Bom Demônio Brasileira

Autor(a): Trajano


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 4: Predo

Enquanto caminhavam rumo ao quarto do rei Sea comentou sobre o tamanho da construção, indagação a qual a serva respondeu. Como andava um pouco na frente subiu os olhos como se olhasse para trás e juntou as mãos por trás das costas.

— Hum, não chega a ser tanto. — ao perceber a fala extremamente patricinha deu uma tossida e se corrigiu. — Quero dizer, não tanto se comparado ao reino de Diocleci. São seis reinos... você sabe isso, né? — Sea assentiu. — Bem, Domecia ganhou os dois últimos jogos, então eles estão em um ritmo acelerado de crescimento. Diria que esse castelo seria o terceiro maior dos seis reinos.

A ideia de seis reinos lhe agradava. Só de pensar quantas histórias, culturas e vidas banhadas de novos elementos fantasiosos poderia explorar o deixava excitado! Um mundo que não se encontra em livros ou recordações...

— De onde vim a única coisa que chega perto são os p... — ia falar sobre ‘políticos’, mas ao recordar o que realmente são se corrigiu. — Pilantras. É, conseguem bastante coisa por meios ilícitos.

— Ladrões, hum? Entendo, também são um problema aqui.

Por definição os políticos são agentes do governo que influenciam o estado. Nas entrelinhas significa que são agentes do bem. Tendo isso em vista Sea nunca chegou a conhecer políticos, apenas parasitas. Ainda mais em seu país dominado por esses malucos. Não que isso lhe demarcasse como alguém contra o estado.

— Por mais que a situação tenha se acalmado. Ao menos por aqui. Soube que Diocleci, ao nordeste, está com uma taxa de crimes perto de zero, mesmo que já venha sendo assim há um tempo; Aurel, leste, está apenas piorando, mas devido os conflitos políticos é de se esperar; Lígula esteve sob ataque de bestas mágicas há alguns anos, porém enviaram para lá há alguns meses um ‘remédio’; Cômodo enfrenta seus problemas de sempre... bem, devido a economia do país é irreversível e Tiber... é, agora não sei. — ainda ficou um tempo com as mãos no queixo pensando sobre como falar sobre os quatro reinos não humanos, entretanto sem informações o suficiente achou melhor não explicar.

Sua fala foi bem longa e um tanto quanto pensativa. Sea se impressionou com o quanto de informação conseguiu em tão pouco tempo. Seus olhos brilharam em excitação, principalmente por cada país aparentar estarem sob sistemas diferentes...! Só de pensar nas futuras aventuras seu sangue fervia.

— Ah, isso não é de seu interesse, né? São assuntos bem chatos mesmo... — por ver seu companheiro paralisado pensou assim, por mais que fosse o perfeito contrário. — Ah! Aconteceu tanta coisa ontem e hoje que quase esqueci sua posição... você vem de outro mundo, certo? Não me importaria de ouvir histórias sobre lá também.

— Opa! O que quiser. — a única coisa que gostava mais que ouvir histórias era conta-las. —Temos tempo de sobra pra te contar tudo! Da era das cavernas às belezas tecnológicas da Segunda Guerra! Se quiser algo não ficcional também sussa!

— Hum... haha.

— ...?

Para a proposta de Sea a garota soltou um pequeno riso, e isso com certeza não era a reação esperada. Ela retrocedeu alguns passos e ficou perto, estando nivelada.

— É só que você é bem mais divertido quando está são.

Foi um comentário bem pontuado se levado em conta que a garota só havia conhecido um Sea calado — logo após a invocação — e o chorão — logo depois de acordar. De interação verdadeira só tiveram uma pequena conversa entre esses dois pontos, e esse atual.

— Não que seja grande coisa, não se deixe levar. — odiaria vê-lo agindo de forma presunçosa. — Comparado ao seu de ontem logo após a invocação a companhia de uma ameba é melhor.

E bem quando foi ponderar sobre tal acusação, a serva soltou um “ Ah! ” de surpresa e parou de repente. Juntou os dedos das mãos fora o polegar e disse com um sorriso gentil:

— Bem, é aqui.

