Bom Demônio Brasileira

Autor(a): Trajano


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 7: Reunião

— Ei, tá bem...?

Após o desencantador encontro com o Titã, Sea acordou no mesmo lugar em que havia sido deixado. No entanto as circunstâncias estavam diferentes. Ao seu lado uma jovem garota, Mina, outra invocada, tentava ajuda-lo a levantar.

Ao recobrar a consciência imediatamente Sea analisou seus arredores. Todos os invocados estavam no salão da Escolha, porém sem seus reis. Sua conversa inteira com Atlas bateu contra sua mente em um choque.

Antes estava duvidoso sobre a veracidade das informações e da importância de manter o temperamento dos Títulos amigáveis, entretanto, depois daquele final desastroso... havia compreendido o motivo de tanto temor.

— Levanta aí, peninha.

— Dãh...?

Pietro — quem havia surpreendido a todos durante a Escolha — chamou pelo garoto no intuito de acordá-lo. Ao receber uma resposta indecisa ele ficou desconcertado e o puxou pelo capuz do casaco. Sea quase quebrou o pescoço com a pressão imposta em seu pescoço, porém saiu apenas com marcas vermelhas.

Tossiu várias vezes enquanto cuspia um pouco do que estava preso em sua garganta. Pietro ainda deu vários tapas para que o moreno não morresse sufocado.

Seu rosto torceu em dor com as batidas. A diferença do porte físico dum para o outro era extrema. No entanto o que mais feria o pouco orgulho que Sea tinha era saber que Pietro sequer estava colocando força.

Jun, o invocado de cabelo branco, agora que todos estavam acordados, bateu as palmas com força para chamar a atenção. Assim que seu objetivo foi atendido chamou todos para uma roda de conversa. Em casos normais seria algo simples, mas nessa situação teria sido algo complicado se não tivesse uma tendência de liderança inata. 

A sequência estava: Mina, Sea, Pietro, Jun, Elias e o garoto que não recebeu um Título.

— Imagino que todos aqui estejam passando por maus lençóis. Já que todos temos dúvidas em comum, que tal nos ajudarmos mutuamente? Acho que de início vale que nos apresentemos.

— Nos apresentar?

— Exatamente. — respondeu com o indicador apontado para aquele que resumiu suas palavras: Elias Locksley.

O arqueiro torceu o rosto para o lado. As coisas não estavam se desenrolando como queria. Não havia sido avisado disso. O desenrolar de sua invocação não estava indo como prometido...

O clima não estava bom, apenas com Jun e Pietro estando minimamente aceitáveis para uma conversa saudável. Para demonstrar confiança o garoto de cabelos grisalhos se levantou e começou a falar logo depois de arrumar o colarinho.

— Sou Jun Shigami, século XXI, especificamente 2044. Japonês.  Vinte e dois anos, estudo direito na universidade e várias outras coisas... Mas por agora acho que só isso!

A apresentação atingiu os ouvidos de Sea em cheio. Não que fosse um grande mistério dado suas vestes, todavia confirmava que todos os invocados vinham de diferentes períodos no tempo. O garoto celebrou internamente por saber disso, por mais que tenha amaldiçoado por haver alguém de um tempo futuro...

— Século... século XXI? Isso não seria viagem no tempo?

— Isso aí.

O garoto ainda sem nome perguntou de forma cautelosa, incrédulo com a possibilidade. Jun não abaixou sua cabeça e respondeu de forma positiva. Todos aceitaram muito bem a afirmação com exceção do garoto que se recolheu um pouco mais fundo.

— Antes de continuarmos as apresentações, todos aqui foram avisados previamente sobre a invocação? — quem perguntou foi Sea, quem caíra nesse mundo abruptamente.

— Não era um dos passos para vir aqui? — questionou Mina, só agora tendo pensado nessa possibilidade.

— O próprio Deus vivo veio na minha frente me explicar sobre tudo! — Pietro afirmou acertadamente sobre.

— Me foi explicado tudo antes, até tive de assinar uns papeis... — Jun falou de forma fraca temeroso sobre o que eram os papeis.

— Eu não... não disso... — o garoto respondeu de forma que sabia sobre ser levado para outro lugar, porém não para esse jogo.

— ... — Elias tinha receio de responder a qualquer coisa que Sea perguntasse, por isso desviou o olhar. No entanto, por sua reação, aparentava ter o mínimo de conhecimento prévio.

