Bom Demônio Brasileira

Autor(a): Trajano


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 6: Atlas

— Mas que filha da puta... — murmurou para si mesmo e apenas não continuou por ter se mostrado inútil.

Sea levou os braços até a cabeça para pensar melhor nas suas ações mais recentes. Talvez ter ido contra o Deus desse mundo não tenha sido uma boa ideia...

— ... — chacoalhou a cabeça para que o pensamento passasse.

Um pequeno lapso, não deveria chamar o Criador com a inicial maiúscula. Ele não atendia os requisitos de um Deus... agitou o cérebro mais uma vez. Não era hora para questionar suas bases religiosas.

Basicamente, demorou um tempo até que o garoto tivesse plena consciência que aquela bora era “Aquela” bola que havia encontrado. Tinha plena certeza que não viria a ser morto por um ato isolado, por isso fez o que fez. Sim, tinha riscos a correr, entretanto o motivo para ter feito aquilo era que...

Não queria ver o caminho costumeiro.

Havia visto o que acontecia ao ser respondido, procedimento normal; ao não responder, desmaio e perca da graça inicial; sendo um grande sucesso, surpreender a todos. Por fim, só faltava uma... a rota ‘rebelde’. Não teria chance de ver os desfechos novamente em seis anos, sem falar que não estaria participando novamente, então concluiu por si só.

Foi uma boa ideia? ... relativo. Ele tocou seu corpo para encontrar quaisquer feridas, porém nada diferente. Também lembrava de ter recebido um título. Sendo assim, imaginou ter tido um saldo positivo, já que sua curiosidade foi saciada.

— Hum...

Enquanto inspecionava seu corpo, atentou-se ao seu redor. Mais uma vez esse maldito lugar... parecia o perseguir por onde quer que fosse. Algumas vezes completamente negro, outra repleto de branco... significava algo?

Sim, a mesma existência sem superfícies, que parecia se estender até os confins da visão, sem deixar que quem estivesse lá tivesse noção de onde estava andando. Esse maldito lugar...

Na verdade, sempre que vinha parar ali era... um misto de melancolia e paz inexplicáveis... não sabia como reagir em relação a tal sentimento. Quis pensar um pouco sobre isso, porém fora interrompido.

O tempo parou e, como se respondesse instintivamente, seu corpo fez o mesmo. Virou o rosto meia-volta, e em sua frente estava uma figura... mágica. Mesmo que tivesse olhado ali há pouco tempo, aparentava estar lá desde sempre...

Os cabelos eram ondulados e azuis, como uma pintura pitoresca e antiga do mar. Seus olhos eram de um verde-ciano que casavam perfeitamente com os pelos. A altura quase chegava aos dois metros, parando pouco antes disso. Sua roupa se resumia a pedaços de tecido que se estendiam de seu ombro direito à cintura, a qual era circundada por uma tanga até os joelhos. O corpo era bem-definido, na verdade... toda sua aparência remetia a uma sensação de incomparável perfeição...

— É só você?

— ... ah...?

— Hum, sim. Deve demorar um pouco até se acostumar.

O ser levou quatro dedos até a testa e deixou o polegar perto da orelha, como se pensasse em algo. Em seguida cruzou os braços e deu uma volta completa por onde estava, analisando o local minuciosamente. Esperou até que Sea conseguisse se mover e curvou os lábios num sorriso.

Eu sou Atlas, — sua voz repentinamente ficou mais grossa. — filho de Urano e Gaia. Irmão de Epimeteu, Prometeu e Menoécio. Poderoso combatente da Titanomaquia e julgado a carregar os céus sobre os braços. Também conhecido como... Argh. Caham! Cár!

 O ser mitológico começou a tossir em meio a sua apresentação. A aura implacável e a sensação de inferioridade que Sea sentia logo sumiram, dando espaço a uma sensação estranha de falha no roteiro. O Titã segurou sua garganta com uma mão e com a outra estendeu para a frente.

— Irei lhe acompanhar no seu leito de morte.

— Não isso, burro! Cof...! Uma balinha...!

— Huh...?

Sea não sabia o porque, mas já não tinha gostado dessa pessoa na sua frente. Genuinamente pensou que fossem seus momentos finais... não, desejou.

Assim que a palavra ‘balinha’ foi compreendida pelo cérebro, subitamente uma caixa de pastilhas apareceu em sua frente, a qual foi usada pelo Titã para recuperar sua tosse.