A porta abriu como se acompanhasse o anúncio da serva. Era uma porta bem maior que a média por qual passara, e seu entorno era de uma madeira escura e polida, com um centro mais pálido. Tudo em um formato de arco.

Do outro lado da entrada surgiu uma figura perto dos quarenta, com seus cabelos já entrando na última idade, a velhice. Sua presença era impositiva, esse era o peso de ter milhões de vidas sob seu comando. Sua altura excedia os 1,80m, auxiliando a aura que passava. Tanto o garoto quanto a empregada se surpreenderam, entretanto só Sea deu um passo para trás.

— E-esse é o rei de Domecia, Petro Sextus e...

— Pois bem, pode entrar. — a fala formal veio do próprio rei, já que a serva parecia tonta com sua aparição, conseguindo concluir apenas as apresentações.

Uma gota de suor escorreu pelo rosto da ruiva e ela se distanciou. Juntou as mãos em frente a cintura e se curvou, desviando logo em seguida de caminho. Sea estranhou que ela estivesse agindo como sua posição indicava, mas até mesmo o mais imundo escravo agiria dessa forma em frente a autoridade mais poderosa do reino.

— Claro...

— Hum, não, espere.

Enquanto Sea entrava no quarto o rei parou a si mesmo e fechou a porta. A serva virou pelo barulho, mas foi expelida com um movimento de ‘xô’ das mãos do rei. Ele deu meia-volta e falou apontando para a frente:

— Vamos andar um pouco. — Disse pouco antes de seguir em frente.

Sea não entendeu exatamente o motivo da súbita mudança, e só acompanhou. Assim que perderam de vista a serva o rei começou:

— Não se preocupe, ainda vão ficar um bom tempo juntos.

— É...? — ele retraiu por ter sido essa a primeira coisa que o rei lhe dissera. Como se estivesse interessado nela.

— Bem, se você não sabe sobre nada mesmo é um evento raro. Em geral todos os invocados são aprovados pelo Aprovador e em seguida explicados ao menos minimamente. — ele parou de uma só vez e virou rapidamente para Sea. — Realmente não sabe de nada?

Ele pôs sua mente para trabalhar, porém não encontrou nada relacionado. Claro, quando pequeno ouvia histórias sobre mundos fantasiosos e grandes feitos, grande parte imaginara serem apenas seu avô se glorificando em frente a uma criança inocente. Se aquilo era ou não... bem, independente disso não lembrava de nada específico, então negou com a cabeça.

— Imaginei quando fez aquela cena no salão de invocação, — vulgo salão principal do rei — sabe, estava sendo transmitido... não causou uma boa impressão. Por aqui possuímos pequenos apetrechos que transmitem os invocados em certos momentos, a invocação era um deles. — explicou de antemão, por já saber que Sea o perguntaria.

Sea imaginou que, como dito no livro, este era um jogo cultural no reino, criado para algo parecido com diversão(?). Não tinha certeza, ainda havia muito a explorar. Sendo assim o rei iniciou os devidos preparos:

— Basicamente existe um jogo aqui que perdura há 204 anos. Os seis reinos humanos, a cada seis anos, recebem um invocado de outro lugar, seu mundo. Simplificando bastante, o trabalho de vocês é sobreviver o máximo possível. Com isso, o último de pé receberá três desejos, e o reino vencedor, a glória, que é como uma bênção

— Imaginei que seria algo do gênero, mas... o motivo?

— Bem, isso já é mais profundo. — Predo respirou fundo e continuou. — A humanidade foi criada aproximadamente há trezentos anos, cada reino em seu devido lugar, com sua população... porém isso trouxe tempos de melancolia. O povo não sabia decidir o que fazer, não possuíam egoísmo em si... pelos registros eram tempos Nefastos. Houveram várias coisas quanto ‘O Primeiro’ e o Messias, porém relacionado diretamente ao jogo... foi uma forma do Criador entreter seu povo sem motivo de vida

— Entendo...

