção de Viena sobre Relações Consulares de cor, mas é natural se assustar quando alguém grita ‘questão internacional’ para você.

“Ei, Chefe! Eu preciso de refúgiooo! CHEFEEEEEEE!!!”

Dazai se joga no chão em birra na frente do balcão de informações. Enquanto é um alívio saber que os guardas não podem impedi-lo, há uma parte de mim que quer esquecer sobre a missão e matá-lo.

Claro, há um motivo pelo qual a Agência de Detetives Armados está usando táticas de uma criança de cinco anos para atacar a embaixada, um importante estabelecimento diplomático de alto nível.

“O terrorista é de outro país?” Eu pergunto. Estamos de volta àquele mesmo café de frente para a rua.

“Sim, e é um profissional nisso.” Dazai responde enquanto toma seu café. A primeira vez que ele me disse isso foi quando a senhorita Sasaki desligou o telefonema com um colega da universidade dela.

“Meu curso superior foi em psicologia criminal. Talvez eu saiba algo que possa ser útil.” Ela disse.

Eu ouvi que a senhorita Sasaki é bem-conhecida na sua comunidade como uma pesquisadora da psicologia criminal. Parece que ela é uma professora associada jovem e talentosa cujo trabalho foi reconhecido por várias conferências acadêmicas famosas, que é o motivo de ela estar analisando crimes do passado similares detalhados no trabalho de um colega de pesquisa de forma independente.

“Eu liguei para um colega da minha área sobre casos semelhantes, mas a investigação dele concluiu que não houve nenhum incidente envolvendo bombas que tenha tirado mais de cem vidas no Japão como mencionado no e-mail... Claro, isso não inclui os que morreram na guerra.”

“Mas houveram incidentes como esse em outros países, certo?”

“Sim... Houve algumas dezenas de ataques terroristas em outros países, girando em torno de ideologias e conflitos políticos. De qualquer forma, há pouca informação nesses casos que poderia prover detalhes como o tipo da bomba usada ou o fabricante... Me desculpem por não ser de ajuda.”

“Não, isso é uma boa informação. Isso significa que o Apóstolo Azul sabia a composição e a estrutura do explosivo usado nessas bombas quando ele fez a que armou em Yokohama. Eu sinto como se estivéssemos mais perto de achar o nosso cara, não acham?”

“Mesmo assim, ainda não sabemos onde ele escondeu a bomba. Você realmente acha que vamos conseguir achar a tempo estando nesse ritmo?”

No mínimo precisamos descobrir o nome e a aparência dessa pessoa. Não há outra forma de achar a bomba.

Dazai apoia um dedo em seu queixo, como se ele estivesse pensando profundamente.

“O terrorista está se escondendo... Não vamos ter como capturá-lo.” Ele murmura de repente. “... Acho que vou ter que fazer isso sozinho.”

“Fazer o quê?”

“Kunikida-kun, no e-mail, ele disse que ele mesmo ‘fez’ a bomba, certo? Mas você pode realmente fazer uma bomba que poderia matar centenas tão facilmente?”

“Não seria fácil para uma pessoa comum, mas alguém com conhecimento extenso provavelmente não teria tanta dificuldade.”

Até eu tenho uma certa quantidade de conhecimento sobre produtos químicos perigosos, já que, no momento, estou cursando matemática e ciência. Uma produção química para explosivos requer muito cuidado, especialmente quando se trata de temperatura e impacto. Mesmo o menor erro poderia causar uma catástrofe indesejada. Porém, os ingredientes, por si mesmos, são simples e poderiam ser encontrados até em um laboratório de ciências de uma escola do fundamental. Ácido clorídrico, ácido nítrico, fertilizante nitrogenado, alumínio; todos esses podem ser comprados legalmente e por um preço em conta. A parte da combinação, ordem de procedimento, transporte e técnica para detonar a bomba que são as partes difíceis.

“Alguns dizem que todo profissional tem sua própria receita, o que funciona como sua marca quando eles vendem seus explosivos, mas...”

“Exatamente. É por isso que não acho que seria fácil recriar uma bomba que foi usada em algum ataque terrorista prévio.”

“Então o que você está dizendo é... a pessoa que fez essa bomba é a mesma que fez a bomba que matou mais de uma centena de pessoas naquele outro incidente?”

“Não só isso, mas também a forma que foi descrita no e-mail foi estranhamente visual e específica, não acha?”

Eu leio o e-mail de novo. “As chamas eternas e a coroa ofuscante fizeram com que parecesse que o próprio sol tivesse caído do céu. Os prédios caíram uns atrás dos outros enquanto a pele de pessoas inocentes derretia em suas tentativas de fuga. O chão tornou-se líquido e os veículos foram atirados neles como se fossem lanças.

“É só uma especulação minha, mas não parece que ele está descrevendo o que ele viu?”

“O quê?”

“Sasaki-san, há algum registro de que os atentados anteriores foram mostrados no exterior?”

“Não, eu acho que não. Filmar uma explosão daquela proporção era provavelmente a última coisa que passou pela mente das vítimas, também.”

“Normalmente, eu concordaria com você, mas o e-mail detalha vividamente o que aconteceu minutos após a explosão. Talvez ele tenha armado a bomba, fugiu e voltou após a explosão a tempo de ver tudo isso?”

“Em outras palavras, o terrorista que matou todas aquelas pessoas no passado foi o Apóstolo Azul?”

Se esse for o caso, isso restringiria quem o criminoso poderia ser. Estamos procurando por um especialista em bombas que estava fora do país durante o incidente e agora está no Japão. Mas...”

“Nós ainda não temos muita informação para continuar.”

“Por quê?”

“Acho que vou ter que te explicar, já que você decidiu faltar à reunião. A Agência de Inteligência da Segurança Pública e as organizações filiadas à polícia militar já procuraram por especialistas em fabricação de bombas domésticos e não encontraram nenhum suspeito. Ninguém da lista de candidatos japoneses possui a tecnologia refinada necessária para explosões de alto nível que poderiam matar ou ferir mais de uma centena de pessoas, assim como não há nenhum fabricante de explosivos suspeito que eles já não estejam observando. Com isso, não é como se pudéssemos sair por aí perguntando sobre para toda pessoa não-japonesa que encontrarmos.”

“He he.” Dazai sorri.

“Do que você está rindo de forma tão irritante?”

“Enquanto até mesmo a polícia militar vem pedir ajuda da famosa Agência de Detetives de vez em quando, ainda existe um diretório que ninguém quer que a gente veja: informações mantidas por Agências de inteligência estrangeiras. Eu tenho certeza de que eles têm registros de suspeitos de bombardeio do passado.”

“Uma Agência de inteligência internacional...?”

As Agências mais famosas que vêm à minha mente são a CIA e a NSA dos Estados Unidos e a MI6 do Reino Unido. Eles conduzem operações secretas ao redor do mundo a favor da segurança e prosperidade de seus países de origem. No entanto...

“Agências de inteligência estrangeiras não vão nos entregar informações confidenciais de graça para as empresas privadas japonesas. Você pelo menos conhece alguém que trabalha em uma dessas Agências, por acaso?”

“Não mesmo.”

“Imaginei.”

“Mas eu sei onde encontrar uma.”

Eu tenho um mal pressentimento sobre isso.

E foi assim que a nossa missão secreta na embaixada começou. O plano que Dazai criou era simples: um de nós armaria uma cena na embaixada e, se tivermos sorte, um dos superiores virá para controlar as coisas. Então, poderemos falar com esse funcionário importante do governo para negociar. Para um agente secreto que está em outro país, a embaixada de seu país natal é um lugar de paz e conforto, também. A embaixada deve ter algum tipo de contato com os agentes secretos do seu país.

Mesmo que seja um plano imprudente e agressivo, a ideia de Dazai lança uma fagulha de esperança em uma missão aparentemente desesperada. Durante nosso trabalho juntos, às vezes acho sua inteligência e capacidade de pensamento crítico incríveis. Não tem como dizer do que ele é capaz. Não posso evitar a ideia de que, pois trás do seu comportamento excêntrico se esconde algo assustador, como uma sabedoria diabólica ou algo do tipo.

Eu tenho dificuldade de acreditar que ele era só um andarilho sem um passado real. Sempre que tento perguntar sobre o passado dele, ele evita o assunto. Mesmo que eu não queira pressioná-lo para ter respostas, eu me pergunto se ele tem um passado obscuro. Ele poderia ter sido algo ilegal...?

“Awww, por favor, moça! Só me dá meu exílio logo! Por favorziiiinho? Ei, não desvia o olhar quando eu estiver falando com você! Sim, assim! Continue me olhando assim!”

... Não, ele é apenas um idiota. 

“Hm... você poderia escrever seu nome na lista de espera, por favor?” A recepcionista timidamente pega uma ficha de papel.

“Mas eu já preenchi uma dessas!” Dazai grita. Ele está mentindo, claro. “Eu até fiz questão de preencher todas as partes com uma letra bonita usando a minha caneta tinteiro favorita e ainda não estou recebendo nenhum serviço. Por que acha que vim até aqui pra falar com você, hã?”

Ele tira uma caneta tinteiro grossa do seu bolso para mostrar a ela.

“Essa caneta tinteiro é do mesmo tipo que foi usado por um ditador do Oriente Médio. Bacana, né? Pode olhar se quiser. Aqui. É longa e pesada, então é extremamente difícil escrever com ela. Eu tive que usar ela para preencher esses espacinhos várias e várias vezes. Agora entende por que eu estou com raiva, não?”

É culpa sua por usar essa caneta, em primeiro lugar!

Eu mantenho esse pensamento para mim mesmo, no entanto.

“Olha, moça, eu sou um autor, ok? Já leu algum dos meus livros? Aqui, vou até te fazer a protagonista da minha próxima história, então por favor me deixa falar com seus superiores. Vou escrever um livro sobre nós dois cometendo suicídio duplo. Vou até usar essa caneta para escrever, se quiser me ajudar.”

Para um ator terrível, ele está se tornando curiosamente bom nessa coisa de atuação. Eu tenho a sensação que é assim que ele se aproxima de mulheres em bares.

“Vamos, me ajude um pouco aqui. Eu estou com muitos problemas. Um problemão! Alguns caras assustadores da PSIA estão atrás do meu pescoço! Olha, eu escrevo o que quiser e tudo que disse foi que um dos ministros das Relações Internacionais estava usando uma peruca e agora as autoridades estão tentando me matar! Isso é uma violação da liberdade de expressão e eu não vou deixar o governo abusar da sua autoridade. E chega de apliques!”

“Cala a boca, tá bom?! Eu estou tentando assistir o jogo aqui! E qual o seu problema com perucas?!” O homem caucasiano de boné preto, que estava assistindo o jogo, grita ferozmente, mas vai precisar mais que isso para derrubar o Dazai.

 

 

“Ei, não sou eu o culpado aqui! É o cara que ficou com raiva de mim por ter exposto ele! Se ele vai ficar com tanta raiva assim, deveria só mostrar a sua careca brilhante e ter orgulho dela!”

“C-Com licença, senhor, você está com ele, certo?” a atendente envergonhada me pergunta com olhos suplicantes. Me desculpe, mas isso é pelo bem maior.

“Eu sou seu editor chefe. Ao mesmo tempo que simpatizo com você, como pode ver, ele não está com vontade de escutar. Mas, se um funcionário civil com autoridade vier e falar com ele diretamente, garanto que vai desistir. Então, acha que você pode falar com um dos seus superiores para mim?”

“Certo...”

Sem energia e em estado de choque, a recepcionista assente antes de ficar de pé.

“Eu já volto... com alguém para ajudar vocês...”

Ela provavelmente sente que já fez tudo que podia e só não quer mais lidar com o Dazai. Eu não a culpo. Eu realmente sinto pena dela.

Depois de esperar por pouco tempo, ela volta a chama a mim e a Dazai para outra sala.

“Por aqui, por favor.”

 

 

“Vocês estão deixando as coisas muito difíceis pra mim, sabiam?”

Fomos levados a uma sala de recepção diplomática onde um diplomata caucasiano careca parecia estar esperando por nós. O cartão de visitas entregue a nós diz que ele é um terceiro adido diplomático. Não é tão ruim. Mas não é suficiente. Ele não está em uma categoria alta o suficiente para conhecer os segredos de Agências de inteligência, o que só pode significar uma coisa: aqui é onde a missão verdadeira começa.

“Eu entendo completamente, senhor.”

Eu abaixo minha cabeça. Para alguém de outra cultura, se curvar pode parecer confuso, mas com certeza não vai fazer com que eles se sintam melhor.

“Nunca na minha carreira inteira eu vi alguém querendo exílio político de um país tão pacífico quanto esse. Eu posso contatar nosso Departamento de Estado, mas eu sei que a resposta será não. Portanto--”

“Ah, eu não me importo mais com aquilo. Sinto muito pelo problema. Quer dizer, realmente aprecio que você tenha tirado um tempo para falar conosco, mas para falar a verdade, não sou um autor de verdade.”

Eu pego um caderno preto com letras douradas na capa.

“Somos da Divisão de Segurança Pública do Departamento da Polícia Metropolitana de Tóquio.”

“Polícia... de Segurança...?” o adido pergunta, espantado.

Eu não o culpo. A situação é bem mais séria quando você acredita que está falando com a polícia de segurança do país destinatário.

“Devido às circunstâncias, nós precisávamos seguir uma rota não convencional para estabelecer contato. De qualquer forma, essa carteira deve servir como prova de que somos quem dizemos ser.”

Seguro minha carteira policial com as palavras SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA escritas em letras douradas na capa preta. Dentro está uma foto minha ao lado do nome. O adido abre a carteira e compara a foto comigo. Claro, é uma falsa que eu criei usando minha habilidade, Poeta Solitário, mas parece com uma real em todos os detalhes. Por causa disso, ele não tem como descobrir que estamos mentindo apenas olhando para ela.

