Bom Demônio Brasileira

Autor(a): Trajano


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 37: Querido encontro

Pouco depois de Maria e Elias deixarem o buraco... mais exatamente, após os acontecimentos do capítulo 21.

— ...!?

Assim que um se distanciou do outro, Safira se ergueu subitamente do agarro de Maria. Em um único instante ela saiu do apego e fez uma chave de braço na garota. O metal frio que circundava seu pescoço mantinha-se ainda funcional, tornando a ação irreal.

— Ei! — Elias, de alguns metros de distância gritou.

No entanto, não se tinha muito a fazer. Tanto ele quanto sua guia tinham certeza que Safira era extremamente mais forte que ambos desde o encontro, mas nunca passou por suas mentes que seu nível de magia estava acima do limite da coleira.

Claro, aquele não era um item onipotente. Se aquele que a estivesse usando fosse detentor de um poder maior que o máximo exercido pela coleira, a mesma não terá efeito algum no portador. E foi o que aconteceu nesse caso. Como não haviam tido a oportunidade de se informar devido a correria, não chegaram a descobrir que Safira possuía um sobrenome — assim como uma magia mais desenvolvida.

— Ei! Solte ela!

— Certo.

Safira deixou de lado a chave de braço e soltou Maria, que segurou o entorno de seu pescoço com a mão para diminuir a dor, tossindo no processo. Podia parecer que ela estava fazendo como ordenado, mas era bem claro que se fosse de seu desejo, nem Elias nem Maria sairiam dali vivos.

A floresta era densa e extensa, sendo mais de um quilômetro de uma ponta até a outra. A vegetação abundante não permitia a entrada de muito sol, deixando o clima um tanto quanto macabro. A umidez gerada pelo grande número de folhas e pela região deixava tudo mais pesado. Mesmo com essa imensa gama de características e tamanho os cercando, o mundo estava resumido naquela pequena região em que os três estavam.

Não demorou muito que Maria voltasse ao normal, ainda assim Elias fez questão de trazê-la ao seu lado. Estava totalmente cauteloso. Cautela a qual apenas cresceu aos passos cada vez mais audíveis se aproximando.

— O que você quer!?

— Um marido, duas crianças e uma bela casa no campo. Também pretendo tentar a universidade.

— ...

A fala podia ser entendida como uma piada em situações normais, porém nesse caso foi utilizada para diminuir o peso que os rodeava, deixando claro que a intenção não era deixar as coisas tensas. Também, por esse motivo Safira baixou qualquer guarda e deu de braços, soltando um sorriso tosco ao notar que foi bastante sincera.

Maria já pensava no que fazer, seu cérebro funcionava a todo vapor para tal. Se alguém tivesse feito com ela e Elias o que fizeram, não deixaria barato. Vingança era a única intenção que podia imaginar vinda de Safira. Para tal, mesmo que sem chances, entrou em posição de ataque.

— Não.

Mas foi rapidamente cortada pelo arqueiro, que ergueu seu braço para pará-la. Maria subiu seu olhar para tentar entender se Elias diria algo para justificar esse ato, mas o mesmo simplesmente ignorou. Estava completamente concentrado em Safira, encarando-a fixamente. Maria não pôde fazer nada mais que abaixar a cabeça.

— Se o problema for Sea, nós podemos-

— Não, sem problemas com isso. — ela interrompeu Elias, quem tentava fazer um acordo, mesmo sem fichas. — Vamos fazer um trato. — levantou um dedo para sinalizar. Ela própria o propôs, e certamente teria os termos que quisesse.

Por mais que Elias não sentisse que a garota em sua frente os fosse machucar, não podia deixar a atenção de lado. Levou o braço erguido mais para trás, quase que obrigando Maria a retrair. Não importava se ela era mais forte ou se se conheciam há pouco tempo, no pior dos casos...

Safira cruzou os braços e com um único dedo levantado, o indicador, falou:

— Primeiro, vou deixar as coisas seguirem como estão.

— Huh?

Para o gemido de questionação de ambos, ela abanou a mão dizendo “duelo, buraco etc etc.”, e então voltou a sua pose costumeira. Aproximou-se mais um pouco e fez a segunda exigência.

