Volume 1

Capítulo 4

Dia 13

Eu estou escrevendo isso depois de voltar para casa pela primeira vez em um bom tempo.

O caminho mais simples da vida é ficar satisfeito com cada dia pelo que ele é.

Com a ajuda dos outros, nós salvamos aqueles que estavam prestes a morrer. Mesmo que aqueles que não foram salvos não possam reviver.

A verdade. Problemas decorrem da verdade. O desvio da verdade causa problemas no reino dos homens. A verdade não move pessoas porque viver e morrer são constantes, independentemente de tais verdades.

Ninguém conhece essas verdades, já que nós não podemos enxergá-las.

E assim, o caso foi dado como encerrado.

Desde então, a Agência e eu andamos ocupados lidando com as consequências dos eventos. Entrevistas com a polícia, reivindicações de seguros, lidar com novas Agências: há muitas tarefas importantes que precisam da minha atenção, apesar do meu cargo como investigador particular. Eu estou tão sobrecarregado com o trabalho que não tenho nem um momento de sobra para o meu sentimentalismo.

Talvez desconfiando que teríamos muito trabalho burocrático precisando ser feito, Dazai disse que ele tinha ‘algo para verificar’ e imediatamente sumiu no horizonte. Eu vou estrangular aquele homem quando o encontrar.

Muitas pessoas viram o avião quase cair. As notícias disseram que foi obra de um sindicato clandestino do exterior, também acrescentaram que a nossa Agência de Detetives participou na prisão do líder. Enquanto a Agência de Detetives Armados foi elogiada por prevenir um desastre sem precedentes, muitos nos culparam pela série de eventos terríveis por causa do nosso envolvimento. Nós vamos continuar recebendo críticas por causa do incidente do hospital abandonado em particular por algum tempo.

Um dia, enquanto eu terminava de ver a minha pilha usual de tarefas de rotina e relatórios, o presidente me chama no seu escritório.

“O senhor chamou?” Eu me curvo antes de entrar.

“Como está indo com o trabalho?” o presidente pergunta, seus olhos ainda fixos nos documentos na sua mesa.

“Ocupado como sempre. E para piorar as coisas, Dazai sumiu. Ele disse que odeia trabalho burocrático, então jogou todos os seus documentos em cima de um dos nossos funcionários. Ele também conseguiu, de alguma forma, evitar todas as entrevistas do departamento de investigação militar. Eu acho que colocá-lo em um caldeirão com água fervendo deve dar um jeito nele. Só não o suficiente para matá-lo. Ele iria gostar disso.”

“Só se certifique de fazer isso em um local remoto onde a polícia não vai te achar.”

O presidente junta os documentos e os coloca em envelope antes de olhar para mim.

“Você fez muito bem. Recebemos até uma menção honrosa direta de um dos generais da PM. Ele disse ‘Sua Agência de Detetives é a que os outros devem usar de modelo’. Isso tirou algum peso dos meus ombros, também. Por um momento... eu até cheguei a considerar fechar a Agência permanentemente.

Isso é...

O presidente continua antes que eu possa dizer algo.

“Não há nenhuma Agência que seja mais valiosa que a vida humana. Eu pensei que se a nossa existência como organização colocasse a vida as pessoas em risco, cessar as nossas atividades seria a melhor decisão... No entanto, tudo foi resolvido. É tudo graças ao seu trabalho duro, Kunikida.”

Ele passa os dedos pela sua sobrancelha. O presidente nunca demonstra nenhuma ansiedade relacionada ao trabalho... mas ele deve estar um tanto exausto.

“Então, Kunikida, você conseguiu a resposta para o seu dever de casa?”

Meu dever de casa.

O ‘exame de admissão’.

... A tarefa que o presidente me designou para descobrirmos se Dazai era adequado para a Agência.

“Se o senhor está me perguntando sobre o Dazai, então eu já tenho minha resposta: esse homem é terrível. Ele ignora minhas ordens, desaparece aleatoriamente no meio do trabalho, é obcecado com suicídio, flerta com qualquer mulher que ele vê, se recusa a realizar trabalho físico e é um tanto quanto preguiçoso. Ele é claramente um problema para a sociedade. Ele não duraria nem três dias em qualquer outro emprego antes de ser demitido.”