Sea amaldiçoou em sua cabeça. Nada disso havia lhe sido dito. Nunca concordou em vir parar neste mundo, muito menos participar desse jogo. Provavelmente seu professor fosse o responsável por isso...? Afinal, ele quem havia o entregue sobre o livro...

Também se interessou em como cada pessoa havia sido abordada. Alguns com mais informações, outros com menos... parecia não haver um procedimento padrão e obrigatório.

Ele fechou a cara e pôs o cotovelo na perna e o punho na bochecha para pensar melhor. Fechou os olhos e fez força para ver se chegava a uma resposta...

— Ah...

Por uma pequena fração de segundos sua mente pareceu ter atingido um novo estado de revelação, tendo trazido algo bem do fundo de suas memórias... mas tão rápido quanto chegou, sumiu, deixando-o mais uma vez num mundo de escuridão...

Mesmo que um tanto quanto antipático e ruim com relações sociais, Sea se viu obrigado em ser o próximo a se apresentar por terem respondido sua pergunta. Também tinha de começar a melhorar suas habilidades se quisesse explorar o mundo e conhecer várias pessoas.

— Olá, Sea Scalding. Enfim, 2018, tenho dezessete e sou um simples estudante de uma cidade de quinze mil habitantes. Tenho bastante problema em decorar nomes e rostos, mas espero que nos demos bem!

As únicas formas de Sea “lembrar” o nome e rosto de outra pessoa é ou ela tendo um grau de intimidade bastante íntimo — atualmente só duas pessoas se encaixam nessa definição — ou que compartilhem tantas experiências de vida que ele venha a destaca-los de alguma forma.

Sua personalidade não o permitia ser muito amigável. Na realidade até mesmo essa pequena apresentação o encheu de vergonha. Mantinha uma filosofia de vida de baixa interação... por esse motivo não tinha confiança de ser alguém importante ao ponto de precisar se apresentar. Dada as circunstâncias teria de aprender a mudar... e logo.

Jun estendeu uma mão para Sea. Ele realmente não queria ter de apertar, mas causar uma má impressão não seria a melhor opção... se forçou a dar as mãos e voltou ao seu lugar.

Em seguida foi vez do brutamonte se levantar.

— Enviado pelo próprio Deus, Pietro Parso! Soldado raso. Já que aparentemente querem a data, 1944. Prazer! A propósito, só eu vi um cara que parecia um gladiador? — suas palavras emanavam confiança, dando uma contrapartida incrível a Sea, que possuía a presença de formiga se comparado a esta muralha.

Com o questionamento, que claramente se referia ao encontro com seu Título, reações vieram à tona. Todos com exceção do garoto encolhido moveram a cabeça, assentindo no processo. Jun foi até o garoto para explica-lo sobre o que havia ocorrido e porque de não ter um Título.

Pietro tinha certeza que os seis presentes haviam se encontrado com seus respectivos títulos, mas um assunto em comum lhes deu uma falsa ideia de congruência. Basicamente ele conseguiu apaziguar tudo. Sea repensou se sua primeira impressão sobre ele estava errada...

Após receber as respostas afirmativas, Pietro esboçou um grande sorriso e se sentou de pernas e braços cruzados.

Faltavam mais três. Como a garota e o outro pareciam tímidos, Elias suspirou de forma preguiçosa e se ergueu, porém no meio de sua fala...

— Eu sou-

— Robin Hood, pessoas. Uaauu...

— ...!

Sea interviu. Soltou um falso som de surpresa enquanto revirava os olhos, indicando seu claro desinteresse. Elias mudou sua expressão imediatamente e virou em direção a quem lhe interrompeu, cerrando o punho para se acalmar.

— Como você conhece...!?

— Ei. Calma.

— ...!

Quase pronto para desferir um golpe, foi interrompido pela a montanha de músculos enfardada que o levantou pelo capuz, e com toda educação lhe pediu para que se acalmasse.

Na verdade, Sea já esperava por isso. Se fosse um seis contra um naquela sala, apostava que Pietro poderia ganhar com bastante folga. Ele já tinha se mostrado um aliado, ou ao menos um agente neutro. Por esse motivo sabia que independente do que fizesse, estando distante de Elias e perto de Pietro, não seria machucado.

