Bom Demônio Brasileira

Autor(a): Trajano


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 28: As 4 artes fundamentais

—Uma... Dança?

—Tá com cera no ouvido?

—...—Sea pensou em rebater a pergunta, mas ao notar que estava sendo ironizado, deixou de lado.—Vocês têm uma sala pra tudo?

—Sim, temos bastante tempo livre.

Seria melhor entender a “dança” com os próprios olhos, tendo em vista que provavelmente não era no sentido literal. O invocado deu de braços e seguiu para a referida sala.

...                                            

—Vocês têm bastaaante tempo livre...

—Depois de viver tanto, isso acontece.

Após algumas portas, chegaram em uma sala “especial”,  na qual encontrava-se um belo campo de patinação. Sua cor de neve e paredes levemente congeladas em tom azul  combinavam com o clima e esporte.

Era gigantesca, do tamanho de uma pista olímpica.*

 

 

A pista por si só era perfeitamente retilínea, indicando que deveria ter um nivelador de gelo por lá. A neve não parava de cair, Sea procurou de onde ela vinha, máquina ou do ambiente, mas não encontrava. Ela simplesmente... caía do teto.

—E onde está.... A senhorita Bianca?

—Ela não explicou? Se trocando.

—Vocês vão patinar? Tipo, bonito e tals, demonstração de amor, mas tem uma certa pessoa tentando resgatar a atual amiga, noiva sem consentimento e futura esposa.

—Você tem a liberdade de treinar por conta própria.

—...

Cada vez mais Sea pensou que o ciúme realmente estivesse interferindo...

Olhou mais uma vez para Ase, sem resposta. Como lhe foi mandado esperar, Sea assim o fez.

—...

Repentinamente, um punhado de flocos vieram em sua direção. A sensação gélida chegou em sua pele, arrepiou seus pelos, como se chamassem sua atenção. Por ser de um país tropical, o efeito foi amplificado. Parou um pouco e refletiu “é a primeira vez...”

Já havia ido a alguns países frios, e por sorte foi em épocas de neve... mas devido as condições que estava, não lhe foi permitido tocar a neve. Sempre ficando dentro de prédios.

Lembrava de ter ido para a Inglaterra, Canadá, etc... suas notas eram boas o suficiente para tal. Ia por meio de olímpiadas. Teve até uma vez que foi convidado ao Japão, devido suas especificidades, receberia uma bolsa gratuita para estudar lá... Claro, isso se não fosse por esse mundo de magia.

—Hm...

Estranhamente, era um frio caloroso...

*Plec*

Antes que percebesse, um estalo de dedos ecoou pela sala, seguido de uma explosão bem no centro do ringue. Sea atentou sua visão para o provável responsável, o homem ao seu lado. A posição das mãos o indicavam como culpado.

O invocado pretendia questionar o motivo, mas ao olhar mais atentamente ao foco da explosão, o ringue não havia sido danificado. Muito pelo contrário, estava em perfeito estado. A única mudança foi uma neblina que se formou no local.

De cima um objeto em rápido movimento entrou no nevoeiro, tão rápido que foi capaz de fazê-lo se dispersar por todos os lados, atrapalhando um pouco mais a visão dos espectadores.

Sua aterrisagem veio com tanta força que cascas do gelo saíram, bem finas, e logo se destruíram no ar, gerando um brilho límpido e azul.

A dispersão da névoa deu lugar a uma silhueta humana. O cabelo longo fazia uma trajetória curvada da posição superior para a inferior, acompanhando o movimento que o resto do corpo fazia, rodopiando em um local pequeno. A fumaça foi dando espaço para o cabelo sedoso e amarelo-queimado, então o rosto, em seguida os membros superiores, dorso e, por fim, estava Bianca em uma pose de agradecimento.

Sea queria perguntar o que estava acontecendo, e do porque de tanta dramatização, contudo, seu mestre já não estava mais ao seu lado. Antecipadamente, Ase, de patins, foi para perto de sua esposa, soltando um olhar severo, claramente não queria interferência.

—Own, você sabia que eu gostava dessas entradas? Acho que tanto tempo juntos faz diferença.

A Vassala fechou os punhos e pulou agremente, agradecendo que lhe proporcionou a entrada. No entanto, não foi a melhor das escolhas, já que ela quase chegou a cair e teve de ser segurada. Uma gota de suor escorreu, sua cara ficou um pouco assutada, mas voltou a ficar ereta.

A propósito, sua roupa estava diferente. Divergindo do seu usual pijama de coelho, agora estava com um de urso polar.

—Não é melhor fazer o aquário antes?—Questionou Ase.

—Não! Não crie problemas com elas! Faça o processo direitinho...!

Mais uma vez, o Vassalo levou o cachecol à boca, deixando-a de fora da visão de Sea, que se encontrava atônito na parede.

Como se estivesse fazendo uma proposta de casamento, Ase fez uma posição semi-ajoelhada, e estendeu sua mão em direção a garota, que com um sorriso, falou:

—Ah, isso me faz lembrar da nossa primeira vez...

—Foi um desastre.

