Volume 7

Epílogo

 

— Você tem um desejo?

 

Kasumi Mogi (19), 10 de Abril

Meu primeiro amor provavelmente terminou no momento em que ela apareceu.

Nem uma vez pensei em desistir, mas... ah, sheesh! Eu sei que há algo poderoso entre ela e Hoshino-kun! Estive apaixonado por ele o tempo suficiente para conseguir dizer.

 

O sol está brilhando e o rosa vívido de suas flores está fazendo as árvores de cerejeira se destacarem. Assim como todos os outros dias, estou praticando arco e flecha em algum lugar neste vasto centro de reabilitação.

Meus braços estão bastante treinados em comparação com seu estado antes do meu acidente, mas ainda tenho problemas apenas em acertar o alvo. Desde que mal posso disparar uma flecha em uma linha reta, e muito menos apontar, naturalmente erro o alvo.

Solto um suspiro fraco. Como alguém que nunca foi bom em esportes, não acho que sirvo para arco e flecha. É improvável que eu vá para os Jogos Paraolímpicos em breve... embora dizer isso à minha fisioterapeuta, Ryouko, provavelmente a faria discordar.

“Takanashi-san ganhou uma medalha de ouro e ele foi pior do que você no começo!” ou “Gotou-san ganhou o torneio de tênis de cadeira de rodas depois de se recuperar de uma tentativa de suicídio”. Estou tão cansada de suas histórias...! O esforço honesto fará seus sonhos realidade! Não desista, dê tudo o que tem! Sheesh, ela é muito sangue quente! E rigorosa. Ela deve ser mais suave em uma menina com deficiente como eu.

Não recebo nenhum tratamento especial neste hospital gigante. Há muitos outros pacientes em cadeiras de rodas. Na verdade, Ryouko-sensei realmente parece me invejar pela minha juventude em vez de ter pena de mim. Acho que ela pode ser um pouco estranha.

— Kasumi-chaaan!

Levanto a cabeça e observo Ishizaki-san, um jogador de tênis, alegremente acenando para mim.

Aceno de volta com um sorriso ligeiramente irado. Geralmente, estou tentando evitar fazer este tipo de expressão, mas minhas tentativas não deram frutos até agora. Gostaria de saber como eu deveria lidar com alguém que confessou seu amor para mim...?

A fim de parar de pensar sobre todas essas coisas aleatórias, pego meu arco novamente.

Logo após meu acidente, costumava pensar que as chances estavam contra mim de encontrar um parceiro que me aceitasse assim. Eu diria que qualquer pessoa em uma situação semelhante pensaria a mesma coisa. Mas aqui, neste hospital? Eu não quero me gabar, mas os caras aqui me amam. Se fossem apenas outros caras deficientes, isso seria uma coisa, mas mesmo os caras em perfeita saúde estão flertando comigo — com muito mais frequência do que quando eu era saudável e ia para a escola.

Costumava me perguntar por que as pessoas se aproximariam de uma garota (fisicamente) tão incômoda como eu, mas estou começando a entender o seu raciocínio. Muitas pessoas querem se sentir confiáveis, então se casar com alguém como eu basicamente garantiria uma vida digna de ser vivida por esse tipo de cara. Seu interesse em mim vem principalmente do fato de que eu certamente teria que depender deles.

Talvez devesse aceitar as pessoas com esses gostos estranhos? Para ser inteiramente honesta, porém, ainda sou incapaz de aceitar a sua boa vontade. Não posso deixar de ter a impressão de que eles só estão realmente interessados ​​em minha deficiência, e não em mim como uma pessoa.

Eles parecem estar sob a (falsa) impressão de que minha deficiência me dá algum tipo de beleza que não pode ser alcançada por uma menina regular. Ou talvez eles só querem sair com alguém que é fraco e tem que obedecê-los? Acho que devo ter uma má personalidade para ter tais pensamentos negativos.

Mas há apenas esse pensamento que não posso deixar de lado.

Hoshino-kun me trataria da mesma forma, minhas sejam pernas paralisadas ou não.

Quando esse pensamento cruzou minha mente, a flecha realmente saiu da linha.

