Bom Demônio Brasileira

Autor(a): Trajano


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 9: Determinação

Com os instintos ao máximo, as duas combatentes pensavam na melhor forma de ganhar a luta. 237 pensava como a garota na sua frente carregava uma arma sem o menor conhecimento de manuseio.

Olhando atentamente para a situação, ambas estavam a menos de 3 metros de distância, no momento 546 claramente mantinha a vantagem.

E então, a moça de cabelo longo começou a mover seu bastão pelo ar com uma de suas mãos, tentando entender qual a melhor forma de usá-lo.

—Se você não vem, então eu vou!

Colocando uma forte pressão em seu pé dominante, 237 alavanca a uma velocidade incrível, em poucos segundos já havia diminuido consideralvemente a distância entre as duas.

Observando calmamente sua opositora em sua direção, 546 segura seu bastão com força e o prepara, assim como 237 pensara, ela pretendia usar seu bastão para manter a posição.

Não importa por onde 546 a atacasse, simplesmente ela se adaptaria e desferiria um soco.

Assim como previsto, a serva de cabelo curto logo viu o bastão vindo em sua direção, tentando acertar seu corpo pela esquerda. Um movimento bastante bobo.

Como premeditado, a garota em um rápido reflexo desvia para cima com um pulo, passando de raspão pelo bastão.

—Agora...

O seu pensamento era de que, como demoraria para retrair o bastão, daria tempo o suficiente para um ataque. Entretanto, 237 aproveitou da força já imposta para ajudar em sua rotação. Enquanto 546 ainda estava no ar, o bastão já estava vindo novamente em sua direção, ainda mais poderoso.

Como isso foi inesperado, ela apenas teve tempo de desviar o ataque com os dedos, mas ainda assim acertou seu ombro, jogando-a um pouco para trás.

Ela fez uma cambalhota para aterrisar de uma forma melhor, mas no segundo seguinte, sua visão já estava preenchida pelo bastão giratório vindo em sua direção.

Seus instintos já estavam mais afiados, então não foi difícil desviar o objeto para cima. O problema era o que estava por trás...

A desafiadora estava lá, vindo em velocidade máxima com um pulo. Como não teria tempo de arrumar sua posição, ela apenas levantou a guarda, fechando os braços em formato de X.

Todavia, o pulo não foi com essa intenção. 237 pousou no chão e pulou para cima. E lá estava...

—Ah...!

 O bastão, que foi de encontro perfeito com sua mão.

Ela o segurou com ambas as mãos. Ergueu-o para o alto e baixou com toda sua força, acompanhando a queda. Um pequeno brilho azul veio junto com sua ponta. Qualquer um que visse aquilo podia dizer o poder destrutível contido.

A escolhida viu aquilo com terror. Por sorte, foi um movimento lento, então ela conseguiu dar um pequeno pulo para trás. O bastão destruiu o chão a poucos metros de sua posição. Até mesmo alguns destroços voaram.

A sequência de golpes podia ser continuado, mas com o bastão havia ficado preso no chão , sem falar do cansaço que tudo aquilo havia dado.

Erguendo-se lentamente com seu corpo tremendo e cuspindo um pouco de sangue, a garota já em pedaços não conseguia conter sua fúria, mesmo tendo treinado tanto mais, se esforçado mais que ela, por quê?Por que estava sendo completamente  humilhada?

—Mas bem... eu imaginei que não soubesse, mas se vai usar...

De longe, os espectadores comentavam:

—Uau, essa parece uma batalha quase unilateral

—Por que essa garota foi a escolhida se está tomando uma surra?

E mais desses comentários ecoavam pela plateia, que já esperavam uma derrota completa da segunda.

—Acho que estão se adiantando muito

As palavras que pararam os comentários vieram do próprio rei.

—Eu mesmo já vi aquela garota lutar, e fui eu que a indiquei para guiar o invocado... Sem dúvida não perderá tão facilmente.

—Isso mesmo—Dizia Mami, interrompendo a conversa—Se ela não fosse uma adversária a altura eu não a teria permitido ir pro jogo dos invocados.

Voltando ao combate...

A situação está claramente voltada para a desafiante, enquanto a própria escolhida estava tremendo um pouco apenas de ficar em pé. Ignorando totalmente a dor de seu corpo, ela novamente começou a investida.

