Bom Demônio Brasileira

Autor(a): Trajano


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 19: Chegada

—Sea, Sea. Acorda.

—Huh?

Em meio ao sol brilhante que podia ser visto por meio da janela, Sea acordou com as chamadas incessantes de sua companheira.

—Naaah... não quero. Dormir...

—Chegamos na vila.

—Opa!—Ele se anima facilmente.

Essas palavras simplesmente o fizeram acordar em um pulo! Ele já estava cansado de ficar naquela carruagem por 10 dias. Já havia lido contos de pessoas que viajavam por anos em carroças para vender poucos itens. Agora, realmente, ele tinha pena desses coitados.

Esse é o bom desse mundo, ele tinha como experienciar. Você pode ler quantas vezes quiser sobre quão dolorosa é a fome, mas apenas depois de passar por ela entenderá.

Saindo da cabine, ele olhou para o céu e o viu uma extremidade meio alaranjada, enquanto a outra era tomada pela negritude.

Ele até queria aproveitar que não estava muito tarde para ir até o castelo, que podia ser visto de onde estava, mas durante a noite era perigoso segundo Safira, então deixou de lado.

—Então, vou procurar um lugar.

—Acho melhor... UAU!

Sua cidade não era muito grande. Na verdade, ela não tinha aquelas coisas chiques como shopping, cinema, fast food, ou algo do tipo. É uma simples cidade, no máximo tinha uma locadora que alugava o playstation 2.

Sea sempre sonhou em visitar uma vila de verdade, e que vila!Ela parecia bastante com sua cidade, claro, tirando as mudanças esperadas, como cimento e etc. Mas por alguma razão, realmente o lembrava.

As casas tinham tetos de palha e paredes alternando de madeira e pedras empilhadas. Elas possuem uma chaminé, usada normalmente para esquentar os moradores e deixar a fumaça sair.

—Sea, algum problema?

—Não, por quê?

—Você está olhando para uma casa há 2 minutos.

—Ah, estava admirando-a, mas não fica com ciúme, tá?

—Farei meu melhor...

Safira insistiu para irem logo para a estalagem... Teriam que sair bem cedo amanhã de qualquer jeito.

Andando pelas estradas, era claro como esse “centro” era realmente para camponeses, várias pessoas com roupas simples, limitando-se a pedaços de pano.

As pessoas tinham sorrisos nos rostos, as crianças brincavam com brinquedos simples, e mais importante, não havia mendigos ou miséria.

Deveria-se dar o crédito ao rei, ele é gente boa,  e cuida bem do seu setor. Se fosse no mundo de Sea... Bem, é só abrir o noticiário.

—Hum...—Safira olhava para uma casa aleatória, com um olhar preocupado.

—O que foi?

Seu olhos estavam parados, até seus ombros haviam caído. Na sua frente estava uma casa simples, um pouco menor que as demais, “abandonada”, aspas pois morada é morada, e na necessidade, alguém irá ficar por lá.

As poucas janelas estavam quebradas, o teto apresentava buracos, algumas partes da parede se encontravam esburacadas. Não tinha motivo para um olhar tão perplexo, ainda mais de Safira, a não ser que...

—Ei, você...

—Não, nada. Vamos.

Ela juntou as mãos perto na frente da cintura, e virou o pescoço de forma bruta. Não queria falar sobre, não iria. Sea conseguia ter uma ideia, mas não saberia muito se não ouvisse de sua boca.

Ele decidiu ficar quieto e esperar um momento mais apropriado.

...

—Chegamos.

Sea se deparava em frente a uma estalagem, era um pouco mais bem feita, possuía uma construção de madeira ornamentada em certas partes, e madeira comum em outras. Tinham até caminhos de pedra. Um estilo atraente.

a estalagem era bem larga, e sua profundidade considerável. Possuindo uma dezena de quartos. Perante a tamanha beleza da engenharia primitiva, Sea não pôde deixar de encarar.

—Para de olhar para o nada. Isso irrita.

—Você se irrita bastante...

A porta de madeira em formato de arco foi aberta apenas com um empurrão, fazendo aquele *nhec* de coisa velha e um *tlim* de sino.

Dentro da pousada havia um balcão modesto, nos seus  dois lados têm corredores, passagens para os quartos.

De mais, não havia nada muito especial, um pequeno sofá, algumas cadeiras e tochas estendidas na parede, obviamente estavam bem distantes de qualquer madeira, estando postas e circundadas por pedra.

—Ora, viajantes?