— ...

Todavia ele mesmo não se entendia. Desde que viu Elias pela primeira vez, um sentimento de raiva o preenchia... não o conhecia, não tinha motivo para se desentenderem... não parecia ele mesmo.

Enquanto divaga, Pietro exigiu com um mover do rosto por uma explicação para o que quer que Sea tivesse feito, visto que Elias estava irritado.

— Ele é famoso. Ou melhor, ao menos um conhecido de um. “Robin Hood, o ladrão dos pobres”. Também conhecido como Robert Locksley...

— Ah, sim. Bem que me era familiar... — Jun ressaltou. Mesmo com o passar dos tempos, os clássicos continuavam a ser contados...

Como o loiro não compreendia, foi necessário Jun ir até ele para explicá-lo sobre todo o funcionamento da viagem temporal que permitia que Sea o conhecesse. Eles falaram no privado, e ao término, Elias foi à frente e se pronunciou:

— Apenas para deixar claro, esse ‘Robin’... Robert, é o meu irmão. Apenas peço que, da próxima vez, maneire essas suas palavras. —Sea se segurou para não erguer seu dedo do meio. — Você já deve ter ideia da minha época. Eu estava a caminho de Sherwood, um homem me encontrou e só.

Com o fim rápido, ele voltou ao seu canto de origem. Seu rosto estava carrancudo por essa última conversa, até um tanto quanto melancólico...

Enfim, Mina se levantou para sua vez. Estava um pouco retida até o momento, no entanto não queria piorar ainda mais a situação do garoto...

— Prazer, venho do século XVII, Escocesa. Sou uma simples serva da minha senhora, Maggie Wall. Eu estava em um incêndio e em seguida vim parar aqui. —Ao final a garota se curvou. Como seu nome já havia sido dito na Escolha, optou por não repeti-lo.

No final o clima estava calmo. Sea estava consideravelmente satisfeito, podia ler o quanto quisesse sobre cada época dessas pessoas em livros, porém ouvir de suas próprias palavras era... diferente. Mágico. Espetacular.

 Porém uma informação o deixou bastante intrigado....

Maggie Wall.

No exato momento que seu cérebro recebeu esse nome, ele pensou que fosse só um nome qualquer da história da garota, mas quando o processou... deu um pulo para trás. O motivo? Simples: Maggie Wall foi uma bruxa.

Obviamente, isso não seria um problema, ainda mais por ela sequer ter realmente provas concretas de ter existido, mas quando se põe nessa situação... deixa claro que a moça ao seu lado servia uma bruxa. E claro que podia ser uma invenção criada com o tempo, só que se existe um mundo de magia... não seria algo improvável.

Mina notou o susto repentino de seu colega e mais uma vez soltou um sorriso para ele, e como Sea permaneceu assustado, ela deixou sua mão sobre a dele. Contraditoriamente foi quem pareceu estar mais feliz com essa ação...

Tudo isso foi feito de forma bem descarada, e só não foi percebido pelos outros pelo simples motivo de, enquanto tudo isso ter acontecido, ter sido a apresentação do último invocado: Jeff. Ele apenas disse que era do século XX e logo voltou ao seu lugar.

No exato instante em que o jovem terminou de falar sobre si, Mina largou a mão de Sea e voltou a interagir com os outros.

O clima melhorou consideravelmente após todas as apresentações. Sea não esperava por isso.

Tragado por esse meio amigável Elias relaxou um pouco. Ele não estava conversando muito, mas já há um tempo demonstrava interesse em Jeff, por isso se levantou e questionou:

— Por que tinha feito tanto chilique?

A pergunta era de interesse geral, mesmo para Sea que não havia visto Jeff antes de desmaiar na Escolha. Desde o barraco causado pelo garoto na escolha de títulos, que levou a negação de seu título Elias, principalmente, queria a resposta.

Infelizmente para ele, os olhos do menino começaram a tremer em confusão, indicando que aconteceria o mesmo tremor durante a Escolha. Isso se deveu tanto pela falta de intimidade para a pergunta quanto pela personalidade do garoto.

— Ops.

— Ai...!

No entanto, antes do alvoroço tomar conta do espaço tranquilo em que estavam e quebrar toda a “amizade” feita até o momento, Sea deu um pulo e bateu com o cotovelo nas costelas de Elias, que caiu um pouco pro lado.