Mas o que acontece depois determina se estamos claros.

“Por certos motivos, devemos secretamente obter informações de posse da Agência de inteligência do seu país. Nós gostaríamos que você fornecesse dados sobre especialistas em engenharia de bombas no Japão. Esta é uma questão de segurança nacional, então precisamos que seja rápido.”

De uma vez, eu digo todo o monólogo que memorizei antes de chegarmos.

“I-Isso é um absurdo.”

“Eu sei que é muito para se pedir.” Eu respondo. “Se você não possui a informação que nós precisamos, pode nos levar a alguém que a tenha?”

“Realmente, há pessoas da Agência de inteligência que vêm até aqui, mas... Não é tão simples assim.”

“Esse é assunto sensível ao tempo. As vidas de pelo menos uma centena de pessoas inocentes estão em jogo.”

O adido fica pálido assim que ouve que pessoas podem morrer. Ele parece ser uma boa pessoa.

“P-Por favor, me dê um momento.”

Suando profusamente em medo, ele pega o telefone e liga para alguém. Falando quase em um sussurro, ele discute com a pessoa por um momento, depois desliga antes de nos encarar novamente.

“Oh, graças a Deus.” O adido diz. “Geralmente, não podemos aceitar tais pedidos, mas...”

Eu internamente suspiro em alívio, emocionado com quão perfeitas as coisas parecem estar indo. “Muito obrigado.”

“Eu falei com a secretária por telefone e ela me disse que, coincidentemente, meu chefe está tendo uma refeição com o diretor do Departamento de Segurança Pública agora. Meu chefe provavelmente não poderá recusar um pedido de alguém tão importante. Ufa. Graças a Deus.”

“... O quê?”

“O seu chefe deve estar aqui em cerca de dez minutos. Por favor, se sintam em casa até lá.”

Ele limpa o suor da sua testa, com um sorriso aliviado em seu rosto.

... Isso não é bom.

Isso não é nada bom.

O diretor do Departamento de Segurança Pública tem a mesma quantidade de autoridade que o chefe da Polícia Metropolitana, mas ele com certeza não faz nem ideia da ameaça da bomba. Mesmo que ele soubesse, nunca concordaria em seguir um esquema - ainda mais com impostores - para roubar informações confidenciais de uma Agência de inteligência estrangeira, especialmente como ainda não temos como provar que tal bomba existe.

“Não, nós... Isso não seria bom.”

“Hmm? Ah, não se preocupe com nada. A Agência de inteligência não poderia ignorar um pedido de alguém tão importante quanto o diretor do Departamento de Segurança Pública. Então, por favor se sintam em casa. Eu insisto.”

O que vamos fazer? Essa missão inteira vai ser por nada se o diretor aparecer.

“Isso realmente não seria bom. Porque... Hã...”

O adido me encara, confuso.

“O diretor não pode vir aqui por... vários motivos.”

“Você tem certeza? Que motivos seriam esses?”

Merda. Eu sou terrível improvisando.

“Ele está... muito ocupado agora. Ele tem muito a fazer.”

“Eu tenho certeza de que ele é um tanto ocupado, mas eles me disseram ao telefone que ele poderia vir e que não seria um problema.”

“Sim, mas isso não é o que eu quis dizer. Mesmo que ele diga que não vai ser um problema, ele tem... muitos afazeres.”

“...?”

“Como... encontrar um conhecido com quem ele vai acabar conversando por horas, ir ao escritório público entregar alguns documentos, ir a uma loja comprar comida para cachorro...”

“O que ele é, uma dona de casa?” Ele inclina a cabeça para o lado, confuso.

Ugh. Eu nem sei mais o que estou falando.

“E-Enfim, nós não podemos deixar o diretor saber sobre nada disso.”

“Você quer dizer... que vocês vieram até aqui sem dizer a ele?”

“Não, nós, hm... Bem... sim. Sim, nós viemos.”

“Isso com certeza não é bom. Porque não contou a ele?”

“Nós esquecemos.”

“Vocês esqueceram?!” Ele está completamente estupefato.

“Sim, nós... Nós estávamos com pressa, já que é uma emergência, então nós esquecemos de ligar pra ele. Assim, você sabe, já que é um estado de emergência... nós esquecemos de ligar pra ele.”

“Tem algum motivo para você ter dito isso duas vezes?”

“Eu já lhe disse tudo que eu tenho permissão para dizer. Enfim, só nos traga um agente de inteligência com quem possamos falar!”

Porque quanto mais eu falo, mais fundo esse buraco fica!

“Você entende o que está pedindo de mim, certo? As localizações dos agentes de inteligência são secretas. Uma explicação como a que você deu não é--”

“Vish... Parece que não vou ter outra escolha, então.” Dazai suspira e se inclina. “Primeiro, eu peço desculpas pelo meu subordinado desarticulado. Me permita explicar, senhor. Não tínhamos outra escolha que não vir até aqui em segredo. Há um delator que está passando informações ao terrorista e nós temos motivos para acreditar que ele é um conselheiro próximo do diretor.”

“O quê?”

“Nós estamos trabalhando com investigadores internos para identificar o criminoso e o delator de informações, esse é o motivo de termos vindo disfarçados. Temos medo de que o delator detone a bomba se ele descobrir que nos encontramos com o diretor. Então, antes que isso aconteça, nós precisamos encontrar a localização da bomba.”

O rosto do adido fica pálido.

“Isso r-realmente é um problema sério. Vocês deveriam apenas ter dito.” Ele responde, olhando para mim.

“A razão para o meu colega não ter dito nada é que ele estava com medo da informação vazar. Ele pode até ser um mentiroso terrível, mas ele faz isso para proteger informação confidencial. Se você estivesse no nosso lugar, iria andar casualmente até a polícia e dizer que o seu chefe pode ser um traidor?”

“Você tem um ponto...” Ele balança a cabeça, concordando.

“Felizmente, estamos bem perto de descobrir quem é o nosso bombardeiro. Ele era o cérebro por trás de um atentado terrorista de larga escala no exterior algum tempo atrás. Essa é uma investigação importante para a segurança nacional do nosso país, um que também protege o mundo de terroristas. Com a ajuda dos seus agentes de inteligência, eu quero limpar as ruas desses incendiários antigoverno que se escondem no sistema. Então, posso contar com a sua ajuda?”

“Muito bem. Estou à sua disposição.”

Dazai... Isso foi... Isso foi incrível...

“Venham comigo, por favor.”

O adido rapidamente se levanta e faz sinal para que o sigamos.

Ele nos leva a um escritório privado no porão da embaixada e, com a expressão tensa, pede que esperemos aqui. Dazai e eu ficamos sozinhos na sala.

“Eu ficaria feliz se parassem de pegar no pé do meu adido. Ele é uma pessoa muito boa. Na verdade, isso é tudo que ele é.”

Um homem de meia idade familiar eventualmente entra no escritório.

“Você... Você é o homem que estava assistindo baseball na sala de espera... Você é o agente de inteligência dos EUA?”

É o mesmo homem caucasiano de meia idade usando um boné preto que estava assistindo ao jogo na TV mais cedo.

“A minha identificação diz que sou o zelador do escritório.”

Ele segura o crachá em seu peito e nos mostra.

“Então, o que vocês, dois ocupados detetives da Agência de Detetives Armados, estão fazendo aqui?”

Dazai e eu nos encaramos.

“Você sabia?”

“É o meu trabalho juntar informações sobre os problemas que ocorrem nesse país e, quando uma organização de usuários de habilidades especiais começa a fazer uma confusão logo pela manhã, você pode apostar que as palavras já atravessaram metade do mundo. Nós estávamos de olho em vocês desde que entraram na embaixada.”

Parece que a onisciência das Agências de inteligência não estão limitadas aos filmes e livros, afinal.

“Nós estamos procurando pela pessoa que armou uma bomba na cidade. Ele também é responsável por um bombardeio similar no exterior que ceifou a vida de mais de uma centena de pessoas. Tem alguém com esse perfil nos seus registros? O terrorista disse ‘As chamas eternas e a coroa ofuscante fizeram com que parecesse que o próprio sol tivesse caído do céu’, e--”

“Oh... Eu imaginei que era ele.” O agente balança a cabeça.

“Você sabe quem está por trás disso?”

“‘Um fogo eterno e uma luz branca cegante’ parece justamente com o Alamta e seus explosivos com base de pó de alumínio. Aqui está o arquivo dele.”

O agente de inteligência puxa uma pilha de papéis de dentro do gabinete.

“Um homem de ascendência japonesa, Zadkiel Alamta, era um fornecedor de bombas para uma organização terrorista do Oriente Médio. Estamos mantendo o olho nele desde que entrou no país, um ano atrás.”

“Sem sequer avisar as autoridades japonesas?” Eu retruco enquanto analiso os documentos.

“Nós tínhamos nossos motivos. Queríamos capturar ele sozinhos. Ele não é apenas um bombardeiro, também vende explosivos para terroristas do mesmo tipo. Se pelo menos tivéssemos a lista de clientes dele, nós poderíamos prender inúmeros terroristas antiamericanos.”

Eu folheio as páginas e vejo uma foto do Alamta e os detalhes de seus crimes anteriores.

“Honestamente, não poderia haver uma composição de bomba pior.”

Eu contraio minha mandíbula com força.

“Vão haver muito mais que uma centena de mortos se essa coisa explodir em Yokohama.”

Alamta se especializa em carros-bomba que contêm uma mistura de pó de alumínio em explosivos a base de líquido. Após colocar algumas dezenas de quilos de explosivos em um carro, ele acende o pavio remotamente usando um pequeno transmissor eletrônico, como um celular. Ele usa nitrato de amônia como principal matéria-prima e peróxido de acetona como um material auxiliar. Ambos são baratos no mercado, então as bombas podem ser fabricadas em grandes quantidades.

Julgando pela composição detalhada presente nos documentos, qualquer pessoa em um raio de 200 metros do local da exploração iria morrer instantaneamente, enquanto as pessoas fora do alcance seriam atingidas por alumínio liquefeito e expostas às temperaturas extremas da explosão.

O único motivo para Alamta utilizar alumínio é para ter certeza de que ele vai matar quantas pessoas conseguir. Alumínio é um promotor de combustão, que emite uma luz branca cegante e aumenta a intensidade das chamas explosivas quando queima. Simultaneamente, as ondas da explosão o carregariam, criando uma nuvem de poeira extremamente quente, passando de 500 graus Celsius, o que poderia queimar toda a carne de um corpo humano. E para piorar as coisas, o alumínio reage com a água para criar um gás hidrogênio inflamável, o que significa que qualquer contato com água significaria mais fogo. Assim, usar a água de um hidrante para tentar diminuir o incêndio iria apenas piorá-lo, fazendo com que as operações de resgate fossem dificultadas.

“As chamas eternas e a coroa ofuscante fizeram com que parecesse que o próprio Sol tivesse caído do céu.” Ele não estava exagerando. A bomba é tão devastadora quanto parece. Se essa bomba explodir em um lugar com densa população na cidade, as vítimas podem ser mais de mil quando se consideram desastres secundários como apagões e outros acidentes fatais. Além disso, uma bomba em um trem poderia facilmente passar furtivamente pela polícia e entrar na cidade. Não podemos permitir que essa bomba seja detonada em Yokohama.

“Onde está o Alamta agora?”

“Ele tirou meu colega de seu encalço e se escondeu há dois dias. Achamos que ele estava se preparando para alguma coisa.”

Merda. Parece que nós vamos ter que começar a procurar pelo Alamta antes mesmo de acharmos a bomba. Mas acredito que aprender o nome do terrorista e o seu passado é um passo importante. Há uma grande chance de o Alamta e o Apóstolo Azul serem a mesma pessoa. Mesmo assim, ainda não está claro o motivo dele ter ameaçado a nossa Agência de Detetives. Se ele tem algum ressentimento contra nós, talvez examinar os casos anteriores resolvidos pela Agência possam nos dar algumas pistas.

“Então, Sr. Espião, o que você quer em troca destas informações?” Dazai entra na conversa com uma risada.

“Nada. Eu não posso apenas ficar parado e assistir centenas de vidas serem perdidas, mesmo que eles sejam cidadãos de outro país. Eu estou fazendo isso por justiça. Terei prazer em fornecer qualquer informação que vocês precisem.”

“Sim, claro. Eu não sei sobre o Kunikida aqui, mas eu sou um pouco mais cínico que isso.” Ele responde com um sorriso. Afinal, o trabalho de um agente de inteligência americano é promover a prosperidade e a segurança do seu país. O agente pondera brevemente em silêncio antes de responder.

“... Se vocês capturarem o Alamta, entreguem ele para nós, não para o Departamento de Segurança Pública. Ele vai nos dar uma lista dos seus clientes querendo ou não.”

“Entregá-lo a você?” Eu franzi minha sobrancelha. “Se ele realmente está por trás de tudo isso, vocês não deveriam interrogá-lo junto das autoridades japonesas?”

“Sobre isso, Kunikida-kun. Esses caras planejam torturar o terrorista para conseguir informações, com métodos tão cruéis que são proibidos por leis internacionais. Entende, eles não iam poder usar tais métodos antiéticos se tivessem que colaborar com as autoridades de outra nação. É por isso que eles querem levá-lo sob custódia sem ninguém saber.”

“...”

Eu olho para o agente, que está em silêncio e sem expressão. É evidente que ele não está tentando dar nenhuma desculpa. Criminosos não são os únicos que quebram a lei e violam normas éticas. No entanto uma Agência de inteligência secreta estrangeira não vai mudar os seus costumes, independentemente de como um ninguém como eu possa me sentir respeito.

