Bom Demônio Brasileira

Autor(a): Trajano


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 18: Ciclo

—Ei , garoto, acorda.

—Hum?

Já era de manhã quando Sea acordou o elfo.

Ele ainda estava dentro da carruagem, ao seu lado havia algumas frutas e vegetais. Ele conseguia sentir um leve balanço e trotes de cavalo.

—Come aí e vai pra fora.

Com curtas palavras, Sea fechou a porta e foi para o lado de Safira no lugar do cocheiro, deixando bem visível a visão dos dois pela janela.

Sem tardar, o elfo devorou todas as frutas e vegetais, ele chegava quase a chorar pelo sabor da comida.

—Safira, quanto tempo falta para chegarmos?

—Hum... Talvez três dias? No máximo quatro.

—Você realmente sabe o caminho?

—Olhe na minha cara. Pareço estar mentindo?

De início ela se mostrava intacta, mas com o passar do tempo e o aprofundar de seu companheiro, ela começou a virar os olhos e rosto, inflando a bochecha para não falar nada.

O elfo realmente não entendia como os dois conversavam. Afinal, ele apenas entendia a língua élfica, e aquela garota não falava sua língua. Como é possível que a ruiva e ele mesmo estejam entendendo o invocado?

Deixando de lado suas dúvidas, o garoto fezz como o solicitado e se dirigiu até o lado de fora, onde se sentou.

—Ah, elfo! Como você tá?

—Ela perguntou como você tá.

—Eu tenho alguns machucados, e ainda tá doendo bastante...

—Ele tá bem.—Sea se permitiu traduzir livremente.

—...—O garoto se questionou o que fez para deixar esse louco de mau humor.

Com a resposta afirmativa, Safira sorriu e assentiu com a cabeça. Ela não conseguia dormir direito nas noites passadas, já que estava preocupada se o elfo ficaria bem.

O jovem, já percebendo que não conseguiria se comunicar com a ruiva, voltou-se para outra dúvida:

—Você não acha que está me tratando um pouco mal?

—Se pelo menos fosse uma garota... Tche!

—O que?

—Eu queria que o primeiro elfo que eu visse fosse uma garota, uma bela garota ou algo do tipo. Sabe? O clichê! Longos cabelos loiros, olhos azuis, proporções incríveis, pele branca como jade... Mas, nãoooo, tinha que vir um escravo fugitivo e ferrar com meus- Ugyah!—Safira não precisava de tradutor, e logo o esmurrou como repreensão.

—...

O garoto se calou por um momento, ele realmente começou a colocar a culpa em si por estar atrapalhando o casal de viajantes. Sea não estava com raiva, mas sua personalidade não o permite se dar bem com crianças.

—Sea, você sabe que tô aqui, não é?

—E...?—Ele esqueceu momentaneamente disso.

—“Se pelo menos fosse uma garota” e “tinha que vir um escravo fugitivo” são bem entendíveis—Sexto sentido ataca novamente.

—Isso não pode ser considerado sexto sentido! Parece algo sobrenatural de tão específico!

—Deixa ele. Vem cá.—Ela já pensava isso de princípio, mas Sea não era a melhor companhia para o garoto. Com um chamado de mão, e tomando a iniciativa, ela põe o garoto sobre seu colo, “protegendo-o”de Sea.

—E-ei! Por que ele!?

—Você está sendo chato demais com uma criança. Se não vai cuidar dele, eu vou.—Com isso, ela abraçou o garoto.

Essa não era sua primeira vez, ela tinha cuidado dele antes, mas um abraço... a sensação quente rodeando seu corpo.. Foi impossível esconder o prazer e o rosto corado.

—S-safira... eu tava tentando ajudar ele...! Sério.

—...—Ela deu uma rápida visualizada no elfo, que negou com a cabeça, era fácil entender as entrelinhas—Mentir não vai adiantar. Eu vou ficar cuidando dele, eu mesma, até chegarmos no castelo.