— Qual o seu problema!?

— Ah... verão, água, escorregão... sabe como é.

— Vai se...!

Na verdade, no mesmo instante em que ele caiu, com a força de seu braço impulsionou o corpo e usando as pernas como base manteve a pose. Logo após ter se estabilizado Elias usou da força imposta no chão para girar o corpo. Isso aconteceu em uma velocidade indescritível, tão rápida que Sea sequer pôde acompanhar com os olhos, e só entendeu o que estava acontecendo quando a bota estava perto de acertá-lo no rosto.

Por um triz isso não se concluiu. Nos últimos momentos antes do impacto, Mina o acertou na junta das pernas e lhe puxou pelo casaco, fazendo com que desviasse.

Ainda assim a velocidade de reação de Elias continuava impecável. Adaptando-se à situação, transformou o movimento anterior em um pisão. Sua movimentação era fluida e impecável, e ele abusava desse dom. Estando em equilíbrio, ele contorcionou sua coluna em vários graus, juntando potência e velocidade para um soco de direita nas costas de Sea

Sea tinha confiança que Pietro intervisse... mas esse cara era simplesmente muito rápido! Se a montanha de músculos estivesse pronta, essa tarefa não seria problema. Agora, sendo pego de guarda baixa, era um tanto quanto impossível até para ele.

Porém, no último segundo Jun veio por trás de Elias e segurou sua roupa, parando seu movimento pouco antes de seu ápice.

— Me larga, seu puto!

— ...!

Com o xingamento Jun, que estava apenas tentando imobilizá-lo, colocou toda sua força para realmente derrubá-lo. Mina tomou parte no ataque e chutou o loiro nos pés, deixando-os praticamente sem contato ao chão. Ele estava pronto para cair.

No entanto, pouco antes de perder todo o tato do chão, Elias deu um impulso com poucos dedos do pé disponíveis. Já que sua extremidade superior estava sendo levada contra o solo, a pouca força que conseguiu tirar do arranco foi suficiente para seu corpo rodar. Como se fosse uma bicicleta de futebol, um poderoso chute estava indo em direção a nuca de Jun.

Entretanto, toda essa interferência deu tempo o suficiente para Pietro entrar. Ele segurou Elias pouco antes de acertar o garoto grisalho, isso foi feito de forma tão simples que parecia uma criança agarrando um brinquedo.

Com o fim dessa batalha, Elias foi enjaulado pelas mãos de grade do americano.

Ainda assim tiveram aqueles que queriam continuar a brigar — Sea, mesmo sendo inútil — mas todos foram parados por Pietro. Forçadamente ele colocou todos em seus devidos lugares.

Essa situação toda podia parecer um ato de caridade de Sea tentando ajudar um garoto perdido, mas na verdade... ele apenas não queria ser atrapalhado. O ambiente estava muito melhor sem esse moleque. Tinha de pensar e não queria barulho para tal. Infelizmente o desenrolar das coisas foi fora da curva e acabou tendo o efeito contrário...

Incrivelmente, dessa pequena disputa, Sea pôde constatar algo incrível: Mina, Pietro, Jun e Elias pareciam serem super-humanos. Mesmo com toda a narração, isso não durou sequer 2 segundos. Sea mal conseguira reagir, mas os outros 4 reagiram de forma absurda. Principalmente Pietro e Elias. Até a menina meiga ao seu lado não parecia normal. Muito menos o cara vindo do futuro...

Deixando isso de lado, Elias pôs-se a se desculpar com Jun. Seu rosto permanecia irritado, mas não ia continuar a briga.

Quando todos se acalmaram Elias percebeu que, mesmo que tudo aquilo não fosse sua culpa, ainda possuía uma parcela dela. Como um homem consciente, ele tomou a iniciativa de apertar a mão de Sea e se desculpou:

— Tch... sei que só tava tentando ajudar o garoto. Mas da próxima vez não precisa de tudo isso.

— ...

Sea não quis responder, não tinha o porque. A afirmação estava errada. Não queria ajudar ninguém, nem a si próprio... só queria poder atrapalhar o máximo possível Elias. Por que essa fixação...? Por que ambos não se davam bem...?

####

— Vamos, aperta.

— ... Não.

—Quê!?

— Não quero fazer as pazes com você.