“Isso não é uma reunião oficial e você não vazou nenhuma informação. Portanto, não há motivos para nós oferecermos algo em troca. Vamos, Dazai, estamos indo.”

Depois de fazer Dazai se levantar, giro meus calcanhares e ando até a porta.

“Diga à recepcionista que vocês são da Transportadora Fenimore de agora em diante. Eles vão me avisar de que estão aqui. Enfim, estou impressionado que você foi capaz de chegar até aqui quase sem nenhuma pista. Você tem talento. Se você for demitido da Agência de Detetives algum dia, entre em contato comigo. Nós poderíamos fazer uso de um agente como você.”

“Uau. O que você faria, Kunikida-kun?”

“Eu não tenho interesse em me juntar a uma organização que nem pisca mesmo depois de saber que um terrorista planeja bombardear o Japão. Estamos indo, agora.”

Eu saio do escritório sem nem esperar por uma resposta. O agente permanece em silêncio.

 

 

Dazai e eu voltamos para a Agência de Detetives para organizar as informações dos documentos. Faltam aproximadamente duas horas para o pôr do sol. Nós temos que capturar o terrorista Alamta e o forçar a nos falar onde está a bomba... em menos de duas horas. No entanto, não estamos sem boas notícias. Eu recebi uma informação importante quando contatei a Agência. No momento em que ouvi a notícia, eu tive certeza: nós podemos desarmar a bomba.

“Ah-ha-ha-ha! Vocês estariam perdidos sem mim!”

Eu ouço a risada barulhenta dele assim que volto ao escritório.

“Ranpo-san! Como foi o caso em Kyushu?”

“Oh, aquilo? Eu dei uma olhada no corpo e descobri quem matou e como.”

O homem que bebe alegremente sua bebida enquanto fala é Ranpo Edogawa, um colega de trabalho mais antigo.

“Eu ouvi o que aconteceu, Kunikida. Todo mundo está correndo em círculos por causa de uma bombinha, hã? Eu queria muito que os meus colegas pudessem tomar conta de si mesmos, às vezes. Eu nem tive a chance de ser turista em Kyushu por causa de vocês. Cara, eu queria muito comer onsen tamago também.”

“Você tem minhas desculpas. No entanto, precisamos da sua ajuda.”

“Minha ajuda?”

“Sim. Infelizmente, não conseguimos desvendar esse caso sozinhos e precisamos desesperadamente da sua ajuda. Peço desculpas pela minha incompetência.”

Depois de me encarar por alguns instantes, Ranpo solta um suspiro.

“Bom... Ah, ok, eu acho que posso te dar uma mãozinha! E não tem nada pra se desculpar, Kunikida. Se tem alguém pra culpar, deveria ser eu por ser tão incrível! Afinal, Super Dedução é a melhor habilidade do mundo, então pedir ajuda de mim é completamente natural!” Com uma risada alta, ele dá tapinhas no meu ombro.

“Você está absolutamente certo.” Eu concordo de todo o coração.

“K-Kunikida-kun, você está bem? Você não precisa se segurar.” Dazai diz, timidamente. Segurar o quê...? Sobre o que ele está falando? Eu estou perfeitamente bem.

“Dazai, dê os arquivos ao Ranpo-san.”

“Ah, claro. Oi, eu sou o cara novo, Osamu Dazai. Prazer em te conhecer.”

“Sim, eu ouvi bastante de você. Estou contando com você pra achar um bom caso. Eu vou ser quem vai resolver, claro.”

Os olhos de Ranpo estão fixos em Dazai enquanto ele pega os documentos.

“Então, novato. Hã... Dazai, né? Onde você trabalhava antes daqui?

“Hmm?”

A expressão do Ranpo desapareceu, seus olhos fixos em Dazai, como se ele estivesse procurando por algo.

“Eu meio que não fiz nada depois que terminei o ensino médio. Só estava por aí, sabe?”

Alguns segundos passam enquanto Ranpo silenciosamente encara Dazai. Finalmente...

“Oh, isso é ótimo. Enfim, bem-vindo à Agência.”

E é isso. Ele começa a colocar os documentos na mesa como se nada tivesse acontecido. O que foi isso agora?

“Dazai, o que foi aquilo?”

“Não me pergunte... A propósito, que tipo de usuário de habilidade é o Ranpo?”

Ah, claro. Eu não expliquei para ele ainda.

“A Super Dedução do Ranpo-san dá a ele a incrível capacidade de descobrir a verdade sobre um caso só de olhar para ele.”

“O que?! Uma habilidade assim existe mesmo?!”

Parece que até o Dazai mal pode acreditar.

“Sim, e há um bom número de pessoas na polícia e oficiais do governo que vêm até o Ranpo quando precisam de ajuda em algum caso difícil. A habilidade dele é o que mantém essa Agência funcionando.”

“Não sei, é até difícil de acreditar que uma habilidade assim existe.” Ele não parece muito convencido.

“Você vai acreditar quando ver.”

“Kunikida! Você só precisava saber onde a bomba está?”

“Sim. Estamos quase sem tempo. Achar a bomba é nossa prioridade. Vamos poder desarmar se soubermos onde ela está.”

“Então eu não preciso achar esse tal Alamta, certo?”

“A bomba vem primeiro.”

“Ok, então vamos começar! Ha-ha-ha! Desculpa, gente, parece que a sua ajuda não vai ser mais necessária agora que eu entrei no caso. Dazai, me passa esses óculos.”

Ranpo coloca os óculos de armação preta que Dazai dá a ele. Colocá-los é aparentemente necessário para ativar a habilidade dele. Seus olhos se afiam em um olhar radiante que poderia perfurar toda a natureza, e sua mente se torna um oráculo dos deuses.

--Super Dedução.

“... Eu descobri.”

Ranpo tira os óculos.

“Espera. Sério mesmo?

Dazai, de pé atrás do Ranpo, segura a respiração enquanto se inclina para frente em curiosidade.

“Mapa.”

Ranpo aponta. Eu pego o enorme mapa de Yokohama da prateleira, depois o estendo na mesa. Onde esse maníaco - um apóstolo do pânico e medo - escondeu essa arma de pura maldade e destruição massiva? Uma estação de trem? Um grande hospital? Uma escola? Talvez, um arranha-céu? Ou seria na prefeitura? Que tal um shopping? Os piores cenários surgem na minha mente, um após o outro.

“A bomba está...”

Eu espero com a respiração suspensa enquanto Ranpo abaixa seu dedo em direção ao mapa.

“...bem aqui. Essa loja de artigos para pescaria.”

.​.. O quê?

Uma loja de artigos para pescaria?

Eu devo estar ouvindo coisas. Talvez tenha um local secreto ali? Ou talvez eles lidem com produtos ilegais?

“... Entendi.” Dazai murmura para si mesmo depois que alguns instantes se passam. “É isso... É isso! A habilidade do Ranpo-san é real! Se você vai instalar uma bomba, essa loja de pescaria é o único lugar que faz sentido! Kunikida-kun, precisamos nos apressar!”

“Percebo que o novato está impressionado com o quão incrível eu sou.”

“Eu estou! Isso foi incrível! Você é um detetive extraordinário sem sombra de dúvidas! Eu estou tão feliz que entrei nessa Agência! Agora vamos! Não temos tempo a perder, Kunikida-kun! Nós vamos conseguir chegar antes do pôr do sol se sairmos agora!”

“Mas, Dazai, eu...”

“Eu vou explicar no caminho! Rápido!”

“Boa sorte pra vocês dois!”

Com Dazai me puxando pela manga da camisa, eu relutantemente deixo a Agência para trás.

Nós entramos no carro da Agência e vamos direto para a loja de pescaria. Já que eu não quero andar em uma caixa da morte com rodas, eu decido dirigir.

“Agora me fale o que está acontecendo, Dazai.” Eu digo a ele.

“Claro, eu vou explicar, mas você não está duvidando da Super Dedução do Ranpo, certo?”

“Se o Ranpo diz que está na loja de pescaria, está na loja de pescaria. Eu só ainda não entendi por que você acreditou nele.”

Ranpo tem a habilidade de ver a verdade e a sua Super Dedução nunca nos deixou na mão. Mas tem algo me deixando confuso no fato de o Dazai ter sido convencido tão facilmente.

“É simples de entender quando você olha o mapa.”

Eu visualizo o mapa na minha cabeça. As únicas coisas perto da loja de pescaria são estradas, prédios corporativos e lojas pequenas. Embora houvesse um número razoável de vítimas, falta a crueldade que se esperaria de um terrorista internacional.

“Pare de me testar. Eu já tenho muitas coisas para pensar. Só me fala o que tá acontecendo.”

“Eu pensei nisso depois de ver as informações que tínhamos sobre o Alamta. Ele esteve por trás de vários bombardeios de larga escala ao redor do mundo, mas ele nunca bombeia o mesmo lugar duas vezes. Ele já bombardeou um hotel de luxo cheio de turistas, um escritório de comunicações militares e as vigas de suporte de um arranha-céu. Ele sempre escolhe a área que vai produzir ir o maior dano ao seu alvo. Então que área ele está almejando desta vez?”

“Para de brincadeira e me diga.”

“O alvo do Alamta é... as instalações de armazenamento de petróleo.”

Um arrepio dispara pela minha espinha como se eu tivesse sido atingido na cabeça por um martelo.

O complexo petrolífero de Yokohama!

Como eu não pensei nisso? Yokohama, a cidade portuária mais proeminente do Japão, é o maior centro de transporte de combustível pelo mar. A um terreno considerável no porto com várias instalações que armazenam petróleo e gás natural. Dia e noite várias quantidades de combustível são carregadas destas instalações para as indústrias em toda a região de Kanto. Além disso, o complexo é rodeado por fábricas que utilizam materiais de base petroquímica, fábricas de produção de aço e fábricas de produção de petróleo. Se uma explosão acontecesse perto do complexo petrolífero e os de armazenamento pegassem fogo, logo todo o porto seria engolido por chamas sem demora. O fogo provavelmente duraria por dias, resultando no pior desastre industrial que esse país já viu. Incêndios petroquímicos são muito difíceis de parar com água, o que prolongaria ainda mais a destruição causada. Não apenas vidas humanas seriam perdidas, mas a economia doméstica sofreria um imenso dano também.

“Entendi. Então você ficou impressionado com o Ranpo-san por causa do quão precisa foi a sua dedução.”

“Não, não foi por isso.”

O quê?

“O que me surpreendeu não foi nem a ideia de atacar uma instalação de armazenamento de petróleo e nem a habilidade do Ranpo-san.”

“Então o que foi?”

“Hehe. O que me surpreendeu foi o fato de que a habilidade do Ranpo-san não é uma habilidade de verdade.”

... Hã?

“Não seja ridículo. Como se alguém sem uma habilidade pudesse realmente fazer isso.”

“É isso que faz ser tão incrível! Ouça isso. Quando o Ranpo-san estava pensando, eu fiquei por trás dele e segurei um pouco do seu cabelo.”

“O quê?”

Dazai estava realmente atrás do Ranpo o tempo todo, agora que parei para pensar. Mas quando ele-?

“Como você sabe, eu posso anular a habilidade das pessoas apenas tocando nelas. Acho que você pode me chamar de um anti-usuário de habilidade. Enquanto eu estiver tocando alguém, não importa o quão poderoso essa pessoa possa ser, ela não vai poder usar sua habilidade. O que estou querendo dizer é que...”

A Super Dedução do Ranpo não é uma habilidade?

“Então isso significa--”

“É simplesmente uma dedução. Ele chega em uma conclusão teórica em um piscar de olhos baseada em suas próprias observações e referências. Ele ligou o seu conhecimento em desastres, os arquivos do Alamta e o mapa de Yokohama e chegou a uma conclusão em questão de segundos. Foi como assistir um grande detetive de um livro descobrindo quem estava por trás do crime... Espera. Não, foi como ver o famoso detetive no final do livro, resolvendo todos os casos. Sem nem mesmo sair da Agência ou encontrar o criminoso, ele foi capaz de descobrir onde a bomba estava apenas por olhar os arquivos que demos a ele. Ele possui uma dedução tremenda e capacidade de observação que um detetive fictício comum poderia apenas sonhar em ter.”

Dedução? O que ele faz não é uma habilidade ou um fenômeno sobrenatural, mas puro produto do pensamento dele?

“Mas isso é mesmo possível? Quer dizer, como...?”

“Foi isso que me impressionou. Uma habilidade faria como se isso fosse como qualquer outro fenômeno, o que não seria surpreendente, nem mesmo impressionante. Mas o Ranpo-san utiliza o seu cérebro, algo que todos nós temos, para chegar a essas conclusões. O Alamta desapareceu dois dias atrás, então provavelmente não tinha tempo suficiente para obter permissão para entrar nas instalações de armazenamento de petróleo ou se disfarçar como um funcionário de lá. A coisa mais fácil que ele poderia fazer seria usar dinheiro para alugar um carro, colocar a nele, estacionar em algum lugar perto das instalações de armazenamento e deixá-lo lá. Se o alcance efetivo do explosivo é de cerca de duzentos metros, isso deixaria dessa faixa apenas as lojas que tem um tanque de armazenamento de óleo e o único lugar no porto que se encaixa nessas condições é...”

“A loja de artigos para pescaria.”

“Exatamente. Claro, coisas como direção do vento e quão difícil seria para descobrir a bomba são outros fatores, mas... uau! Eu simplesmente não consigo acreditar que o Ranpo-san descobriu tudo isso apenas olhando os documentos que demos a ele. Esse cara tem uns poderes surreais de dedução e observação! E até ele mesmo parece acreditar que está usando uma habilidade. Cara, isso sim é um detetive incrível. Eu preciso começar a me esforçar mais.”