Houve alguns incidentes terríveis que ocorreram nos envolvendo de forma muito mais grave do que o meu acidente, mas por algum motivo não me lembro dos detalhes. Eles eram misteriosos e até absurdos.

Me lembro deles, embora apenas de forma fragmentada: o confinamento dentro de outro mundo que terminou com uma clara rejeição de Hoshino-kun. O incidente causado por Miyazaki-kun. A misteriosa morte de Koudai Kamiuchi. Os Cães, fenômeno que Oomine-kun causou. E Hoshino-kun naquele estado.

Mas coisas importantes estão faltando em minha memória. Ela parece um pedaço de celuloide rasgado. Esses incidentes devem estar ligados de alguma forma, mas não consigo me lembrar como. É como se a verdade por trás desses incidentes estivesse obscurecida por algum poder maior.

Há outras coisas que me incomodam. Por exemplo, há algo sobre Nana Yanagi e Touji Kijima, que entraram na escola secundária junto com Hoshino-kun e eram seus amigos. Nós nos damos bem, mas por nenhuma razão em particular, parece-me estranho como eles se misturavam naturalmente na escola. Me lembro como nos tornamos amigos. Lembro-me também de como fiquei aborrecida com Nana-san porque ela sempre dava em cima de Hoshino-kun, mesmo tendo namorado. Mas por alguma razão, essas memórias se sentem irreais e se destacam, como se tivessem sido inventadas depois para preencher as lacunas.

Acho que eu... não, nós esquecemos algo crucial.

Seja como que for, as consequências que me importam são claras como o dia:

Hoshino-kun desapareceu da sala de aula para a qual eu queria voltar a um dia.

Meu médico sempre me incentivou fortemente a mudar para um hospital de reabilitação maior e melhor equipado. Só recusei sua sugestão e fiquei no meu hospital atual porque queria voltar para a escola e ver Hoshino-kun. No entanto, como ele não estava mais lá, meu motivo também se foi.

Como resultado, deixei a minha cidade natal.

Dito isto, ainda havia um assunto que tinha que ser resolvido.

 

No dia seguinte que foi decidido que eu iria para um centro de reabilitação, chamo Otonashi-san para o hospital. Depois de obter permissão da minha enfermeira, a encontro em privado no telhado. Não queria falar com ela no meu quarto porque sabia que não seria capaz de me controlar.

À medida que as frias brisas do outono me gelavam até os ossos, olho para Maria Otonashi, que, diante das deslumbrantes cores do outono das montanhas distantes, parece quase uma pintura a óleo. Bem, ela daria uma pintura impressionante mesmo sem o fundo.

Ela cortou o cabelo até os ombros e perdeu parte de sua antiga atmosfera misteriosa, tornando-se um pouco mais acessível. Mas tenho certeza que não foi só por causa do corte de cabelo dela.

Olhando para a linda garota na minha frente, penso, nunca vou conseguir gostar dela.

Estava bastante certa de que Hoshino-kun e eu teríamos nos tornado um casal se não fosse por ela. Ela também era culpada pelo que ele se tornou. Por outro lado, se tivesse sido capaz de me integrar adequadamente em sua vida cotidiana, Otonashi-san teria ficado longe, e Hoshino-kun ainda seria o mesmo.

Tinha certeza de que teria havido um futuro em que eu o chamava ternamente por seu nome, “Kazuki-kun”.

Foi tudo culpa dela.

Maria Otonashi trouxe o caos em nossas vidas.

— Vou deixar esta cidade e ir a um grande centro de reabilitação.

Por causa dela, tenho que deixar Hoshino-kun para trás. Depois de ouvir o que eu disse, Otonashi-san declara sem rodeios:

— Entendo. — Depois de uma breve pausa, ela acrescenta. — Eu vou me certificar de tomar contar do Kazuki.

Quando ouço seu nome, meus sentimentos imediatamente explodem. Você pode imaginar como me sinto, tendo que te dizer isso?! Penso comigo mesma, desejando poder arremessar minha raiva, meus arrependimentos e todas as minhas outras emoções negativas nela. Quero amaldiçoá-la com palavras mais sujas do que qualquer outra que já usei. Quero fazê-la se desculpar por estragar as vidas de Hoshino-kun e seus amigos. Quero lhe dar um soco gigantesco.