—É verdade! Eu fiquei uma... boa parte da noite pensando em como ajudar ele. Isso não é mentira!

—Hum...—Ela, mais uma vez analisou o timbre da voz e expressão. Surpreendentemente, ela conseguiu sentir um mínimo de veracidade.

Vendo como Safira continuava estática, Sea se curvou para ela e bateu sua cabeça nas costelas dela. Ele estava pronto para espernear e lutar por isso

—Hum...—Ela não tinha dormido muito bem devido a preocupação, e o dia apenas estava começando. Não queria desmaiar do nada—Tá bom... Vou tirar uma soneca. Mas se um mosquito picar ele, considere-se um homem morto.

—U-uh... Certo...

Mesmo que a contragosto, ela suspirou e tirou o garoto do seu colo. Imediatamente ele demonstrou tristeza, mas fez o melhor para selá-la. Antes de sair pra cabine, Safira deu um último cafuné nele e um beijo na testa.

Rapidamente, Sea mudou sua posição para uma extremamente confiável e se sentou ereto ao lado do coitado.

—Certo, podemos começar!

—O quê?—Ele apenas havia entendido a conversa por cima.

—Ajudar, resolver o seu problema.

—Agora vai me ajudar? Achei que estivesse atrapalhando.

—Tudo na vida têm dois pontos de vista, graças a sua dormida, eu pude dormir bem pertinho dela. Hehe.

—...—Ele já havia desenvolvido um apego pela guia, então logo gritou:—Senhorita, um Per- Ugyah!

—Cala a boca!

Heroicamente tentando salvar a garota, o elfo teve sua boca tapada por Sea, mas ele logo se livrou.

—Certo, já podemos parar a brincadeira.

—... Uhum...

—Então, você não pretende me contar sobre o que aconteceu com você, de onde veio etc. Não é?

O garoto calmamente assentiu com a cabeça, desviando um pouco o olhar. Era algo muito pessoal, que ele mesmo não entendia, não queria compartilhar.

—Beleza... Pelo que eu entendi, você quer se vingar de alguém, não é?

—...—Ele não sabia responder. De certa forma, lembrando o que passou, um sentimento desconhecido o cercava. Queria fazer algo, por que ele sofrera tanto a ponto de perder toda a sensibilidade, enquanto outros o machucavam? No entanto, também tinha aquele olhar... aquela sensação... Sua principal força, mas não toda. Ele não sabia responder.—Você não me conhece. Por que pensa isso?

—Olha, eu já fui como você. Aqueles olhos que não conheciam emoção, não se importava com outros ou consigo mesmo. Eu sei o que era aquilo, e parcialmente entendo como aquilo aconteceu.

—Você também quer se vingar?

—Não.—Foi uma resposta imediata.—Há algo diferente em nós. Você tem algo que eu não tenho, não posso ter.

Era um sentimento de um buraco. Como se algo saboroso estivesse ao seu alcance, mas um fator externo o impedisse de pegá-lo.

—Temos algo em comum. Algo profundo, encravado na carne, que nos guia. Eu não quero que você seja...—“como eu”, queria completar, mas assim que ia dizer, como se tivesse esquecido, negou.—Enfim, quero que você seja diferente. Não tem graça em duas pessoas parecidas.

—Entendo...

—Mas, claro, eu posso estar errado. Tenho de ouvir da sua boca.

—...

Ele lembrava das inúmeras chicotadas, a dor e sofrimento pelo que passou. Podia não sentir na época, mas agora tudo aquilo doía tenebrosamente. Ele queria descobrir quem o tornou naquele boneco sem emoções, e mais importante, o porque.

E para isso, se fosse preciso fazer tudo...

—Pode... considerar vingança, então.

—Aquele que fez isso com você?

—“Aqueles”...