Eu finalmente entendo o porquê de o Dazai ter ficado tão impressionado. Não importa quão incrível é, uma habilidade não é mais que um fenômeno confuso. Assim, as coisas passam a ser diferentes quando esses poderes de dedução são algo que a pessoa tem por si mesma. Ranpo já solucionou bem mais do que algumas dezenas de casos no passado, todos em um instante e com uma pequena quantidade de informação. Nenhuma vez ele estava errado. Chamar o que ele faz de sobre-humano ainda não seria suficiente para ilustrar o quão inacreditável isso é realmente - um talento que supera todas as habilidades. Eu poderia apenas descrever como uma habilidade divina raramente vista no Japão - não, no mundo inteiro.

Mesmo assim, ainda...

Eu olho para Dazai no banco do passageiro.

“Eu nunca vi você se maravilhar tanto com a habilidade de outra pessoa assim antes.”

“Hã? Sério? Várias coisas me surpreendem. Tipo, uma vez, eu tentei pegar um marisco com meus hashis e ainda estava vivo. Fiquei tão assustado que eu quase--”

“Não era disso que eu estava falando. Você parecia surpreso que alguém tinha a habilidade de ver e saber tudo.”

Para alguém tão excêntrico, tem algo sobre seu comportamento que faz parecer que ele tem uma visão desconstruída do mundo. Eu não sei exatamente por que, mas todas as suas emoções me parecem uma atuação em algum grau. Ele está apenas se fingindo de idiota? Poderia haver mais nele do que ele está demonstrando, escondido atrás de seus maneirismos ambíguos?

 

“Eu acho que sim. Mas você, Kunikida-kun, eu tenho uma ideia de quem você é agora, então nada que você fizer vai me surpreender. Quer dizer, comparado comigo, você é apenas um homem simples com uma mente simples, afinal.”

“O que você acabou de dizer?!”

“Viu? Você sempre expõe as suas emoções. Você não esconde o que está sentindo. É legal. Você sabe o que mais é legal? Saber que você vai estar se preocupando sozinho depois, pensando ‘eu sou realmente simples?’”

“Por que você--”

Mas eu me abstenho de discutir. Qualquer que seja minha resposta, ele vai acabar me dizendo “Eu sabia que você ia dizer isso.

“Um dia você vai ficar impressionado com o quanto sou capaz e eu garanto que você não vai estar esperando.”

“Vou esperar ansiosamente por isso. Vou te levar pra beber se acabar me surpreendendo.”

“Beleza, estamos de acordo. É melhor você não esquecer.”

“Eu não vou. Além disso, eu não tenho nada a perder, de qualquer forma. Ah, olha lá. Eu consigo ver a loja de pesca.”

Eu diminuo a velocidade do carro e estaciono na lateral da rua, de onde posso ver a loja.

 

 

Depois de sairmos do carro, eu observo a loja. Apenas uma hora resta até o pôr do sol. Nós devemos desarmar a bomba a tempo se nada der errado.

“Alguma ideia sobre o tipo de carro que estamos procurando?”

“É bem simples, na verdade. Procure por um carro comercial grande com vidros escuros para impedir que as pessoas espiem o que tem dentro.”

Eu estaciono o carro da Agência um pouco longe, depois, cuidadosamente, me aproximo da loja. Eu não posso ignorar a possibilidade de que existam pessoas armadas se escondendo no local para proteger a bomba.

A loja de artigos para pescaria parece estar fechada durante esse dia, então apenas alguns carros ocupam o estacionamento, que poderia comportar um pouco mais de dez veículos. Não tem sinal de qualquer pessoa na área de estacionamento e a encosta do lado oeste deixa todo o local sinistro. Eu viro a minha cabeça até eu encontrar um monte de tanques de armazenamento altos atrás de mim que chegam tão longe quanto o próprio porto. O tanque mais próximo fica a cerca de noventa metros longe de mim. Se o estacionamento for explodido, as chamas infernais iriam, sem dúvida, se espalhar por todos os tanques facilmente.

“Kunikida-kun, olha aquele carro.”

Eu olho na direção que Dazai aponta onde vejo um pequeno carro comercial branco estacionado que tem uma placa de carro alugado. Os vidros escuros são vistos mesmo de longe. Além disso, o carro parece estar mais baixo que os outros, mesmo que não tenha ninguém dentro, o que sugere que não está totalmente vazio. Eu escrevo bloqueador de sinal no meu caderno antes de arrancar a página e me focar nela. Então, a folha de papel se transforma instantaneamente em um aparelho inibidor de ondas portátil.

“Dazai, coloque isso no veículo, mas fique bem atento para armadilhas. Vou procurar nas redondezas.”

O bloqueador parece muito com um celular. No entanto, esse dispositivo pode interferir em sinais de rádio, fazendo com que aparelhos sem fio próximos fiquem incapazes de se comunicar entre si. Ele tem um raio efetivo de quatro metros. O terrorista não vai poder detonar a bomba remotamente com esse dispositivo por perto.

Eu pego minha arma enquanto vasculho a área próxima do estacionamento. Me mantenho atento, mas não há sinais de atiradores ou inimigos à espreita. Em vez disso, eu encontro dois dispositivos de gravação escondidos na grama. Uma câmera é do mesmo modelo da que achamos no hospital abandonado, enquanto a outra é um modelo menor e sem fio. Isso só confirma mais uma vez que a bomba está aqui.

De repente, ouço vozes de outras pessoas e levanto a minha cabeça.

O que está acontecendo?

Algumas pessoas começaram a se juntar do outro lado da rua. Cerca de dez pessoas parecem estar rodeando alguma coisa, seus rostos nublados de preocupação. Eu tenho um mau pressentimento sobre isso. Depois de guardar a minha arma, me aproximo da pequena multidão. Então, eu corto caminho por entre as pessoas para dar uma olhada no que está causando essa confusão.

Minha respiração trava na minha garganta. Tem algo que não deveria estar ali.

É o corpo do Alamta.

“Ei, Kunikida-kun, eu coloquei o bloqueador no carro. O que você quer que eu...?”

Dazai me chama por trás do meu ombro, mas até mesmo ele se encontra sem palavras ao ver o que está na nossa frente.

Por que esse cara está aqui?

Por que ele está morto?

Eu me aproximo do corpo. Não há sinais de manchas de hipóstase e nenhuma rigidez pós-morte no queixo. Ele ainda está quente por debaixo dos braços. É evidente que ele foi morto há pouco tempo, assassinado logo antes de chegarmos. E não apenas isso, como também não há nenhuma ferida visível no corpo. Nem mudanças externas que possam indicar como ele morreu. No lugar disso, incontáveis símbolos pretos aparecem em sua pele, cobrindo seu corpo como manchas: ‘00’. Dois zeros? São tatuagens? Ou poderia ser-?

“Kunikida-kun, o esquadrão militar antibombas vai estar aqui em breve. Vamos deixar eles cuidarem da parte técnica e sair daqui.” Dazai encosta sua mão em meu ombro.

“... Ok.”

Eu checo os pertences do Alamta, mas tudo que ele tinha era algum dinheiro e uma carteira de motorista falsa - nada útil. E com esse mistério não resolvido, Dazai e eu passamos pela multidão crescente de espectadores e deixamos a cena.

 

 

Eu estava pensativo por trás do volante do carro da Agência.

Por que o Alamta teve que morrer? E quem queria ele morto?

“Kunikida-kun, eu entendo que pensar é importante, mas tenta olhar para onde você está dirigindo também, ok?” Dazai fala do banco do passageiro.

“Eu sei.” Eu respondo enquanto seguro o volante.

A situação precisa de uma análise. De início, existem dois casos aqui: os sequestros de Yokohama e o terrorista. Os autores foram o taxista e o Alamta, respectivamente. Essa parte está clara. Mas há uma outra coisa em comum entre esses casos: sujar o nome da Agência ao revelar ao público vídeos das nossas falhas ao tentar salvar as vítimas. Mas o taxista e o Alamta não devem estar envolvidos com esse objetivo. Alguém deve ter manipulado os dois por debaixo dos panos.

E esse alguém é o Apóstolo Azul.

Essa pessoa manipulou tanto o taxista quanto o Alamta e os fez serem os autores. E, simples assim, o Apóstolo Azul atacou a Agência de Detetives sem que suas mãos ficassem sujas, fazendo com que os outros dois cometessem os crimes de acordo com a sua vontade.

Atacá-lo é quase impossível, já que ele deu tão poucas ordens e simplesmente deixou os perpetradores fazerem o que quiserem. Tanto o taxista quanto o terrorista cometeram os crimes no seu território e da sua própria forma. Talvez eles nem tenham reparado que foram usados como peões. Se nós não pararmos a pessoa por trás disso, não vai demorar para que sejamos atacados uma terceira vez, algo que a Agência talvez não seja capaz de lidar. Não temos quase nada de pistas, o que me deixa intrigado, querendo saber como vamos encontrar a mente por trás disso.

Tem mais uma coisa com a qual estou preocupado. Por quais acusações o Apóstolo Azul vai ser condenado? Os únicos crimes que ele cometeu foram nos filmar secretamente e nos ameaçar. Ele não matou alguém e não explodiu algo, por isso nossas chances de montar um caso e fazer com que ele seja condenado por instigar assassinato e sequestro são extremamente baixas. Eu deveria apenas torcer para que o Apóstolo Azul acidentalmente deixe alguma evidência para trás na cena do crime? E ainda--

Nesse momento meu celular começa a tocar. É o presidente da Agência de Detetives. Eu encosto na lateral da estrada e pressiono o botão para atender.

Kunikida, meu informante do exército acabou me ligar. O taxista... ele está morto.”

O quê?!

“Mas ele não estava no meio de um voo em um dos aviões da polícia militar?”

Ele estava. Durante o interrogatório, ele começou a sentir uma dor intensa de repente e morreu não muito depois. A causa da sua morte é desconhecida, mas me disseram que dois zeros pretos começaram a surgir por todo o corpo dele... Voltem para a Agência e vamos analisar a situação cuidadosamente.

O celular desliga. Minha cabeça está borbulhando com perguntas.

O nosso único caminho para o Apóstolo Azul se fechou. A única pista que tínhamos para localizar essa pessoa era encontrar quem ensinou sobre o mercado de órgãos para aquele motorista, mas essas informações morreram com ele. É quase como se o Apóstolo Azul estivesse nos assistindo, sempre um passo à frente. Alamta foi morto um pouco antes de chegarmos ao local e agora o taxista, nossa última esperança, se foi também. Quem diabos é essa pessoa? O inimigo é alguém que sabe tudo sobre a investigação da Agência de Detetives e todos os passos que tomamos. Alguém que pode interferir constantemente na cena do crime e manipular a situação de longe.

“Você está bem, Kunikidakun? Você Parece estar muito tenso.”

Eu não tenho nem um momento para responder. Como o inimigo está conseguindo informações confidenciais? Como ele está sempre um passo à frente da Agência de Detetives? Meu celular toca mais uma vez, interrompendo minha linha de pensamento. É o Rokuzou.

Ei, Quatro-Olhos. Tem um minuto?

“O que foi?”

É sobre o e-mail que você me pediu para rastrear. Eu consegui.

“O quê?!”

É isso. O remetente do e-mail disse que o seu nome era Apóstolo Azul e ele deu ordens para investigar os sequestros e a bomba. Se nós descobrirmos de onde esse e-mail veio...

Eu vou logo ao ponto. Os dois e-mails foram enviados do mesmo computador, que estava incrivelmente protegido. Mas olha, eu consegui hackear ele. Enfim--

“Com quem você está falando, Kunikida-kun?”

Eu levanto minha mão para cortar a fala de Dazai. “Continue.”

Tudo que você me pediu foi para rastrear o e-mail, então não me faça perguntas sobre o que isso significa, ok? Porque eu não faço ideia. Então, com isso em mente--

“Só fala de uma vez.”

Ok, tá bom, eu vou falar. Então...

...esses e-mails foram enviados de dentro da Agência de Detetives... do computador do novato, Dazai.

_______________________________

Como assim?

Meu cérebro congela, minha mente fica completamente em branco.

Não pode ser. Deve ser algum tipo de armação. Dazai estava comigo o tempo todo investigando o...

O inimigo é alguém que sabe tudo sobre a investigação da Agência de Detetives e todos os passos que tomamos. Alguém que pode interferir constantemente na cena do crime e manipular a situação de longe.

“Eu te ligo de volta depois.” Eu desligo a chamada.

“Sobre o que ele queria falar? Pareceu que você estava falando com o Rokuzou.”

“Só cala a boca um instante.”

Meus pensamentos estão a mil.

Dazai. Osamu Dazai. Um novato na Agência de Detetives que apareceu do nada.

Essa sequência de eventos começou depois que ele apareceu.

Eu pedi a um conhecido próximo no departamento de inteligência militar para procurar sobre o seu passado, mas, assustadoramente, eles não encontraram nada.

É como se alguém tivesse limpado o passado dele muito cuidadosamente.

O gás venenoso no hospital abandonado foi ativado quando Dazai tocou a armadilha enquanto tentávamos salvar as vítimas sequestradas... e, ainda, por algum motivo, ele não estava em nenhuma das filmagens que foram vazadas.

Como ele conseguiu ficar fora da visão das câmeras?

Como um condutor de marionetes inteligente e cuidadoso, o Apóstolo Azul nunca sujou suas mãos.

Alguém de intelecto considerável, cujas habilidades de atuação poderiam enganar até mesmo o pessoal da embaixada, com conhecimento do mercado de órgãos...

Eu dou partida no carro e começo a dirigir novamente.

“Dazai.”

“Sim?”

“Vamos dar uma volta.”

 

 

Eu giro o volante, entrando em um caminho montanhoso deserto e continuo descendo até chegarmos em um depósito abandonado.