— Isso, melhor. Caham... eu...-

— Não vai colar mais.

A intenção da divindade era clara: continuar sua apresentação melodramática. Porém, após esse desenrolar vergonhoso, toda a imponência que possuía em seu ser parecia ter se perdido. Sem falar que provavelmente só voltaria a ter mais uma crise de tosse.

Sua expressão parou por um momento, e no instante seguinte sua expressão mudou para uma tristonha. Seus olhos desceram e o queixo caiu ao chão. Segurou os cabelos com ambas mãos para tentar se acalmar com pressão extra, porém não adiantou.

— ... — Sea não quis esperar que ele se recomponha. — Então, tenho como requisitar um pedido de troca...? Um tipo de SAC...?

— Não, isso não é possível e...! Por que se refere a mim como um produto!?

Atlas gritou de volta ao ser tratado como um item, entretanto logo voltou a um rosto distorcido ao ver a face séria de Sea. Uma gota de suor escorreu pela face...

— Eu esperei tanto por esse momento... mas logo no início me juntaram a um invocado inútil... até aqui meu castigo continua...?

— Ei, tô ouvindo, e até agora você é o único problema da relação, não eu.

Com o pouco dito Sea podia facilmente entender o que estava acontecendo. Atlas era o título com o qual havia sido agraciado, assim como as outras cinco pessoas no salão. Vendo a reação dele e sua forma de agir pensou que realmente suas ações anteriores não foram a melhor escolha...

— Enfim... você é tipo meu poder especial, certo? Têm vários outros que prefiro, tem como mudar? — Atlas o encarou com um misto de raiva e ressentimento. — Quero dizer, não tô a fim de ganhar um poder como resistência ou força... na verdade, pelo que me lembro é bem inútil.

Se tinha algo que Sea conhecia como a palma da mão era história, e mitologia era um de seus pontos fortes. Pelo que se lembrava Atlas não possuía nenhum grande diferencial ou era melhor que outras entidades. Lutou na Titanomaquia, foi derrotado, ergueu os céus, andou por uma cordilheira que posteriormente ganhou seu nome e... só.

— Se eu puder escolher, aceitaria algo como... Zeus? Clichê mas sendo forte tá certo. A propósito, só vale mitologia? Algo como Lobato também não cairia nada mal... Ah, pode reis!? Dom pedro II n-

— Cale-se!

Atlas caiu de joelhos no chão. Não de dor ou por outra crise, era um receio profundo com a pessoa em sua frente... a simples ideia de ganhar esse jogo com ele chegava a ser ridícula. Ficou decepcionado.

— Depois de tanto tempo esperando... como vim a ser entregue logo a você, que não tem nada de especial fora uma cabeça quente e distúrbio de personalidade...?

— Ei, a gente mal se conhece, também não precisa exagerar... — seu coração foi ferido internamente.

— Não falando, mas conheço você e tudo que passou com seus próprios olhos... Droga...!

— Ow, como assim?

Sea se aproximou da figura e questionou com cuidado. A passagem ‘conheço você’ gelou sua espinha. A claridade de seus olhos foi sumindo lentamente à medida que se aproximava... Atlas não parecia estar de volta a si, então não deu atenção.

— Cala a boca! Me deixa pensar!

— Não, cala a boca você! — Sea entrou em contato e o segurou pelas roupas, por mais que sua falta de força não o houvesse permitido levanta-lo. — Eu fui invocado para a porra de um mundo novo e sinceramente estou bem confuso, por mais que tente não transparecer! Você é meu título inicial, e isso serve como um guia, correto? Fala o que tem de falar e me explica!

Ao terminar, notou que estava sendo exatamente o que negara: cabeça quente. Mesmo estando parcialmente certo, não queria levar a conversa a tomar tal rumo. Não tinha informações nem o quão importante a pessoa em sua frente era, e aparentemente não estava sob restrição direta... cautela era necessária.

Atlas olhou com um pouco de desgosto para a reação e se livrou do agarro quando Sea relaxou o braço. Deu três tapas na roupa na intenção de desamassar e olhou com cuidado os olhos de Sea enquanto recuperavam o brilho... aquela rápida passagem despertou seu interesse.

— Como forma de melhorar nossa comunicação, me foi permitido ter total acesso às suas memórias uma vez, e praticamente vivi sua vida. Sei de você tanto quanto pensa. E com base nisso percebi que você é uma péssima pessoa para viver essa vida.