Claro, não entendia. Disse apenas por formalidade. Imaginou que esse mundo num geral possuísse algo próximo de trezentos anos — por mais que no momento houvesse sido apenas uma confusão. Também os termos ‘O Primeiro’ e Messias o chamaram atenção, no entanto antes de se aprofundar na história desse mundo devia saber o jogo em seu estado atual...

Quanto ao motivo, era uma resposta satisfatória. Gladiar sempre foi uma forma de entretenimento na humanidade, tanto no passado quanto presente. Apenas os coliseus foram substituídos por jogos olímpicos. Isso sem falar o que se faz por fora da lei...

— Seja no meu mundo, seja num diferente, a essência da vida não muda... — ele murmurou para si mesmo. O rei acabou ouvindo, mas não falou nada. Não queria estragar o sorriso no rosto do jovem.

Algo que aprendeu com anos de estudo, por mais que seja um elemento simples, quase senso comum. A vida segue um ciclo, e querendo ou não certos aspectos continuarão a se repetir. Diversão e competitividade é um deles.

— A propósito, vocês são criacionistas, né?

— Sim, e o único Deus em que acreditamos é o Criador, por quem chamamos de Liv... opa, chegamos.

Ambos pararam em frente a um buraco em forma de arco feito no meio da parede, como uma ponte. No seu interior tinha um gramado verde repleto de arbustos. O teto era inexistente, então uma grande quantia de sol entrava, além do céu azul ser completamente visto. No centro do campo estava uma árvore de porte médio. Dois servos se encontravam no lugar, assim como dois guardas, contudo com a entrada do rei os quatro se curvaram e saíram.

— Aqui é algum lugar especial?

— Sim. Essa é uma árvore plantada há algumas gerações. Foi presente de um invocado bastante poderoso, dizendo que ela decidiria o fim desse... Ei!

— É gostosa.

Antes que o rei pudesse terminar, Sea pegou uma fruta, algo parecido com uma beterraba amarela sem a parte de cima e mordeu. Predo respondeu rápido, quase lhe tirando a fruta, mas Sea desviou.

— Se fosse tão importante assim não teria deixado tão desprotegida. Meh, prefiro maçã...

— ...

De certa forma a árvore era de extrema importância, ou assim era tratada pelos monarcas anteriores...

— Você tem sorte de não ter feito isso há trinta anos... e que não me importo tanto com tradições...

— Assumiu há quanto tempo?

— Trinta, mesmo.

“Um da Vanguarda...”

Não se ater a tradições era o primeiro passo a se criar uma nova tradição. Talvez esse rei fosse o primeiro de muitos a encerrar um ciclo e, consequentemente, começa-lo. Sea tremeu só de imaginar estar no início disso tudo, vendo de camarote.

— Há!

— ...!

De súbito Predo deu uma risada alta e em seguida parou. Essa forma de agir o lembrou de um certo acontecimento do passado...

— Você lembra minha esposa. Conheci ela de uma forma parecida.

— ...

Talvez fosse um conceito que transcendesse a compreensão, mas em muitas mudanças catastróficas uma mulher era o principal motivo... assim como a guerra de troia... Sea apenas pôde dar de braços com esse pensamento incerto. A verdadeira justificativa do rei romper com tradições...

— Bom, eu poderia responder muitas outras perguntas, mas acho que existem pessoas mais capacitadas. Caso sua guia não tenha lhe falado, amanhã você deve ser enviado ao centro do país, ao castelo do Mestre atual de Domecia, onde será treinado. Ele é quem deve ajuda-lo propriamente sobre as questões quanto ao jogo e sistema de magia daqui. Claro, cada invocado tem seu respectivo mestre de seu respectivo reino

— Ah, seis...! Então, vou conhecer eles agora ou só no fio da lâmina?

— Em breve, bem breve. Não nos apressamos quanto ao jogo, por esse motivo no início se tem trégua entre os invocados. Você deve encontra-los logo. Os reinos estão em paz, afinal.