Eu pauso brevemente antes de falar o veredito que preparei.

“... No entanto, como um detetive, ele possui um talento excepcional. Ele com certeza vai se tornar o principal detetive da nossa Agência nos próximos anos... Ele passou no teste.”

“Entendo. Eu confio no seu julgamento.”

A caneta do presidente desliza pelos formulários de contratação antes de carimbá-los com seu selo de aprovação. Osamu Dazai foi oficialmente aceito na Agência de Detetives.

“A propósito, senhor, se não for um problema, eu gostaria de solicitar o resto do dia de folga.”

“Pode fazer como quiser. É algo importante?”

“Eu tenho... alguns negócios para resolver.”

 

 

Após passar pelo arvoredo, eu chego em um pequeno cemitério com vista para o porto. As pequenas sepulturas se alinham esparsamente na encosta, banhadas pela luz refletida no mar. Eu coloco flores em uma delas, depois uno as minhas mãos.

“Visitando a sepultura de uma vítima, Kunikida?” pergunta uma voz suave.

Eu abro meus olhos ao ouvir a voz e vejo a senhorita Sasaki vestida em um quimono branco ao meu lado. Ela segura um buquê de crisântemos brancos em sua mão direita. Após colocar suas flores ao lado das minhas, ela gentilmente fecha seus olhos.

“Você fica ainda mais linda em um quimono.”

“Seria muito mais apropriado vestir um vestido de luto, mas, infelizmente, isso é tudo que eu tenho... Detetive Kunikida, você sempre coloca flores nos túmulos das vítimas?”

A senhorita Sasaki e eu estamos aqui para honrar aqueles que foram sequestrados e mortos no porão do hospital abandonado.

“Sim. Não há um motivo em específico para que eu o faça. Eu simplesmente sinto como se eu devesse.”

Sem dizer uma palavra, ela olha para mim e sorri. As árvores no caminho da floresta balançam com a brisa gentil do oceano. Eu continuo, como se estivesse falando para mim mesmo.

“... A primeira vez que alguém morreu no trabalho, eu chorei tanto que eu não conseguia levantar da cama. Eu não conseguia nem ligar para a Agência para dizer que não iria. Eu pensei que eu nunca me recuperaria. E mesmo assim, agora, eu não derrubo uma lágrima sequer. É por isso que eu venho aqui. Eu sinto que eu devo fazer algo para que as vítimas possam descansar em paz.”

“Derramar uma lágrima... ajudaria aqueles que faleceram a descansar em paz?”

“Eu não sei. Talvez não mude nada. As nossas palavras não vão alcançar os mortos, não importa o quanto rezemos ou choremos sobre seus túmulos. O tempo parou para eles. Tudo que nós podemos fazer é lamentar e acreditar que nós vivemos em um mundo onde é normal que as pessoas morram e que outras lamentem por elas.”

“... Você é uma pessoa cruel, Detetive Kunikida.”

Ao virar para olhar para ela, eu sou tomado pela surpresa. Lágrimas enchem seus olhos enquanto ela tenta não chorar.

“Eu menti para você naquele outro dia. O homem que eu disse que tinha terminado comigo... ele, na verdade, faleceu. Ele era um homem de ideais. Eu fiz tudo que podia para apoiá-lo, mas... ele morreu sem ao menos me dizer que me amava.”

Eu tenho certeza de que uma pessoa atenciosa seria capaz de oferecer algumas palavras de conforto em um momento como esse.

“Oh.” Mas tudo que eu posso oferecer é essa exclamação simples e tola.

“Os que se foram são covardes. É exatamente como você disse, Detetive Kunikida. O tempo parou para eles e não há nada que possamos fazer para trazer a eles felicidade ou fazê-los sorrir. Eu... Eu fiquei cansada.”

Incapaz de segurar por mais tempo, ela deixa uma lágrima comprida escorrer pela sua bochecha. Se um homem extremamente sábio soubesse as exatas palavras que deveriam ser ditas, ele seria capaz de parar essas lágrimas?

Eu não sei. Eu passei por tantas provas e tribulações para seguir meus ideais, escrevê-los no meu caderno e torná-los em realidade. Mesmo agora, eu me pergunto se existe um mundo perfeito ou uma salvação perfeita para salvar todas as pessoas nesse planeta. Mas tal esforço não significa nada na frente das lágrimas de uma mulher solitária.