— Segundo, não posso ir pro castelo, e ficar na vila será improdutivo, então vou com vocês até o Mestre de... qual quer que seja o reino de vocês. — no caso, era basicamente um pedido para ser treinada. — Ah, isso deve ser claro, mas minha permanência lá deve ser mantida em segredo.

Os termos não pareciam desbalanceados até o momento, por isso Elias assentiu brevemente e a permitiu continuar.

— Terceiro, vocês não... — ela pretendia dizer algo como “vão incomodar mais a mim e Sea”, mas desistiu no meio a notar que de uma forma ou de outra haveria um duelo. — para ser algo justo, você só vai começar a treinar assim que Sea sair do buraco. Independente de quanto tempo seja.

Isso já estava dentro do planejado, então Elias apenas estreitou mais um pouco os olhos. Safira levou mais uma vez o indicador até o queixo, pensando se havia faltado algo... mas não, ela não se recordou de mais nenhuma exigência necessária.

— Hum... Vamos, eu não sei o caminho, então um de vocês aí, em frente. Daqui alguns dias volto para dar uma olhada em Sea. — falou enquanto se virava.

— E-espera aí! — Quem gritou fora Maria, que não suportava mais ser deixada de lado por Elias, e por isso deu um passo à frente. — Por que está fazendo isso? Não faz sentido!

O bom humor de Safira já estava voltando, mas devido essa questão — por mais que coerente — ficou irritada. Ela se virou brevemente para encontrar-se com os olhos de Maria e respondeu “Não é de seu interesse”, e começou a andar mais uma vez.

Elias tentou restringir qualquer outro movimento de Maria, e conseguiu segurá-la pelos ombros em sua posição, ainda assim um grunhido escapou.

— Por mais que eu não os tenha conhecido bem, imaginei que fosse comum se importar com seu companheiro... — a fala foi perdendo a sonoridade ao passo que era completa, mas a rigidez e sinceridade se mantiveram firme.

Na verdade, Maria não podia acreditar que estava dizendo isso. Seu plano era bem simples. Apenas queria viver uma vida comum fora desse torneio, mas devido sua alta capacidade nunca o conseguira. Essa proposta de duelo tinha um motivo, e independente dele se sair bem ou mal, acabaria ganhando.

Se Elias perdesse, provavelmente perderia sua personalidade destemida e não sofreria grandes riscos. Se ganhasse, ao menos seus status seriam elevados, e receberia um tratamento melhor por ter dado a ideia.

No entanto, agora, não conseguia pensar em nada mais que vergonha pelo seu passado. Principalmente por essas últimas palavras... teria mudado tão rapidamente apenas de interagir com Elias?

Do fundo do coração queria que ele ganhasse, não sabia se suportaria tê-lo o espírito destruído... não seria mais Elias Locksley.

Mesmo com tamanho significado por trás das palavras, Safira não sentira nada mais que ódio. Seu corpo parou e então vibrou por um momento, tentando segurar qualquer reação exagerada. Suas mãos se juntaram e fecharam uma na outra fortemente, tentando aliviar a raiva.

Ela se virou, fazendo seu melhor para não ter um rosto distorcido.

— Veja bem, talvez tenha esquecido, mas há alguns minutos você emboscou a mim e meu amigo, além de me usar para forçar um duelo e jogá-lo num buraco... sabe, não sou uma santa.

Querendo ou não, Safira era uma pessoa que se levava bastante pelo instinto. Esse plano inteiro era baseado nisso, a propósito. Ela tinha plena consciência de suas capacidades.

E por isso mesmo tinha certeza de estar chegando ao limite de sua raiva. Não havia pedido para ser emboscada nem nada do tipo, sequer havia feito alguma coisa... ainda assim, estava no meio disso tudo.

Seu desejo mais sincero era socar a cara dos dois na sua frente com tamanha força que seu punho ficasse marcado para sempre. Estava sendo bastante compreensiva até então, mas ao ouvir que não se importava com Sea, seu amigo, não conseguiu mais suportar.

E bem quando estava prestes a descontar ao menos um pouco, os olhos de Elias vieram ao seu encontro. Estavam claros, contudo sérios. Seu sentimento estava tão óbvio que pareceu ter sido expositivo, sua expressão dizia claramente que se algo acontecesse com a garota ao seu lado, arbitrariamente seguiria o pior dos desfechos.

