Volume 2
Capítulo 73: Pura crueldade
Um tempo atrás, na masmorra da Família Dandin...
Em um lugar encoberto pela escuridão, onde um cheiro pungente e terrível poderia ser encontrado envolvendo o ambiente, vendo suas paredes fortificadas encobertas de musgo, sangue e outros resíduos indistinguíveis.
Um lugar onde a luz das tochas mal conseguia ilumina-lo, tudo devido as paredes que dividiam as celas dos escravos, assim como as maciças grades de metal. Em meio a esse ambiente desagradável, em um lugar escondido pela escuridão, um par de olhos animalescos observava o local com cautela e desesperança.
Através da escuridão, tendo suas pupilas verticais observando atentamente cada canto, cada detalhe por mais extenuante que fosse — aqueles olhos um tanto incomuns se recusavam a desistir.
E conforme sua atenção era focada totalmente em seu entorno; o jovem tentava esquecer da dor que os grilhões proporcionavam em seus pulsos, tornozelos e pescoço.
A dor era tão persistente e cansativa que uma goteira sobre uma de suas orelhas felinas não parecia o incomodar; mesmo que a sujeira manchasse seu cabelo esbranquiçado, escorrendo consecutivamente pelo seu rosto, nada disso parecia atrair sua atenção.
Tremor! Movimento!
O jovem não se incomodava com essas coisas devido ao som que conseguia captar com suas orelhas — que tremiam sutilmente — percebendo como o som de passos se tornava cada vez mais aparente.
Porta se abrindo!!
E conforme o semblante do jovem se tornava cada vez mais desagradável. Longe de sua cela, descendo as escadas provindas do exterior, uma Jovem Dama vestida adequadamente dava passos deselegantes, quando a expressão em seu rosto era distorcida devido sua raiva e indignação.
— Maldição! Como pode o meu pai aceitar aquele desgraçado imprudente! Aquele merda somente deveria se sujeitar a mim! Depois de todo o planejamento para termos o Território da Família Fayfher em nossas mãos, e ainda... e ainda assim, ele consegue sorrir daquele jeito!!! — Amaldiçoou Annia, adentrando o calabouço.
E conforme descia, passando pelas primeiras celas, Annia olhava com indiferença os corpos mutilados dos escravos. E por mais que um cheiro desagradável envolvesse o calabouço, Annia não parecia se importar, era como se esse cheiro desagradável instigasse o prazer em seu coração, tornando-a demonstrar sua verdadeira personalidade.
Tremor! Metal!!
Adentrando uma sala, observando um escravo desanimado, tendo sua cabeça suspensa, sem demostrar nenhuma vitalidade. Annia se aproximou sem qualquer apreensão, quando agarrou seu cabelo com violência, levantando o seu rosto.
— Então? Decidiu se submeter? Se agir como meu animalzinho posso considerar em lhe tratar um pouco mais atenciosamente — declarou Annia, sorrindo desprezivelmente, olhando para a expressão do escravo, que não detinha a visão de um olho, assim como teve sua língua cortada e cauterizada.
Porém, por mais que Annia esperasse, o escravo não tinha nenhuma intenção de responder, seu único olho a olhava com desdém, e por mais que palavras não pudessem sair de sua boca, seu olhar constante e inabalável definitivamente expressava todas suas emoções.
Tremor!
— Esse olhar, esse maldito olhar... porque tenho que lembrar daquele maldito desgraçado! Acha que só porque nasceu na família de um conde é melhor que eu, hein!?? Responda seu filha da puta desgraçado!
— Quero ver novamente sua ousadia!!! — Rugiu Annia, quando retirou uma adaga de suas roupas, golpeando incessantemente o escravo acorrentado, enquanto vislumbrava sua expressão de dor; finalmente tendo a vida desvanecendo lentamente de seus olhos.
— Argh! Argh! Argh! Maldição! Acabei perdendo a compostura por um instante... — Murmurou Annia friamente, sem se preocupar com a morte do escravo.
Desta forma, limpando suas mãos sujas de sangue nas bordas de sua roupa, Annia estava prestes a ir em direção a outra cela, quando seus olhos voltaram inconscientemente para o cadáver. Annia ainda se lembrava do dia em que essa sensação prazerosa, especial e alucinante a envolveu.
Muito nova, seu pai, Dougan Dandin; sempre a levou para caminhar dentre a cidade, enquanto a ensinava com muito cuidado e atenção as diferenças sociais. E como nobre, Annia estava no topo da sociedade, como era natural outros sustentarem seus privilégios.
Claro, Dougan Dandin também esclareceu suas obrigações. Contudo, não priorizou com tanto ênfase essa importante questão. Portanto, Annia entendeu que era natural se sentir superior, desde que mantivesse o mínimo de direitos possíveis aos plebeus, tudo naturalmente seguiria seu curso.