“O que é isso?” Dazai pergunta enquanto olha para o galpão do depósito.

“É um depósito que eu usei para o trabalho uma vez. Algum tempo atrás, era usado para guardar materiais industriais, mas foi abandonado depois que a companhia se mudou para outro país. Ninguém vem mais aqui, o que o torna em um lugar perfeito para discutir coisas de forma particular.”

“Oh, ótimo.”

Uma resposta amena. Eu dirijo para dentro do depósito e estaciono. Já que o prédio ainda tem quatro paredes, eu não preciso me preocupar sobre estar sendo observado, eu também conseguiria ouvir os reforços chegando, se eles precisassem vir.

“Saia.”

Sem dizer nada, Dazai sai do carro. Antes de eu fazer o mesmo, abro o carregador da minha pistola automática para me certificar de que está carregado. Então, depois de escrever no meu caderno, eu saio do carro também.

“Nossa, aqui é mesmo bem quieto. Definitivamente o lugar perfeito se você quiser conversar em segredo. Então, por que nós estamos...?”

Eu aponto a pistola para o Dazai.

“... Para que é a arma?”

“Tenta adivinhar.”

“Espera aí, Kunikida-kun, eu achei que você odiava piadas assim.”

“E eu odeio. Mas isso não é uma piada.”

“Isso deve ter a ver com a ligação, certo? Bom, não importa o que você ouviu, eu tenho certeza de que é tudo algum tipo de mal-entendido. Eu poderia me explicar se você ao menos me dissesse o que ele te falou.”

“Eu espero que sim.” Eu coloco o meu dedo no gatilho. “Quando as vítimas no hospital abandonado foram mortas pelo gás, você foi capaz de não mostrar seu rosto nos vídeos de alguma forma. Por que isso aconteceu?”

“É por isso?” Dazai parece confuso. “Eu só vi o equipamento de filmagem por acaso quando entrei naquela sala. Eu ia te dizer, mas achamos as vítimas quase imediatamente depois disso, então não tive a chance. É por isso que eu não disse nada. Eu peço desculpas--”

“Sério? Você tem certeza de que não sabia onde as câmeras estavam e para o que serviriam desde o começo?” Eu continuo o pressionando. “Próxima pergunta. Você foi quem sugeriu que nós fôssemos à embaixada para tentar achar o terrorista. Como você conseguiu ter essa ideia tão rápido? Foi porque você já sabia sobre o Alamta, talvez?”

“Ah, por favor. Você está brincando, certo? Você deveria estar me elogiando pela minha perspicácia, não duvidando de mim. É só disso que se trata?”

“Onde você aprendeu sobre o sindicato de tráfico de órgãos?”

“Isso é... Olha, eu já te falei. Eu estava no bar...”

“Você não pode inventar uma mentira melhor do que essa? Foi só uma coincidência que você encontrou o Chefe Taneda, chefe da Divisão Secreta de Habilidades Especiais?”

“E-Espera! Sério, Kunikida-kun. Poderia abaixar essa arma? Eu vou te dizer tudo depois que você fizer isso.”

“Por que os e-mails do Apóstolo Azul foram enviados do seu computador?! Me responda!” Eu grito, engatinhando o martelo da pistola. O rosto de Dazai fica pálido.

“Entendi. Então foi isso que o Rokuzou te falou no telefone, hã? Ele é realmente uma criança talentosa... tenho certeza de que vai ser um bom detetive um dia.” Seu tom de voz está monótono, seu rosto sem emoção alguma.

Pensando melhor, sempre houve algo enigmático sobre o Dazai. Enquanto ele se mostrou a mim como um excêntrico, ele também expressou perfeitamente os tipos de esquemas e conhecimento necessário para influenciar os outros. Assim como sua atuação excelente na embaixada enganou a todos, quem pode dizer que essa personalidade do Dazai não é apenas uma atuação também?

“Me convença da sua inocência agora ou eu vou atirar.”

“Você não pode atirar em mim.” Ele balança a cabeça. “Você é consciente e um idealista. Você resolve todos os mistérios, consegue fazer com que criminosos confessem, depois os prende e faz com que eles paguem de acordo com a lei. É isso que é ideal para você. Você nunca mataria um suspeito em um lugar qualquer enquanto a verdade ainda está flutuando pelo ar.”

“A lei não tem poder algum contra o Apóstolo Azul.” Mesmo que eu exigisse que ele fosse condenado, não há um caso sobre alguém que não matou ou sequestrou ninguém, muito menos sobre instigar outra pessoa a fazê-los. “Eu vou atirar se isso for o que precisa ser feito.”

Se você perceber qualquer sinal de maldade no coração dele, atire nele.

As palavras do presidente... A pesada pistola que me foi confiada...

Faça o que tem que ser feito.

“Kunikida, hipoteticamente falando, vamos dizer que eu sou o Apóstolo Azul e vamos dizer que seus ideais ditam que você deve se apressar e me matar de uma vez... Mesmo assim, você não poderia atirar em mim.” Há um brilho desumano e frio em seus olhos, como se ele pudesse ver através de tudo - como se ele soubesse de tudo. “Pense no momento em que achamos o corpo do Alamta. Tudo que ele tinha com ele era algum dinheiro e uma carteira de motorista falsa, o que leva à pergunta: o que aconteceu com o detonador?

O detonador poderia ser utilizado para ativar a bomba de forma remota, mas não há uma ameaça sem ele.

“Quem quer que esteja por trás disso está com ele.”

“Exatamente. E se essa pessoa soubesse todos os movimentos que a Agência de Detetives estava fazendo? E se essa pessoa soubesse que a Agência descobriu onde a bomba estava? Você não acha que ela iria mover a bomba ou preparar uma substituta?”

Logo depois disso, Dazai coloca sua mão no bolso do seu sobretudo. Mas eu não consigo checar se ele está segurando alguma coisa de onde eu estou. Ele está tentando insinuar que ainda há uma bomba por aí e que ele está com o detonador dela? É por isso que ele disse que eu não posso atirar nele?

Que ingênuo.

“Eu suspeitei disso, e por isso que eu vim preparado. Olha só isso.”

Eu tiro o objeto do bolso da minha camisa antes de colocá-lo no chão. “É um bloqueador de sinal igual ao que usamos antes. Nenhum dispositivo sem fio pode ser usado a menos de quatro metros de mim. Um detonador não é exceção.”

“O qu--?” O rosto de Dazai está tomado pela surpresa. Com minha arma ainda apontada para ele, eu estico minha mão para dentro do bolso dele e toco algo, depois puxo de lá.

É uma caneta-tinteiro e um lenço azul.

“Parece que eu não consegui te enganar. É uma pena que essa é só uma caneta-tinteiro normal.” Dazai sorri animadamente. É a mesma caneta que ele mostrou à recepcionista na embaixada, a que ele disse ser sua favorita ou algo assim.

“Qualquer outra pessoa acreditaria em você, mas vai precisar de um pouco mais do que isso para enganar o seu parceiro.”

Ele desenrosca a parte de cima da caneta e o retiro, revelando não um cartucho de tinta, mas um dispositivo longo e fino com um circuito exposto. É um pequeno transmissor.

“Esse é o detonador?”

“... Eu estou impressionado, Kunikida-kun. Nada passa por você, certo? Incrível.” Seu sorriso é frio, desumano. “Estou feliz por você ter sido meu parceiro.”

Essas palavras me deixam fervendo.

“Cala a boca!”

Eu aponto a pistola para baixo e atiro, disparando uma bala no chão na frente dos pés dele. Dazai não chega nem a piscar.

“O que você quer?! Por que você decidiu ameaçar a Agência de Detetives?! Qual era o motivo para matar as pessoas desaparecidas e armar a bomba?! Você... Você era...”

Você era tão talentoso.

Eu não poderia ter pedido por um parceiro melhor.

“Esse é o meu aviso final. Me diga tudo ou eu vou atirar.”

Quem é ele? Quem é o Apóstolo Azul? Ele faz com que outros cumpram suas ordens antes de eliminá-los sem mesmo levantar um dedo... ao mesmo tempo que também envolve as vítimas.

Mate o criminoso...

Então, nos deixe construir um mundo ideal...

Não pelas mãos de um deus, mas pelas nossas próprias mãos, imperfeitas e manchadas de sangue.

Não pode ser.

Eu olho para o lenço azul que tirei do bolso de Dazai. Eu vi algo parecido com isso recentemente?

Eu ouvi que eles nunca acharam o corpo do Rei Azul, também.

E se ele tiver fingido a sua morte para escapar e agora está se escondendo em algum lugar?

Nós sabemos quem o Rei Azul era. Ele costumava ser um oficial do governo de alto nível. Contudo, mudar o rosto ou o passado de alguém não é possível sem a ajuda de um especialista. Até mesmo enganar a unidade forense da polícia militar e falsificar a morte de alguém não é completamente insondável. Poderia ser que...?

Nós pesquisamos sobre o passado dele e não achamos nada. É completamente branco.

Então poderia o Dazai ser...

“Você é... Você é o Rei Azul? Este seu grandioso esquema foi só para se vingar da Agência de Detetives?”

Atira em mim.

Ele sorri alegremente de orelha a orelha. Há tranquilidade em seu sorriso.

“Você venceu, Kunikida-kun. Atira em mim. Você deve ter recebido ordens para fazer isso, certo? É assim que deve ser, você tem todo o direito de fazer isso.”

“O que você quer dizer com ‘todo o direito’?!”

“Eu não me importaria de ser baleado por você.”

Não. Isso não é o que eu quero. Eu quero ouvir a verdade. Eu quero que Dazai me diga a verdade.

No entanto, se perceber qualquer sinal de maldade no coração dele...

Não, eu quero saber a verdade.

Atire nele.

“Eu não me importaria de ser baleado por você.”

Entendi.

Tudo faz sentido agora.

“Entendido.”

Eu levanto a pistola, alinhando a mira para o meio das sobrancelhas dele. Ajeitando meus braços, eu fecho um olho enquanto miro cuidadosamente. Não há como errar dessa distância.

 

 

“Eu vou atirar, Dazai. Eu vou realmente fazer isso, então se você vai entrar em pânico, é melhor começar a fazer isso agora.”

O seu sorriso pacífico não se desfaz nem uma vez.

“Atira em mim,” ele diz.

Não há mais hesitação em suas palavras. Eu coloco meu dedo indicador ao redor do gatilho e uma bala sai do cano.

A bala corta o ar até que o atingir bem entre os olhos. A cabeça de Dazai voa para trás, fazendo com que sua coluna se dobre para trás também. Retirado de seus próprios pés, ele voa no ar e então...

... ele cai no chão.

Eu abaixo a minha pistola. A pólvora branca escorre levemente do cano.

“...”

Precisão perfeita: a bala o acertou bem no meio do crânio. Não tinha como eu errar de tão perto. Depois de colocar a trava de segurança de volta, eu checo a pistola para me certificar de que não haverá balas perdidas antes de colocar a arma no meu bolso. Eu esmago o detonador em forma de caneta na minha mão, dobrando e torcendo até que ela não possa mais funcionar.

Eu tenho que pensar no meu próximo passo. Eu começo a andar na direção do carro estacionado. Depois de dar alguns passos, meu celular começa a tocar. Parece que estou fora do alcance do bloqueador de sinal agora. Sem expressão, eu olho para a tela. É da Agência de Detetives.

“Sim?”

É a Dra. Yosano.

Kunikida? Ouça, nós acabamos de receber outra ameaça daquele detestável do Apóstolo Azul! Eu vou mandar para você agora mesmo, então começa a se mexer!

“Mas eu estou--”

A chamada desliga e eu recebo uma notificação me dizendo que recebi um e-mail. Eu abro minha caixa de entrada para mostrar a seguinte mensagem:

Prezado senhor,

Estou lhe contatando para discutir um terceiro pedido. A linha aérea de passageiros JA815S está atualmente no meio do voo. Eu tomei a liberdade de mandar um sinal de interferência para o motor e para os manches que irá desabilitar as suas funções. Eu gostaria que você removesse o dispositivo da aeronave e salvasse os passageiros.

Obrigado pela sua compreensão.

Atenciosamente,

O Apóstolo Azul.

 

“Um avião...?”

Outra ameaça? Agora?

Prevenir um ataque a uma aeronave apresenta um desafio bem maior que o sequestro ou a bomba. Tentar entrar em um avião em alta velocidade no meio do voo para remover algum dispositivo está além de todas as possibilidades. Eu precisaria de um caça militar para ao menos considerar isso. Não, eu ainda não conseguiria entrar se o avião de passageiros tiver algum tipo de sistema que evite intrusões.

Mesmo que desligar o motor e o volante realmente cortaria a energia do avião, ele ainda vai conseguir planar por um curto período. Mas mesmo assim, sem poder de direção, não haveria nada impedindo o avião de cair de repente para sua queda inevitável. Sem controle, seria difícil aterrissar em um local relativamente seguro como o oceano, mas se o avião atingir o chão, todos no avião irão morrer, a não ser que ocorresse um milagre mais incrível do que a própria criação do universo.

Só há uma forma de acabar com esse desastre aparentemente inescapável.

Eu olho para Dazai. Ele está deitado de costas com os olhos fechados. Eu me aproximo lentamente dele.

 

 

“Por quanto tempo você vai se fingir de morto? Nós temos trabalho para fazer.” Eu chuto o corpo dele.

“Hmm? Ah, por favor, só mais cinco minutinhos.” Dazai faz beicinho.

 

 

“Aconteceu algo?”

“Sim, nós recebemos outro e-mail do inimigo real com a ameaça de uma queda de avião, então se você não é a pessoa por trás disso, levanta e ajuda.”

“Eu sabia que você usaria aquilo para atirar em mim, Kunikida-kun.” Dazai sorri, ainda deitado.