—...

O loiro já tinha aceitado seu erro, esperava chegar a um entendimento com seu “colega invocado”, quem também estava obviamente errado. Todavia, ele foi descarado de uma forma que... o deixou sem reação. E essa falta de emoção logo se tornou fúria.

— Você atrapalha meu... minha relação com meu irmão, suja minha honra e no final ainda age dessa forma!? — mais uma vez utilizando de suas capacidades sobre humana, Elias ergueu Sea pela gola com uma facilidade tremenda. Seus olhos azuis brilhavam de forma descontrolada. — Não mexa com um Locksley!

Quem liga pro seu sobrenome?

Ele tocou num ponto fraco. Se ele apenas o tivesse espancado Sea aceitaria como sempre fez. No entanto... não aceitaria, jamais, que alguém pensasse ser diferente por conta de regalias lhe entregues no nascimento.

As palavras estavam claramente imbuídas de um #### profundo e repulsa a esse ato. Até mesmo Elias, quem claramente era infinitamente superior em qualquer quesito físico se assustou

*...*

O que mais o assustou foram os olhos. Até alguns momentos possuíam um ar de brincadeira, como uma criança zoeira tentando chamar atenção. Ainda tinha um brilho. Agora... não passava do mais puro escuro, como se todas as emoções fossem retiradas e afunilados em algo desconhecido. Não era algo bom, não era algo ruim. Era um sentimento que apenas existia, apenas estava. Não permitindo a superioridade ou inferioridade. Algo completamente imparcial...

Destruiria tudo sem diferenciação.

Sea possuía um sorriso sarcástico no rosto, e seu olhar não ajudava em nada. Uma gota de suor escorreu pelo rosto de Elias e o próprio jogou Sea no chão.

O garoto recebeu o choque, porém não se machucou muito. Essa pequena cena entre os dois durou apenas cinco segundos, mas para Elias — quem encarou de perto — pareceu muito mais.

Como se tudo fosse irrelevante, Sea estabilizou sua face, seus olhos voltaram ao normal, tudo em frações de segundos. Um calor cresceu em seu corpo, fazendo-o agarrar seu próprio casaco na região do peito. Uma paz junta de prazer e amor familiares...

— Gah...!

Não muito depois veio seu hábito de cuspir sangue. O gosto ferroso e viscoso subiu pela sua garganta e teve fim no chão. Apenas algumas poucas gotas saíram, não tinha sido uma grande perca.

O ambiente ficou extremamente pesado. Depois disso Elias se refugiou em um canto do salão. Preferiu refletir do que continuar conversando. Pensar sobre aquele sentimento escuro...

Ficou impossível todos se reunirem novamente. Por isso, as pessoas começaram a se distanciar e a falar umas com as outras. Pietro e Jun, Mina e Jeff e Sea no cantinho.

O garoto de cabelos pretos estava confuso consigo mesmo. Ao passar da sua infância, ele começou a ter um estranho anseio por história e seus derivados. Algo havia mudado pouco antes de entrar na adolescência. Estilos de vida, culturas, tudo que torna um ser humano um humano, suas ações e como chegaram à sua época atual. Um forte desejo por experiência.

Ao vir para cá seu primeiro pensamento após se acalmar foi buscar por isso. Como em sua terra natal era impossível, ele imaginou que em um novo mundo seria algo simples. Ninguém o conhecia, seria fácil conseguir isso... mas... agora, quando ele encontrou pessoas dos mais diversos períodos possíveis, relatos falados, não escritos, por que... ele agiu desse jeito?

Ele olhou para  Elias fixamente enquanto questionava a si mesmo.

De início, ele pensou na possibilidade de ter sérios problemas sociais, mas isso não aconteceu com a serva... não, era como se houvesse algo mais intrínseco preso a si, gravado na carne por ferro e fogo.

Algo impossível de compreender...

Uma espécie de... droga.

— Hey!

Repentinamente Jun se aproximou de Sea, o qual já estava extremamente perto de dormir, imerso em pensamentos.

— Que que há velhinho?

— Hum... acho que meu já vi meu vô assistindo um desenho com essa frase.

— Está me fazendo sentir velho... tecnicamente sou para você, mas ainda assim... dói.

— Enfim, — ele não tinha muito interesse nas divagações pessoais de Sea. — achei que podíamos trocar uma ideia já que somos os únicos que têm a mínima ideia do que tá acontecendo.

