Volume 1
Capítulo 39: O passado
Voltando para o acampamento, todos ficaram completamente surpreendidos com os nossos estados ensanguentados, ainda mais com Elise e Dylan não sendo cultivadores, precisando receber tratamento imediatamente.
Felizmente, consegui fazer os primeiros socorros adequadamente em meus companheiros, não tendo suas vidas em perigo.
Sinceramente, foi vergonhoso ver a mulher de Dylan e sua filha chorando ao ver seu estado, mas ainda consegui me confortar, já que estávamos vivos.
Quanto aos filhotes, graças ao sacrifício de Elise, os filhotes só tiveram pequenas esfoliações, já que seus corpos apesar de pequenos, ainda eram de bestas monstruosas.
Claro, a presença de um poderoso mago e dois filhotes de lobo chamaram logicamente a atenção. E explicando vagamente o que aconteceu na floresta, apesar de não precisar dar explicações, todos aceitaram mais ou menos os fatos.
Porém, não foram todos esses pequenos incidentes que me incomodaram, mas a reação de Elise após superar todas essas ocorrências.
E apesar de não querer admitir, algo tinha mudado em nossa relação, e depois de saber a verdade sobre minha história, descobrindo que tudo o que lhe falei foi de certa forma uma mentira, logicamente teria alguma diferença em seu comportamento, e isso era algo que me assombrava.
Assim, passando dois dias me recuperando, usando alguns dos medicamentos em pose do velho mago para acelerar o processo, meus ferimentos tinham melhorado visivelmente.
Desta forma, saindo da minha tenda, tendo uma súbita vontade de observar o céu noturno, estranhamente senti a necessidade de andar um pouco sozinho sob o véu da noite.
E dando uma última olhada em minha tenda, vislumbrando os meus dois “irmãos” dormindo profundamente, sem quaisquer sinais de acordar. Avisei um dos soldados em vigia, quando me retirei a caminhar.
Atualmente, graças a cabeça do Lasgotan enfeitando o acampamento, desde que começamos a utilizar esse método, nenhuma besta monstruosa ousou se aproximar do acampamento, portanto, as pessoas tinham uma expressão serena, com poucos ainda tendo alguma atividade em mãos.
Enfim, caminhando, me afastando do acampamento, deixando a área envolta pela luz das tochas, quando decidi andar pelo campo, já que era um dia de lua cheia, e não estava totalmente escuro.
E vendo um grupo de rochas na distância, decidindo que era um bom local para passar sozinho, avancei calmamente.
Entretanto, uma figura parecia ocupar o lugar que tinha em mente, e olhando mais de perto, descobri que se tratava inesperadamente de Elise.
Ansioso, ficando estranhamente apreensivo, decidi me aproximar com calma, quando ela sentiu minha presença, virando sutilmente o seu rosto.
Desta forma, sem dizer quaisquer palavras um ao outro, voltando a olhar o céu estrelado. Elise não me deu um segundo olhar, enchendo-me de desconforto.
Assim, avançando vagarosamente, acabei tomando coragem, quando fiquei ao seu lado, onde gentilmente quis colocar minha mão sobre seu ombro; ao qual, me deixando perplexo, Elise desviou às pressas, me olhando com descontentamento.
— Em algum momento tudo o que vivemos um ao lado do outro foi verdadeiro? — falou Elise, dizendo em um tom extremamente desconfortável.
— Hein..? — Sem conseguir entender sua atitude, olhei para ela com uma expressão confusa.
— Sabe, mesmo com você me tratando gentilmente, nunca consegui entender como sabia o meu nome, como sabia da minha situação, ou porque você me ensinava certas coisas com tanta convicção… era como se você me conhecesse profundamente…
— Claro, sempre neguei tal hipótese. Mas agora, quando paro para pensar, mesmo suas palavras eram como se fossem escolhidas, seduzindo-me a tomar as decisões que você desejava… — declarou Elise olhando-me entristecidamente, quando continuou.
— Você me conhecia, certo? No final, o que eu sou para você? Qual é o meu propósito? Eu sou só um peão descartável no esquema geral que elaborou em sua mente? — proclamou Elise sendo envolvida lentamente pela raiva e indignação.
— Essas foram as perguntas que se passaram em minha mente. No final, tudo foi uma mentira, certo? Eu fui uma tola por pensar que compartilhávamos algo especial. Eu sou só uma ferramenta, alguém destinada a lutar em seu nome… — Bufou Elise, zombando de si mesma.
— CALE-SE!! O QUE VOCE SABE!!?? — Berrando enraivecidamente, deixando que minha aura escapasse, acabei tremendo intensamente diante suas palavras, ao qual não consegui mais suportar, gritando enfurecidamente.