“Eu sinto muito. Eu deixei minhas emoções me dominarem... Eu deveria ir embora.”

“Você está bem?”

Uma pergunta estúpida, eu admito.

“Sim, eu estou bem. Na verdade, eu fui chamada pela polícia para ser uma consultora analista desse caso. Está dentro do meu campo de especialização e é um caso muito complicado... então eu vou me encontrar com o oficial do governo que está à frente do caso depois disso.”

Qualquer um que auxilia a PM deve ser alguém de alto calibre. Mesmo ignorando o fato de que ela ajudou na solução desse caso, ela ainda deve ter um histórico impressionante em campo.

“Bom, se eu tiver problemas no trabalho em algum momento, eu vou entrar em contato com você.”

“Sim, por favor.”

Ela finalmente sorri. A brisa que vem do horizonte passa pelos topos das montanhas. Com uma reverência silenciosa, ela se retira. Depois de observar ela sumir na distância, eu me viro para a cidade de Yokohama e olho despreocupadamente para a paisagem.

De repente, meu celular toca, desviando minha atenção. É Dazai.

Kunikida-kun, eu preciso que você venha até aqui.

 

 

“Por que você pediu para que eu viesse até aqui?”

Dazai me disse para encontrá-lo no hospital abandonado onde ocorreu o primeiro incidente. Sob o calor do sol o hospital abandonado, que a escuridão antes havia tornado um sinistro e esquisito, se mostra como nada mais que uma construção destruída e deserta. A luz radiante do sol entra pelas brechas do vidro quebrado da janela de uma sala que costumava ser uma enfermaria, iluminando o chão.

“Como diabos você tira a trava dessa arma?”

Eu olho para ele. Ele está com uma arma, surpreendentemente. É uma pistola compacta utilizada pela nossa Agência que usa pentes de coluna dupla. Qualquer funcionário nosso é livre para emprestar uma.

“Você me chamou até aqui só para me perguntar isso?”

Espantado com sua estupidez, eu removo a trava de segurança da pistola preta. Ele mira a pistola algumas vezes em direção a alguns espaços vazios antes de abrir a boca de novo.

“Sabe, eu ainda não consigo acreditar que aquele traficante de armas era o Apóstolo Azul.”

O quê?

“Quer dizer, tem que ser, certo? Não tem como eles terem feito tudo aquilo sozinhos. Além do mais, qual era a motivação?”

“Que tal o motivo que ele me deu? A Agência de Detetives Armados estava entrando no caminho do negócio deles em Yokohama, então eles planejaram se livrar de nós.”

“Sim, provavelmente é nisso que eles acreditam também. Mas isso foi realmente algo que eles tinham que fazer?”

“... Onde você quer chegar?”

“Bom, eles disseram que a Agência de Detetives é uma ameaça depois do incidente do Rei Azul, mas nós não somos a única Agência armada que entraria no caminho deles. Eles teriam que tomar cuidado com os militares, a guarda costeira e, se estivermos falando de usuários de habilidade, a Divisão Secreta de Habilidades Especiais do Ministério de Assuntos Internos. Você não acha que não é um pouco exagerado fazer tanta cena só para ir atrás da nossa Agência? Não é econômico.”

“Vá direto ao ponto.”

“Alguém os manipulou, os convenceu de que a Agência de Detetives eram sua maior ameaça.”

Não me diga que o verdadeiro Apóstolo Azul ainda está por aí, então?

“Então me diz, Dazai. Você tem alguma ideia de quem essa pessoa é?”

“Sim.”

“Quem é?!”

Eu não posso evitar de agarrar Dazai pelo colarinho, mas seu olhar não treme enquanto ele me encara profundamente.

“Eu mandei um e-mail para ele e pedi para que ele viesse aqui. Eu disse que eu tinha evidências que provam que ele é o verdadeiro culpado. Ele deve chegar aqui em instantes.”

O quê?

Eu observo a sala.

É extremamente comum, mais como uma enfermaria. A entrada é na frente com uma janela atrás. Duas armações de cama enferrujadas estão na nossa frente, enquanto um armário de remédios vazio está ao nosso lado. Não há mais nada aqui. Está basicamente vazio, nem tem tanta poeira ou sujeira no chão, também... O culpado verdadeiro vai realmente vir até aqui, entre todos os lugares?