—Agora posso lutar a sério...

—Isso é papinho de perdedor.

Mas dessa vez algo está diferente, 237 realmente não estava usando tudo que tinha a seu dispor.Já que sua rival não possuía tal conhecimento ela preferia não utilizar na batalha, mas...

—Vamos, irei com tudo.

—...?

As pernas da garota logo começaram a brilhar, emanando uma cor vermelha. Esse brilho foi descendo até se concentrar unicamente nos seus pés.

—Esse é o resultado do meu treinamento...!

Magia de reforço, uma das magias mais básicas a serem aprendidas, podendo ser utilizada até por civis. Uma das formas de adquirir esse poder é um tempo de treino grande. Mesmo sendo a magia mais básica, é também a mais poderosa e utilizada por todos os guerreiros no mundo.

Com a surpresa, a desafiante não pôde acompanhar. A velocidade de 237 estava em um nível inimaginável.

—GUH!

Em um rápido movimento, a escolhida some da visão de sua inimiga e logo aparece abaixo de seus olhos.A jovem dá um poderoso uppercut no queixo adicionado ao seu pulo, causando um tremendo dano a sua vítima, que também a fez ser jogada alguns centímetros para cima.

—Não acaba assim!

Ainda no ar, a serva que havia pulado logo  acerta a jovem indefesa no ar com um chute giratório em sua barriga, o que faz seu bastão sair voando, e sua boca cuspir sangue.

Como o chute ainda estava imbuído com magia de reforço, a força foi suficiente para fazê-la voar pelo campo e afundar na parede, causando várias rachaduras a mesma.

—E então!? Gostou disso?

Os gritos de 237 conseguiriam ser ouvidos por dezenas de metros de distância, essa era a força de seus sentimentos reprimidos por tantos anos.

Tais gritos não conseguiam chegar a 546, que pelo impacto estava com um forte zumbido em seus ouvidos e estava parcialmente presa.

A moça cravada na parede não podia acreditar que sua “amiga” de infância se tornou tão poderosa, estava muito mais rápido do que imaginava. Na realidade, ela mesmo não sabia usar magia.

Quase perdendo sua consciência, ela começa a lembrar do jovem garoto que chorou duas vezes em sua frente, o mesmo garoto que havia a iludibriado várias vezes....

A jovem não nutria de nenhum sentimento muito especial por aquele garoto, não tinha nada em especial nele que chamasse atenção. No máximo, um amigo de curta data.

No entanto, ela tem, sim, coisas importantes. Prometeu há muito tempo que não morreria. Perder aqui é como quebrar essa promessa.

Ela não permitiria que isso acontecesse.

Reacendendo uma pequena chama em seu coração, fraca, mas ainda uma chama, o zumbido começou a sumir, e logo ela começa a escutar os gritos de sua rival.

—O que foi!? Veio aqui pra perder fácil assim!? Não é assim que eu quero que isso acabe!!!

Sim, porque ela estava pensando em um garoto nesses momentos? Não estava lutando para acompanhá-lo, sim para não morrer. Seguir com a vida.

Tirando um de seus braços da parede, e saindo logo depois dos escombro, a jovem limpa suas vestes e se recompõe. Com todos seus sentimentos misturados ela grita:

—Isso! Levanta!—Diz 237 retomando sua posição.

Ela já sentiu o gosto da vitória. Ela já sentiu o gosto da derrota. Ela já foi derrotada e salva. Ela já demonstrou todos seus sentimentos e pelo que está lutando. Ela não desistiria assim, tão facilmente.

—Isso mesmo...—Dizia 546 pegando o bastão do chão

—Assim que se fala!

Seus olhos brilhavam em um azul escuro. Cada vez que ela se movesse, uma pequena linha luminosa a seguiria. A extrovertida e boba garota de antes não estava mais lá... esses pensamentos inúteis foram jogados fora. Agora só tinha uma coisa importante: ganhar.

A usuária de bastão começou o ataque. Começou a correr curvada com o bastão para trás até chegar numa certa distância de sua inimiga e cravar seu bastão no chão.

—O que...?