— Você diz com tanta convicção, com tanta certeza! Realmente é isso que acredita, Elise?!! Tudo bem, se pensa assim então direi detalhadamente como nos conhecemos… — Bufei ao ver sua expressão aturdida.
— A maneira como nos conhecemos não foi diferente dessa vida. Eu era um tolo que alvejava a posição de herói, sempre me espelhando nas conquistas de meu pai…
— Haha! Fico até com vontade de rir ao pensar como eu era um tolo ignorante naquela época — declarei friamente, vendo seus olhos tremerem sutilmente.
— Presenciando você ser quase estrupada por aqueles homens, achei que era o momento perfeito para um herói salvar os fracos e oprimidos… Bem, como você presenciou, fui espancado estupidamente. — Rosnei, vendo Elise cerrando os punhos.
— Diferença dessa vida, demorei mais de um mês para me recuperar completamente. Nesse período a Família Fayfher usou de seus melhores recursos para ajudar em minha recuperação… Claro, nesse tempo você ainda visitou o castelo todos os dias.
— Entretanto, quando nos conhecemos, eu conseguia ver a desolação, o desespero e a falta de vontade de viver em seus olhos. Eu não sei o que aconteceu; contudo, sem ter ninguém para estender a mão em sua direção, eu não precisava pensar muito a respeito — expressei, sem conter meus sentimentos.
— E conforme conversávamos, você chorou, chorou amargamente da vida que levava. Claro, eu implorei para minha mãe acolhê-la no castelo.
— Mas não se engane, eu não estava com pena, era somente uma oportunidade que eu tinha para me destacar diante o meu pai. Eu queria mostrar meu lado heroico, como queria ser elogiado — falei friamente; ignorando o fato que Elise tremia.
— Tornando-se uma empregada da Família Fayfher, não nos encontramos mais… Eu era um nobre, o grande herdeiro da família. Quanto a você, Heh! Era somente uma plebeia, tendo a sorte de ser ajudada por minhas poucas palavras…
— Quando nos vimos novamente, foi no dia que meus pais estavam me levando para o Ritual do Despertar. Tendo nos esbarrado coincidentemente, você revelou que desejava ir para o ritual, implorando que eu a levasse junto…
— Claro, eu permiti, vendo você me agradecer sinceramente, sempre me chamando de benfeitor… Sejamos honestos, eu me sentia sempre orgulhoso quando você me chamava dessa forma.
— E não se engane, eu não fiz isso por bondade, eu queria que você me admirasse, assistindo o grande despertar que me esperava… — Expus, vendo Elise tremer ainda mais violentamente.
— Mas quer saber… Eu tive o que merecia… — falei, sorrindo depreciativamente.
— No dia do ritual, o grande artefato sagrado não ressoou quando pousei minhas mãos em seu corpo… — declarei com indiferença, vendo o tremor de Elise diminuir.
— Desta forma, julgado como um não-praticante, todos no ritual zombaram descaradamente de mim. Eu ainda lembro de sua zombaria, do ridículo que me fizeram passar.
— Indignado, nunca tendo sofrido tamanha humilhação em minha vida, avancei contra alguns jovens que me zombavam descaradamente…
— Em meio à disputa, tentando me ajudar, você acidentalmente caiu sobre o artefato, e veja só, ele reagiu intensamente, foi uma das reações mais fortes na história!
— Haha! A cara que todos fizeram, o choque que demonstraram, alguns nobres até se adiantaram a oferecer propostas maravilhosas para que fosse para suas famílias, até mesmo a menção de casamento acabou ocorrendo… — Zombei, vendo-a em completo silêncio.
— Claro, você não aceitou suas ofertas, mas decidiu permanecer na Família Fayfher. Entretanto, isso acabou acarretando em uma zombaria ainda mais intensa, ao qual falavam que até mesmo uma mera plebeia tinha um talento maior que o meu…
— Voltando para a Cidade de Eydilian, todos em minha volta mudaram completamente.
— Aqueles que desesperadamente tentavam entrar em meus olhos desapareceram. E apesar das pessoas ainda me chamarem de Jovem Mestre, eu poderia sentir sua zombaria e desprezo. Mesmo meu pai me afastou, ignorando totalmente minha existência.
— Assim, meu mundo foi virado de cabeça pra baixo, e as pessoas que fingiam me amar desapareceram. A única que restou foi minha mãe. Mas, porque eu não tinha talento, ela foi morta por aqueles que visavam a posição do meu pai. — Recontei, cerrando firmemente meus punhos.
— Arrasado, sentindo um desespero profundo, eu ainda tive que escutar dos outros que o motivo de tudo isso era eu, se eu não tivesse nascido sem talento isso nunca teria acontecido.