Um homem um pouco baixo e com uma leve protuberância na barriga veio os receber, possuía vestes um pouco melhores que os outros da aldeia, mas também não deixando de ter o “jeitinho rural”

Esse homem já vestia uma camisa azul com botões pretos, uma calça de camurça de uma gravata vermelha.

Logo Sea lembrou da regra número 4 do livro de um invocado: não seja reconhecido de início! Esse é um dos maiores erros, e sempre traz encrencas.

—Olá, meu bom senhor, vim de um pequeno país do leste em busca de aventuras! Lutarei diversas batalhas, passarei por desafi-

—Você é Sea Scalding? O invocado?

—... Eh?

Surpreendentemente, o homem o refutou de forma tão linda que até assustou o garoto. “Onde errei?” Pensava Sea, aflito.

—Eh... Como...?

—Haha, cabelo preto não é comum por aqui. Também, vi no Vhysa. A maioria se surpreende na primeira vez, mas é sempre engraçado.

“Vhysa?”

—Sendo essa a única estalagem da cidade, imagino que queiram alugar um quarto, certo? Qual gostariam?

—Eh... Cama de... casal?

Quase que indiferente, Safira assentiu para a questão complexa, sem mostrar sinais de se importar.

—Sim, cama de casal, por favor.

—Certo... Gana!Um quarto com cama de casal—Chamou o homem.

Sea estranhou. Devido o que tinha visto até o momento, imaginou que apenas nobres e pessoas de altos status tivessem nomes.

—Safira, quem exatamente não possui nomes?

—Propriedades.

Quem respondeu a pergunta, intrometendo-se no processo, foi o dono da estalagem. Safira estava distraída demais para prestar atenção.

Em alguns segundos uma garota de cabelo amarronzado e olhos verdes, parecendo haver alguma outra cor por trás, um vermelho-carmesin, apareceu. Vestia uma camisola, sua pele era consideravelmente escura, e tinha uma postura um tanto quanto elegante.

—Uaah... Paiê...

—Mostre o quarto pro invocado e a companheira dele. E não venha com essa, porque ainda não é hora de dormir!

—Hum...—A contragosto, ela forçou seu corpo a se mover, deixando sua camisola tocar o chão e fazer um pequeno xiado, como se estive se arrastando.

—Ah, Safira, pode ir com a moça. Quero conversar com esse senhor aqui

—...

Safira acompanhou Gana, mesmo sem falar nada. Sea preferiu ficar para falar com o velho.

—Senhor, como você sabia quem eu era?

—Uma garota de cabelo vermelho e olhos azuis, um homem estranho com vestes estranhas e roupas estranhas.

—... Touché.                               

—E também... Eu vi no Vhysa, imagino que você não saiba o que é, certo?

Sea assentiu com a cabeça.

—Basicamente, é um aparelho para... “vermos” os invocados. Eu não o tenho aqui, e explicar é um pouco complexo... Acho que será melhor ver um com os próprios olhos.

—Entendo...—A confirmação de que esse jogo, de alguma forma, era “televisionado” voltou à sua cabeça.—E como fica o dinheiro?Não tenho que pagar?

—Hoho, de vez em quando alguns problemas aparecem por essas bandas, eu te ajudo agora e você me ajuda depois.

Sea até ponderou se valia a pena dever um favor, mas relevou o assunto. Criar uma boa imagem seria importante. Agora que de uma forma ou de outra era famoso, não iria querer ter uma imagem negativa.

—E sobre o castelo... É muito longe?

—Você não o viu? Ele parece estar muito longe, mas é pouco mais de 1 hora de caminhada.

O dono da estalagem saiu e fez sinal para segui-lo. Do lado de fora ele apontou para uma floresta, ela tinha árvores enormes e folhas bem verdes, no formato de guarda-chuva.

—Ali não, ali!

Movendo seu dedo um pouco mais para cima, ele aponta para três imensas torres em formato de funil invertido, tendo uma pegada bem parecida com construções indianas.

—Aquilo é...

—Sim, o castelo do mestre especialista.

Uma dúvida veio à cabeça de Sea, se a todo ano muda o invocado e sua classe, como aquele castelo estava lá? Os mestres trocavam de castelo?

—Ah...

Foi um pensamento bobo, essas perguntas já foram respondidas pela ogra do início. A depender do jogo mudavam. Vez sim, vez não. Dependia bastante dos invocados.

—Mas... Como assim mudam? Eles viajam para o castelo um do outro ou, literalmente...