“Você continua o mesmo de sempre, percebo. Você é livre para planejar tudo o que quiser, mas não me envolva nos seus planos ridículos.”

Eu pego a pistola que usei para atirar antes e a jogo para Dazai. Ele a pega e, quase instantaneamente, ela se transforma em um pedaço de papel em suas mãos.

“Mas como você sabia? Eu recebi uma pistola igual a essa do presidente. O que fez você ter certeza de que eu não a usaria para atirar em você?”

“Porque eu confio em você, claro. Alguém tão cuidadoso como você não ameaçaria alguém com uma arma de verdade do nada.”

“Ouvir você dizer confiança realmente suja a palavra.”

A pistola que usei para atirar em Dazai foi uma que criei de uma folha de papel usando a minha habilidade, Poeta Solitário. Já que as balas foram criadas utilizando minha habilidade, elas foram anuladas e vaporizadas pela habilidade do Dazai ao entrarem em contato com ele.

“Quando você percebeu?”

“Quando você me disse para atirar em você.”

Dazai nunca diria “Eu não me importaria de ser baleado por você”. Uma coisa que eu aprendi trabalhando com ele é que nove em cada dez vezes ele está brincando com alguém quando diz frases banais como essa. Sob circunstâncias normais, ele diria algo como “Agora eu posso finalmente morrer”, enquanto dançava e pulava de alegria.

“Ah, e mais uma coisa. Essa sua caneta... não é um detonador. É um dispositivo de escuta oculto, certo?”

“Isso mesmo.”

Eu não estive trabalhando como detetive todo esse tempo apenas por aparências. Eu posso dizer se algo é ou não um detonador. Essa pequena charada dele era apenas para me fazer bloquear a transmissão. Ele previu que eu traria um bloqueador e usá-lo.

“Quando as canetas-tinteiro foram trocadas?”

“Sabe quando nós estávamos perto da loja de artigos para pesca? Bom, alguém trocou a caneta que estava no meu bolso por essa quando eu estava sendo empurrado no meio da multidão. Ugh. Aquela caneta realmente era minha favorita, sabe. Ele vai se arrepender quando eu o obrigar a me reembolsar. Mas era muito difícil escrever com ela, também.”

“Então deve ter sido nesse momento que colocaram o lenço azul no seu bolso também.”

O inimigo estava planejando incriminar Dazai como a pessoa por trás dessa série de acontecimentos o tempo todo, mas nós estávamos um passo na frente dele.

“Mas eu te conheço. Você não deixaria o inimigo simplesmente passar por você quando soubesse que ele estava vindo, certo?”

“Claro que não. Na verdade, eu estava me fingindo de vilão por um bom tempo apenas para esse momento. Eu esperei o momento em que me incriminaram para colocar um rastreador GPS nele. Ele foi um idiota se chegou a acreditar que poderia me enganar.”

Dazai sabia o que o inimigo estava tentando fazer e, mesmo assim, fingiu seguir de acordo com os planos dele. Um criminoso como o Apóstolo Azul sempre precisa dos outros para fazer o trabalho sujo. Os sequestros, a bomba - todos os atos criminosos foram feitos por terceiros, todos os eventos cuidadosamente planejados para evitar suspeitas. Então por que não passar o papel de ‘Apóstolo Azul’ para outra pessoa também? E Dazai descobriu tudo.

“A primeira vez que pensei nisso foi quando as vítimas foram mortas por gás no hospital porque eu nunca cheguei a tocar a fechadura elétrica daquela gaiola e, mesmo assim, o gás começou a sair de sabe-se lá de onde. Isso significa que o inimigo estava nos assistindo e controlando o dispositivo de gás venenoso remotamente para que parecesse que fui eu. Eu pensei ‘Por que ele faria isso?’ e foi quando eu comecei a suspeitar que algo estava estranho, e não demorou muito para que eu descobrisse o que ele estava tentando fazer.”

O objetivo do inimigo era incriminar alguém, então quem seria melhor que um novato com um passado desconhecido? Dazai, no entanto, não tomou nenhuma providência para impedir que isso acontecesse.

“Esse vilão que estamos enfrentando nunca se revela. Nós não temos nenhuma evidência para identificá-lo e ele fez de tudo para que não pudesse ser rastreado. Mesmo assim, essa pessoa ainda tem que entrar em contato com o mundo exterior de vez em quando e é quando ele faz os seus fantoches. As únicas pessoas sortudas o suficiente para encontrar o Apóstolo Azul, mesmo que brevemente, são os criminosos como o taxista ou o terrorista: os que realmente cometem os crimes. Então a minha única chance de entrar em contato com esse cara seria me tornando um criminoso e, se você não tivesse entendido, eu teria sido preso no lugar do verdadeiro criminoso.”

É por isso que Dazai continuou a fingir que ele não sabia que ele estava sendo incriminado até que ele pudesse destruir a escuta de uma forma natural. Do ponto de vista do nosso inimigo bisbilhoteiro, o dispositivo não estar funcionando não seria um problema. Ele provavelmente está pensando que tudo está indo de acordo com o plano.

Um leve gostinho de liberdade da visão do inimigo: Dazai não me contou o que realmente estava acontecendo e continuou a bancar o vilão apenas para criar esse momento para nós.

Eu estou, mais uma vez, tomado por admiração.

Esse homem é incrível.

Nosso inimigo tem a inteligência e os recursos necessários para manipular um bombardeiro experiente. Ser capaz de simplesmente perceber que ele está armando para você já é um ato incrível por si só. Dazai, no entanto, elaborou o esquema dele para servir como um gancho para arrastar nosso inimigo.

“Eu acho que esse cara que colocou a escuta em mim está rindo da nossa cara loucamente agora. Ele provavelmente pensa que o seu plano deu certo e que eu fui morto por um dos meus. Esse seria o momento perfeito para o inimigo fazer seu próximo movimento.”

Eu concordo. Provavelmente não foi coincidência que o inimigo esperou por esse momento para nos ameaçar com o avião. Após ouvir a nossa conversa, ele provavelmente nem chegou a duvidar que Dazai foi executado e sua suposição era quase uma realidade. Ele estava esperando que Dazai saísse de cena antes da terceira ameaça.

“Isso seria o pior momento possível para a Agência ser ameaçada. É quase impossível entrar em um avião em movimento para remover aquele dispositivo. E mais, momentos antes, Kunikida-kun me matou, o suposto autor de tais ameaças. O caso seria arquivado e seria o fim da Agência.”

Ele está certo. Se o cenário criado pelo inimigo acontecesse como ele havia planejado, seria exatamente isso que aconteceria.

E se fosse qualquer outra pessoa sem ser Dazai, seu plano provavelmente teria funcionado.

“Só tem uma forma de conseguirmos fazer isso... Seguindo o dispositivo de rastreamento que você colocou no inimigo até o seu esconderijo e colocar um fim nisso com nossas próprias mãos.”

“Vamos mostrar para esse tal de Apóstolo Azul com quem ele está lidando.”

Dazai se levanta.

 

 

Deixando a escuta e o bloqueador de sinal no depósito abandonado, nós entramos no carro e começamos nossa busca. Dazai liga seu transmissor manual, mostrando a localização do dispositivo rastreador. É relativamente perto, nas montanhas, e não está se movendo. Vou precisar pedir da Agência para juntar informação sobre a área. Se é aqui que fica o esconderijo do inimigo, eu não posso negar a possibilidade de ser algum tipo de instalação de defesa.

No entanto, antes que isso acontecesse, a Agência entra em contato comigo e diz que eles foram contatados por alguém no avião. Aparentemente, alguém acabou encontrando um dispositivo de comunicação por vídeo enquanto checavam os pertences dos passageiros. A Agência transfere a vídeochamada para o meu celular; eu consigo ver a cabine do avião.

Eu... eu sou, hm, uma das pessoas no avião. Mamãe n-não tava se sentindo bem... então eu tô falando n-no lugar dela. O a-avião tá caindo... t-tão rápido... Todo mundo tá c-chorando e gritando...

“Merda!”

Falando na câmera está uma pequena garotinha que não deve ter nem dez anos. Lágrimas correm pelo seu rosto enquanto a aeronave balança de frente pra trás.

O piloto d-disse que era pra gente f-ficar sentado, m-mas... mas ninguém tá ouvindo, tem até algumas pessoas b-brigando...

“Eu estou falando com você do chão. Você pode me ouvir? Eu sei que é difícil, mas eu preciso que você me diga o que está acontecendo dentro do avião agora.”

Ele tá c-caindo. Eles disseram q-que o motor parou de funcionar... e que o volante não tá f-funcionando mais também.

Mesmo que claramente aterrorizada, parece que a garotinha entende o que está acontecendo. Ela desesperadamente tenta descrever a situação da melhor forma que pode.

Você consegue me ouvir? Nós vamos... m-morrer? Todo mundo tá dizendo que n-nós vamos morrer... eu tô com medo... Mamãe não tá se mexendo... nem f-falando comigo. P-por favor, por favor nos ajude...

“Oi, pequenininha. Você consegue me ouvir?” Dazai assume a chamada. “Nós aqui somos especialistas em aviões. Vamos consertar o avião. Qual é o seu nome, senhorita?”

C-Chiyo...

“Chiyo, tudo vai ficar bem. Tem algum lanchinho com você?”

Mamãe me deu esse doce aqui...

“Doce, hm? Eu amo doces também. É tão docinho e realmente te ajuda a relaxar, não é mesmo?”

“Dazai--”

“Deixa isso comigo... Chiyo, primeiro, eu quero que você fique bem tranquila e aproveite esse docinho. Depois disso, eu preciso que você leve esse dispositivo que você está usando pra falar comigo e leve para a sala do capitão. Você sabe onde fica a sala do capitão?”

Chiyo concorda com a cabeça, limpando as lágrimas dos seus olhos.

“Não se preocupe. Não tem ninguém gritando lá e eu garanto que sua mamãe vai se sentir melhor logo.”

M-mas eu... eu não posso ir sozinha. Não posso deixar a mamãe sozinha...

“Sua mamãe vai ficar bem. O piloto vai fazer as coisas ficarem bem. Então eu vou precisar que você leve esse dispositivo para a cabine dele e entregue para ele, ok?”

A garotinha olha para o chão por alguns segundos, depois tira o doce do seu bolso e fica de pé, mesmo que tremendo. De lá, ela começa a andar em direção à cabine. Minhas mãos apertam o volante com força.

Aqui é o capitão do voo 815S. Nós estamos passando por uma falha de motor no momento e sem como manter contato com as torres de controle, então tivemos que como recorrer à navegação interna. Com quem eu estou falando?” O capitão assume a chamada. Ele aparenta ser um piloto experiente com pouco mais de quarenta anos.

De frente para o comunicador, eu respondo. “Nós somos da Agência de Detetives Armados. As forças de desdobramento militar não conseguiriam a tempo, então nós estamos tomando conta da situação. Eu preciso que você seja específico sobre o que está acontecendo no avião.”

A Agência de Detetives Armados? ... Quer dizer, aqueles detetives que deixaram aquelas pessoas desaparecidas serem mortas? Incrível. Se por acaso alguma coisa acontecer conosco--

“Sinto muito por desapontá-lo, mas nós somos os únicos que entendem o que está acontecendo aqui. Levaria várias horas até que os militares entendessem a situação e montassem uma missão de resgate.”

Nós não temos ‘várias horas’! Basicamente todos os dispositivos eletrônicos do avião pararam de funcionar, então não podemos aumentar ou diminuir a velocidade, muito menos girar. Se meus cálculos estiverem corretos, nós temos apenas uma hora antes de cairmos!

“Me ouça. O avião foi sabotado de propósito. Há algum dispositivo estranho a bordo? Ou algo foi destruído?”

“... O meu copiloto encontrou uma caixa grande de ferro na sala de carga. Nós descobrimos que estava conectado a alguns cabos, mas a caixa de ferro foi soldada à aeronave. Não seríamos capazes de movê-la ou destruí-la com o que temos disponível no momento.

Entendi. O dispositivo deve estar interferindo no sistema do avião. O inimigo deve ter se infiltrado em um hangar onde a aeronave estava sendo armazenada e, sem seguida, soldado um dispositivo que paralisaria temporariamente o sistema de controle do avião. Depois da decolagem, ele deve ter ativado remotamente o dispositivo para evitar que a aeronave permaneça no ar.

Eu lembro de ter lido algo parecido com isso para o trabalho uma vez. A agora extinta Força de Defesa Nacional vinha desenvolvendo equipamentos capazes de paralisar as funções das aeronaves. Eventualmente, no entanto, eles descobriram que você deveria primeiro carregar o dispositivo para dentro do avião, então eles abandonaram o projeto. Apesar disso, há muitas semelhanças com esse caso. Se o mesmo tipo de dispositivo foi colocado nesse avião, os sinais enviados do chão estão controlando a interferência. Em resumo, cortar o sinal da unidade de controle no solo pode muito provavelmente restaurar o controle no avião.

“Capitão, nós vamos remover a fonte do problema. Eu preciso que você esteja preparado para regular a altitude do avião quando eu te der o sinal.”

Entendido. Só entendam que eu não vou ser capaz de ganhar altitude se estivermos perto demais do solo. Eu preciso que vocês sejam rápidos. Nós temos quatrocentos e dez passageiros a bordo e, de acordo com meus cálculos, apenas uma hora antes de cairmos perto do denominado paraíso fiscal de Yokohama.

Apenas uma hora.

Provavelmente não haverá sobreviventes, não importando como o avião caia. Para piorar as coisas, se cair em uma área industrial densamente povoada como o denominado paraíso fiscal, o dano causado seria devastador. A bomba do Alamta não seria nada comparado com o desastre que isso causaria.

Não temos tempo.

