Bom Demônio Brasileira

Autor(a): Trajano


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 25: falta de sinceridade

—...

Deixando a sala, Bianca fez um rosto neutro. Era estranho de se ver aquela garota alegre, que facilmente transitava de alegre para triste dessa forma. Ela soltou um suspiro e separou os dedos da porta, e foi até o seu quarto.

Normalmente ela poderia apenas se teletransportar até lá, mas a não ser que fosse uma emergência, tanto ela quanto Ase preferiam não usar de seus poderes, mantendo ao máximo uma vida pacata.

O quarto deles era a segunda porta à esquerda, então ela não levou muito para chegar. Bateu de leve contra a madeira, fazendo um “toc toc”, e dizendo “entrando...” com um tom sonolento, ela adentrou o quarto.

Inesperadamente, o quarto não era tão grande ou mobiliado, como deveria ser para pessoas de seus status.

Uma cama para apenas duas pessoas, lotada de cobertas e travesseiros das mais diferentes cores. Uma luminária que iluminava toda a extensão do quarto, e uma cômoda de três gavetas. Sobre si estava uma foto que parecia ser do casamento deles, surpreendetemente, estavam vestidos do mesmo jeito, mas em roupas 100% brancas.

Bianca olhou para a janela, que ocupava quase toda a parede oposta e a fechou, deixando o quarto bem mais escuro. Andou mais um pouco e encontrou Ase deitado na cama, enrolado em vários lençóis, aproveitando-se do ventilador que se encontrava sobre uma poltrona.

Sua esposa forçadamente desconectou da tomada, colocou o eletrodoméstico no chão e sentou no lugar. Notando o vento parar, Ase preguiçosamente apoiou a cabeça com o queixo, olhou para a garota ao lado, mas logo voltou à posição inicial.

Ela, então, sorriu e passou seus dedos pelo cabelo dele e disse:

—Isso é ciúme? Aqui. Isso, isso, eu tô com você.

—Hm...

Em resposta, ele soltou um grunhido e virou para o lado.

—Hunf, esse seu orgulho besta. Se algo te faz feliz, não tem porque ficar com vergonha de mostrar. Você sempre fica assim quando um novo jogo começa. É irritante.

Com a resposta severa, Ase levantou novamente sua cabeça, apenas para se deparar com sua esposa o encarando seriamente, apoiando seu queixo na palma da mão, e o cotovelo na perna.

—...

Ele tentou lutar contra, rebateu o olhar com mais seriedade, mas nesse jogo ele sempre perdia, novamente, sucumbiu e corou ao fim, assentindo com a cabeça.

—Heh~...

Ela riu em tom de vitória, fazendo uma cara manhosa. Podia parecer irritante, mas era algo bastante prazeroso para ambas partes. Essa era a relação entre os dois, e a forma como viviam que durara por tantos anos...

Bianca tomou impulso da poltrona e deu um pulo, aterrissando de braços abertos, fazendo pose. Em seguida, andou ordenadamente para frente, sentou ao lado de Ase e pôs suas mãos sobre a cama.

—Ei, então, sobre o garoto ali...

—Não gosto dele.

—Uhum, eu sei. Não faria aquela cena só por ciúme.

Viviam há tanto tempo juntos que, sem exageros, podiam dizer o que o outro pensava apenas por suas reações ou expressões faciais. Isso ajudava bastante dado a personalidade introvertida de Ase.

A Vassala jogou seus pés para cima e baixo, batendo-os no flanco da cama, buscando a melhor forma para continuar a conversa. Ela olhou para o lado, a cômoda ao lado da cama, vendo o par de depósitos de lentes de contato, ela aproveitou para tirar as suas. A cor amarela de sua íris desapareceu, dando espaço para um rosa caloroso.

—Olha, eu entendo que você não goste de Sea, mas não acho que seja culpa dele... tente levar em consideração pelo o que ele passou. Sabe, eu também me sinto meio mal por não ter ajudado ele e a filhinha...

—Não importa o dano mental, não era uma amnésia. Ele não pode se justificar nisso.

—Sabe, para alguém tão inteligente e observador, você consegue ser bem burro às vezes, hein?

As sobrancelhas de Ase foram ao chão, exatamente por ser a pessoa mais próxima de si essas palavras o afetavam. Sua esposa fez uma cara desconcertada e levou o dedo até o rosto, notando que havia sido direta demais. Até seu olho mudou para uma cor violeta, mas logo voltou ao rosa. Como desculpas, voltou a fazer cafuné nele.

—Eu sei que você já sabe, a mente dele não era a culpa, e por mais que levássemos o estresse nele em conta... não daria pra justificar. Você é bem melhor analisando as pessoas que eu, você sabe a resposta, né?

—...

—Poisé. Não tem resposta. A culpa não é dele.