No entanto, em um dia andando pela cidade, acompanhada de seu pai, Annia presenciou um Mestre de Escravos açoitando um escravo até a morte. Naquele momento, enquanto todos presenciavam a barbaridade, a dor e a desesperança estampada no rosto do pobre escravo.
Annia, que ainda tinha que gerar uma percepção completa do mundo, vislumbrou o sorriso prazeroso, aquela alegria distorcida no rosto do Mestre de Escravos ao presenciar o sofrimento no rosto do escravo, e naquele breve instante, Annia sentiu seu coração pulsar violentamente, quando era imatura demais para perceber que algo indesejado despertou dentro do seu coração.
Desde então, Annia percorria as ruas da cidade procurando algo que fizesse seu coração pulsar intensamente. Entretanto, não era algo corriqueiro presenciar alguém sendo espancado até a morte, e inconsciente desse fato, Annia andou pela cidade por vários dias em uma busca infrutífera.
E conforme os dias passavam, aquela sensação, aquele sentimento distorcido estava vagarosamente desvanecendo de sua mente, ou poderia assim dizer, se não fosse por um pequeno incidente.
Em um dia, andando nas ruas em companhia dos soldados, tendo sua Jovem Dama correndo a frente, Annia acabou esbarrando contra um mercenário bêbado. Enfurecido, sem ter um julgamento racional devido ao seu estado embriagado, o mercenário agrediu Annia sem qualquer hesitação.
Indignados, certamente os soldados não ficaram sem tomar providencias, agredindo imediatamente o homem.
Annia, que ainda sentia seu rosto latejar devido ao golpe, novamente sentiu seu coração pulsar ao presenciar os soldados espancando sem nenhum autocontrole o mercenário embriagado.
E daquele dia em diante, Annia entendeu inconscientemente o que deveria fazer para encontrar a emoção que tanto desejava. Claro, os pequenos incidentes que sua filha provocava não passaram despercebidos por Dougan Dandin. E ciente dos perigos e problemas que isso poderia causar, Dougan teve que ter uma conversa decente com sua filha.
E após muitas tentativas, tendo Annia finalmente sendo sincera com seus sentimentos, Dougan realmente não teve uma reação muito drástica as insinuações de sua filha; pelo contrário, depois de alguns dias, Annia recebeu seu primeiro escravo.
Aturdida, surpresa com as ações de seu pai, Annia perguntou se não teria nenhum problema em ter seus desejos realizados — mas uma resposta simples de seu pai resolveu todas as dúvidas em seu coração.
— Escravos não são considerados humanos, eles não tem direitos, desde que cumpra suas obrigações e mantenha uma atitude composta diante a sociedade, pode fazer o que desejar com os escravos que adquirir — Expressou Dougan indiferentemente.
A partir de então, Annia deixou vir a mostra sua verdadeira natureza, aprendendo por si mesma os melhores métodos para trazer à tona os sentimentos das pessoas.
— Argh!!!! Sua vadia depravada! Eu juro que irei assombrá-la no inferno... hmm... hmm... num... — Tendo sua boca aberta forçadamente por uma ferramenta, Annia arrancou lentamente a língua da escrava, quando sorria deslumbrantemente ao ver a dor expressamente amostra nos olhos da mulher.
Grunhido!!
Dizendo coisas incoerentes, chorando lamentavelmente, a escrava foi deixada no chão, enquanto se encolhia, tentando inconscientemente suportar a dor que sentia; enquanto sabia que dois par de olhos desumanos a observava de lado.
— Hmpf, brincaremos mais posteriormente. Na verdade, não vejo mais aquele semblante bonito e atraente de antigamente, talvez eu tenha me enganado, achando que você tinha nascido com atributos melhores que os meus... — Brincou Annia, sorrindo ao ver a mulher tremer, se encolhendo ainda mais diante suas palavras.
No entanto, conforme se entretinha, Annia sentiu alguém observando-a a uma certa distância. Em um olhar mais atento, dois par de olhos animalescos brilharam diante aquela escuridão, tornando Annia a deixar a escrava de lado, indo em direção ao olhar.
— Oh!! Meu querido e pequeno animalzinho, de longe meu mais precioso brinquedo, você estava ansioso para ter minha atenção, certo? — falou Annia, adentrando uma nova cela.
E diante os olhos de Annia, estava um jovem um pouco mais novo que sua idade, detendo lindos cabelos brancos, que infelizmente estavam terrivelmente sujos devido o ambiente extremamente imundo. Tudo devido ao sangue, poeira e fezes espalhadas por todo o local — escondendo assim um pequeno e marcante par de orelhas felinas
Seus olhos, que eram semelhantes aos de um animal, tinham pupilas verticais, tendo uma tonalidade alaranjada, que olhavam com indescritível ódio a jovem em sua frente.