“Eu ouço passos.”

Eu olho fixamente para a entrada. Posso ouvi-los também, um após o outro, vindo lentamente na nossa direção. Percebo Dazai segurando a pistola firmemente. Então esse é o motivo dele ter trazido uma. Eu já devolvi a minha ao presidente. Deveria fazer uma usando meu caderno? Não, não temos tempo suficiente.

Suor escorre inesperadamente pela minha bochecha. Os passos estão ficando mais altos. Ele vai estar aqui em qualquer segundo. Eu vejo os pés dele... seu corpo... seu rosto...

“Que diabos você tá fazendo aqui, Quatro-Olhos?”

A pessoa de pé na porta é...

“Por que você... está aqui?”

“Eu deveria te perguntar a mesma coisa. Você veio aqui para descobrir a verdade também?”

De pé na porta de entrada está o jovem hacker Rokuzou.  

É você que está por trás disso?

Você é o Apóstolo Azul?

Meu cérebro automaticamente começa a raciocinar. Rokuzou realmente conseguiria acessar remotamente o computador de Dazai e mandar os e-mails. Não apenas isso, minhas suspeitas sobre Dazai se originaram da informação que Rokuzou me deu. Além do mais, entrar em contato com sindicatos do exterior e promover informações sigilosas não seriam difíceis para um hacker ilegal. E acima de tudo... ele tem um motivo. Ele tem um motivo ressentir a Agência - um motivo para guardar mágoas de mim.

“Por que, Rokuzou? É minha culpa? É por isso? Porque é minha culpa que seu pai morreu... você tem tanta mágoa de mim assim?”

“Meu pai? Sim, eu odeio o homem que matou meu pai. Obviamente. Mas, Quatro-Olhos...”

Dazai fala de repente. “Parece que algum hacker estava lendo meus e-mails, hein?”

O quê?

Dazai... Eu pensei que você tinha dito que mandou um e-mail para o culpado verdadeiro?

Nesse momento...

Um tiro.

Um buraco é aberto no peito de Rokuzou.

Sangue fresco jorra da ferida.

“___”

Rokuzou cai para frente com a sua boca aberta, como se ele estivesse tentando me dizer algo.

Ele foi atingido.

Eu automaticamente olho para Dazai, mas a sua arma está do seu lado. A sua expressão é fria também. Eu ouço uma voz vindo de trás do corpo do Rokuzou na entrada.

Detetive Kunikida... eu sinto muito.

Uma sombra aparece na porta.

Cabelos pretos e longos. Lábios delicados. Um quimono branco. Uma pistola esfumaçando fracamente nas mãos.

Ela anda ao lado do corpo de Rokuzou enquanto se aproxima de nós.

É estranho.

Ela era tão... bonita.

“Então... você era o Apóstolo Azul.” Minha voz ecoa pela sala como se pertencesse a outra pessoa.

“Sim.”

O seu digno, claro como o som de um sino, faz com que meu coração erre uma batida.

“Então, Sasaki-san... você admite que é a mente por trás de tudo isso?” Dazai pergunta.

“Detetive Dazai, eu imploro... por favor, largue a arma. Se você não fizer isso...”

Ela aponta a pistola para ele.

“Que tal isso: eu largo a arma se você responder algumas perguntas para mim. Combinado?”

“Certamente. Pergunte o que quiser.”

“Certo, eu estou deixando a arma no chão agora.” Dazai casualmente deixa a arma cair até o chão com um baque.

“Sasaki-san, por que você tinha a Agência de Detetives como alvo?”

“Eu acredito que você saiba o motivo, Detetive Dazai.”

“Eu estou impressionado. Você tentou esconder enquanto nós estávamos por perto, mas você é esperta. Eu consigo entender o motivo de você ser uma pesquisadora psicológica tão elogiada na sua idade.” Ele continua, resignadamente. “Haviam duas coisas que você queria fazer: primeiro, punir os criminosos e, segundo, conseguir sua vingança contra a Agência de Detetives. Estou certo?”

Punir os criminosos? Isso soa justo como o...

“Essa é... a única coisa que eu consigo pensar.”