—Não tenho culpa, eu era uma amadora.

—Exatamente por isso.

—Hunf! Isso não vem ao caso, o que importa é o sentimento, sim, o sentimento. O importante é construir memórias, não importando se eu caí no lago congelado e fiquei doente por três dias.

Por mais que fosse uma história tocante de ambos, não era exatamente confortável ficar com a mão ao ar. Ase abanou seu braço, na intenção de que fosse agarrado. Bianca, saindo de suas recordações, fez uma feição amorosa e aceitou.

—Ah, claro, vamos?

Com ambas as mãos seguradas, os dois começam a patinar pela pista, fazendo pequenos círculos, como se estivessem se preparando, pegando o ritmo.

Sea preferiu ficar sentado, tanto por não saber patinar, quanto por conseguir imaginar o que estava por vir...

...

Focando no casal, eles estavam apenas girando em pequenos círculos, um no sentido horário e outro no anti-horário.

Os movimentos, então, começam pouco a pouco a mudar, Bianca começava a fazer elipses ao redor de Ase, que estava andando apenas em linha reta, em um ritmo bem mais lento.

Mesmo que não soubesse o motivo para eles estarem fazendo uma apresentação, Sea se prendeu a apreciar, afinal, com certeza não era algo fútil, e se importava bastante com arte.

Voltando à dança, Ase e Bianca estavam lado a lado, apenas dando voltas, até que começaram de verdade.

Julieta levantou uma de suas pernas, a esquerda, fazendo um ângulo de 90˚, em seguida tendo sua mão segurada por Ase, que a guiou um pouco mais para baixo.

Isso não durou muito, pouco menos de dois segundos. Ao fim do tempo, o corpo da moça foi sutilmente solto, para ser posteriormente agarrado na parte inferior dos dois ombros, levando a dois giros rápidos sem sair da superfície.

Posteriormente o casal se separou, e então começaram a patinar de costas, com os braços levantados.

Ambos tiraram o pé direito de qualquer contato com o gelo, aproveitando disso para fazer um leve giro no ar.

Seus movimentos eram quase que perfeitos e simétricos, a sincronia dos dois em sua dança, o sentimento que colocavam naquilo sem dúvida era incrementado pelo amor mútuo que sentiam um pelo o outro.

Voltando ao solo, mais uma vez começam a patinar de costas, dessa vez com uma de suas mãos, a direita, sendo segurada pelo o companheiro.

O casal se curvou e levantou seus braços na horizontal, como no formato de um avião. Inclinando os patins, deram meia-volta com um giro e seguiram reto.

Com bianca um pouco mais atrás, e Ase na frente, ambos levantaram levemente a perna esquerda, logo voltando-a com força ao chão, isso para ser capaz de fazer um salto com vários rodopios no ar.

Para isso os dois fecharam os braços, contraindo-os até ficarem no peito, em uma posição vertical, para facilitar o giro.

Voltando ao gelo, os dois mudaram de direção, virando para trás com o simples giro de patins, começando a patinar bem perto da borda, novamente com Julieta atrás.

Cruzaram as pernas, patinando com apenas a esquerda, tendo o pé direito quase tocando no calcanhar, as mãos ao alto com movimentos fluídos, até mais uma vez posicionarem-as na horizontal, um ângulo quase perfeito de 180˚.

Com uma pirueta lenta, os dois mais uma vez se posicionam para fazer um salto. Dobram um dos joelhos, curvam o corpo, e de uma só vez o elevam para o salto, com Ase fazendo 4 giros no ar, já Julieta...

Não conseguiu fazer tal façanha, perdendo o equilíbrio.

—E-ei, não me puxa!

Prestes a cair, ela puxou a manga do casaco de Ase, que por consequência o desestabilizou, fazendo-o cair primeiro e de mal jeito.

Mas seguindo a aceleração, Julieta também foi ao chão, despencando no colo de seu marido.

Os dois continuaram a “deslizar” Sentados até colidirem com a parede.

O impacto não foi severo, mas como bateu perfeitamente nas costas de Ase, o ar em seus pulmões foi todo para fora. Ofegante, avisou:

—Ah... Já falei pra treinar o salto...

—M-mas... Você me desconcentrou...

—Desconceitrei nada!Você que não treina e acha que vai tudo acontecer na hora como quer.

Parecia um clima de briga, um conflito justificável pela situação, normal entre casais, mas em vez disso...

—Pft...

—... Há...

Bianca se banhava em risos, encostando sua cabeça contra a testa de Ase. Sea conseguia ouvir as risadas do outro lado do ringue, e por mais que não pudesse enxergar a feição do Vassalo, escutava algo que parecia duas risadas... por mais que não pudesse confirmar.

Levaram tudo na brincadeira, não é como se fossem patinadores profissionais, cada dança, arte marcial, instrumento a ser tocado exige dedicação, esses dois fazem diversas coisas, não conseguem se profissionalizar em tudo.

—Bem, pelo menos você está melhorando.

—Sim...

Ainda sim, é óbvio que o culpado por ter destruído a apresentação fora a garota, que não só atrapalhou a si mesmo como desequilibrou seu par, e até o machucou no processo.