— Você... você... Gah!

Um efeito parecido com o que aconteceu momentos após ser invocado estava acontecendo novamente, porém, diferente de antes, simplesmente levou a mão ao coração na tentativa de se acalmar. Pouco a pouco seus sentidos nublados voltaram ao normal, e não cuspiu sangue.

— Sobre isso, vai explicar?

— ... O quê...? Já não viu minha vida toda...?

— Ver não é entender.

— Você viu...

Sea sentou e juntou as pernas retraídas. Então alinhou os braços e deixou os cotovelos tocarem os joelhos, protegendo-se como um ovo. Seus olhos estavam extremamente largos e pânico corria por suas veias. Ele murmurava ‘você viu...’ durante o processo.

Atlas pausou por alguns segundos. O garoto que estava em sua frente era extremamente diferente do que vira em suas memórias. Por quê...?

E então percebeu.

Era por esse motivo.

Uma sensação ruim trespassou o peito de Atlas. Olhou para todos os lados no intuito de descobrir o motivo, mas sem resposta. O mundo parecia girar, quebrar e se recompor. Rachava como um recipiente sendo destruído lentamente de dentro....

— Você... — os olhos de Sea não eram normais, refletiam seu interior por inteiro. — me #####...? — estavam completamente negros.

Os poucos cantos tomados pelo branco se tornaram negros, como se cobertos por uma gosma preta e pegajosa, que uma vez em contato não sairia mais. Ela se expandia, tomava conta de todos os arredores, chegando cada vez mais perto dos dois ao centro... ter dito #### foi a gota d’água.

Atlas percebeu o que estava errado, e correu até o garoto. Se não o parasse agora, aí sim tudo estaria acabado. Pôs cada mão na respectiva bochecha do invocado e segurou com força, então forçou que erguesse sua feição.

— Eu estou aqui!

— ...

— Não sou um humano comum, não vou te julgar pelo que fez ou deixou de fazer, esse não é meu trabalho...!

Seus olhos cianos pareciam adentrar o interior da pobre criança perdida, percorrendo todo seu interior em busca do que quer que o estivesse afetando. O corpo emanou uma energia fraca, esboçada e azul. De pedaço em pedaço o brilho dos olhos de Sea foram voltando, diferenciando sua iria da completa inexistência de cor.

Assim que o mundo voltou ao normal e Sea parou de alucinar, Atlas se levantou e deu um suspiro de alívio. Deu uma checada em seus arredores para ter certeza que nada estava com defeitos e retomou seu olhar sobre o garoto ainda estático.

— Eu sofro, não faço sofrer... — de certa forma, uma faísca de lucidez o preencheu.

...

 — Bem, como imaginava, eu sou uma espécie de ‘poder inicial’ dado aos invocados. Você deve ter ouvido sobre vários outros títulos na Escolha, e por mais que a ideia seja entregar poderes às pessoas tendo em base um Título... nem todos permanecem exatamente como você conhecia. — ele pensou em ressaltar que havia visto o que Sea sabia sobre sua história ao ver sua vida, porém preferiu esperar mais um pouco. — Minha história difere um pouco do que sabe. Sim, fui um Titã e lutei na Titanomaquia, então fui castigado a segurar os ‘céus’ sobre os ombros. Por fim acabei sendo liberto e vagando pelo mundo, até que encontrei Poseidon e perdi em um duelo, sendo então recebido como seu filho após desbravar a cordilheira a qual recebeu meu nome, terminando por ser o primeiro rei de Atlântida.

— Cara, Poseidon...? Bem, existiam variáveis na sua história sobre se tornar rei de Atlântida depois do castigo, mas filho de Poseidon é meio viajado... você é o quê, Percy Jackson?

— Hum, de acordo com suas memórias existe algo parecido... parece, né? Até apareço no terceiro livro.

— Como um péssimo antagonista, diga-se de passagem. — na verdade Sea até gostava do antagonista do terceiro livro, porém não deixaria a chance de cutucar Atlas passar.

Pensando por um lado, fazia pleno sentido que houvessem mudanças nas histórias. Obviamente não existiram todas as mitologias e Deuses no mundo de Sea, e o Atlas em sua frente meramente era um emaranhado de memórias, tendo não vivido sua própria vida.

Não pôde deixar de se decepcionar ao pensar nisso...