Por mais que parecesse estranho, a inexistência de uma resposta plausível o inocentava. Sea Scalding não era culpado do que havia feito, basicamente, se nenhuma resposta possível era a certa, a culpa não seria dele, já que é um humano normal. Em termos de comparação, era como se o culpassem por cair de um avião.

—Vamos, você é esperto, chegou a essa conclusão assim que ficou bravo, né? Dá outra chance pra ele.

—Não... Mesmo que não seja culpa dele, não muda o que fez. Se fosse eu, não teria esquecido de você.

—Sua capacidade de flertar sem sair do cerne da conversa é bastante impressionante...

Mesmo que houvesse parecido uma reclamação, Bianca acelerou sua mão, e sua irís foi para um tom amarelo.

A palavra “fofo” também passou por sua cabeça, mas preferiu não falar para manter a discussão.

—É, eu sei que isso não aconteceria com você, mas ainda assim, ele deve ter tido um trauma bem forte praquilo ter acontecido, é o que acho... ao menos não pode ajudar ele a melhorar? Também, tem aquela garotinha, eu nem tive a oportunidade de falar com ela... parecia ser tão fofa, do tipo que me deixa fazer o que quiser...!

Ouvindo isso, ele se rendeu. Virou seu corpo em 180, e finalmente pôde ver sua esposa com clareza, até onde a luminosidade do quarto permitisse. Deixou seus braços e pernas bem abertos, como se estivesse a convidando.

—Se é o que você quer, tudo bem...

Imersa em felicidade com aquela resposta, Bianca pulou na cama, caindo sobre o braço de Ase. O pensamento de "falta de sinceridade" corria pela sua mente, o considerava assim desde pouco antes de namorarem. Todavia, nunca havia verbalizado.

—Asinho...

Aconchegou-se mais para dentro, segurando as roupas largas dele. Ficou remexendo sua cabeça em meio ao tecido, buscando a melhor posição possível. Então, quando alcançou, relaxou o corpo.

—Eu faria tudo por você.

Por mais que Ase tivesse dito isso, claramente era um sentimento mútuo. Por extensão, ele faria o possível e impossível para deixá-la ao menos 1% mais alegre. O mundo de ambos se voltava em deixar um ao outro mais feliz.

Bianca estendeu seu braço em direção ao ombro oposto de Ase e, lembrando de mais coisas, continuou:

—Ele parecia meio mal, então vamos deixar ele descansar melhor essa noite e... Ah, eu me encontro com ele primeiro! Talvez o filhinho se sinta culpado, eu acho, então vou explicar que consertei tudo! Também, também, você vai para a sala de aula, certo? Aí eu levo ele lá, como se fosse um encontro às cegas... Ei, mas não nesse sentido! Você só pode ter um enontro comigo! E...

Ele mal estava escutando.

Podia prever o que estava sendo dito, no momento, Ase apenas se concentrava em contemplar cada momento de cada expressão que ela fazia. O número de sensações que ela passava acompanhava seus olhos, em meio a dissertação, já havia passado para várias cores diferentes... amarelo, rosa, roxo, azul, e assim por diante...

Por ele, se pudesse ficar assim para sempre, nesse estado de calmaria e discutir assuntos banais... seria perfeito.

—Ei! Tá ouvindo!?

—...

Percebendo que Ase estava desconcentrado, a garota o chamou com força, segurando seu casaco para ter atenção.

Como resposta, Ase gentilmente puxou seu cabelo, repousando a cabeça de Bianca em seu peito, e disse:

—Não precisa se agitar agora. Vai ficar difícil para dormir depois...

—Hur... Eu não sou criança!

Para o comentário que mais parecia um deboche, ela se irritou e se exaltou novamente. Por mais que parecesse íntegra com assuntos sérios, nesses momentos descontraídos ela ia tão... normal. Sinceramente, ele o prefiria assim, por mais que gostasse de sua existência por completo.

No fim, Bianca não conseguiu dormir e ficou reclamando a noite toda.

...

—Uaah...

Saiu do quarto enquanto coçava os olhos, falando algo como “Culpa sua...” para o homem que deixara no quarto.

Como combinado, Ase iria para outra sala, e a Vassala falaria com Sea para acertar as coisas. Para tal, estava indo em direção ao quarto em que ele se encontrava.

—Own, coitado...

Ela pensava que ele ainda estaria mal, e precisaria de um ombro amigo. Seria o momento perfeito para confortá-lo.

—Humpf!

Cerrou os punhos em excitação. Estava de frente para a porta, respirou fundo e bateu.

—Ugyah!?

Diferente do esperado, em pouco tempo a porta foi aberta, mas não por ela, e sim por Sea.

Ele estava com um olhar diferente, confiante. Se alguém falasse que essa era a pessoa de antes, outro alguém não acreditaria. Passava uma aura totalmente diferente.

De olhos confiantes, ele deu um pisão no chão, exalando bravura e falou:

—Sem tempo a perder. Por onde começo?



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