Aperto meus punhos mais e mais forte, como se para canalizar minha raiva.

Por fim, digo as palavras que preparei com antecedência.

 

— Por favor, cuide bem do Hoshino-kun.

 

Me inclino profundamente diante dela enquanto mordo meus lábios. Aah, não quero fazer isso. Realmente não quero, pensei, mas já tinha decidido que iria te confiar a esta garota, embora eu a odeie.

— Quero apoiar Hoshino-kun... Quero estar ao seu lado e apoiá-lo! Mas ainda tenho que confiar nos outros, estou ciente disso. Não posso fazer nada sozinha. Sou fraca... Só me tornaria um fardo para ele...!

Eu não podia levantar a cabeça. Estava tão mortificada, tão triste, tão pouco disposta a admitir a derrota. As lágrimas não param.

— Tenho certeza de que o teria conquistado mesmo com um corpo assim!

— Mm.

Isso foi uma mentira. Sabia muito bem que havia um vínculo especial entre os dois que nunca poderia rasgar em pedaços. Mesmo se estivesse em perfeita saúde, não teria tido uma chance. Otonashi-san também estava ciente disso e apenas ouviu em silêncio enquanto cuspi meus ridículos blefes.

— Eu amo Hoshino-kun, e certamente ainda me sentiria assim mesmo se ele continuasse incapaz de falar!

— Mm.

— Este é um amor que só acontece uma vez na vida. Isso significa muito para mim!

— Mm.

— Hoshino-kun também tem sentimentos por mim. Certo... eu não perdi! Eu... não perdi. Absolutamente não! — Digo e mordo meus lábios novamente. —…Mas, mas…!

Hoshino-kun não precisa de mim —

— Não sou eu!

Ele não precisa de mim, Kasumi Mogi — ele precisa de Maria Otonashi!

— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH! — Grito com todo o meu pulmão, incapaz de segurar a minha dor por mais tempo.

Otonashi-san não fez nada desnecessário como me abraçar ou enxugar minhas lágrimas. Ela apenas esperou pacientemente eu me acalmar.

— Mogi. — Ela diz firmemente depois que parei de chorar. — Eu te asseguro que Kazuki vai recuperar seu cotidiano normal.

Viro meus olhos chorosos para Otonashi-san.

— Seus sentimentos por ele vão sem dúvida fazer uma diferença positiva para Kazuki. Eles o ajudarão a voltar. É um futuro que está prestes a acontecer. Então deixe-me dizer isso com antecedência...

Maria Otonashi se curva profundamente para mim.

— Obrigado por acreditar em Kazuki.

Sua atitude me deixou sem chão. Na verdade, uma risada escapa de meus lábios.

— Eu não te vencer em nada, posso?

Certo, não consigo acompanhá-la.

Quero dizer, Otonashi-san acreditava com todo seu coração que Kazuki-kun iria se recuperar apesar de seu estado atual. Eu, por outro lado, iria amá-lo, mesmo que ele permanecesse insensível. Isso é verdadeiramente como me sinto, e prova a minha fraqueza.

Afinal, isso significa que desisti de seu retorno.

Entretanto, Maria Otonashi não tem dúvidas.

Ela acredita e espera seu retorno.

É por isso que ela é a pessoa que deve estar ao lado de Hoshino-kun.

Um peso acaba de ser tirado da minha consciência, me deixando com uma sensação de liberdade difícil de descrever. No começo fico surpresa com o que sinto, e então fico desanimada. Eu não tinha percebido, mas o amor que uma vez me salvou, tinha se tornado um fardo.

— Aah...

Meu primeiro amor acabou.

 

Vou me apaixonar de novo?

Será que algum dia me confiarei em alguém?

Vou ser capaz de encontrar um lugar especial para mim?

 

Enquanto estou atolada de melancolia, alguém espalha um punhado de flores de cerejeira sobre minha cabeça. Eu me viro surpresa.