— Quanto aos títulos em geral, qual a variedade?

—Títulos podem variar de deuses, titãs, heróis, semideuses, pessoas que existiram, pessoas que possivelmente existiram, pessoas que não existiram, pessoas famosas, políticos, ativistas locais etc. Quase tudo pode ser um título, e a vida dessa pessoa ou fatores relacionados constituem um tipo de “poder” que é dado para quem o possui. — ele limpou a garganta após falar tudo isso e abanou com sua mão. — A propósito, sou um extremamente poderoso. Tem bastante sorte de estar ligado a mim.

— Hum, sei não... cê parece ser um bem mixuruca na real. Eu diria que você tem sorte de ficar comigo...? ...?

Em meio ao pensamento Sea duvidou dos seus arredores. O que estava pensando por algum motivo estava sendo verbalizado...? Foi o que pensou. Não havia falado, mas sua voz escapuliu. Antes que percebesse estava atiçando ainda mais Atlas com seus pensamentos duvidosos.

O ser mitológico levou dois dedos à cabeça para aliviar o estresse e começou a explicar.

— Essa é sua mente, e é um trabalho árduo deixar tudo que pensa fora dela. Se não tiver autocontrole coisas do gênero voltam a acontecer. E exatamente por estarmos em um plano não físico você não cuspiu sangue em meio ao seu chilique. — finalizou cruzando os braços enquanto fechava os olhos.

Ainda deixou um olho aberto para analisar a reação de Sea ao mencionar o seu problema anterior pelo qual não haviam ideia da origem ou motivo, entretanto ele apenas ignorou e assentiu pelo novo aprendizado.

— Enfim... vou ganhar uma arma mágica? Tipo, um tridente ou uma bola mágica? Geral no salão ganhou um.

— Hum... — o aperto dos seus braços afrouxou e uma gota de suor escorreu pela testa. — Não possuo nada do genêro... sou um título sem equipamentos.

— Cara, até o Percy Jackson tem um tridente! Um tridente, uma arma hiper foda, por que cê não me dá um!?

— Meça suas palavras antes que eu enfie um tridente na sua goela.

Como Sea já estava pedindo pelo impossível, Atlas se irritou e jogou três dedos para a frente no intuito de criar um tridente. Sea sentiu um pouco de sinceridade então parou de ser insistente. Deu dois passos para trás como forma de se proteger e com um “hur...” mudou de assunto.

— Então, sem equipamentos você disse, né? Títulos têm classificações?

— ... — fechou os olhos de forma ameaçadora para ter certeza que o invocado não faria gracinhas e se pôs a explicar. — Não é uma repartição necessária, mas podem ser divididos em três: títulos armados, que apenas agraciam seu invocado com equipamentos; títulos mágicos, que trazem poderes não relacionados a objetos físicos e Títulos mistos, como dá para se imaginar, possuem ambos.

Realmente era uma explicação simples e um tanto quanto desnecessária, ainda assim Sea gravou em sua mente. Como era uma conversa calma ele se sentou de pernas cruzadas e enquanto balançava questionou:

— Qual o melhor?

— No final o que decide o título mais forte é como o invocado usa... geralmente. Por mais que no geral os invocados mais fortes possuíssem Títulos Mistos.

— Então você é um Título de terceira categoria!

— E-eu não sou!

Sea abruptamente apontou o dedo com os dizeres. Afinal, se o que Atlas dizia era verdade, sua categoria era a pior. O próprio percebeu essa pequena gafe e por esse motivo recuou com sua aura ameaçadora. No fim Sea disse “Desculpa. Eu realmente não consigo pensar aqui.” e abanou as mãos na intenção de esquecer esse desvio.

— Mais algo que eu precise saber sobre os Títulos?

— Também existem os Proxies, allxies, bornxies... mas acho que, por agora, para melhorar o entendimento... Respectivamente: pessoas “meio títulos”, “pessoas título” e pessoas que nascem/adquirem títulos. Os dois primeiros não consigo encontrar as palavras certas, é algo que se precise ver com os olhos... já aqueles que nascem com títulos ou os adquirem sem ter feito o teste são extremamente raros, apenas possuem poderes passivos, e não podem ser detectados com exatidão.

Sea gostaria de saber um pouco mais profundamente sobre os três, mas levou em conta que Atlas estava dando todas as explicações de uma forma bastante simples e entendível. Sendo assim, não estava negando explicar sobre os ‘ies’ por comodidade.