— ...

Verdades sejam ditas, e sem querer menosprezar a inteligência dos outros invocados, mas é muito mais fácil que pessoas do século XXI discutirem sobre serem transportados a um mundo de magia. Seus cérebros estavam ais acostumados a alta exposição desse tipo.

Ao menos essa foi o motivo que Jun apresentou.

Ele então se sentou ao lado de Sea, e começaram a discutir.

— Bem, já sabemos que este é um jogo de entretenimento. Pense como... um grande coliseu só que com o tempo estendido, e conosco podendo escolher entre nos matar ou viver pacificamente. Por mais que seja um jogo de vida ou morte. — Sea começou resumindo a situação em que estavam.

— Vida ou morte não é um termo muito forte?  Teria sido mais simples algo como um coliseu normal.

— Se você vai ler uma história, se impacta mais com um personagem que aparece às pressas ou quando ele é apresentado por dezenas de episódios? Pois é, você deve ter sido informado sobre... um período de tempo de seis anos, e só um sobrevivente... isto deve ajudar em vários sentidos. Funciona como diversão para o público, gira a economia já que obviamente se devem ter apostas, gera eventos e festivais que mobilizam os grandes centros...  um bom artifício monetário, devo dizer...

Sea chegou a essa conclusão ao perceber que não necessariamente eram obrigados a brigar entre si. Se fosse do desejo de todos os seis invocados, poderiam viver os próximos seis anos pacificamente. Talvez houvessem alguns elementos impostos para movimenta-los, como o Mestre citado mais cedo. Ainda assim não podia ter certeza.

Quanto a economia, Sea chegou a tal conclusão quando comparou sua situação atual com “Os Aventureiros”. Mais pessoas com seus próprios pontos de vistas, ações e escolhas gerava uma maior diversidade de conteúdo de forma a ficar menos cansativo e mais interessante, trazendo mais público. Levando para o lado das apostas, eram como um bilhete premiado ambulante. Depois teria de confirmar com o rei.

O grisalho assentiu calmamente com tudo dito por Sea.

— Uma dúvida. Tem possibilidade de, na verdade, termos sido transportados para um jogo virtual?

— Tipo SAO?

— Cara, você realmente é de 2018 hein...

— Hum... vou levar como um elogio. —Sea pôs a mão no queixo e parou para pensar. Depois levantou um dedo após chegar a uma conclusão.— Me bate.

— E-eu não sou interessado nesse tipo de coisa...

— Não nesse sentido...! Ah, deixa.

Sea deu um tapa no rosto de Jun. Seus olhos não vacilaram nem desviaram. Encarou de frente qual quer que fosse a consequência por vir. A vítima pareceu ter perdido o foco dos olhos, sem conseguir acreditar no ato repentino. Uma gota de suor escorreu pela testa dos dois.

— Você...! — ao voltar aos sentidos exigiu uma explicação, senão, pararia de agir como bonzinho.

— Se fosse um jogo teria aparecido um cursor. Também, os Títulos não explicaram nada disso. Não deve ser esse tipo de mundo.

Jun na verdade queria que fosse um jogo. Afinal, dessa forma, ainda havia chance de um resgate pelo mundo afora. Seu mundo já possuía jogos do tipo, era até algo consciente para ele se questionar. Entretanto, como Sea mesmo disse, era algo fantasioso até mesmo para os padrões em que estavam vivenciando.

— Bem, então aquilo com que nos encontramos... a bola... você acha que é...?

— Não. — Sea foi curto e grosso. Isso sequer passou por sua mente, ele já tinha certeza absoluta de que aquele ser não é “Deus”

Jun se assustou um pouco com a resposta, mas não contestou. O próprio conceito era pessoal, essa discussão chegaria aos quesitos religiosos, ou seja, inútil. Deixou isso de lado.

O momento estava compassivo, e isto levou Sea a lembrar de seu objetivo inicial. Infelizmente não tinha interesse no mundo do futuro, ainda mais um tão perto do seu tempo... se fosse para conhece-lo, conheceria em primeira mão. No entanto, não era motivo para não conhecer mais sobre as pessoas. Sua missão de vida.

— Ei, você tinha família?

—Tinha sim. Tio, namorada... Boas pessoas.