Sea pôs seus braços na cabeça e a apoiou contra a cabine, pensando em o que deveria fazer para ajudar o garoto. Ele até pensou em como ajudá-lo de noite, mas depois de 3 minutos deixou de se importar.

—Já sei, que tal uma história?—A ideia veio instantaneamente.

—Uma história?

—Sim, é uma bem famosa do meu mundo, quase todos a conhecem. Ela trata de vingança, que tal ouvir?

Mesmo sem entender a relação da história com seu desejo de vingança, se não fosse administrado e mediado, sabe-se lá que monstro ele poderia se tornar. Por isso, Sea começou...

O ciclo do ódio.

...

Certo, essa história trata de duas alianças, podemos chamar uma de A e outra de B. Mas antes de começar essa guerra, vamos a como ela se iniciou, sua predecessora.

Antes dessa guerra, teve outra, vamos chamar essa de primeira. Na primeira guerra, vários países lutaram um contra o outro, um deles eram os “impérios centrais” e o outro eram os “aliados”

Resumindo bastante, no final os aliados venceram a primeira guerra e subjugaram os impérios centrais, como punição, um dos países, sozinho, teve a maior parte da culpa jogada sobre si, além de pesadas multas e outros malefícios, tudo isso em um tratado. Esse país ficou destroçado no fim da guerra.

—Falou, falou, e não disse nada.

Calma, agora vamos falar sobre o nosso “protagonista”

Esse homem havia servido como mensageiro nessa primeira guerra, desse país destroçado. Alguns anos após o fim da primeira guerra, ele se juntoua um partido do país que foi destruído.

Ele tentou um golpe de estado, mas foi descoberto e acabou não dando certo. Alguns anos depois ele foi liberto e ganhou bastante apoio, principalmente pela sua forte propaganda e por criticar o tratado.

Ele dizia o que as pessoas queriam ouvir, e elas escutavam. Pouco a pouco ele se livrou da crise que assolava o país, na época chamada de “Grande depressão”

Em questão de anos ele transformou a república do país em um regime ditatorial, insaturando uma política extremamente autoritária. Ele queria combater as “injustiças” impostas contra o país pelo tratado, ou pelo menos, foi o que ele verbalizou.

E assim começou uma incrível guerra em busca de vingança.

Ele melhorou momentaneamente a economia do país, mas começou a ignorar o tratado. Tudo estava indo bem, até que uma guerra eclodiu.

A maior das guerras do mundo.

A segunda guerra mundial.

Esse homem buscou vingança acima de tudo, tudo que ele queria era se vingar e colocar um povo que nem era o seu de origem na superioridade, ele buscava um governo igualitário, igualitário aos seus, por assim dizer.

Não foram poupados esforços, ele fez um dos maiores genocídios do mundo, matou milhões de inocentes.

Em alguns anos, com o passar do tempo e depois de muitas reviravoltas durante essa guerra, o homem que foi de mensageiro a um dos maiores genocidas do mundo, foi derrotado.

Suas tropas se exauriram, suas forças se extinguiram, e todo o mundo estava contra ele.

Seus aliados foram derrotados, o povo já não mais confiava nele, no fim, ele perdeu tudo.

Ele perdeu a guerra, as pessoas que ele jurou elevar ao status de “deuses” estavam morrendo, a guerra não ajudou em nada. Qualquer avanço foi puramente um vôo de galinha.

Mesmo que ele tivesse tirado esse país derrotado da miséria, ele a jogou em uma ainda maior. No fim, esse homem não salvou ninguém, não ajudou ninguém, e apenas piorou a vida de centenas de milhões de pessoas.

Um homem, apenas um homem foi capaz de causar tanta destruição. Matou lentamente pessoas de diferentes religiões. Era muito facil mandar derramar sangue de seus companheiros e inimigos sentado em uma bela casa tomando vinho.

No final, esse homem desistiu de tudo, não tinha mais poder, todos o abandonaram, o que faltava acontecer?