— Ei, nossa idol está bem?

Eu suspiro profundamente ao ouvir aquele título tolo, e abaixo meu arco.

Esta mulher queimada de sol que não que não usa uma maquiagem e parece horrível em seu vestido branco, é minha terapeuta física.

— ...Não me chame assim, Ryouko-sensei.

Vendo meu rosto descontente, ela sorri e diz:

— Desculpe, mas não podemos te chamar de mais nada!

— Por quê…?

— Porque você acabou de receber outro pedido de entrevista! E desta vez é daquele canal de TV superfamoso que transmite sem parar! Claro que você vai aceitar, certo?

Sua voz está alta como sempre.

— ...Eu não quero! Por favor, recuse a oferta.

— O quê, de novo? Ei, quer ouvir o que penso sobre isso?

— Continue…

— Eu acho que você deveria aceitar essa chance! — Ela diz e levanta o dedo. — Se você aparecer na TV, as pessoas em todo o Japão serão comovidas pelo seu sorriso! Você tem o maravilhoso dom de não parecer lamentável apesar da sua situação. Você poderia realmente mudar como as pessoas veem os deficientes! Se continuar aparecendo na TV, a aceitação dos deficientes crescerá rapidamente! Peeps dos meios de comunicação têm um nariz para este tipo de coisa, e eles querem você. Você deve começar a cantar, dançar, organizar eventos meet & greet, e ser eleita como membro mais popular do seu grupo! Isso seria uma revolução! Os pacientes aqui e nós adoraríamos ser mais aceitos por todos, e você é a única que pode fazer isso! É sua vocação!

— ...Eu já ouvi isso mais do que o suficiente. — Digo enquanto a rejeito.

— Hm? Pode repetir?"

— Eu disse que ouvi a mesma coisa mais de uma vez. Sua opinião particular? Sheesh, não tem nada de particular neles?

Mas Ryouko-sensei realmente acredita em mim.

— …Mas…

Obrigado.

Não poderia expressar minha gratidão em voz alta.

Ela está claramente exagerando. Eu duvido que as coisas iriam tão bem, mas para minha surpresa, é verdade que mesmo no meu estado atual, tenho a chance de fazer do mundo um lugar melhor. Isso me dá esperança.

Há um monte de coisas que não posso mais fazer.

É assim que é. Mas, ao mesmo tempo, também pode haver coisas que só eu posso fazer. Não é algo grande como se tornar uma idol, mas algo pequeno — algo modesto.

— ...Eu vou pensar um pouco quando tiver mais disposição.

Mas neste momento, ainda tenho minhas mãos cheias com a minha própria situação.

— Hmm? Te interessou um pouco? Esperarei sua resposta, então.

— Ugh... não, realmente, não estou interessado agora...

Eu sei Ryouko-sensei. Se não deixar absolutamente claro que estou recusando, serei arrastada para um palco antes que eu perceba.

— Sério, não estou preparada para isso agora!

— Hm? Não está preparado para o quê, exatamente?

— Bem, quero dizer... se ficar famoso na TV, vou me incomodar mais com admiradores e coisas assim...

No momento em que digo isso, percebo que acabo de cometer um erro. Olho para Ryouko-sensei e percebo que seu rosto está se contorcendo com irritação.

— Me irrita que você diga isso. Apenas um aviso para você, menina, uma vez que você sai da adolescência, não será mais tão especial! Os japoneses são todos lolicons!

— Hum... Tenho certeza de que também há homens que gostam do seu tipo.

— Você deve sair de seu pedestal quando diz coisas assim para soar mais sincera!

Bem... eu realmente duvido que mulheres como ela são muito...

— Olhe para os seus olhos! Com certeza está pensando em algo rude! Tão insolente! Sim, sim, entendo! Você quer um treinamento de reabilitação muito duro hoje!

— Pare! Não seja infantil, Ryouko-sensei!

— Idols não se queixam.

— Se queixam sim! Suas contas secretas no Twitter estão cheias de queixas sobre seus fãs!

— Esse é um caso muito isolado... a propósito, você apenas admitiu que é uma idol.

— Eu não!