“Houve ao menos algum motivo para se ter uma vingança?”

“Detetive Dazai, toda vingança é sem sentido. Eu apenas... tinha que fazer isso. Mesmo que eu soubesse que era errado, tinha que fazer isso por ele ou sinto que perderia o controle de mim mesma.”

Vingança?

Muitas pessoas guardam mágoas da Agência. O número daqueles que querem se vingar de nós é infinito.

“Você está certa. Vingança é algo que você faz mesmo sabendo que é sem sentido. E, infelizmente... você não tinha mais ninguém para se vingar.”

“Na verdade, ele faleceu.”

“Ele era um homem de ideais.”

“Sozinha, você é indefesa, mas com seu cérebro e seu conhecimento de criminosos, você foi capaz de punir os bandidos pelas suas más ações mais de uma vez. Esse é o motivo pelo qual o plano do Apóstolo Azul era algo que você deveria fazer.

Dazai faz uma pausa, depois olha para mim antes de falar de novo.

“Todas as suas ações foram parte de um plano de vingança pelo seu amante falecido... o Rei Azul.”

O Rei Azul.

Um terrorista incomum que cometeu crimes para punir criminosos.

A Agência de Detetives descobriu seu esconderijo... e agora ele está morto.

“Haviam boatos no passado de que ele deveria ter um cúmplice, devido a quão complexos seus crimes era. Mesmo assim, as autoridades daquela época concluíram que ele deveria ter contratado alguém para ajudá-lo com seus crimes, já que não havia sinal de um cúmplice que compartilhasse sua visão. Eles basearam essa conclusão apenas no fato de que criminosos se juntam por apenas dois motivos: porque eles compartilham as mesmas visões políticas ou porque eles vão repartir as recompensas de seus crimes. Mas o caso do Terrorista da Bandeira Azul não era sobre dinheiro ou política... ninguém imaginava que o Rei Azul tinha uma parceira romântica que era uma melhor estrategista do que ele próprio.”

“Ele era... um homem de caráter nobre. O crime desenfreado partia seu coração. Ele se atormentava procurando uma forma de criar um mundo ideal onde ninguém teria que sofrer. Quando ele percebeu que simplesmente cumprir a lei não poderia salvar a todos, ele aspirou se juntar àqueles que criaram as leis... um oficial do governo.”

A senhorita Sasaki continua de uma maneira imparcial, como se ela estivesse liberando emoções reprimidas.

“Mesmo assim, era um caminho difícil. O sistema corrupto, a interferência de colegas, os desentendimentos da parte do chefe dele... ele foi destruído. Ele agonizava sobre isso e, toda vez que se levantava, era derrubado novamente. Apenas de assisti-lo, eu soube que o caminho escolhido por ele não era diferente de andar descalço em uma cama de pregos. Até que, um dia, ele simplesmente teve o suficiente. Ele se perdeu no seu caminho, incapaz de realizar seus ideais, então tentou se matar abrindo seu próprio estômago. Incapaz de aguentar... eu montei um plano indizível.”

Sujar as próprias mãos para punir os criminosos...

Seguir um caminho de carnificina para realizar o seu ideal...

“Sasaki-san, eu estaria correto ao presumir que a maioria dos crimes cometidos pelo Rei Azul foram ideia sua? Você fez isso pelo homem que amava.”

“E eu não me arrependo.” ela afirma, claramente. “Os ideais dele são meus ideais. Eu cometeria atos de pura maldade com mãos manchadas de sangue apenas para fazer com que eles funcionassem.”

“Mas o Rei Azul está morto. A Agência de Detetives o encurralou e ele se matou, levando junto o pai de Rokuzou. Isso deveria ter acabado com seus ideais.”

“Não, eles não poderiam ser parados. O plano estava apenas pela metade naquela época. Ainda existiam criminosos que precisavam ser punidos. E... talvez você ria de mim, mas quando eu encarei a realidade da morte dele, eu simplesmente não poderia viver com a minha inatividade por mais tempo.”

“Então você montou um plano para fazer com que os criminosos restantes cometerem crimes voluntariamente para que a nossa Agência os punisse. Você previu que teríamos que persegui-los e prendê-los se você criasse um escândalo.”