E assim, esse homem se matou, fez o ato mais covarde possível. Mesmo depois de derramar tanto sangue, mesmo depois de mandar várias pessoas para a morte certa e mandá-las matarem pessoas, ele fez a única coisa que não podia..

Ele se suicidou

E assim eu te pergunto

A culpa foi totalmente dele?

—Claro. Não foi ele que começou a guerra?

Sim, mas vamos voltar mais um pouco no tempo. Qual o principal motivo dele ter começado essa guerra?

—O tratado que humilhou o país, não foi?

Sim, eu não contei, mas no fim dessa guerra os aliados criaram uma organização mundial. Ela tinha o objetivo de trazer a paz para o mundo e evitar mais uma dessas guerras.

—... E daí? Isso não é uma coisa boa?

Os vencedores queriam a paz, certo? Mas eles também deixaram a vitória subir às suas cabeças. Claro, os inimigos não poderiam ser tratados com total cordialidade, afinal, eles eram os inimigos. A paz e justiça sempre se assemelhará unicamente aos que estão do seu lado.

Mas para que criar uma organização que objetiva a paz mundial e continuar reprimindo os outros? Eles literalmente jogaram aquele país na mais total miséria, tanto quanto antes.

Da injustiça, surgiu injustiça. Dessa injustiça surgiu um homem, um homem que dizimou milhões.

Esse homem foi alimentado pelo desejo de vingança, e no final, fez o que fez. Vingança gera vingança. Com certeza ele gerou pessoas vingativas, que de outra forma propagaram esse mal.

Eu posso estar contando dessa forma, mas nem sei qual dos dois lados era o pior. Se esse homem que buscou vingança havia sido um completo genocida, seus inimigos não ficaram atrás.

Parecia que era uma disputa para ver quem fazia mais besteira.

Os vencedores, mesmo no fim da guerra, mesmo com ela estando totalmente decidida, fizeram um ato impensável, algo desumano, eles mataram aproximadamente 250.000 habitantes, pessoas sem qualquer relação com a guerra.

Por quê?

Esse foi o único momento em que armas daquele calibre foram utilizadas em guerra, e ainda pior, contra civis.

Eles litrealmente mataram 250.000 pessoas para dizer “Nós somos poderosos, e nós podemos”. Era isso que eles queriam passar.

No fim, mais uma vez os perdedores foram completamente humilhados.

E então te pergunto, a vingança, foi algo bom?

—Não, se ele não ajudou em nada, e apenas piorou, não tem como ter sido bom.

Certo, de quem foi a culpa do desejo de vingança?

—Desse mensageiro que começou tudo.

Não, porra. A culpa é dos dois.

—...

Claro, se alguém do meu mundo olhasse, sem dúvidas os vencedores, tanto da primeira quanto da segunda guerra foram os “mocinhos”. Afinal, estavam lutando contra forças ditatoriais.

Eles implantaram a democracia e o avanço. Então, claramente as pessoas falam que os heróis venceram.

Mas se olharmos de uma outra forma, a culpa de tudo isso também é deles.

Então, eu pergunto de novo, de quem é a culpa? Das pessoas que causaram o desejo de vingança, ou do homem que deixou esse desejo o dominar?

—Isso é... confuso

Não é? Se esse homem não tivesse tentado se vingar, talvez tivesse sido um ótimo presidente, talvez tivesse reerguido o país, um belo artista. Quem sabe como teria sido essa era se os vencedores não tivessem humilhado esse país. Talvez meu mundo estivesse mais pacífico hoje.

O que isso nos leva a concluir?

Toda história têm os dois lados de uma moeda.

Dificilmente podemos dizer quem estava certo ou errado, não podemos analisar do nosso ponto de vista, afinal, os acontecimentos foram em uma outra época. Um dos maiores erros da história é estudá-la usando como base o ponto de vista pessoal nosso. Tem-se de entrar na mente da época.