— Ah, antes de ir pro próximo tópico... por que exatamente o rei não pôde me explicar isso antes? Imagino que esse conhecimento que eu esteja recebendo seja geral nesse mundo.

— ...

A reação de Atlas deixava claro sua irritação por Sea ter acertado bem na mosca. Sim, como era um jogo cultural e extensamente conhecido, as pessoas tinham de saber suas regras. Não se tem a mesma experiência ao assistir um jogo de futebol enquanto não souber as devidas regras. Saber os limites e jogadas possíveis são parte do que gera a emoção.

Claro, como dito, Sea era uma ‘invocação falha’, não tendo conhecimento mínimo sobre o mundo em que estava. Normalmente os invocados possuem o mínimo de conhecimento; alguns mais, outro menos. Variando bastante por sinal. Este mundo não tem ligação direta com a Terra, nem com o Aprovador.

Porém, antes da Escolha lhe foi dado uma parte das informações, e lhe foi restringido tudo sobre os títulos, e não conseguia ver motivo para tal. Entretanto a explicação para tal acontecimento foi extremamente inesperada...

— É... legal, beleza?

— ...

— Hur...

Atlas conseguia imaginar a forma como Sea reagiria, e o próprio fez de acordo: uma cara completamente neutra, como se não pudesse acreditar no que ouvia. O Título gemeu de desconforto por isso.

— Continuamos tendo uma vida, esperando para sermos ligados a um invocado... e é um acontecimento raro, certo? Queremos aproveitar um pouco da emoção, e pode não parecer, mas esses momentos de explicação são bastante esperados... N-não que eu seja um desse tipo, realmente não me importo com você! — Sea sorriu ironicamente para essa clara mentira. — Só que alguns títulos levam isso muito a sério, e se tiverem a diversão cortada podem acabar mais atrapalhando que ajudando. A relação entre Título e quem o possui é mútua e delicada.

Em síntese, tirar a emoção de um título — a depender do temperamento dele — o faria perder parte da emoção do Jogo. Afinal, eles de certa forma são participantes. Dessa forma são como uma adaga de dois gumes, e pelo que Atlas dissera, podiam causar problemas graves...

Todavia ainda tinha dúvidas sobre essa restrição. Parecia um pouco simples demais... deixou de lado e aceitou por, provavelmente, ter tido algum acontecimento de tamanha magnitude que criara essa regra informal.

Sea não conseguia imaginar Atlas fazendo algo para prejudica-lo, ao menos nesse quesito pensou ter tido sorte. Seus poderes eram um mistério, no entanto não tinha grandes expectativas... o que lhe levava ao seu próximo tópico.

— Então, quais são os poderes que eu ganho tendo você? Água e o quê?

— Bem, tipo isso. — disse o titã apontando para sua cabeça.

— Mas não tem nada aí... Ah!

Subitamente orelhas de animal brotaram em sua cabeça, além de um rabo. Foi tomando forma até se parecer com vários animais diferentes, e Atlas acompanhou ‘ Gato, porco, cachorro, leão...’ tinha um ar de comicidade enquanto o fazia.

—Isso é tão... inútil! Por que eu precisaria dessa merda!? Quando eu estiver em confronto contra um inimigo mais forte vou fazer o quê!? Me prostituir para satisfazer os fetiches dele?

— Ah... Ah... Ah...!!! Isso tá na minha mente! Tá na mente! Como apaga!? Como volta no tempo dez segundos, quando esse pensamento não existia...!?

Claramente Atlas estava dramatizando um pouco, entretanto o mero pensamento de Sea... Urgh. Ele teve de engolir um pouco de saliva para superar isso. Chacoalhou a cabeça para ver se ficava zonzo e continuou.

Bruscamente seu corpo começou a diminuir, assim como suas roupas, até ele ficar do tamanho de uma maçã.

— Eu... acabei de me imaginar usando isso para satisfazer outro fetiche nojento, e não curti muito...

— Eu. Não. Gosto. De. Você. — para o novo pensamento perturbador em sua mente, Atlas rugiu para o causador disso tudo.

O primeiro poder não era útil, de forma alguma. Talvez para infiltração em um reino de pessoas-bicho...? Tinha essa possibilidade, porém Sea sequer sabia se existia essa espécie nesse mundo. Quanto ao segundo, poder mudar de tamanho, era mais útil, e podia imaginar facilmente as possibilidades, por mais que não chegasse a ser algo extremamente poderoso...