— Pai e mãe mortos?

—Você é bem direto, não? Digamos que eles morreram quando eu era um bebê, então não interessa muito... E você, família?

Ele não esperava por uma pergunta de mesmo sentido. Toda sua vida foi vivenciada com os livros. Perguntava a eles tudo que queria saber, sem nunca dar nada em troca. Na verdade, ter tido sua vida posta em pauta foi um choque tremendo.

— ...

Sua família.

Por que não lembrava...?

Aquelas memórias jogadas bem no fundo da mente, encrustadas na alma para jamais serem tiradas... por quê...? Seu rosto fechou e sua ambição caiu.

— Tema pesado, então. — Jun deu de braços, com aquela reação, claramente ele não estava disposto a falar sobre o assunto.

Sea não lembrava sequer de seu nome, ele ainda se surpreenderia quando se olhasse no espelho, lembrava de pouquíssimas pessoas...

Seria isso realmente só uma péssima memória...?

Já que ele não queria falar não ia insistir. Jun se levantou, indicando que ia embora, mas ainda tinha uma pergunta importante que Sea queria fazer:

— Temos o irmão de robin hood; um cara que, provavelmente, lutou com Desmond Doss; a serva de Maggie Wall; aquele garoto tenho minhas suspeitas. Enfim, vê a relação?

— Todos são de épocas distintas?

— Todos têm relações com pessoas famosas.

— Seja direto.

— Que você também tem relação com alguém importante, e por algum motivo não compartilhou isso.

—...

Isso não era um argumento sem base, claramente todos têm relações com figuras históricas. Essa podia ser uma teoria duvidosa, mas não impossível. Talvez fosse só coincidência... porém era baixa.

Jun fez silêncio por um tempo para, por fim, negar com a cabeça. Deixou de lado sua própria teoria.

— Levando isso em conta, quem seria seu conhecido famoso, querido Mcfly? Talvez eu possa pedir um autógrafo!

Claramente Jun não queria mais falar sobre o assunto. Havia virado contra si.

— Sabe, eu não pretendo morrer ao fim desses seis anos...

E quase como se não tivesse ouvido, ou não quisesse, ele continuou andando.

...

— Ei, garoto!

— Huh?

Sea já estava em processo de hibernação, porém o fim do inverno chegou mais cedo na forma de Pietro, quem deu um forte tapa na sua cabeça e o chamou com força.

— Garoto, um teste, teste!

— ...O que foi?

— Mostre sua verdadeira força!

O moço de cabelo verde tinha um ar digno, e suas palavras não carregavam o mínimo de controvérsia. Esse era seu desejo mais claro e puro!

— Eu fui escolhido devido minhas incríveis habilidades, todos os outros aparentavam ter algo parecido. Mas você não tinha nada de especial. Na verdade, parecia um adolescente irritante.

— Desculpa...? — a forma como ele falou não parecia um xingamento, por mais que fosse o que as palavras davam a entender. Sea não soube como reagir.

— Então venha, me mostre seu potencial!

— Por quê? Seu doido!

— Uhum. — A muralha fechou os olhos e apontou para sua bochecha, também se agachou para facilitar.

Sea não queria tentar arruinar sua relação com os outros, e por isso não queria entrar em mais conflitos... mas ao ver o adulto zombando de sua cara fazendo careta, até mesmo seu diminuto orgulho entrou em chamas.

Usaria todos seus incríveis anos de treinamento de capoeira em prática!

— Yah!

No fim, ele acabou machucando o braço.

Esqueceu-se que capoeira os usava como suporte, desferindo a maior parte dos golpes com as pernas. Também um fator bem importante: é aconselhável que se esteja em pé.

— Você... você rostou meu punho!!!

— Quebrou? Você nem me...!? — disse ele abrindo os olhos e notou que seu adversário estava desesperadamente segurando seu braço para acalmar a dor.

Alguns minutos se passaram. Felizmente foi uma dor momentânea provinda de pouco exercício físico.

— Garoto, como você machuca o braço dando um soco em outra pessoa?

—Boa pergunta! Como isso é possível!? Você é a porra do capitão América!?

Não importava como Sea pensasse, era estranho. Ele tinha conhecimento de sua própria fraqueza muscular, mas não sentir nada com um soco na cabeça é... impossível. Essa pessoa claramente não era normal.