Para essa resposta Sea apenas pôde dar uma risada forçada. Não importava o quão perfeito fosse esse mundo, se é constituído de humano, terá conflitos, quer tenha um Deus quer não tenha. Isso é inegável. Se o rei estava omitindo algo ele não sabia, no entanto tinha certeza de que seu pensamento não estava errado. Levava como uma lei de vida.

— A propósito, sei que possa ser um pouco delicado, mas... quais são suas habilidades...?

Era uma pergunta bem lógica. Assim que chegou Sea cuspiu sangue, se fosse uma doença desconhecida ou que contasse seus dias, não teria porque investir em sua vitória no jogo. Muito provavelmente o reino vitorioso ganhasse as graças do Criador, entretanto também influenciava o cenário político, turístico etc. Não era algo a ser levado na brincadeira.

— Eu danço capoeira!

— ...? Não conheço esse tipo de dança, e por mais que ajude com fadas, não vejo como...

— Capoeira também é uma luta! — interrompeu o rei enquanto concluía. — Ah, espera, fadas...!?

A menção pelas jovens donzelas de asas lhe chamou atenção, entretanto o rei não deu importância para essa súbita curiosidade e continuou.

— Se importaria de testar suas habilidades?

— Quê...? Tipo uma luta treino?

— Sim, também quero ver sua condição física. Poderia ser agora, todavia já parece passar das duas... têm mais algumas pessoas que quero que conheça.

Sem explicações para essa última fala o rei fez alguns movimentos com a mão para um guarda no exterior. Posteriormente duas moças entraram pela porta, as mesmas do dia anterior. A mais alta e velha ia na frente, com a mais nova lhe usando de escudo. A rainha e princesa daquele lugar.

— A bela mulher na frente é minha esposa e rainha de Domecia, mas pode chamá-la de Synthia, Synthia Sextus. E a beldade ao seu lado é ninguém mais ninguém menos que minha filha, a princes. — a princesa pôs um olhar de satisfação por finalmente ser notada. — Seu nome é Milia, mas chame-a como preferir.

— Ei, por que minha apresentação foi diferente!? — a jovem rosnou por cima do ombro da mãe, ainda a usando como escudo.

— Você não veio aqui para isso, desculpe-se de forma apropriada.

— Hurg...

Synthia soltou um sorriso belo e levemente acenou com a mão direita erguida. Sua filha tinha lágrimas nos olhos enquanto pensava em suas próximas ações. Após uma troca séria de olhares com seu pai que deixou as asas da mãe e foi em frente a Sea. Sabia que ela o havia visitado de manhã e algum problema havia ocorrido, mas especificamente...

— Hur... Invocado, não vou mais repetir aquilo.

— Como se diz?

— D-desculpa...!

Sua última palavra veio enquanto segurava a saia para conter a vergonha e irritação. Sea não fazia ideia do motivo para ela se desculpar, e sinceramente não tinha interesse. Se a garota que cuidou dele não queria que soubesse, não iria atrás de quebrar esse desejo... ele ergueu ambas mãos indicando para que ela se acalmasse e retraiu.

Porém não satisfeita o temperamento da garota subiu novamente e gritou enquanto se agarrava ao pai.

— E isso é tudo culpa sua, por que eu...

— Ei, deixe disso.

— Mas pai...! Ah!

Enquanto chorava foi recebida com um pequeno peteleco na testa provindo de seu pai. As lágrimas pularam para fora dos olhos da garota e segurou a região machucada com ambas mãos. Sua boca ficou ondulada e rapidamente foi para as costas da mãe, usando-a como forma de esconder o choro.

Não importava o que pensasse, essa não era a ideia que Sea tinha daquela garota...

— Bem, só isso. Perdoe-a por ter lhe incomodado de manhã.

— Hum, certo...? — sua curiosidade subia, mas ainda se mantinha firme quanto a não desrespeitar a jovem ruiva com quem se encontrara...

Predo deu uma última olhada no belo jardim que o cercava e respirou ar fresco. Jogou a cabeça para o lado algumas vezes e finalizou:

— Acho que é uma boa hora para irmos à Escolha de Títulos.



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