O bastão cravado no chão a proporcionou um salto olímpico em arco em direção à sua adversária. Esse salto a ajudou a ter impulso para um potente chute, que foi trocado com um soco na sola do sapato e repelido.

Sem tempo para que ambas pensassem, a garota pousou no chão sem tomar nenhum dano e, com o bastão em mãos, recomeçou o ataque.

Aproximando-se rapidamente, 546 começou a disparar incontroláveis golpes diretos para sua opositora, que graças aos seus reflexos se vê capaz de desviar de todos. Logo mudando sua estratégia, a jovem de cabelos longos desliza seu bastão pelo chão, mirando os pés de 237, que velozmente pula para desviar.

“Uma brecha!”—Pensa 546.

Aproveitando-se do breve momento em que sua inimiga se encontrava no ar e indefesa, 546 logo puxa seu bastão e mira nas costelas.

*BAM*

O impacto foi interrompido pela mão de 237 segurando  seu bastão. Apenas a força da colisão foi suficiente para o vento tremer e a poeira subir no campo. A plateia se impressionava cada vez mais em como as duas estavam equiparadas.

Percebendo o descuido da adversária, 546 pega sua arma e a puxa com muito vigor para tentar jogar sua inimiga pelo campo, algo que ela percebe e imediatamente solta o bastão.

—Há!

Já iniciado a investida, Com um veloz giro de bastão, a desafiante rotaciona seu próprio corpo e acerta a outra extremidade do da escolhida, que é pega desprevenida e recebe todo o dano do golpe.

*CREC*

A força do golpe é tamanha que a jovem é jogada por 4 metros de distância, é até possível ouvir algo quebrando no meio de toda a situação.

Todos olham para a escolhida no chão. O “crec” que todos pensaram ser os ossos da garota sendo estilhaçados, nada mais era que o bastão de madeira quebrando com o impacto.

—....Eu...arf...—Ela tentou falar, mas com alguns danos no interior, preferiu guardar o fôlego.

—Heh?—Zomba a garota segurando os seus bastões, agora reduzido a dois pedaços.

—...!

Correndo com seus braços para trás ainda segurando os bastões, uma pequena luz começou a sair dos pedaços de pau, uma luz azul clara, tão clara quanto o céu e tão escura quanto o fundo do mar.

—...!—237 não podia acreditar. De uma hora pra outra sua amiga de infância desenvolveu  esse tanto de magia...!?

Era isso que ela odiava. Enquanto trabalhou duro por isso, ess garota, apenas por estar precisando, desenvolveu algo tão complexo quanto. Isso a fez borbulhar de raiva.

Pegando o resto de madeira em sua mão direita, o pedaço menor, ela o joga como uma lança para a desavisada escolhida que não esperava tal feito.

Por pura sorte, seus reflexos foram capazes de acompanhar a trajetória do pedaço, e graças a isso foi capaz de desviar. Mesmo assim, ainda foi acertada de raspão pela parte pontiaguda do bastão rachado, o que a fez sangrar um pouco pelo braço.

Já com pouco fôlego, tudo que a garota pôde fazer é enfrentar a detentora do talento que sempre aspirou em ter na desvantagem, e para isso logo volta a sua posição de combate.

Já com as duas frente a frente, a primeira a atacar é 237, que recebe sua opositora com uma rasteira giratória, que é contra-atacada com um chute na sua extremidade direita do rosto e um golpe de bastão no ombro.

—Ainda não!

Mesmo após tomar uma surra com os potentes golpes, a garota volta a si e, com acrobacias, tenta dar um chute em meia-lua mirando o queixo, que por muito pouco não acerta graças aos sentidos de 546, que põe sua mão no meio.

Com essa pequena janela de tempo, 237 recuou um pouco para reconstituir seu próprio fôlego, algo que sua adversária jamais pensaria em permitir e logo segue seus passos.

Os movimentos das duas são belos, enquanto uma soca a outra desvia, enquanto uma chuta a outra anula. Movimento tão belos que se não fosse uma disputa poderia ser considerada uma arte!

546, ainda com seu pedaço de bastão, tenta continuamente acertar qualquer parte do corpo opositor, demonstrando mais uma vez sua inexperiência com o objeto. 237 utiliza seus últimos resquícios de magia, esforçando-se o máximo para desviar.