...

Terminando sua história, Sea soltou um longo suspiro e puxa um pouco de água para se hidratar, já que usou bastante fôlego na história. Sim, ele se divertiu contando a história de Hitler. No meio do processo, seus olhos negros pareciam brilhar.

—Enfim, voltando a você. Mesmo sabendo que a maior guerra do meu mundo foi por pura vingança, e no final ela nem foi concluída, o que pensa? Qual a lição de moral da história?

—Eu... acho que é... não buscar vingança?—Ele pensou por um tempo. Obviamente era essa a moral, mas...—Eu ainda não mudo meu pensamento. Se eu não me vingar daqueles loucos, só vão continuar fazendo a mesma merda que fizeram comigo com outros. Isso não continua assim

—Imaginei. Sabe, no meu mundo a história é estudada por um motivo extremamente importante: “Não repetir os erros do passado”. Mas sabe qual a ironia? Quase ninguém segue esse lema. Nem mesmo eu!

O garoto se impressionou. Ele pensou que Sea fosse tentar convencê-lo de desistir da ideia, mas ele não parecia ter essa intenção.

O elfo se calou um pouco, seu rosto claramente estava triste, afinal, ele pensou que Sea iria contar sobre uma história bem-sucedida para encorajá-lo na vingança que ele mesmo impulsionou.

—Ei... Esse homem, esse genocida “Hitler” Ele é uma pessoa... Ruim?

—Tentei deixar bem claro, ele não trouxe nada de bom para as pessoas, todos dizem isso.

—Perguntei a sua opinião, não a das pessoas do seu mundo

—Ah, você percebeu?

Sea riu um pouco, não são muitos que percebem, mas ele conta as histórias com uma grande emoção. Mesmo quando ele falava de genocídios ou mortes ele continuava animado, e o elfo percebeu isso.

—Bem, digamos que minha opinião não é uma muito normal... Eu sou um antropólogo, eu observo tudo que o ser humano já fez, já li de tudo. Atentados, genocídios, guerras, momentos de paz e tudo que você consiga imaginar, e sabe o que eu aprendi?

O elfo negou com a cabeça.

—Um ser racional—"ser racional" pois, nesse mundo, a espécie humana não era a única racional. Para se referir a todos os seres pensantes que podem contar experiências, ele preferiu usar esse termo—é algo horrível, ele é capaz de fazer as piores coisas do tipo por puro egoísmo.

—Você... Odeia os seres racionais?

—Quê? Não, muito pelo contrário. Exatamente por saber que eles são capazes de tudo é o que os torna belo.

—Como assim?

—Pense, somos capazes de fazer qualquer horrível, da maior merda mais fudida até a pizza mais bem feita!

O semblante do garoto se complicou, Sea não fazia o menor sentido, e ele não se ajudava.

—Durante essa mesma guerra, tivemos a chamada “trégua de natal”Acho que deve ter sido uma das coisas mais belas que a humanidade testemunhou. Soldados com sangue fervendo, arriscando sua vida, em uma única e breve noite largaram as armas e jogaram bola, cantaram músicas.

—Sério?

—Sim, entende?Nós somos capazes de fazer o pior, mas também o melhor. Lembra do que eu disse?Toda a históra Têm os dois lados da moeda.Você me perguntou se Hitler era alguém mau, mas eu não penso dessa forma.

—Não?

—“O homem nasce como se fosse uma folha em branco“. Isso foi dito por um homem chamado John Locke, ele quis dizer que o que define o ser humano é o que acontece em sua volta, somos folhas em constante aprendizado. Hitler foi criado na guerra e humilhado. Sinceramente, se estivesse no lugar dele eu também teria me vingado, talvez não do mesmo jeito. Se eu tivesse de culpar alguém, culparia todo o contexto no qual ele estava inserido, mas como isso é impossível, não culpo ninguém.