—Eles trocam os castelos de lugar.

—Eles movem o castelo?—questiona Sea, bem surpreso.

—Sim... Magia espacial tipo transporte, mas não sou um grande conhecedor de magia, deve falar disso com o seu mestre.

Esse homem é dono de uma estalagem, pedir que ele ensinasse magia é demais. Deixando isso de lado, Sea recordou de sua carruagem parada em frente a estalagem.

—Eh... Tem onde eu guardar meu transporte? Pagando, claro.

—Haha, eu tenho um terreno voltado a isso, pode deixar comigo que eu mesmo vou cuidar da sua carruagem, não se preocupe.

—Ô véin bom, tá estribado, hein?

—Aí já tá abusando, 20 moedas de cobre o mês.

—... Quando eu vier pegá-la eu posso pagar?

—Claro.

Deixando de lado a conversa com o dono da estalagem, Sea voltou sua atenção às torres. Elas não pareciam estar em ordem, uma estava no centro e as outras duas aleatoriamente postas ao seu lado.

Acima da torre do meio, a lua cheia, como se fizesse parte da própria construção. A diferença dessa “lua”para a lua terrestre era sua superficie aparentemente lisa.

Como essa “lua” é completamente branca? Como não têm crateras?Por que nesse mundo não há estrelas?

Essas perguntas ecoavam pela sua cabeça, é pura física que deveria existir mais estrelas, que aquele satélite deveria ter sido bombardeado por meteoros.

O que há de errado com esse mundo?

...

Após ficar um tempo analisando melhor as torres, Sea suspirou e voltou para a estalagem. Já estava escurecendo.

A estalagem possuía oito quartos, o dono claramente não concedeu a melhor, afinal, não tinha o porque. De graça até vacina na testa, como dizia em sua cidade natal.

Abrindo a porta do quarto , Sea viu  Safira,  vestida com seu pijama, deitada na cama com os braços por detrás da cabeça e as pernas cruzadas olhando fixamente para o teto.

Não é de seu feitio ficar assim, logo, Sea estranhou. Todavia, ela parecia melhor que mais cedo.

O invocado se deitou ao lado, e começou a encará-la furiosamente!

—O-o que você está olhando?—Interrogou ela, tendo seu espaço pessoal invadido.

—Você parece bem preocupada... Isso faz parecer que você tá pensando, não combina com você!

—... Me deixa!

Safira virou para o lado, em uma clara explosão de raiva.

Sem saber muito bem como lidar com a situação, Sea fica calado por alguns segundos. Relações sociais nunca foi seu forte. Ele sabia que sua amada era de pavio curto, mas não saber o que causava isso era um problema.

Sea foi até a janela e abriu as cortinas. A luz esbranquiçada iluminou o quarto e caiu sobre Safira, deixando seu cabelo vermelho com um tom ainda mais claro e prateado.

Depois, ele abriu a janela, permitindo um forte vento frio percorrer o quarto. Era uma janela única e um tanto quanto grande, o ar instantaneamente fez o ambiente ficar gélido.

—Fecha essa droga!

—Ui... que fria—Ele não sabia qual era mais frio; o vento ou a garota. Ele fechou a janela, mas deixou a cortina aberta.

Mesmo assim, a forte rajada fria já havia tomado conta do ambiente, ele estava bem fresco agora, parecia que tinha acalmado o ar do quarto.

Sem ter muito o que fazer, ele deitou na cama um pouco distante de Safira e chamou por sua mochila com sussurros, assim como a ogra de cabelo branco havia feito, no intuito de não atrapalhá-la.

O portal apareceu no teto, Sea tentou movimentá-lo para mais perto, mas era bem mais difícil do que parece.

Querendo resolver logo a situação, ele disse “bastão” e, imediatamente, foi recebido com o pedaço de metal caindo sobre si. Por ser inesperado, ele foi tomado pela dor na sua testa.

—Ai!

—Sea!?

Segurando o bastão que havia rolado para o lado vazio da cama com a mão direita, Sea o estendeu para a ruiva.

—Eu... Não sei porquê você está irritada, mas se isso aqui te acalma...

—...

A garota ficou calada, sem saber como responder. As coisas não foram como planejara.

—Não precisa se envergonhar, mas... por que você tá brava?

—... Obrigada...—Antes de responder a pergunta em si, ela abraça o bastão, com uma cara de certa tristeza—O meu Mingau...—Seu gatinho de pelúcia.— Eu esqueci ele...

—Aquele bichano?

—Sim...