As duas pararam momentaneamente, estando em seus respectivos limites. 237 já não tem mais nada, e se encontra totalmente cansada, diferente de 546, que ainda tem um pouco de fôlego, mas depara-se igualmente esgotada.

A adrenalina que corria em suas veias as fazem esquecer a dor e cansaço. Pelo calor do momento, tudo que passa por seus sentidos são apenas os movimentos da adversária, uma luta sem igual acontecendo no momento, sem dúvidas uma das melhores lutas que já ocorreu durante um duelo real do reino .

Já chegando perto do fim, as duas entendem que logo toda aquela batalha acabará. Uma delas sairá com a glória da vitória, enquanto a outra sairá com a amargura da derrota. Mas com certeza nenhuma das duas sairiam arrependidas!

As duas se encararam, olham uma para outra pensando na melhor forma de progredir na batalha. E com seus instintos, uma força oculta acendeu dentro de seus corpos ao mesmo tempo, uma força oculta falando “É agora.”

E assim, ambas correm em direção a outra.Logo chegam na zona de ataque das duas, 546 começa seu ataque mirando os joelhos de 237 com um chute, que aceita o dano e em troca acerta o ombro de sua inimiga com um de seus socos.

Logo ela se separam, mas não por muito tempo já que voltam a combater em pouco segundos. Ao mesmo tempo ambas disparam de suas posições para acabar com a outra.

—É o seu fim!—Exclamavam as duas ao mesmo tempo

As duas iniciam com um soco, que se anulam e promove uma forte corrente de vento pelo salão.As duas começam a trocar loucamente socos e chutes, alguns acertavam, outros eram desviados e os restantes erravam completamente.

546, na desvantagem em uma luta de curta distância tenta utilizar do mesmo truque do início da partida, e assim ela joga seu bastão para cima.

—Isso não vai funcionar de novo...!

Ignorando totalmente o bastão no ar, 237 avança e começa a desferir diversos socos na outra competidora, que faz seu máximo para desviar, mas não consegue evitar todos.

Por um breve momento as duas começaram a trocar ataques, deixando a defesa totalmente de lado e focando apenas em acabar rapidamente aquele duelo. Até que o trunfo aparece.

—É o que você pensa!

E usando todo o resto de magia que possuia em seu corpo, 546 concentra esse pequeno resto em suas pernas e dá um poderoso pulo, ficando frente a frente com o bastão que havia jogado.

“O que ela está tentando fazer?”

Com o bastão no ar, não seria possível utilizar das mãos para nada naquela situação, então, 546 utilizou de membros mais fortes que seus braços.

—Não...

Girando seu corpo na vertical, 546 utiliza suas forças para chutar o bastão em direção para a escolhida, que estava logo abaixo do bastão. Ela é novamente acertada de raspão em uma de suas pernas, mas dessa vez um ferimento ainda mais grave, declarando que o que viesse agora seria apenas o adiamento do inevitável.

Os espectadores, maravilhados pela situação logo percebem que a disputa está virando algo a nível de vida ou morte. Eles estavam cogitando parar aquilo.

—Não ousem!

Entendendo que estavam saboreando uma batalha incrível entre duas jovens colocando tudo de si, parar aquela batalha seria um completo desrespeito para com as duas e seus esforços.

Já na batalha, 546 ainda estava no ar, com sua amiga no chão, bastante injuriada.

Cambaleando apenas pelo pesar do seu corpo, a jovem de cabelos curtos ainda não havia desistido.E a regra era clara, desistir,desmaiar ou sair do campo.

Com isso em mente, 546 quis acabar a luta rapidamente. Esse seria o último golpe. Aproveitando que estava no ar, iria desferir o golpe final com um chute.

237 preparou um  soco com o resto de suas energias. Aquilo decidiria o combate. A mais determinada venceria.

Finalmente, o impacto.

Silêncio.

 

 

Uma grande nuvem de fumaça se ergueu no céu. O próprio chão estava quebrando, destroços voavam por todos os lados. Estava finalizado.

237 estava no chão, completamente acabada, com um sorriso no rosto. Tudo que pôde pensar ao final foi...

“Quero ver ele de novo...”



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