Sea se espreguiçou, levantando seus braços ao alto. Em um pulo, ele fico de pé no banco, deixando o garoto assustado. Olhando para o sol ao horizonte, ele diz:

—Não acho que sou capaz de definir o bom e mau, o certo e o errado. Isso não são coisas que possamos definir. Sobre o bigodudo, ele é um homem com suas razões que cometeu  muitos erros. Não o livro da culpa, também é culpa dele por ter chegado a um ponto tão extremo. Mas também não o colocaria como alguém mau, como disse, toda história têm dois lados da moeda!

—Esse homem também tem?

—Claro, ele ajudou por um tempo, para no final apenas piorar, mas não é isso que eu falo, eu penso em como essa pessoa foi importante para a história em si. Tempos de guerra são quando as pessoas mais desesperadamente buscam evoluir, Hitler foi um dos principais causadores da segunda guerra, e de certa forma, “graças” a ele a humanidade evoluiu bastante sua tecnologia, tanto militar quanto científica!

—Você... parece um sociopata falando...

—Sim, haha. Bastante. Claro, isso é o meu ponto de vista, você não é obrigado a aceitá-lo. Nem quero, não tem graça existir alguém como eu. Mas não se preocupe, você não vai se tornar um genocida.

—Por que pensa isso? Eu não estou na mesma situação que esse homem?

—Sim, a história é estudada para não cometer os erros do passado, eu não vou dizer que o seu desejo de vingança é errado. Não tenho esse direito. Apenas estou tentando fazê-lo pensar bem se é isso mesmo o que quer. Uma pessoa uma vez disse “A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena”

—Palavras sábias...

—Sim. Era o maior gênio do meu mundo. Enfim, minha história tem outra interpretação. Claro que tem o de não buscar vingança, mas saca só. Basta você se vingar de uma forta tão bela e perfeita que ninguém vai querer se vingar de você! Encontre o ponto cego e acabe com o ciclo!

O garoto olhou para baixo, sua feição precipitou. O que deveria pensar? Fazer sua vingança poderia não dar certo e apenas piorar tudo, mas ele também não conseguia suprimir esse desejo. Pessoas o humilharam, assim como seus colegas, não há muita diferença dentre ele e o bigodudo. Ele temia se tornar como ele.

Esse pensamento fez seu estômago embrulhar, e se o poder o subisse a cabeça? E se ele também se tornasse um genocida?

—Ei, olha aqui.

—Huh?

Sea segurou o moleque pelos ombros, aproximou seu rosto e disse, confiante:

—Aprendemos com os erros do passado, certo? Eu não te contaria isso sem uma variável para mudar o resultado.

—Qual é...?

—Eu.

De certa forma, se houvesse um “mestre” na vida do bigodudo, talvez ele não tivesse se tornado quem se tornou. Se um homem estivesse em seu início para colocá-lo nos trilhos, talvez tivesse se tornado um artista.

Sea seria essa pessoa. As informações que deu para o garoto, o bigodudo não possuía. Essa era a variável.

—Então, qual sua resposta? Continuar, ou esquecer?

O garoto refletiu. Seus olhos pálidos brilhavam. De certa forma, a força motor que o movia não era uma vingança, era aquele desejo profundo, imcompreensível. Entretanto, de certa forma, para conseguir descobrir o motivo desse anseio, ele tinha de se tornar forte, tinha de se vingar. Estando acima daqueles que o deixaram naquela situação, ele descobriria tudo.

De certa forma... Isso era uma vingança, mas não uma violenta.

—Minha opinião não muda.—Seus olhos eram afiados.— Eu quero vingança!

—Heh, imaginei.

—Mas eu não vou me tornar esse homem, não me tornarei um genocida!

—Claro, não quero criar um ditador num mundo de magia... Não teria graça acabar com tudo.

—Eu vou encontrar essa falha no ciclo, conseguirei achar e vou resolver tudo da forma mais pacífica possível!