O taxista não deixou nenhuma evidência dos seus sequestros, o terrorista Alamta nem existia no Japão de acordo com os registros e o traficante de armas estava envolvido no tráfico de órgãos, secretamente tentando importar armas. Cada caso envolvendo esses criminosos invisíveis seria extremamente difícil de ser levado à corte com as leis e regulamentos atuais.

“A coisa mais linda sobre o seu esquema é que você nunca teve que sujar as suas mãos. Na verdade, eu acredito que você até mesmo fez o traficante de armas montar o equipamento de vigilância, preparar a área para confinar as vítimas sequestradas e fazer um acordo com o terrorista Alamta. Eu acho que você não levantou um dedo sequer. Até o final, o traficante de armas e o seu grupo acreditaram que estavam fazendo tudo por sua própria vontade e entendimento. É por isso que não existiam evidências. Nem mesmo o fornecedor descobriu quem você, a fonte principal de informação, intencionalmente deturpou a situação. É por isso que a única conclusão que autoridades poderiam chegar é que se tratava de um compartilhamento de informação incorreto entre fornecedores de armas.”

Eu senti isso quando eu estava seguindo o taxista e quando questionava Dazai: a pessoa por trás disso não vai apenas manter suas mãos limpas. Um criminoso que não cometeu crimes não pode ser julgado pela lei.

Está tudo bem com isso?

Um mundo que permite tal injustiça merece ser perdoado?

“Então você fingiu ser uma das vítimas sequestradas para que não pudéssemos suspeitar de você. Isso também foi quando você iniciou contato com a Agência de Detetives. Você foi a única vítima que o taxista não sequestrou. Tudo parecia fazer sentido, então não pressionamos você por respostas na hora, mas não havia absolutamente motivo nenhum para o sequestrador deixar seus planos de lado e sequestrar uma mulher que desmaiou na estação, especialmente quando havia muitos espectadores presentes. Ele já tinha um plano de baixo risco que funcionava, que era sequestrar as pessoas no caminho para o hotel delas. E também, se ele dissesse que não te conhecia, ele basicamente estaria confessando que conhecia as outras vítimas e, por isso, ele não podia falar nada. E, desse jeito, você brincou com as emoções de todo mundo até que se infiltrou brilhantemente na Agência de Detetives.”

Há uma fenda profunda entre as sobrancelhas de Dazai agora.

“Sasaki-san, eu simplesmente não entendo. Alguém tão inteligente quanto você poderia ter alcançado tanta coisa na carreira de psicologia criminal. Ou poderia até ser envolvida no sistema de investigação criminal do governo e criar uma organização mais avançada contra o crime. Eu não estou dizendo que você seria perfeita, mas o mundo poderia ser ao menos um pouco melhor por causa disso. E mesmo assim...”

“Eu... não tenho ambições próprias. Eu só não queria mais vê-lo sofrer.”

Por quê?

Uma pergunta continua a girar na minha mente.

Só... por quê?

Quem está errado? Quem traiu seus ideais?

“Sasaki-san, acabou. Mesmo trabalhando tão duro para não sujar suas mãos - para ser invisível -, você não será mais capaz de esconder o fato de que matou Rokuzou. Nós somos testemunhas e você será julgada em totalidade pelas leis já existentes.”

“Temo que não.”

Ela aponta a pistola na direção de Dazai.

Absurdo... ela realmente acha que pode nos ameaçar depois de tudo que aconteceu?

“Não existirão testemunhas e você não será capaz de testemunhar. Porque se você disser para qualquer um o que aconteceu aqui, vou retomar o meu ataque contra a Agência.

Um sorriso esguio surge no rosto da senhorita Sasaki enquanto ela nos ameaça. Ela planejou tudo isso antes de vir até aqui...?

“Pare.”

A palavra rouca sai da minha garganta seca.

“Pare. Acabou. Eu não vou deixar que você ataque a Agência de novo.”

“Por favor, Detetive Kunikida, não se mova.”

“Pare! Por que?! Nós não somos para quem você deveria apontar a sua arma!”

“Então me diga. Para quem eu deveria apontar? Quem eu deveria desprezar?”

“Isso é...”

Tem algo que encaixe nessa situação? A causa disso tudo? Tem que existir um mundo ideal onde todos são salvos e tem que existir algo sinistro bloqueando esse caminho. Deve existir algo... Eu tenho certeza...