 

Bem então. É mais ou menos assim que é minha vida agora, Hoshino-kun. Como você pode ver, estou indo muito bem.

Tenho certeza que a Otonashi-san também está com você agora. Ouvi dizer que ela fez um anúncio impressionante durante o seu discurso quando se tornou presidente do conselho estudantil.

Por um lado, estou ansioso para esse dia, mas estou principalmente com ciúmes.

Um ano até o dia da promessa de Otonashi-san.

Até lá, quero crescer um pouco. Ser independente e forte o suficiente para apoiar alguém. Espero que você não fique desapontado com o meu progresso.

Este é o meu modesto ‘desejo’.

 

Yuuri Yanagi (19), 6 de Julho

Preciso de um hobby.

Essa foi a primeira coisa que pensei quando fui aceita pela Universidade de Tóquio. Vamos nos juntar a um clube, Yuuri! Disse a mim mesma e fui para verificar alguns. O que mais me interessou foi o clube de fotografia. Havia uma foto adorável na sala do clube que mostrava uma criança sorrindo sob o céu azul. Isso me fez pensar que havia muitas coisas mais bonitas no mundo, e eu queria descobrir.

Queria gravar e preservar a beleza das coisas que considerava bonitas.

Pedi para meus pais me comprarem uma câmera SLR um pouco cara para comemorar a minha admissão na faculdade e aderi ao clube de fotografia. Descobri que no clube quase todos eram caras, mas todo mundo foi gentil comigo. Só tinha que dizer que tipo de fotografia que eu queria tirar e eles iriam explicar os detalhes técnicos para mim em profundidade.

Até me emprestaram suas lentes caras quando precisava delas. Por alguma razão, eles sempre quiseram me mostrar a câmara escura, embora tivesse uma câmera digital, mas de qualquer maneira, eu era muito bem recebida, apesar de ser uma novata.

Eu também fiz uma descoberta ligeiramente embaraçosa quando entrei na universidade. Parece que roupas femininas, com babados — o estilo que eu gosto — não são comuns entre as estudantes do sexo feminino e me destacam um pouco. Mas acho que é chato quando todo mundo usa o mesmo tipo de roupa, e não posso me conformar com aqueles cabelos marrons. Quero manter meu cabelo preto longo com franjas retas, e não vou parar de usar saias.

Também gosto dos meus laços e ultimamente, tenho gostado de meias 3/4.

Agora sou conhecida pelo seguinte apelido:

“Princesa Geek”.

 

— Eu quero chorar.

 

Estou sentado em um Starbucks perto da universidade, lamentando para uma amiga minha.

— Bem... Princesa Geek não é tão ruim, é? Quero dizer, uma princesa ainda é uma princesa.

Aquela velha amiga é Iroha Shindou. Ela falha em me reconfortar e está ocupada mastigando um cubo de gelo de seu café gelado. Ela também frequenta minha universidade.

Uma sombra fraca pode ser vista em seus olhos, ela não tem mais aquele olhar afiado e predatório. Suas cicatrizes não foram completamente curadas. Mesmo agora, um ano depois do incidente, ela ainda está vendo um psiquiatra. Ela gosta de se referir a ele como “uma ruptura com a vida”. Dito isto, tenho certeza que ela teria precisado de uma pausa mais cedo ou mais tarde de qualquer maneira. Já era hora de que ela abrandasse um pouco.

Dito isto, não estou realmente preocupada com ela.

Afinal, ela é um prodígio que conseguiu passar direto no exame mais difícil de ciência do colégio — enquanto estava naquela “pausa” — e entrou na faculdade de medicina. Ela limpou o chão com os outros alunos.

— Falando nisso, Yuuri... você não estava com um monte de caras quando nos encontramos antes?

— Os outros membros do meu clube me escoltaram porque é muito perigoso para mim ficar sozinha.

— À noite, claro, mas em plena luz do dia...? Sigh, então você não tem direito de reclamar sobre seu apelido.

Mas não pedi para eles... além disso, aprendi que recusá-los só piora as coisas...

— Não é isso. Não estou reclamando sobre ser chamada de Princesa Geek. Eu era contra o nome no começo, mas já me acostumei com isso.