O elfo finalmente abre seus olhos, o tempo todo ele havia os fechado para se concentrar, mas ao olhar para o céu, seus olhos brilhavam, refletindo o sol. É como se ele tivesse um novo motivo para viver.

“Eu criei um novo Hitler?” Pensava Sea um tanto quanto preocupado, ele não sabia se sua decisão fora a correta.

“Bom, no pior dos casos, eu aprendo magia de inverno...”

—Então, o que você vai fazer agora?

—Eu não quero esperar. Vou voltar para o meu reino e começar o processo! Uma vingança tão linda e perfeita que aquelas pessoas jamais pensarão em continuar com isso.—Por mais que ele não soubesse como.

—Certo, que bom.

—E vou começar isso agora!

—Sim, sim... Heh?

O garoto mudou totalmente sua visão. O homem na sua frente o ensinou tanto, o fez refletir, e agora ele entendia os motivos por trás de suas ações.

Jogá-lo em uma lagoa fria... por mais que doesse só de lembra, mesmo que de uma forma estranha, ele estava tentando salvá-lo.

Sea, agora, era quase como um ídolo que esbanjava conhecimento. Um ser onipresente. E mesmo depois de tudo, ele ainda não havia dado sua opinião sobre a vingança,  mostrou os dois lados e não opinou diretamente, ele queria que o elfo tirasse suas próprias conclusões. Não tentou fazê-lo escolher um lado.

Claro, Sea não é, também, um Deus da justiça. Tinha seus sentimentos que o afetavam, mas isso apenas quando atingia seu círculo pessoal. Ele nunca nutrira um sentimento forte por alguém... pelo menos, não um...

—...

Ele não sabia.

—Certo, eu vou chamar a Safira para nos despedirmos.—Na posição dele, Sea não sabe se teria abandonado a companhia de imediato, mas se tomasse uma decisão, nada o pararia.

Sea entrou na cabine e depois de alguns gritos a garota ruiva apareceu um pouco desarrumada por ter sido acordada as pressas.

—Eh?Ele já vai?

—Sim, ele disse que tem algo importante para fazer. Pega uma comidinha para ele?

—Que merda você fez com ele?

...

Levou o dia inteiro para conseguirem convencer Safira de deixá-lo partir. Ela simplesmente não conseguia acreditar que um garoto tão jovem iria se despedir deles tão cedo. Ele sequer quis acompanhá-los até a vila.

No dia seguinte, bem no início da manhã, lá estavam os 2 viajantes e o elfo negro. A manhã um tanto quanto laranja iluminava seus corpos, eles estavam prestes a se despedir.

—Mestre, obrigado por tudo.

—Mestre...? Hehe, mestre... É, combina comigo

—Certo, mestre!

Lentamente, Safira se aproximou do garoto, ainda receosa pela ideia maluca. Ela não queria deixá-lo ir, e até o pararia a força... mas não conseguiu ao ver a determinação em seus olhos. Era demais.

Os dois se olharam por um tempo, e mesmo sem se entenderem, o garoto fez alguns gestos apontando para Sea, tentando passar suas impressões dele.

Alguns minutos de sinais estranhos e ele terminou.

Com uma mochila extra na carruagem, o garoto a segurou e se distanciou.

Sea sentiu um pouco de tristeza, mesmo que não tenha sido por muito tempo. Não o considerava nada muito próximo, talvez um conhecido, mas... isso já era muito mais do que qualquer coisa que ele já presenciara em uma relação antes desse mundo. Já Safira, vendo-lhe ir, já sentiua saudades, ela se apegava fácil as coisas, com um sentimento tão doloroso quanto ver um filho partir...

“Filho?”

—Sea!

Conversando com Sea, Safira chamou o garoto.

—Moça?

—Vem cá!

—Que?

—Não achou mesmo que eu ia te deixar ir assim, né?—Gritou Sea de longe.