Talvez tomando minha hesitação como uma ausência de resposta, ela franze a testa e olha para o desvia o olhar.

“Como no passado, eu vou continuar a ser a pessoa a lutar pelos ideais dele, os ideais do Rei Azul. E vocês, a Agência de Detetives, não serão capazes de parar isso. É por isso que...”

Ela começa a baixar a arma lentamente.

“Vamos fazer um acordo. Vocês prometem me deixar em paz e eu prometo que não vou atacar a Agência. Eu vou para algum outro lugar, usar alguma outra organização e fazer a mesma coisa. E depois disso, vou fazer de novo... e de novo depois disso. Eu não vou permitir que vocês entrem no meu caminho.”

“É isso?”

Dazai lança um olhar penetrante para a senhorita Sasaki.

“Você, de todas as pessoas, deveria entender, Detetive Dazai. Você sempre está pensando um passo à frente, fazendo tudo que traga resultados ótimos sem ser tomado por suas emoções. O que significa que você deveria saber que essa é única solução aqui.”

“Você está completamente certa. Eu não vou fazer nada.”

“... Adeus.”

A senhorita Sasaki olha nos meus olhos e sorri fracamente. Ela vai realmente continuar fazendo isso, enganando os outros, manipulando criminosos e deixando incontáveis corpos para trás como o Apóstolo Azul, seguindo as pegadas de um fantasma?

  • “O tempo parou para eles e não há nada que possamos fazer para trazer a eles felicidade ou fazê-los sorrir.”
  • “Eu me cansei.”

Eu não posso permitir que ela mate alguém. Isso não é o ideal e um mundo ideal existe, sem dúvidas. De quem é a culpa aqui? O que eu tenho que fazer para encontrar as respostas? Como eu posso alcançar esses ideais?

“Detetive Kunikida.” Ela sussurra. “Quando você me salvou no porão... você não hesitou por um instante antes de me puxar daquele tanque de água. Embora eu talvez estivesse te enganando... o que você fez... me deixou feliz. Já que essa é a última vez que vamos nos ver, eu tenho uma última coisa que quero lhe falar, Detetive Kunikida.”

Tiros.

Três balas perfuram o peito da senhorita Sasaki.

Sangue jorra dos buracos no seu peito.

Ela se contorce no seu quimono branco como uma pétala de flor tremulando ao vento.

E assim, igual a uma marionete cortada dos seus fios...

“Sasaki-san!”

Eu corro e levanto o corpo dela. Ela é leve, parecida com uma boneca de porcelana. O sangue jorra de suas feridas, manchando seu quimono de vermelho.

“Vai se... foder...”

Eu olho para cima. Uma pistola preta está na mão de Rokuzou enquanto ele está caído no chão.

“Você... e o Rei Azul... vocês mataram... meu pai...!”

A fumaça saída da arma sobe no ar. Um sorriso feroz cruza os lábios pálidos de Rokuzou, deitado em uma poça do seu próprio sangue.

“Isso foi... pelo meu pai...! Ele lutou... pela justiça! Vai se foder... e... morra...!”

A arma cai da mão de Rokuzou e seu rosto cai na poça vermelha. Ele se contorce levemente... e fica imóvel.

“Dete... tive... Kuni...kida...”

A senhorita Sasaki sussurra em meus braços. Uma gota de sangue escorre gentilmente pelo canto da boca dela.

“Algo em você... me lembra ele...”

Seus olhos castanho escuros tremem enquanto refletem a luz.

“Por favor... não deixe... seus ideais... te matarem...... Eu......... amo......”

........................................................................

Ela está morta.

“Kunikida-kun, ela matou muitas pessoas. Era assim que deveria ser.”

O sangue sobe a minha cabeça.

“DAZAI!”

Eu o agarro com força pela gola, mas ele nem pisca. Tudo que ele faz é olhar dentro dos meus olhos furiosos.

“Kunikida-kun, o mundo ideal que você está atrás não existe. Desista de uma vez.”

“Cala a boca! Ela era só uma mulher! Ela mal sabia usar uma arma! Não havia motivo para matá-la! Se você tivesse nos dado algum tempo para planejar, poderíamos ter arranjado alguma saída onde ninguém precisasse morrer! Por que...?!”