—Mas você esteve até agora sem ele, o que mudou?

A garota distanciou seu olhar, levando-o para o travesseiro, local em que ela logo pôs sua cabeça, deitando novamente seu corpo.

Batendo sua mão no travesseiro do lado, ela pede para Sea se deitar ao seu lado, pedido que é cumprido

—Eu já morei aqui, no passado...

—Ah.

Como pensara. Era o mais óbvio, e não estava errado. Ela já esteve aqui, aquela casa que observava, muito provavelmente, era sua morada.

—Acho que deu pra entender, eu morava ali, onde paramos. Era onde morava com meus pais antes de nos separarmos...

Novamente, Sea não entendia. Não via a necessidade de pais, não crescera com eles, separaram-se cedo. Talvez precoce ao ponto dele não ver motivos para ser algo necessário.

No entanto, mesmo não entendendo o meio, entendia o fim. Entendia que doía, e só isso importava.

—Eu fico... preocupada.

Não era de estranhar que um ambiente triste a deixasse desmotivada, ou como dissera, preocupada com o futuro. Ainda mais tendo de ficar perto do local que lembrava seus pais, e os motvios de se separarem. O jogo dos invocados, como era de conhecimento geral, não era amor e flores. Principalmente, Sea sabia disso, mesmo que não exteriorizasse.

—Tudo bem.—Ele passou sua mão pelo cabelo dela.—Não precisa se preocupar. Não vai acontecer nada, pelo menos não tão cedo.

—Vou confiar...

—Claro! Quando foi que eu menti?

Como se um sentimento de segurança fosse o necessário para ficar relaxada, Safira abraçou um travesseiro, soltando um choro silencioso.

...

—Você parece uma maçã—Isso dado seus rosto estar momentaneamente vermelho, assim como seu cabelo.

—...!

Sua reação deixava bem claro que o timing cômico de seu companheiro era horrível.

—Desculpa por... isso...

—Nah, eu já fiz pior.

Sea diz isso citando o segundo encontro que tiveram, em que ele mais parecia um hidrante com defeito.

Algumas lágrimas ainda escorriam, criando trajetos tremidos pelas suas bochechas, mas sempre desabando sobre a cama.

—Sea, promete que vai estar do meu lado quando eu abrir os meus olhos?

—Sim, eu nunca vou te abandonar. E quando acabar essa besteira toda, teremos uma grandiosa cerimônia de casamento, uma casinha num gramado, uns 7 filhos e-

—Tá bom tá bom, só pedi pra ficar do meu lado quando eu acordar.

—Você é melhor assim.

Pela primeira vez naquela noite, Sea pôde aproveitar de um belo sorriso. Ela ficava muito melhor assim.

—Vê? Rir é melhor.

—... Sim... Talvez.

Vendo-a em um estado mais delicado, de expressão desengonçada, Sea confirmava que simplesmente não havia nada mais belo no mundo.

—Então, já podemos nos casar agora?

—... Você não desiste, né?

—Desistir não está no meu vocabulário!

—Eu...—Ela para por um momento, dando um suspensa, para finalizar:—Tô com calor. Janela.

Logo, o invocado abriu a janela, e como era de se esperar, a corrente fria da noite de verão tomou conta do aposento, mas em vez de baixar o tom sério, agora o deixava mais pacífico.

—Assim tá bom?

—Sim...

Voltando para a cama, Sea caii na real e percebeu que, durante os últimos 10 dias, esteve dormindo sobre a madeira fria e dura. Apenas o sentimento de tamanho conforto deixava sua expressão cheia de prazer.

—hmmm...—O quê o fez soltar um leve  gemido.

—Você tá tendo ideias estranhas agora?

—Estou tendo ideias estranhas desde que chorei no seu braço, se você as soubesse, enlouqueceria na hora!

—...!—Ela não esperava por isso, portanto se intimidou.

—F-foi brincadeira!

Eles riram um pouco, mas foi cessando ao passo que o sono batia sobre seus corpos.

—Boa noite, Safira.

—Boa noite...

...

Em meio às árvores verdes com formato de guarda-chuva, uma garota com cabelo laranja e olhos amarelos.

Ao seu lado, um jovem garoto loiro de olhos azuis, vestindo roupas coladas e com um capuz, ambos alternavam nas cores marrom e verde. Em sua mão possuía um arco e ele tinha um sorriso diabólico em sua face.

Como Sea sabe, “O mundo não lhe permitirá a paz”, algo que lhe foi decidido desde o dia que nascera.

 



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