Safira viu isso e acalmada por esse sentimento puro desistiu, suspirou enquanto abaixava o queixo e fechava os olhos. Seu rosto já estava bastante perto de Maria, mas ela recuou.

Deixou as mãos contra as costas para disfarçar a unha penetrando a carne como medida para desestressar.

Ainda estava com os nervos quase estourando, mas relaxou. Fez uma expressão imparcial e girou em 180 graus rapidamente, deixando os braços por de trás das costas no formato de um V deitado.

Ela começou a andar sem dizer nada, contudo claramente queria dizer para irem andando logo. Se fosse irritada mais uma vez, nem ela sabia o que viria a acontecer. Sabendo disso Elias sussurrou para sua companheira, e a mesma concordou, por mais que relutante.

E assim se manteve os próximos dois meses...

...

— Bem, basicamente foi isso.

— ... — para a explicação de Safira, os Vassalos ficaram boquiabertos.

Após o fim do duelo entre Elias e Limit, os procedimentos continuaram normalmente. Elias voltou com sua guia para seu respectivo castelo, e Limit caiu desacordada poucos minutos depois. Depois disso tudo Ase, Bianca, Safira e Sea voltaram até o castelo.

Claro, devido suas condições Sea foi deixado em seu quarto, descansando. De acordo com Limit antes de apagar, ele voltaria após três meses. Basicamente uma forma de pagar pelo tempo sem dormir.

E então, chegou a esse ponto. Bianca protestou de toda forma para deixar Safira em um quarto diferente para descansar, suspeitava de várias artimanhas para ela estar tão bem com os últimos dois meses, e por esse motivo a ruiva se viu obrigada a explicar o que acontecera. Levando a essa história.

Também disse sobre ter sido treinada sob a guarda dos dois Vassalos que Limit viu outrora, e foi tratada bem.

Sendo essa a explicação, só restava uma pergunta.

— ... Por quê?

Ase estava de frente para a cama, com sua esposa ao lado, ambos sentados em uma cadeira. Sobre a cama estava Safira, de braços cruzados com uma expressão de trabalho concluído. Até suas roupas haviam sido mudadas para algo mais simples e branco por pedido de Bianca.

Para a pergunta ela olhou para cima e afiou os olhos, estava com uma cara boba antes de responder, mas ao se encontrar com o olhar de Ase, restringiu-se.

Isso pois era bastante complicado falar na frente dele, seu cabelo e olhos eram de uma cor extremamente parecida a de Sea, então ela tinha o sentimento de estar confessando seu crime para a vítima. O outro motivo foi pela sensação que ele passava. Seus dedos afundavam na calça, como se esperasse apenas uma resposta errada para fazer algo. Safira não o conhecia bem, então não sabia exatamente o tipo de reação que teria se fizesse uma brincadeira.

Bianca normalmente a protegeria, mas Ase já estava em seu limite desde que deixou Sea passar dois meses nesse castelo sem grandes punições. Ela apenas desviou o olhar, já esperando pelo pior.

— ... para conscientizá-lo... — Safira desistiu da piada e foi sincera. Fechou os olhos instintivamente no caso de ter dado a resposta errada, contudo Ase pareceu ter relaxado, então ela continuou. — Antes daquilo eu falei para ele levar isso com seriedade, e bem, do jeito que ele é, não seria possível... Esse tipo de coisa é melhor aprender na marra, e se for assim, que ao menos não fosse algo que pudesse acabar com alguém se machucando muito.

Em síntese, ela queria pôr na mente de Sea que esse jogo não é uma brincadeira. Ele estava levando tudo na brincadeira, pensando que não teria problemas seguir tudo de forma despreocupada. Querendo ou não, seguir dessa forma hora ou outra daria algum dano real nele ou em quem lhe é importante. Safira fez esse plano para que ele tivesse consciência da realidade, tudo sem pôr ninguém em perigo real.

Claro, havia várias falhas nesse plano. Tinha a possibilidade de Sea sair machucado, ou então dos Vassalos não serem pessoas boas e realmente capturarem Safira, fora outras possibilidades... enfim, ela mesma admitira que não era um plano pensado para ser perfeito.

Além do mais, era uma oportunidade de ouro, não teria outra chance de fingir um conflito sério assim tão facilmente.