Vendo arrependimento em seu rosto, Ase trouxe seu pescoço para mais perto, repousando sua cabeça no ombro esquerdo.

—Você está melhorando, um dia terminamos isso, certo?

—Sim...

Era uuma sensação estranha. Sea não conseguia imaginar o frio e sem expressão Ase fazendo tanta coisa. No fundo... ele era humano, também. Na verdade, isso era óbvio, mas devido ao que estava passando, esqueceu disso.

Não importa o quão forte seja uma pessoa, ou o que ela aparente ser pelo exterior, por dentro, sempre será um humano.

...

Depois de deixar a sala, foram até uma vazia, não era muito grande, mas tinha uma altura até que considerável, lá, Bianca bateu as palmas da mão, deixando-as grudadas, e perguntou para o aparente nada.

—Então, vocês gostaram?

—Sim... Mesmo que você tenha estragado tudo.

—Hum, fico feliz que tenha gostado, mas a pergunta não foi para você, foi para as fadinhas...—Ela terminou por sussurrar um “e a última parte podia ser omitida...”

“....”

Por um momento, sua mente foi tomada pelo branco. Seria esse um novo elemento desse mundo que estava prestes a ser introduzido?

Aquele que se dispôs a responder foi o homem, que apontou para alguns pontos luminosos de coloração azul.

—Isso são as fadas, são seres pequenos, donas dos elementos básicos, não se é possível criar sem a ajuda delas. Já falei os elementos anteriormente.

—Isso tem alguma relação direta com a dança?

—As quatro magias elementais básicas se adequam às quatro artes fundamentais, respectivamente: líquido, sólido, combustão e vento; dança, palavras, música, e canto

—Pera, quê?

—Certeza que não tá com cera?

—Sua explicação fez zero sentido!

—Moleque lerdo... Pra criar água, terra, fogo ou vento você tem que agradar as fadas, e então elas cumprirão seus desejos, para invocar água você deve dançar; terra deve citar palavras bonitas, como um poema; fogo você toca instrumentos; e vento deve-se cantar, parecido com o poema, mas diferente.

Sea se questionou se isso deveria ter feito sentido...

—Então aquela apresentação toda...

—Eu falo! Eu falo!—Bianca quem se dispôs a responder.—Sim, para um aquário, precisa de água, para ter água, precisa da ajuda das fadas, para ter ajuda das fadas da água, tem que dançar! Para conseguir utilizar oselementos, precisa de três coisas: afinidade com o elemento, intimidade com as fadas, e uma apresentação do agrado delas. A soma desses três fatores resulta na potência da magia elementar. Enfim, é a mais demorada a se aprender, então depois do duelo explico melhor.—Ela terminou cruzando os braços, como se dissesse para si mesma que explicou bem.

—...

Sea se perdeu em pensamentos.

“As quatro artes”, no seu mundo existem as onze artes: música, teatro, pintura, escultura, arquitetura, literatura, cinema, fotografia, quadrinhos, vídeo games e arte digital.

Esse mundo teria sua própria definição para arte? Não que exista uma correta, claro, a do seu próprio mundo mudava constantemente... mas quatro artes....

—E a luz e sombras?

—Elas seguem um caminho diferente... E aí é bem mais complexo.

Sea, não querendo se aprofundar nisso para focar melhor, deixou de lado o assunto por ora, por mais que fosse cair de cabeça posteriormente.

—Certo, então, como é com o aquário?

Sem falar nada, o Vassalo apontou para um local vazio do salão.

De uma hora pra outra, uma luz branca emergiu das luvas de Ase, indo em direção ao espaço vazio e tomando a forma de um cubo, um cubo bem grande, chegando quase ao teto.

—Amigas fadinhas, mandem ver!—Gritou Bianca.

Centenas de pontos luminosos azuis vieram de todos os lugares. Saíam de dentro das frestas da parede, por debaixo da porta, pelas frechas da janela... de todos os locais possíveis. Sua aparência era uma esfera de poucos centímetros de diâmetro, com um corpo branco, mas emanava um brilho azul.

Todos os pontos luminescentes começaram a circundar o casal de Vassalos, como se estivessem mostrando gratidão, às vezes entrando em contato físico. Bianca mais uma vez chamou a atenção deles, apontando para o aquário.

Em seguida, todos os pontos se juntaram no teto, a poucos centímetros da boca do cubo. Formaram uma espécie de nuvem composta de luz, e a água foi se criando, expandindo-se, despencando no aquário... até enchê-lo quase que por completo.

—...—Isso deixou Sea estupefato.

—Você vai quebrar seu queixo se continuar deixando-o aberto, filhinho! Toma cuidado. Minha vózinha sempre dizia isso para mim.

De rosto alegre, que chega a parecer um pleonasmo quando se referindo a Bianca, ela foi até o vidro, deu algumas batidas para conferir que estava tudo certo, e se virando para Ase, levantou um polegar, com um rosto confiante.

Ase, recebendo o sinal, virou-se para Sea e explicou:

—Tudo pronto. Hora de fortalecer seu corpo.



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