— Haha. Não sei o motivo de irritação, mas sou um mero soldado raso. — Ele riu por alguns momentos até parar por completo e encarar Sea com força. — O melhor deles! — levantou o indicador para sinalizar o número 1. — Se quer sobreviver ou pegar mulher, seja forte! A natureza não gosta de frangotes!

— ... Eu iria te chamar de louco, mas acho que realmente devo começar a me exercitar.

Precisava ao menos melhorar um pouco sua autoestima e sobreviver a esse mundo. Ambos precisariam de força. Porém, se tivesse de responder o porque de estar almejando isso...

Não, ele deixou esses pensamentos de lado e abanou a cabeça para os lados no intuito de esconder o enrubescimento do rosto e as ideias.

— Sabe, algum dia eu vou realmente socar essa sua cara. — tentou esconder a vergonha com raiva.

— Até lá, deixe de ser virgem. Sou imune a virgens.

— E-eu não...!

— Vai mesmo tentar negar?

— Hum...

Ele até pensou nessa questão, mas seria uma mentira tão óbvia que teria o perfeito efeito oposto...

Com a negativa excessiva de Sea o homem apenas gargalhou mais alto.

A situação era desconfortável, mas o moreno ainda tinha uma pergunta. Levado pela teoria do grisalho perguntou:

— A propósito... qual  sua relação com Desmond Doss?

— ...

Ele já tinha intenção de questiona-lo sobre seus feitos, mas Desmond Doss... não havia passado por sua cabeça, mesmo sendo bastante conhecido. Nem tinha como ter certeza que estavam no mesmo batalhão, ainda assim...

Por um breve momento os olhos alegres e castanhos da muralha mudaram como se, por um pequeno momento, perdessem totalmente o brilho alegre de antes.

— Olha só... nosso tempo acabou.

— ...?

— Bom, fica para o nosso próximo encontro. É uma história divertida para se contar quando estiver mal!

Pietro apontou para uma bola de brilho azul que apareceu no centro do salão que piscava repetidamente. Logo atrás estava o pequeno goblin.

— Invocados, agradeço pelo tempo e apresentação. Agora, serão todos mandados para seus respectivos reinos para iniciarem suas respectivas jornadas! —exclamou o serzinho verde.

Ao revê-los Sea lembrou de seu pequeno encontro com Atlas e sobre ter estado desacordado, por isso foi em frente e exigiu uma resposta

— Ei, por que eu fui o único a... Ah!

— Pela exclamação no final, imagino que tenha entendido o porque. Realmente, devíamos ter lhe tirado o Título! Ao menos em situações normais seriam assim... teve sorte do bom humor do Criador.

A bola de luz não pareceu se importar em sua primeira reação, mas em seguida, seu azul foi tornando-se um vermelho, e para ajudar a explicação, o goblin interviu:

Já perto de serem enviados de volta, Jun e Pietro se despediram de Sea, Mina o deu um tchauzinho com a mão e Jeff o ignorou, ou melhor, não quis interagir.

— Sea Scalding, certo?

— Hum?

— Te desafio a um duelo.

Elias apareceu subitamente por trás de Sea, e o fez este pedido sem mais. Seus olhos eram severos e suplicavam por uma resposta afirmativa. Também queria dar uma boa olhada nas janelas da alma desta pessoa...

— Hum, não. Só luto obrigado e se for o caso perco de propósito.

— Compreendido.

Elias então passou direto sem dizer mais nada, apenas com esse breve comentário. Rápido e rigoroso, deixando claro sua posição para com Sea, quem não se arrependia nem um pouco.

Ele devia sair pela mesma porta pela qual entrara, Predo estava lá fora, esperando por ele e sinalizando para que viesse. Sea deu de costas e foi em direção, ignorando todos os outros presentes.

— ...!

Do nada um sentimento conflitante.

Pouco antes de sair pela porta um calafrio percorreu sua espinha, forçando-o a detectar o motivo. Deu meia-volta e fixou sua visão no loiro que se distanciava...

Sea poderia não saber, porém, naquele momento... seja o que quer que tenha sido; intuição, sexto sentido... destino, uma sensação de presságio passou pelo corpo.

O futuro de ambos... seus respectivos fins... abalariam o universo da forma mais catastrófica possível, estando mais interligados do que se é possível imaginar.



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