Ao fim da fala Ase não parecia ter qualquer intenção, e Bianca parecia bem calma, por mais que com um rosto distorcido pela garota na sua frente ter feito esse plano em poucos minutos enquanto sofria uma emboscada. Um breve medo percorreu sua espinha e mesmo seus olhos ficaram um pouco roxeados.

Mesmo tirando toda a tensão do ambiente, o casal de Vassalos se mantinha imóvel. Safira levantou o lençol com ambas mãos e trouxe para perto dos olhos, na intenção de esconder um pouco da vergonha pelo que estava prestes a dizer.

— Ele... é meu amigo, me importo com ele... — a forma tímida de falar veio com a incerteza do que Ase faria.

Ela não tinha certeza do que as pessoas em sua frente queriam. Ficariam irritados por esse plano que deixou Sea em maus lençóis por dois meses? Pasmos com a ideia idiota? Ela não sabia, mas a resposta não demorou a tardar...

A cadeira foi jogada para trás com tamanha potência utilizada por Ase para se levantar. Sua mão esquerda se encontrava no bolso do casaco, e com a direita ergueu mais um pouco seu cachecol, deixando-o chegar até o nariz.

Andou com relativa facilidade até o lado da cama, já que suas pernas eram bem grandes e a distância curta. Safira fechou os olhos para o que estava vindo, trazendo o lençol para cima dos olhos. Seu rosto recuou em medo.

Mas o que veio a seguir estava fora de suas expectativas.

— Boa garota. — como um dono recompensando seu animal, Ase passou sua mão pela testa dela em direção a nuca. Mesmo com o cachecol levantado, era bem simples notar seu rosto corado.

Safira se surpreendeu, e a anterior boca trêmula e olhos amuados voltaram ao normal. Querendo ou não, a sensação do tecido passando pela cabeça era boa... seus olhos fecharam para poder experienciar melhor.

A sensação lhe lembrou momentaneamente de Sea.

E quando estava prestes a perguntar por ele...

— Ei! Por que pensa que tá corando!? — claro, não tardou até que Bianca intervisse. Havia sido desleixada. — O que pensa que está fazendo com uma mulher casada!? Ainda mais quando também é comprometido!? — ela se lançou contra seu tronco, puxando seu casaco com as mãos.

Ase deixou o cafuné de lado e foi cuidar de sua esposa antes que ela enlouquecesse e o mordesse. A garota ruiva viu que estava numa situação problemática, e desceu o lençol para ver melhor. Estava um pouco confusa, ainda assim esclareceu.

— É... eu não tô comprometida com ninguém, apenas para deixar claro... e se for o problema, não tenho interesse no esposo...

— Não fale como se pudesse tirá-lo de mim se tivesse interesse! — Bianca esbravejou como. — E... hum, espera, Sea não falou algo sobre futura esposa? — ela olhou para Ase, que assentiu.

Parando para pensar, Sea deixou esse assunto bem aberto.

— Isso é... algo problemático... bem, eu não tô comprometida com ele de nenhuma forma, somos só amigos...

Bianca pareceu deixar de lado a pequena infração de seu marido, abraçando-o com seus dois braços na cintura, praticamente o usando de suporte. Seus olhos fecharam bastante, deixando um “Hum....” escapar de sua boca. Ela quase reforçou sobre Ase ser seu esposo, porém Safira foi mais rápida e levantou suas mãos abertas, indicando que não faria nada do tipo.

Ela ainda estava de mau humor, então afogou seu rosto contra o tórax de Ase e voltou para a cadeira, agora tornando o abraço como uma coleira. O Vassalo, também, usou de sua mão para afagar o cabelo amarelo de sua esposa, indicando não ter nenhuma intenção de talaricagem.

A bochecha de Bianca inflou e sua boca fez um beicinho, mas depois deixou de lado, ficando apenas naquela posição com Ase.

— Você já pode ir. — A voz de Ase saiu calma e límpida, em seu tom baixo natural.

Teria de ficar um tempo ali para pagar pelos seus erros e melhorar o humor da ciumenta ao lado. Por mais que, de certa forma, não sentisse punição alguma nisso.