— Mas sabe, nesse momento imprescindivelmente sombrio, você tentou ficar ao meu lado… — falei suavemente, não querendo ver a sua expressão, olhando ocasionalmente para o céu estrelado.
— Porém, eu não compartilhava dos mesmos sentimentos… Tudo o que sentia ao ver seu rosto era raiva, indignação e desgosto.
— Sim! Eu tinha um intenso ciúmes, por que eu não poderia nascer com tal talento? Por que não podia ser eu? Em algum momento, eu comecei a considerar que você tinha roubado o meu destino… — expressei, sorrindo silenciosamente diante as estrelas.
— Depois disso, dizendo palavras que não deveriam ser ditas, não nos encontramos mais… Os dias passaram, os anos se foram, eu vivia sem qualquer esperança ou sonhos.
— Porém, isso não durou muito tempo, devido ao conflito interno na família, pessoas de fora começaram a intervir. E apesar de não entender a razão, eu nunca fui alvejado, mas pessoas morriam todos os dias…
— Então, em um dia chuvoso, a grande surpresa chegou. Com o pretexto de uma ordem real, meu pai foi obrigado a acompanhar um grupo em direção as terras governadas por outras raças.
— E o dia de sua partida foi a última vez que o vi em vida… — proclamei, tendo um sorriso estranho no rosto, quando meu coração foi envolvido por uma miríade de emoções.
— Se livrando do obstáculo principal, meu primeiro tio se apresentou como o Senhor Feudal do território Fayfher. Claro, apesar de ser um pedaço de lixo inútil, ainda era um obstáculo a sua posição, portanto, meus dias estavam contados.
— Porém, um salvador surgiu inesperadamente. No momento que senti o maior desespero, o maior temor em minha vida, você surgiu Elise…
— E sem saber porquê, o que te motivava, o que passava em sua mente… Você brandiu sua espada para afastar os assassinos que alvejavam minha vida. — Recontei lentamente, tendo meus olhos tremendo sutilmente, enquanto sentia seu olhar intenso em meu corpo.
— Assim, nos dois conseguimos fugir da Cidade de Eydilian. Entretanto, nem tudo foi perfeito, apesar da sua vontade, seus ferimentos eram gravíssimos, e vivendo na floresta, sem quaisquer medicamentos, você adoeceu… — expressei, quando cerrei meus punhos, lembrando como eu era impotente naquela época.
— Eu ainda me lembro do seu sorriso reconfortante, da tristeza escondida profundamente em seus olhos… E mesmo que eu não tivesse mais nada, você ainda insistiu que eu deveria viver. E sob a luz da lua, eu vi você fechar seus olhos permanentemente… — pronunciei, fechando lentamente os meus olhos.
— Sabe, eu realmente não conseguia entender, eu te ajudei devido ao meu próprio egoísmo, eu lhe tratei mal quando você era a única a estender sua mão, eu lhe odiei…
— Mas naquela noite eu chorei, eu chorei da forma mais intensa que poderia… — expressei amargamente, sentindo minha garganta seca.
— Eu finalmente tinha descoberto que não estava mais sozinho no mundo como eu pensava, e sem saber, sempre tive alguém que me protegia das sombras.
— Infelizmente, era tarde demais, eu tinha perdido a última pessoa que tinha ao meu lado. — Finalizei, ficando em silêncio por um tempo, quando finalmente olhei em sua direção, vendo seus olhos avermelhados.
— Depois disso, tudo o que tenho para contar é uma história baixa, nojenta e humilhante.
— Ainda me lembro do primeiro homem que matei com minhas próprias mãos… onde esmaguei sua cabeça com uma pedra, tudo porque ele alvejou um pedaço de pão mofado que eu tinha em mãos… — Falei, sorrindo sarcasticamente.
E ouvindo minhas palavras, Elise cerrou os punhos, abaixando o seu rosto.
— Eu não tinha mais os status de um nobre, eu não sabia fazer nada além de depender dos meus status. E chegando no patamar mais baixo que um humano podia alcançar, finalmente me toquei que títulos como nobreza e plebeus não passavam de tudo uma grande merda de cachorro.
— Durante essa vida desprezível, me arrastando por anos na pior sujeira existente na sociedade. Encontrei a herança de um Arcanista por mera coincidência.
— Porém, não pense que minha vida mudou da água pro vinho. Não, não chegou nem perto disso. Sem poder, sem apoio, sem força e com um conhecimento inovador… eu fui escravizado — declarei, suspirando profundamente ao ver a reação de Elise.
— Assim, sendo escravizado por anos, foi nesse tempo, detendo um poder especial, que aprendi a quebrar o selo de escravidão, algo que todos pensavam ser inquebrável.