O primeiro poder vinha da crença que seres mitológicos podiam se adequar aos seres da natureza, Atlas aparentemente se encaixava. Diminuir seu tamanho era pelo mesmo motivo.

— E-então... nem super força?  Quero dizer, você é conhecido por segurar os céus sobre os ombros, então ao menos...

— ... — o silêncio do ser encolhido falava mais que mil palavras...

Sea cruzou os braços e compulsoriamente levou o indicador para cima e para baixo, pensava com um rosto bem sério sobre o assunto. Após algumas respiradas profundas ele abriu os olhos determinado e brandiu:

— Inútil! — a força da voz foi tamanha que Atlas retrocedeu alguns centímetros. — Então, você não tem mais nada para me mostrar? Digo, é só isso? Nem um escudo extremamente overpower cheio de poderes, uma habilidade para que eu evolua bem mais rápido ou... não sei, até o poder da amizade serve, chama os Ursinhos Carinhosos!

— Não tenho nada disso e você sabe! — Atlas rugiu de volta, até para ele estava sendo diminuído de mais. — Eu tenho diversos outros poderes, esse é o meu forte, minha incrível variedade de poderes te transformará em um cheater rapidinho! Só não perde por esperar!

— Botei expectativas... Mostra! — exclamou animado.

Atlas trocou sua cara triunfante por uma séria, então baixou o olhar, como se envergonhado pelo que acabara de dizer. Ele não estava mentindo, mas... ah... esse maldito ‘mas’...

— Eu... não posso...

— Por quê?

— Os meus... Poderes variados não podem ser usados aqui... estamos na sua mente, só nós dois. Esse é o tipo de coisa que se mostre no mundo real...

— Você é como um cão que ladra mas não morde, né!? Não duvido que tenha perdido a Titanomaquia por sua causa!

— ...

Após essa última fala, Sea deu meia-volta e amaldiçoou a si mesmo. Talvez ter recebido Atlas como Título realmente houvesse sido uma punição vinda do Criador pelo seu desrespeito...

Nem o básico havia recebido, na verdade. Nem força nem resistência. No máximo, pelo que Atlas dissera anteriormente, uma habilidade passiva com água, mas ainda não havia especificado... “Sim!”, pensou interiormente. Talvez ele por si só fosse inútil, porém Poseidon era poderoso, então sua passiva de água devia ser maleável... Apontou um dedo para cima e ficou de frente para Atlas.

Até o momento brigavam como duas crianças mimadas e rabugentas, como se amigos de infância conversassem um com o outro. Possuíam uma boa química até o devido momento, porém a última fala de Sea havia sido desastrosa...

— Então, sobre a água... Quê?

Antes ele tinha dúvidas do porque o humor dos Títulos serem levados com tanta consideração ao ponto de lhe negar informações, e agora, frente a frente om um Atlas totalmente sério, havia chegado em uma resposta.

Não era mais a pessoa boba, infantil e de péssimo linguajar de antes. Por um momento Sea sentiu o expressar de uma divindade focada naquele pequeno ser... Seus cabelos ondulados e azuis pareciam se movimentar, acompanhando seu sentimento de rebelião. A melancolia, tristeza, ansiedade... não parecia, mas aquele em sua frente havia as memórias de um ancião de vários milhares de anos...

Era Atlas, O Sofredor, em sua frente.

Ainda queria tirar algumas dúvidas sobre alguns assuntos, como a Nomeação, que já falavam há um tempo. No entanto, antes que tivesse essa dúvida sanada.

— Acho que acabamos por aqui, Sea... qualquer coisa.

Um mero abanar de mãos foi o suficiente para deixar sua mente nublada. No fim das contas, nem mesmo o mais poderoso mortal poderia se equiparar ao mais fraco Deus...

— Você não está preparado para o Peso que carrego... sua atitude prova isso. É falho.

O chão sob seus pés desapareceu, dando-lhe uma certa sensação de déjà vu. Desconforto percorreu sua espinha pelo súbito acontecimento, e apenas um grito fraco pôde escapar pela garganta.

— Os Sentimentos não são algo tão leviano.

Antes de ter sua consciência jogada para outro lugar, outro plano... conseguiu escutar algo parecido com uma gota d’água pingar sobre o chão.

Porém sua origem jamais poderia ser comprovada.



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