Safira tirou o lençol de cima de si e desceu da cama. Trajava algo parecido com um vestido, cobrindo todo seu corpo dos ombros até os pés, apenas as mãos de fora. Seu cabelo vermelho havia crescido no meio tempo e estava por dentro do vestido, então o tirou para fora para não atrapalhar. Gostaria de comentar um pouco mais com os dois que viriam a ser seus mestres, todavia pareciam não quererem serem interrompidos, então seguiu.

Juntou as mãos e as pôs em frente ao peito. Deu uma última olhada no casal, que agora já pareciam ter esquecido completamente sua existência, e foi em frente.

Logo depois de fechar a porta ela deu alguns passos e parou, precisava se localizar. Havia trazido Sea há algumas horas, então olhou para os dois lados na tentativa de lembrar o caminho. Por ser um corredor quase que uniforme era um pouco complicado. Enfim, lembrou vagamente e se foi.

Dentro do quarto estava um clima mais calmo. Bianca havia cansado de ficar se segurando, então descansou a cabeça e parte do tronco no colo de seu marido, ainda um pouco irritada com tudo.

Seus olhos começaram a ficar sonolentos, e ela até chegou a soltar um bocejo. Molhou a boca e procurou uma posição confortável.

— Ei, duas garotas em um curto espaço de tempo tiveram sua aprovação, assim vai realmente me deixar com ciúmes. — falou quase como um sussurro, mas não por estar tentando esconder, e sim por poder descansar em paz após tanta confusão.

— ... Sim. — Ase passou seus dedos pela franja da garota em seu colo e pôs para trás, já há algum tempo isso a vinha atrapalhando, e continuou. — Mas a única mulher que amo é você.

— ... Falar assim de repente é injusto. Eu não gosto, mas pode continuar! — pôs suas últimas forças para virar o rosto e se deparar com seus olhos, então voltou à pose normal, já prestes a dormir.

Por mais que a conversa aparentasse insegurança, ambos sabiam muito bem o que o outro representava para si, assim como o laço inquebrável que possuíam.

Bianca fechou os olhos enquanto Ase continuava a afagar seu cabelo para trás.

Fariam qualquer coisa para se manterem assim...

...

— Sea... ou Limit...?

Não foi tão difícil encontrar o quarto quanto pensara. Não demorou a entrar, e logo viu Sea — ou ao menos seu corpo — deitado na cama. Vestia seu pijama cotidiano, e o lençol o cobria até o pescoço. Parecia estar imerso em paz...

A ruiva chegou perto e engatinhou pela cama, ficando mais próxima. Havia o visto acordado muito brevemente, quando fora parabeniza-lo pela vitória. No entanto foi bem rápido, e ele apenas soltou um sorriso e lhe deu um abraço. No caso, naquele momento era Limit no corpo, pelo que havia entendido com as explicações.

Uma gota de suor escorreu pela testa ao pensar se isso de alguma forma era sua culpa...

Trouxe sua mão para a testa dele, parecia estar com calor, então veio limpar o suor... porém retraiu.

Estava com um pouco de medo para o que quer que estivesse em sua frente.

Bem, resumindo muito brevemente o desfecho do duelo...

Elias venceu.

Claro que só no papel. Após ter aceitado a derrota, e Limit ter avançado contra ele como uma besta sem consciência, ele foi torturado de várias formas. Isso durou quase meia dezena de horas, e foi transmitido para todo o planeta de Liv.

A forma de vencer o duelo era bem clara. Um dos participantes deveria aceitar a derrota. Não estava especificado, porém provavelmente era em um sentido tanto espiritual quanto expositivo — dizendo abertamente. Elias suportou até que Limit extravasasse todo o ódio dentro de si contra ele. Ao fim, ela não disse nada, mas o duelo acabou com sua derrota.

A recompensa ao vencer o duelo seria tirar um item do derrotado, contudo Elias, ainda consciente, negou aceitar qualquer tipo de recompensa. Para si não havia vencido. Saiu quieto junto de sua companheira de volta ao castelo.

Algo inusitado foi que... no meio da tortura, Limit retirara o braço de Elias. Chegava a ser impressionante ele ter suportado tanta dor. A “vencedora” guardou consigo o membro e entregou a Ase, sem explicações.

Obviamente Safira também viu, e não podia acreditar que a pessoa com quem viajou ao lado pudesse fazer algo do tipo — tanto é que ficara aliviada ao entender o caso de Limit.