“Não fui eu que matei ela. Foi o Rokuzou.”

“Você achou que eu não iria reparar?!” Eu aponto para a pistola preta ao lado de Rokuzou. “Essa é a sua arma! Você a chutou na direção de Rokuzou quando eu estava falando com ela porque você sabia que ele iria matá-la!”

De onde Dazai estava, ele poderia chutar a arma por debaixo da cama para Rokuzou sem que a senhorita Sasaki reparasse.

“Eu não a matei.”

“Indiretamente, matou sim!”

“Desculpa, mas você não pode provar que eu tinha intenção de matá-la. Quem segurou a arma e puxou o gatilho com intenção de matar foi o Rokuzou. Tudo que eu fiz foi tropeçar em uma arma que estava caída no chão.”

Um assassino que não suja as próprias mãos...

Fazer com que alguém mate outra pessoa por você: o que Dazai fez não foi diferente do que a senhorita Sasaki disse. Não há como provar sua intenção de matar sob as leis e regulamentos atuais e eles não seriam punidos.

“Kunikida-kun, essa era a única forma de salvá-la. Esse foi o melhor que deveríamos ter esperado.”

“Você está errado!” Eu grito. “Não tem como isso ser ideal ou muito menos bom! Deve haver alguma coisa que poderíamos fazer. Talvez houvesse algum problema real que não estivéssemos vendo! Porque...”

Se a senhorita Sasaki realmente ressentia o mundo...

... se ela realmente queria nos eliminar...

... ela não teria me parado quando eu tentei andar em direção ao gás tóxico. Se ela não tivesse feito isso, eu teria respirado e morrido. Se ela queria vingança, ela poderia ter me matado facilmente lá. Ela poderia fazer parecer um acidente, ninguém nunca suspeitaria dela.

Mas ela me salvou. Por quê? Foi por... instinto? Um reflexo?

Com dificuldades para falar, eu cuspo fatos em Dazai. “Porque a verdade é que, ela não queria fazer nada disso! Ela não tinha interesse algum em um mundo onde criminosos fossem mortos por seus crimes! Ela só queria...”

“Eu só não queria mais vê-lo sofrendo.”

“Não toque na fechadura!”

“Me diga! Foi o correto fazer com que ela fosse atingida e morresse?! É esse o mundo ideal que eu procuro?!”

Dazai apenas olha para mim enquanto fala suavemente suas palavras.

“Kunikida-kun, pessoas que acreditam que há um certo e um errado, pessoas que acreditam em um mundo ideal, são as pessoas que acabam com mágoa do mundo e passam a machucar ou outros redor deles quando as coisas não funcionam do jeito que queriam... igual ao Rei Azul. Quando esses ideais e crenças são realizados, as vítimas são as fracas e indefesas.”

Ele encara o nada.

“Um choro por justiça é como uma espada. Enquanto ele pode ser capaz de machucar os fracos, nunca vai ser capaz de protegê-los ou salvá-los. A justiça do Rei Azul foi o que matou a Sasaki-san.”

As críticas de Dazai se aprofundam. Eu estava procurando por justiça e ideais. Eu fui capaz de me superar todas as adversidades para realizá-los.

“Kunikida-kun. Se você continuar seguindo esses ideais e removendo os que entrarem em seu caminho, um dia, você também vai adquirir a fúria do Rei Azul. E não haverá mais nada perto de você quando isso acontecer, apenas cinzas. Eu já vi isso acontecer com frequência.”

Parece que ele está encarando algo que apenas ele consegue ver, algo além da minha compreensão, como a escuridão abismal que reside no coração de cada ser humano.

“Eu...”

Eu solto Dazai. Eu entendo o que ele está dizendo. Talvez a justiça não seja algo que você procura nos outros, mas sim dentro de você mesmo.

Mesmo assim...

A senhorita Sasaki está morta, e o Rokuzou também.

Tudo que eu encontrei na minha busca por justiça dentro de mim mesmo é uma sensação de desespero.

“......”

Eu olho para a janela do hospital abandonado. Os lírios-da-aranha-vermelha balançam no jardim arruinado na frente dela. Mesmo se eu fechar os meus olhos, as flores ainda estão lá, gravadas na parte de trás das minhas pálpebras... junto de um traço do sorriso dela.



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