Sea ficou um tempo explicando. O elfo não conhecia o jogo dos invocados, na verdade, ele estava até estranhando se aquela história era das guerras era verídica.

Entendendo o sentido da nomeação, ele começou a negar.

—Não, não, você já me deu muito mais do que eu poderia, não posso aceitar isso.

—vamos lá, olha, vamos fazer um trato.

—Um trato?

—Sim, não sei as circunstâncias da sua vingança, mas não parece ser segura. Então que tal você ir preparando ela, e algum dia, quando eu for ao lugar dela, eu te ajudo? Claro, sendo cabível de mudanças.

—Hum... Certo. Mas se você precisar de ajuda algum dia, eu estarei a postos!

—Pois bem, para te ajudar vou te dar o nome do maior vingador do meu mundo.

O pacto de nomeação, teoricamente, dá poderes surreais a uma pessoa. Se ela é normal, ficará super forte. Claro que isso foi ideia de Safira, mas Sea também não achou ruim. Seria muita idiotice “incentivar”o garoto a correr perigo e sequer ajudá-lo. Também, seria interessante. Sea gostava disso.

O invocado então segura o cabelo do garoto com força, e com um sorriso gentil em sua face, ele falou:

—Eu nomeio-te de Zum Scalding!

O ritual para se tornar filho era segurar o cabelo da pessoa enquanto citava as palavras.

Uma luz amarela brilhou no peito do menino, resultando em uma pequena explosão luminosa, mas logo voltou ao normal.

—Alguma coisa... mudou?

—Acho que precisa de um tempo para ter os efeitos, mas não deve demorar muito. Isso deve te dar alguns poderes.

—Certo... Muito obrigado, mes-... Pai! Pai! Eu juro que te deixarei orgulhoso!

—Não matando ninguém com gás já tá bom.

Virando seu corpo, o elfo, com um punho cerrado levantado, despediu-se do casal. Pouco a pouco sua silhueta ia se distanciando, e um pouco antes dele chegar a uma distância considerável, Sea gritou:

—Garoto, minha essência vai me fazer arranjar confusão demais aonde quer que você vá! Nessa hora, me ajuda!

E respondendo com um simples sinal de ok com a sua mão, a imagem do garoto se perde da vista dos dois

—Sabe, Sea, por incrível que pareça, você não foi um completo babaca.

—Sim, agora que temos um filho, estamos oficialmentea casados!?—Sim, esse foi seu motivo principal.

—Separe as coisas. Isso é isso, aquilo é aquilo. E se você aceitou meu pedido só por isso...

—E-ei, não, eu realmente gosto dele! Mas, por favor, pare de se fazer de difícil...

Mais uma vez Safira começou a rir, tomando cuidado para não ser muito alto, deixando seu gracejo fofo. No entanto, lembrando-se do nome do garoto, “Zum”, ela questionou a origem.

—Por quê?Ah, é um meme do meu mundo.

—Mimi?

—Ah, meu celular descarregou, é... complicado, bom, qualquer dia te mostro, belezinha?

O vídeo em questão era o de um certo pernilongo, capturado por um humano, o qual se vingava de todo o sofrimento recebido durante sua vida.¹

Com isso, Sea retornou

“Bem, só terei que acabar com algum mercador de escravos depois mesmo, valeu a pena. Menos um problema”—Era isso que Sea pensava. Que a vingança seria algo simples, até.

...

Enquanto isso, o elfo negro se distanciava, deixando seus pensamentos ao ar. Sea não sabia, mas esse garoto se tornaria...

—Eu juro, vou me vingar dos 3 príncipes, do rei, e de todos os elfos brancos!

O líder da maior revolução daquele mundo, mas também...

—E o pai me ajudará nisso!

Uma puta dor de cabeça para Sea.

 


Nota:

1– Referência a esse vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=3aLJXg5gigM



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