Quanto ao seu corpo, não era diferente de um garoto normal, exceto por seus antebraços e pés, que eram cobertos por um pelo esbranquiçado, tendo pequenas listras; onde garras afiadas cresciam no lugar de suas unhas — com exceção de alguns dedos, onde sangue ainda estava presente, tendo a ferida cauterizada.
— Hehe! Será que você vai conseguir demonstrar novamente toda aquela perseverança? — Brincou Annia, preparando algumas ferramentas.
— Sabe, quando ouvi dizer que a raça bestial era reconhecido por sua coragem e obstinação. Sinceramente, não acreditei muito. Contudo, ainda consigo ver as chamas queimando tenazmente em seus olhos, mesmo depois de brincarmos tanto…
— Honestamente, tenho que admitir, vocês suportam muito mais que os humanos — declarou Annia, pegando uma agulha, enfincando no ferimento provocado após arrancar alguns de seus dedos.
— Argh!! Eu juro que vou te matar, vadia! Grrr!! — Cerrando os dentes para não gritar; o jovem amaldiçoou intensamente a pessoa em sua frente, não conseguindo vislumbrar seu semblante devido a constante escuridão que permeava o lugar.
— Hmpf! Saiba o seu lugar escória, vocês não-humanos ainda não conseguem perceber seus devidos lugares, como animais que são, seu dever é servir a nos humanos — declarou Annia com um sorriso sinistro, preparando outra ferramenta de tortura.
Avançando, utilizando habilmente os grilhões e correntes ao seu dispor, travou firmemente o antebraço do jovem, estendendo-o a força bem diante seus olhos.
— Eu sou uma pessoa benevolente, portanto, lhe darei uma oportunidade, se submeta completamente a mim, ajoelhasse e peça misericórdia, lambendo meus pés. Então prometo cuidar adequadamente de você, assim como um humano cuida de um cachorro domesticado, lhe darei um lugar para comer e dormir. — Sorriu Annia, vendo a expressão selvagem no rosto do jovem.
— Eu prefiro morrer do que me submeter a vocês humanos! — Rosnou o jovem, cuspindo em direção a Annia, que não se importou, limpando calmamente o rosto, tendo um sorriso sinistro se alargando em sua expressão.
— Parece que você fez sua escolha — declarou Annia, pressionando a ferramenta de tortura no entorno de um dos três dedos remanescentes em sua mão.
Quebra! Sangue!!
Prevendo o que iria acontecer, o jovem cerrou tão violentamente seus dentes que sangue escorreu dentre seus lábios, quando um grito miserável tentou escapar de sua boca, tendo algumas lágrimas escorrendo por seu rosto, indo contra sua vontade.
— Oh! Como sempre, eu admiro essa determinação, essa teimosia, saiba que farei um bom proveito desse terceiro dedo, usando-o para decorar minha coleção. — Brincou Annia, balançando o dedo do jovem bem diante seus olhos, sorrindo ao ver aqueles dois olhos animalescos fitando-a violentamente.
— Gaaaahhhh!!! — Enlouquecendo, o jovem tentou morder seu pescoço com as duas presas em sua boca. Contudo, Annia o observava calmamente, sabendo que não representava nenhum perigo, quando pegou um longo pedaço de madeira que repousava ao lado, dispondo a espancar o escravo, derrubando-o.
— Um animal nojento e repugnante, você tem sorte que não detenho muito tempo para brincar, se não pode ter certeza, o acompanharia a noite toda!! — falou Annia, vendo o jovem se contorcer no chão, mal conseguindo se encolher devido o impedimento das correntes.
E conforme se alegrava com seu infortúnio, Annia se lembrou das ordens de seu pai, quando seu sorriso prazeroso repentinamente azedou.
— Tsk! Tenho que voltar mais cedo devido a esses malditos convidados, se não fosse meu pai insistindo para fazer alguns preparativos... Ahhh!! Maldição! Por que eu tenho que agradar aquele maldito! — resmungou Annia, ignorando o escravo em sua frente.
— Urgh! Por quê! Ainda não consigo entender, como pode meu próprio pai dar tanto crédito a um ninguém! Eu prometo! Eu definitivamente o terei sobre a palma da minha mão!! — gritou Annia, chutando o jovem escravo em sua frente, perdendo por um instante sua compostura.
Assim, desabafando sua raiva, vendo o jovem escravo não conseguindo exibir nenhuma reação, quase ao ponto de perder a consciência. Annia bufou em desdém, cuspindo em cima do escravo, quando se preparou para sair do calabouço.