Ainda assim, o breve momento que a viu no corpo de Sea, com aquele olhar puro e repleto de amor... não a permitia ter uma lembrança ruim. Também tinha o fato dela ter lutado pela sua liberdade. Estava um pouco... relutante quanto a isso. Queria respostas.

— ... Obrigada... — mesmo com tudo isso em jogo, soltou um agradecimento.

Sea havia treinado por duros dois meses a fim de trazê-la de volta, e Limit realizara o duelo. Mesmo não correndo perigo real, conseguia sentir o amor que ambos sentiam por ela. Não podia deixar de retribuir o sentimento, mesmo que um pouco.

Separada pelos lençóis, e aparentemente só podendo falar com Sea após três meses, abraçou-lhe. Um abraço que ia tanto a ele quanto a Limit.

Aguardava ansiosa pela volta de ambos.

...

Um universo escuro. Aparentava não possuir um teto ou chão, sendo inteiramente repleto de trevas.

Um jovem andava por esse mundo. Ambas mãos nos bolsos do casaco preto. Seu cabelo e olhos da mesma cor pareciam tão vividos quanto nunca, e sua expressão parecia de interesse.

A cada passo que dava uma pequena mancha branca se fazia sob seus pés, distanciando-o de qualquer parte preta daquele lugar. Até tentou fugir disso com vários movimentos, mas sem sucesso.

Continuou assim por um tempo, procurando por algo... cada passo ecoava como se estivesse em um salão fechado, cada mínimo detalhe de sua respiração, piscadas e passos podiam ser escutados de longe.

Então ele parou, seus olhos abriram vastamente e clarearam. Um sorriso irônico escapuliu pela boca.

Não importava o quanto restringisse, era impossível segurar tantas emoções fluindo pelo corpo.

— Bem-vindo. — a voz chegou aos seus ouvidos logo depois. Possuía uma pitada de infantilidade e um pouco de emoção. Todavia, acima de tudo estava alegre.

O pequeno corpo surgiu e caiu dos céus como se um anjo viesse à terra. Sua pele branca se estendia por todo corpo. Seu rosto sereno e de feição corajosa era facilmente seu destaque, por mais que com certeza não a única beleza em sua existência.

Um pé descalço tocou o chão e imediatamente um pequeno círculo branco o protegeu da escuridão.

— Talvez você queira comer algo? — essa fala veio com um tom brincalhão, ressaltando a atitude infantil que tinha.

Vestia um macacão de duas abas, com o esquerdo terminando no direito e vice-versa. Por baixo, para proteger do tecido grosso, uma roupa florida de peça única que vinha desde a canela até os ombros, deixando seus braços curtos à mostra.

Seus dedos dançaram pelo “solo”, e com a cintura fez um rodopio, como um pulo de bailarina. No meio seus braços se esticaram completamente e juntaram pela frente do corpo.

— Ou quem sabe um banho?

Seu cabelo era um azul-escuro, como se imitando a cor do mar profundo que com o tempo perdia a claridade do sol. Ele era bem longo e volumoso, descendo até perto da cintura. Não possuía deformações ou imperfeições. Era límpido. Seus olhos tão verdes contra esmeraldas refletiam a claridade de seu interior, deixando o ditado “ os olhos são o espelho da alma” completamente correto. Transparecia sua personalidade e atitude alegre.

Seus pés brincaram mais uma vez, agora dando uma série de pulos para frente, em direção a presença que parecia esquecida devido sua importância.

— Ou então... — Seu corpo girou mais uma vez. Seus braços unidos foram levados de baixo para cima, acompanhando seu rodopio. Sua expressão clareou enquanto movia, e cada movimento aparentava ser o mais belo possível.

Agora, em frente de Sea, a pouquíssimos centímetros de seu rosto, com uma expressão apaziguadora e de felicidade pura. Mesmo que estivessem solitários nesse vasto mundo, seus cabelos pareciam voar com o poder dos sentimentos emergentes. Seus pés se uniram, descansando da pequena viagem, e suas mãos se juntaram por trás da cintura. Seu tronco se curvou um pouco, deixando sua pose mais brincalhona. Por fim, sussurrou:

— Prefira eu...?

O tão esperado encontro dos dois se iniciou.



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