— E foi também nessa época, exausto do meu tratamento, dominado pela raiva e o desgosto pela raça humana, que eu criei coragem de usar uma técnica proibida, dividindo minha alma em cinco fragmentos.
— Depois disso, refinei minhas cinco armas arcanas, aos quais diziam serem armas deixadas pelos deuses.
— E apesar de ganhar força, sendo capaz de sair pelo mundo sem quaisquer obstáculos, tudo parecia sem sentido; era como se tentasse preencher o vazio e o descontentamento em meu coração, onde matei cada pessoa que ousou me irritar… Mas a vida que levei não conseguia preencher o vazio existente…
— Enfim. Posteriormente, um caos turbulento desceu sobre o continente, as raças entraram em intenso conflito.
— Nesse ponto, eu tomei partido de outras raças que eram oprimidas pelos humanos, e não me arrependo; matei cada um desses seres desprezíveis! Torturei cada um deles!!
— Os fiz desejarem a morte, mas inaptos a morrerem! Eu era literalmente a personificação do ódio e da vingança…! — Rosnei, deixando por um breve momento a loucura me dominar completamente.
— Suspiro. Mas isso tudo está no passado… O futuro que conheço não existe mais… espero que eu tenha satisfeito a curiosidade de vocês dois… — Assim, sem dizer mais nada, me retirei, ignorando o olhar pálido de Elise.
Desta forma, surgindo uma leve distorção no espaço, Sheridan surgiu abruptamente enquanto tinha um olhar complicado em seu rosto. Olhando assim para as costas do jovem indo embora solitariamente na distância.
E ouvindo o choro sutil de uma garota, Sheridan olhou arrependidamente para a jovem ao seu lado, que estava em lágrimas.
— Desculpe. Eu não deveria ter te persuadido a dizer aquelas palavras, as coisas acabaram assim devido a minha própria curiosidade… Eu irei me desculpar com ele, direi que te forcei a dizer tais palavras — declarou Sheridan, vendo a jovem em lágrimas balançando a cabeça.
— Não. Eu disse aquelas palavras por mim mesma, ninguém me forçou. Além disso, eu queria saber, não, eu tinha que saber… eu não menti, eu queria saber o que significava pra ele… — declarou Elise limpando suas lágrimas, saindo calmamente.
— Urgh! É por isso que sempre fiquei sozinho. No final, aquele moleque é só um garoto com muitos anos. Adulto? Adulto minha bunda! Até um velho como eu sabe que não se deve fazer uma mulher chorar… — Amaldiçoou Sheridan, desaparecendo na noite.
De volta a minha tenda, sentindo-me um pouco aborrecido, sentei-me na ponta da cama, enquanto olhava silenciosamente para os dois filhotes ainda em um estado de sono profundo.
E vendo dormirem por quase três dias, não pude deixar de pensar que os métodos que arrisquei durante o batismo realmente fizeram um efeito tremendo.
Se tiverem tempo suficiente para crescer, não duvido que se tornariam dois monstros extremamente poderosos, e isso acabou me animando um pouco, ao qual comecei a acariciá-los calmamente.
— Eu posso entrar? — Ouvindo de repente o pedido inesperado de Elise, senti inconscientemente meu corpo enrijecer-se, ao qual consegui discernir um certo conflito em seu tom, podendo sentir a hesitação em sua voz.
— Entre… — expressei, tentando esconder meu nervosismo.
E ficando ambos em silêncio, não dissemos uma única palavra um ao outro. Suspirando, parando de acariciar os pequenos lobos, levantei-me, olhando finalmente para o seu rosto.
Contudo…
Vendo seus olhos ainda vermelhos devido ao choro, sem saber, senti a raiva em meu coração desvanecendo.
Me aproximando, vendo-a abrir a boca sem ter nada a dizer, encostei meu queixo sobre sua cabeça, quando a abracei, fechando lentamente meus olhos, dizendo:
— Naquela noite na pousada, minhas palavras não foram falsas. Não importa o que aconteça, não me importa se você acabar me odiando, eu nunca vou abandona-la…
— Quando te vi aquele dia no castelo, antes mesmo que percebesse, eu jurei pra mim mesmo que seria eu que te protegeria nessa vida.
— Mas não sou perfeito, não sou um homem bom… mas mesmo um homem desprezível como eu tem alguém que deseja proteger. Pode ser egoísmo da minha parte, mas, por favor, deixe-me protege-la — murmurei sutilmente, quando senti um forte agarrão sobre minhas roupas, vendo Elise chorando intensamente em meu peito.
Desta forma, naquela noite, depois de enfrentar a morte várias vezes, após chorar por um longo tempo. Elise dormiu finalmente em meus braços, onde descansamos pacificamente.