Eu piso no acelerador. Seguindo o dispositivo de rastreio, nós corremos pelas montanhas de Yokohama. Não há sinal de sequer uma casa e os cerrados projetam sombras no carro.

“Parece que é aqui.”

Eu paro o veículo. Construída dentro da face da montanha está uma porta de ferro preta. Ela leva a um abrigo antiaéreo construído durante a guerra para a agora extinta Força de Defesa Nacional. Nunca utilizada, a base militar em ruínas sucumbiu ao imperdoável fluxo do tempo.

Eu entendo, agora. Disparar um canhão dentro dela não chamaria a atenção de ninguém, muito menos trazer o dispositivo até aqui.

É nesse momento que, de repente, o som de tiros atinge nossos ouvidos dos dois lados. O carro da Agência balança com a chuva de balas.

“Estamos sob ataque! Saia do carro!”

Eu piso no acelerador e aumento a velocidade rapidamente antes de pular e escapar para o matagal.

“Eu acho que isso quer dizer que estamos no lugar certo...!”

Os inimigos armados estão atirando em nós com rifles do topo de algumas rochas inclinadas. Eles são três... não, quatro no total.

“O que nós fazemos, Kunikida-kun?!” Dazai grita enquanto se esconde na sombra de um declive.

“Eles só estão tentando ganhar tempo! Vou te dar cobertura! Só corre e entra no prédio!”

Balas voam por cima da minha cabeça enquanto eu grito. Eu olho para os que estão nos atacando. Tudo que eles estão fazendo é atirar aleatoriamente e se protegendo. As armas deles são de boa qualidade, mas eles não são experientes como os gangsters da Máfia do Porto.

Poeta Solitário: Granada de Atordoamento!”

Eu tenho usado mais páginas do meu caderno do que deveria ultimamente!

Eu jogo a granada e os inimigos recuam com a explosão barulhenta sobre suas cabeças.

“Agora é a sua chance! Vai!” Eu apresso Dazai enquanto atiro com minha arma. Ele entra em ação.

 

 

Dazai se separa de Kunikida e corre pelo decadente abrigo antiaéreo. O sinal do dispositivo rastreador vem do depósito de manutenção do outro lado. Após sair do poço, ele passa pelo pátio de empacotamento antes de correr imediatamente para as paredes de ferro galvanizado externas do depósito de dois andares.

O depósito de manutenção abandonado possui um hangar para armazenamento de carros e aeronaves no primeiro andar, com uma sala de operações voltada para o hangar no segundo andar. Dazai sobe rapidamente pelas escadas e corre para dentro da sala de operações.

“Está aqui, hã?”

Enquanto o chão está descolorido e tomado pela ferrugem a cada curva, as dobradiças da porta parecem ser novas, o que mostra que alguém tem visitado constantemente essa sala consumida pelo tempo. Uma garrafa de licor pela metade repousa acima da mesa do lado de um cigarro aceso recentemente. As luzes acessas no grande comunicador ligado às paredes brilham, indicando que está funcionando.

Dazai está se aproximando do comunicador quando uma sombra cai sobre ele - um homem estrangeiro enorme está de pé atrás dele. O indivíduo musculoso e de pele bronzeada com uma tatuagem de uma camélia no braço olha para Dazai em silêncio. Velhas cicatrizes podem ser vistas em sua cabeça careca e acima de seus olhos verde escuros.

“O que você está fazendo aqui?” o gigante vocifera.

“O que eu estou fazendo aqui? ... Não é óbvio?! Eu vim para te avisar!” Dazai se vira para ele e grita. “A Agência de Detetives Armados descobriu o nosso esconderijo! Temos que sair daqui agora ou vamos perder tudo! Onde está o chefe? Vamos, nós não temos muito tempo! Eles vão chegar invadindo a entrada a qualquer momento!” Ele fala com urgência, sem ao menos parar um segundo para respirar.

“Eu não conheço você.”

“Bom, é claro que não. Eu trabalho disfarçado para o chefe. Você sabe como o cara é reservado. Agora vai, rápido! Vá buscá-lo!”

Uma ponta de espanto pisca no rosto do homem.

“Ok.”

Ele se vira de costas para Dazai e sai da sala de operações.

Crack.

O homem enorme lentamente cai no chão. Um galo enorme está se formando em sua cabeça. Sorrindo, Dazai está de pé atrás dele com a garrafa de licor quebrada pela metade na mão.

“O chefe é um cara realmente reservado. Não que eu já tenha encontrado com ele, mas é apenas um palpite.”

Não tendo mais usos para a garrafa, Dazai a joga no chão antes de se virar para o comunicador mais uma vez.

“Tudo o que falta fazer é mandar um sinal que pare com tudo isso.”

 

 

Eu começo a seguir Dazai depois de neutralizar o inimigo. Em contraste com o tiroteio da entrada, um silêncio mortal toma o interior da construção. Pegadas recentes e marcas de pneu cobrem o chão, tornando bastante evidente que aqui é o esconderijo deles. Mas eu não tenho como achar o Dazai agora. E mais, ele está com o dispositivo rastreador.

Contudo, enquanto eu passo pelas portas de ferro galvanizado externas de um depósito de manutenção, de repente ouço o som de vidro quebrando vindo de dentro.

Dazai está lutando com o inimigo?

Com as minhas costas encostadas na parede, eu me posiciono com minha pistola nas mãos. Eu passo pela entrada com o cano da arma apontando para dentro, em busca do inimigo. Parece que o primeiro andar era utilizado para armazenar carros blindados e aeronaves, mas agora não é nada mais do que um grande espaço vago. Se o comunicador está em algum lugar por aqui, deve ser no segundo andar.

Neste exato momento, tenho uma sensação terrível de que algo está errado. Um arrepio corre pela minha espinha, e eu sinto como se uma horda de insetos estivesse rastejando sob minha pele. Sem conseguir suportar, eu caio de joelhos. É quando eu percebo um tipo de padrão desenhado no solo: círculos e linhas, junto de vários diagramas e letras. As letras ilegíveis parecem ser símbolos antigos. Me recordam de um círculo mágico para rituais que utilizam grimórios, mas... minha espinha está formigando com arrepios desde que pisei nele. O que significa...

Eu levanto a manga da minha camisa, com uma dor insuportável toma meu braço.

O número “39” aparece na minha pele.

Eu checo meu corpo inteiro. Braços, peito, tornozelos: nove marcas, parecidas com tatuagens, cobrem meu corpo. Eu sei com certeza que elas não estavam ali segundos atrás.

“Me dê... me dê o seu número.”

Instintivamente, eu aponto a pistola para a direção da voz frágil, onde vejo um garoto - ou melhor, um jovem homem baixo - cambaleando em minha direção. Eu aponto a minha arma na direção dele.

“Parado aí! Nós somos da Agência de Detetives--”

Antes de conseguir terminar minha frase, sou atingido por um golpe lateral invisível que me atira no chão. Sou jogado no chão apenas para quicar e colidir com a parede de ferro galvanizado com força suficiente para deformá-la. Minha cabeça está girando, minha visão embaçada. Eu não tenho equilíbrio algum depois de girar com o golpe. Mas eu tenho que lutar.

De alguma forma, eu consigo pegar minha pistola que estava jogada no chão ao meu lado, mas, imediatamente, meu braço é atingido por outro golpe invisível que o joga no ar e me dobra para trás. Meus ossos estalam enquanto a pistola voa pelo ar.

“Um cara agressivo, hein? Excelente. Você deve ter um número incrível.”

O jovem magricela pega a pistola e olha curiosamente dentro do cano.

Ele é obviamente um usuário de habilidade, e uma habilidade voltada para lutas. Parece ser algum tipo de ataque de longo alcance. Eu olho para uma das marcas na minha pele: o número “32”.

Impossível--

“Eu estou impressionado que você conseguiu achar esse lugar. Essa é a Agência de Detetives Armados, pessoal. Essa é a incrível Agência de Detetives Armados, pessoal.”

O homem esguio aponta a minha arma na minha direção e, em seguida, esvazia o carregador até que não reste uma única bala e o pino de disparo aponte em direção ao céu. As balas acertam o chão bem na minha frente.

“Ah, por favor... Eu não vou atirar em você. É um número muito importante, afinal. Eu não poderia atirar em você.”

Um sorriso mórbido toma os lábios da figura esguia enquanto ele anda na minha direção.

“Toda vez que você receber algum dano, o número fica menor. E fica ainda menor conforme o tempo vai passando. E quando chega em zero--”

“Você... você é o usuário de habilidade que matou o taxista e o Alamta?”

“Heh-heh... Ha-ha... Ah-ha-ha-ha-ha! Oh, é claro que um detetive perguntaria isso. Ha-ha-ha!”

Eu fixo meus olhos no jovem loiro vestido com uma jaqueta puída com capuz. Julgando apenas pela aparência, ele não parece ter aptidão para lutar. De qualquer forma, tem uma coisa da qual tenho certeza.

Esse usuário de habilidade é o chefe do inimigo.

 

 

Dazai opera o comunicador.

“Sinceramente, quantos anos tem essa coisa?! Então, se essa é a frequência e essa é a direção--”

Uma sombra se move atrás dele.

“É inútil! Eu não consigo colocar o comando final. Espera, será que eu preciso de uma chave de controle para mudar as configurações?!”

Punhos colossais o atingem por trás, batendo na têmpora de Dazai e fazendo-o girar pelo chão como uma boneca de pano. Há um baque surdo quando ele colide com a mesa.

“... Isso dói, sabia?”

Dazai se levanta, seus lábios curvados para cima em um sorriso feroz, enquanto sangue fresco escorre pela sua bochecha.

O homem enorme se aproxima de Dazai de forma lenta e sem emoção. Ele carrega juntas de aço em forma de martelo em cada mão. O homem levanta o braço no ar e ataca mais uma vez, mas Dazai empurra a mesa e desvia. Com apenas um golpe, o punho de aço quebra a mesa de madeira em pedaços.

“É um belo braço que você tem aí! Você deveria considerar trabalhar em entrega de cargas!”

Dazai desliza pelo chão para criar alguma distância antes de enfrentar o gigante.

“Bom, isso não é legal. Eu sou um tanto fraco, sabe. Um cara grande como você poderia me quebrar bem no meio... Mas eu prometi para Chiyo que iria salvá-la.”

“Eu não vou deixar você usar... o comunicador.”

O homem bloqueia o caminho para o dispositivo.

“Sério? Parece que eu vou ter que desistir e fugir, então.” Dazai rapidamente se vira e corre para a porta.

“Volta aqui!”

Assim que o homem o segue, Dazai corre pela porta de madeira e a fecha assim que sai. Assim que o inimigo estende a mão para abrir a porta, Dazai pula e a chuta do outro lado, acertando seu oponente no processo. Atrapalhado pela porta e incapaz de suportar o peso do pulo de Dazai, o homem é lançado no ar para trás. Fragmentos da porta de madeira se espalham enquanto ele rola no chão.

“Striiike!”

Após atingir o chão, Dazai se aproxima do gigante para atingi-lo com outro golpe. O homem rapidamente faz uma varredura, aparentemente não se incomodando com o chute, mas Dazai salta para trás como se tivesse previsto o ataque.

“Você é muito resistente! Sabia disso?”

O homem usa os músculos das costas para se levantar do chão, depois lança um gancho. Dazai consegue se mover e desviar, mas parte das suas roupas fica presa nas juntas de aço, o que é suficiente para tirar seu equilíbrio.

“Argh...”

Um punho começa a se cravar no estômago de Dazai. Imediatamente, ele salta para trás para tentar suavizar o golpe, mas o braço enorme do homem segue até o corpo de Dazai ser jogado para trás por um soco forte o suficiente para destruir uma mesa. Atingido, ele voa direto para a parede do outro lado da sala.

Sangue e saliva escorrem da sua boca. O inimigo levanta seu robusto braço no ar e o balança como um brinquedo. Dazai rola para o lado para tentar fugir, mas o homem o segue com o punho, batendo na cabeça do detetive com tanta força que seu pescoço quase se quebra quando ele é jogado no chão. Tremendo, ele cambaleia e se coloca de pé.

“Forte e rápido, hein? ... Você foi criado por gorilas ou algo assim?”

Enquanto ele parece estar fazendo piadas, a sensação de crise nos olhos de Dazai conta uma história diferente:

Eu não consigo derrotar esse cara.

Dazai olha para fora da janela, onde fica a sala de armazenamento logo abaixo, onde ele vê Kunikida lutando contra um usuário de habilidade.

 

 

Encarando o jovem, eu me aproximo. Agora que perdi minha pistola, combate corpo a corpo é a minha única forma de rendê-lo. O usuário de habilidade se move para trás, mas eu persigo e consigo segurar o seu braço. A maior parte das artes marciais que sei envolvem usar usar o momento de distração dos inimigos contra eles mesmos, e é por isso que preciso segurá-los primeiro se eles se recusarem a lutar. Eu seguro ele pelo braço e o faço perder o equilíbrio antes de sair do caminho. Então, eu me aproximo para agarrá-lo, mas é quando ele levantar o braço no ar, o que me faz parar bruscamente.

Aí vem outra onda de choque!

Rolando para o lado, eu desvio do raio vindo do braço dele. Eu desvio do seu ataque e, mesmo assim, não desvio. A onda me acerta por trás e todos os ossos do meu corpo estalam com o impacto. O meu cérebro treme, incapaz de acompanhar a aceleração repentina do meu corpo, e começo a desmaiar. Eu sei que me esquivei do ataque dele, então, por que...?

“Uma dica sobre os meus ataques... Você não pode desviar deles. Eu não estou te acertando com uma onda de choque. Eu posso acelerar os que estão marcados com o ‘número’ em qualquer direção que eu quiser. Qualquer direção que eu quiser. Qualquer uma. É por isso que--”

“Argh?!”

Minha espinha estala. Seguindo o movimento do seu braço, sou jogado no chão. É como se a gravidade tivesse sido aumentada em cem vezes subitamente.

“Oh, veja, uma mosca!”

Ele levanta seu braço no ar apenas para baixá-lo mais uma vez, me jogando no chão como um mata-moscas. Ele repetidamente me joga no chão. Parece que estou sendo atingido por um trem várias e várias vezes. Meus ossos quebram, minha pele rasga. Os números no meu corpo já diminuíram para “21”.

“Esse número é o tempo que você ainda tem para viver! Assim que chega em zero, você se contorce de dor até morrer! Ninguém pode escapar do seu destino! Ninguém! Ninguém! Ninguém! Ninguém!”

A aceleração para, mas eu não consigo levantar um dedo. É como se todos os músculos do meu corpo estivessem rompidos. Um líquido quente escorre a cada respiração.

“Já desistiu, detetive?”

O jovem casualmente se aproxima de mim enquanto eu continuo jogado no chão, incapaz de me mover. Até respirar dói. Cada junta do meu corpo grita de dor.

“Eu deveria ter matado todos vocês um a um desse jeito desde o começo. Eu não precisaria ter o trabalho de incriminar o misterioso novato para derrubar a Agência de dentro para fora. Além disso, essa tentativa falhou, mesmo.”

O jovem está de pé perto de mim e casualmente me chuta na cabeça. Eu vejo estrelas, mas não há nada que eu possa fazer.

“Mas é sempre bom ser otimista. Eu vou te matar, te matar e depois disso, vou matar seu amigo no andar de cima, matar ele também. E depois disso, o avião vai cair e a reputação da Agência de Detetives vai ser arruinada, o que vai fazer meu trabalho em Yokohama ser muito mais fácil. Vai fazer ser mais fácil, não vai?”

“Seu trabalho...?”

“Eu tô enjoado e cansado de trocar mercadorias em segredo com medo de organizações privadas de usuários de habilidade como essa sua. Eu vou viver em um mundo onde eu posso comprar todos os órgãos que eu preciso e vender todas as armas que eu quiser. Vai ser de matar.”

Órgãos... e armas.

Esse é o sindicato de tráfico de órgãos! Se a Máfia do Porto são os vendedores, então isso faria com que esses caras sejam os compradores. Eles são uma organização criminosa clandestina e uma companhia geral no mercado negro para produtos ilegais, tais como órgãos e armas. Eles possuem incontáveis contrabandistas trabalhando para eles e acordos com organizações criminosas domésticas e internacionais.

“Eu descobri pelo incidente do Rei Azul que a Agência de Detetives Armados não pode ser subestimada. Nós somos muito discretos. Nós acabamos com nossos inimigos sem eles nem perceberem. Esse é o básico do básico do nosso negócio.”

Os números no meu corpo agora estão no “11”. Eu acho que o que aconteceu com o taxista e o Alamta vai acontecer comigo quando eles chegarem em “00”.

“...Você parece conseguir um bom dinheiro vendendo armas para mercadores estrangeiros.”

“Tem tanta coisa nessa cidade: a Máfia do Porto, o conflito entre as comunidades estrangeiras, as áreas fora da lei de Yokohama e as lutas apenas esperando para serem escaladas. Eu amo essa cidade.”

Ele está certo. As lutas nessa cidade nunca vão desaparecer. Um traficante de armas como ele deve se sentir como um capitão de navio avistando uma nova fronteira. Eles compram órgãos ou bandidos desmiolados para vender a sindicatos estrangeiros, enquanto trazem armas militares contrabandeadas e mercenários experientes para dentro do país para obterem lucro. E, dessa forma, uma nova linha de morte é levada do exterior para um mundo onde a lei e a moral não significam nada.

Ainda assim...

“Eu... não posso deixar você vender mais armas. Mesmo a menor briga de rua poderia terminar com feridos ou mortos se um facão ou arma de fogo fossem envolvidos. É por isso que--”

“Ei, espera aí. O que você pensa que tá fazendo?”

O inimigo levanta seu braço, fazendo com que meu corpo levante. Enquanto o ar sai dos meus pulmões, o caderno que eu estava escondendo no bolso do meu colete cai.

Merda!

“Você pensou que poderia ganhar algum tempo falando só para escrever no seu caderninho, hm? Mas isso não vai acontecer. Não vai mesmo. Eu sei qual é a sua habilidade. Enfim, vou ficar com isso pra mim.”

Ele segura meu caderno no ar e balança na minha direção. Minha habilidade tem duas desvantagens: a primeira é o fato de que leva tempo para escrever algo no meu caderno e arrancar a página. A outra... é que eu não posso usar minha habilidade se o meu caderno foi roubado.

E assim, minha habilidade foi completamente neutralizada. Eu ainda tenho a minha wire gun da minha última luta presa na parte de trás do meu cinto, mas ela não tem poder suficiente para matar, muito menos para machucar alguém. Mesmo assim, eu não posso desistir. Essa é a única coisa que eu não posso fazer. Não porque eu tenho que salvar a vida das vítimas no avião ou porque é meu trabalho como detetive da Agência de Detetives Armados, mas porque é o que eu decidi que precisa ser feito.

Uma dor agonizante corre pelo meu corpo, mas eu a ignoro e fico de pé.

“Uau... seus olhos ainda tem um pouco de vida, hein? Parece que isso quer dizer que você quer um segundo round!”

Eu recebo outro ataque por trás que me faz girar e me lança no chão.

“Gah...!”

 

 

Eu tusso sangue. Minha visão embaça. Eu não sei nem em que tipo de posição meu corpo está agora.

“E agora o grand finale. Aqui, eu tenho uma chave. Que chave, você pergunta? A chave de liberação do comunicador. Você não conseguiria salvar as pessoas do avião sem isso... Você quer? Você quer, não quer?”

Ele puxa uma fina e pequena do seu bolso. É uma chave pequena e frágil com uma tonalidade amarela opaca.

“Você quer? Aqui está.”

Ele torce a chave até que ela audivelmente é quebrada ao meio.

“O quê...?”

“Ah-ha-ha-ha... Ha-ha-ha-ha! Toda esperança se foi! Agora nada pode impedir o avião de cair! Acabou! Acabou, acabou, acabou! Ah-ha-ha-ha!”

O jovem ri desdenhosamente - a risada distorcida de um homem vendo o mundo pegar fogo.

“Agora, vamos acabar com isso. Eu vou te matar. Eu vou te matar e nós vamos gritar a nossa vitória até o topo das montanhas!”

Ele levanta sua mão. O número aparecendo em mim agora é ‘04’.

Eu instintivamente olho para a sala de operações no segundo andar, onde eu vejo Dazai. Dazai, ensanguentado e ferido...

 

 

Kunikida está do lado de fora da janela, coberto com feridas. Dazai leva outro soco no rosto, tão forte que estilhaça a janela com o impacto. Cacos de vidro se espalham no ar.

Dazai olha para Kunikida e seus olhos se encontram. Eles gritam.

 

 

“KUNIKIDA-KUN!”

“DAZAI!”

Isso é tudo que precisávamos. Nós sabemos o que fazer.

Eu prontamente puxo a wire gun da minha cintura e atiro na direção de Dazai. O gancho acerta a parede ao lado dele exatamente como eu queria. Imediatamente, eu rebobino o cabo, levantando meu corpo no ar.

 

 

Dazai chuta a moldura da janela e pula de lá. Os olhos de Kunikida estão focados nele enquanto ele voa pelo ar na extremidade do fio de aço.

Eles trocam olhares, depois palavras enquanto a distância entre eles aumenta de novo.

 

 

Utilizando a força de tensão do cabo, eu rapidamente deslizo pelo ar. Dazai já saiu da sala de operações e está caindo em direção ao chão. Após chegar em um ponto logo abaixo da janela da sala de operações, eu continuo deixando o cabo me puxar...

... permitindo-me correr pela parede.

“HAAAAAAH!”

Chutando a parede, eu entro na sala. Eu olho para cima e vejo um homem gigante e bronzeado com um tipo de soco inglês. Um soco poderoso o suficiente para esmagar uma pessoa imediatamente passa perto da minha cabeça.

O gigante é lançado no ar.

A sua trajetória no ar o lança direto para a parede. Seu rosto está tomado pelo espanto e perplexidade. Ele não faz nem ideia de que usei o momento de distração dele para jogá-lo por cima do meu ombro. No entanto, o homem se levanta em um instante e tenta um segundo soco.

“Você deveria ter ficado no chão.”

Eu desvio do seu ataque e seguro seu pulso. Então, puxando-o para frente e o deixando sem equilíbrio, seguro suavemente seu cotovelo enquanto desloco meu peso para trás para levantá-lo do chão antes de jogá-lo ao longo da parede e no teto. Seus olhos reviram para trás.

 

 

“O quê?! Você é...”

“Desculpa, mas você vai lutar comigo agora.”

Depois de pousar no primeiro andar, Dazai casualmente se aproxima do jovem.

“Por quê...?! Por que os números não aparecem?! Eu não consigo acelerar, também! Por que, por que, por que isso está acontecendo?!”

“Você deveria ter feito seu dever de casa. Habilidades não funcionam em mim.”

O inimigo dá um passo para trás enquanto levanta sua mão, mas Dazai, despreocupado, continua se aproximando.

“Se explique! Como vocês sabiam que deveriam mudar de oponente só de olharem um para o outro?! Que tipo de truque foi esse?!”

Com um sorriso inabalável, Dazai continua diminuindo a distância entre eles. O jovem dá outro passo para trás, assustado.

“Q-Quem diabos é você?! Seu passo inteiro foi apagado! Quem é você?! Quem?! Quem?!”

“Oh, parece que eu esqueci de me apresentar.”

Dazai se eleva sobre o jovem e olha para ele de cima. Então, ele gentilmente fecha seu punho antes de erguê-lo no ar.

O punho direito de Dazai acerta o rosto do jovem, fazendo com que ele gire em 180º. Os olhos do inimigo giram para trás enquanto ele desmaia.

“Meu nome é Osamu Dazai, membro da Agência de Detetives Armados.”

 

 

O homem continua me seguindo como uma fera selvagem antes de eu jogá-lo no ar. Quanto mais forte for o meu oponente, mais forte é o arremesso. Depois de alguns arremessos, eu eventualmente o atiro através da janela, por onde ele cai em queda livre até o primeiro andar.

Quando eu olho para fora da janela, eu vejo que ele está espumando pela boca, desmaiado. Ele não vai acordar por um bom tempo. Depois, eu olho para o meu corpo e descubro que os números sumiram. Dazai deve ter derrotado o usuário de habilidade.

Ufa. Ainda bem.

Aliviado, eu checo o comunicador. Tudo o que falta é desligar essa máquina. Eu controlo o dispositivo antigo, alterando a frequência e a direção. É um dispositivo um tanto antigo, mas eu consigo lidar com ele.

“Kunikida-kun!”

Dazai sobe correndo pelas escadas agora que o inimigo de baixo está derrotado.

“Eu acho que nós precisamos dessa chave de liberação para usar o comunicador! Mas parece que aquele babaca a quebrou antes de desmaiar!”

Perturbado, ele me mostra a chave quebrada.

“Eu sei.”

“Não podemos utilizar o comunicador assim! O avião vai--”

“Eu estou constantemente lidando com problemas. O inesperado é a minha norma. É por isso que...”

Eu tiro os pontos do bolso da minha cintura e tiro uma folha de papel de lá.

“... Eu sempre tenho uma folha extra comigo para emergências.”

Eu desdobro o papel e escrevo com meu próprio sangue.

Poeta Solitário: Chave de liberação!”

O pedaço de papel se transforma em uma chave de liberação amarela.

“Se eu conseguir dar uma boa olhada no objeto, eu posso fazer uma cópia perfeita com minha habilidade.”

“Uau... Sério?” O imperturbável Dazai finalmente arregala seus olhos em surpresa.

“Sério. Surpreso? Eu acho que você está. Certo, nós fizemos uma promessa. Você me deve uma bebida.”

Operando o painel de controle do comunicador, insiro a chave de liberação e a giro. Imediatamente depois disso, uma luz verde ilumina o painel de controle. Eu aperto o botão de desativar com força.

“Agora o avião deve ter controle de novo! Dazai, ligue para o piloto!”

“Já estou ligando!”

Nós corremos para fora, mas, ao mesmo tempo, eu posso ouvir um estrondo baixo vindo de algum lugar. Está se aproximando.

Esse som...

Ele vai gradualmente ficando mais alto até se tornar em um rosnado ensurdecedor.

“Capitão! Você consegue me ouvir?! Nós paramos a interferência! Você deve conseguir controlar o avião agora! Rápido! Levante o nariz do avião e ganhe um pouco de altitude!”

Eu estou tentando! Mas nós já perdemos altitude demais! Merda! Vamos lá!

O rosnado que ouvimos era do avião de passageiros voando bem por cima de nós!

Dazai e eu corremos para fora da construção. Uma sombra colossal varre o chão enquanto o céu troveja acima. Eu olho para o céu.

Está chegando mais perto! O avião voa por cima de nós, sendo gradualmente puxado pela terra à frente.

Está indo em direção à cidade... e chegando mais perto da terra...

Não caia. Você absolutamente não pode cair.

Não caia. Voe para o céu! Voe!

“VOEEEEEEEEEEEEEE!!!” Eu berro.

A sombra do avião de passageiros roça o solo antes que o nariz empurre para cima. Uma forte rajada de vento atravessa a terra enquanto a aeronave recupera altitude e o avião voa em direção ao sol da tarde.

Está voando.

Eles conseguiram.

Juntos, eu e Dazai assistimos o avião lentamente sumir no céu avermelhado.



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