— Então você tem outros problemas?

— Sim. Para dizer a verdade, um senpai confessou seu amor para mim. Ele é muito popular com as outras garotas, sabe? Mas nunca o vi assim...

— Ah garota! Então você teve que recusá-lo, certo? — Iroha diz. — Bem, posso entender que seria difícil dizer ‘não’ a ​​alguém. Então é por isso que você quer chorar?

— Não, eu aceitei.

— Você fez o quê? — Iroha exclama enquanto bate na mesa e se levanta.

Urm, Iroha? Você está chamando a atenção. Não está reagindo demais? É embaraçoso.

— Espere, Iroha, você tem que me ouvir. Olha, eu... ainda não consigo esquecer, bem, ele, mesmo que eu queira... então pensei que poderia ser capaz de seguir em frente se saísse com outra pessoa...

— ...Ok, entendo. — Iroha acena com um rosto azedo. Ela ainda não chegou a um acordo com Kazuki-san, que a encurralou, mas também a fez voltar ao caminho certo.

— Mas não fui capaz de esquecê-lo, e tampouco me apaixonei pelo meu senpai. No final, nos separamos depois de apenas duas semanas, então... Desculpe...

— Hm... Eu entendi qual o seu ponto, mas esse cara certamente merece minha compaixão. Bem, ainda é culpa sua, então posso entender como se sentiria culpada. Também quero chorar em seu lugar.

— Ah, estou bem com a separação.

— Você está bem?! — Thump! Ela bate na mesa novamente.

Você está me envergonhando... os garçons estão vendo...

— A história não termina aqui. Uma das únicas outras garotas do clube tinha uma queda por aquele cara e começou a me evitar... Posso entender isso. Não acho que ela estava feliz quando arrebatei sua paixão apenas para descatá-lo alguns dias depois.

— Ehhh... que figuras.

— Mas, novamente, ela é uma das poucas garotas no clube, sabe? Então tentei compensar isso de alguma forma.

— Como assim?

— Pensei que ela poderia me perdoar se ela tivesse um namorado, e eu sabia de outro cara que ela estava interessada. Pensei que tudo ficaria bem se eu os juntasse, então tentei colocá-los em contato um com o outro.

— Uh-huh... Eu não sou fã deste tipo de coisa, mas acho que é uma solução razoável. — Iroha comenta.

— Sim. Então tentei colocá-los em situações em que pudessem conversar em privado, marcando datas, e assim por diante. A moça percebeu o que eu estava fazendo e lentamente começou a me perdoar, mas então...

— Problemas?

— Sim. Um... o cara ficou com raiva de mim. “Isso é uma piada? Por que você está tentando me fazer ficar com ela?”, ele gritou para mim. Eu estava realmente com medo...

— Por que ele ficaria bravo com você?

— Aparentemente, ele estava apaixonado por mim...

— Você é um monstro! Bem... acho que você não sabia, então ninguém tem culpa aqui.

— Oh, eu sabia dos sentimentos dele por mim.

— Você sabia porra?! — Thump! Ela bate na mesa novamente.

Até mesmo os clientes no terraço começaram a observar...!

— Não, quero dizer... Sinto muito. Mas hey, eu tinha acabado de terminar um relacionamento, sabe? Tinha outras coisas para me preocupar. Ah, mas como ele poderia saber sobre a minha situação, certo? …Eu sou horrível…

— Hm... seu comportamento não era totalmente inadequado se você nem pensou em corresponder, certo? Não... mas você é definitivamente culpada aqui, Yuuri.

— Sim, reconheço. De qualquer forma, ele me pediu imediatamente para sair com ele. Tentei acalmá-lo e explicar que não queria, mas... ele é o tipo obstinado de pessoa que sempre consegue o que quer... então ele gradualmente perdeu a paciência quando continuei a negá-lo, até que, um dia —

— Um dia...?

— Ele me atacou.

Os olhos de Iroha se arregalam em choque.

— Ele atacou você...? Quero dizer, literalmente?

— Sim Ah! Não se preocupe! Gritei por ajuda e fugi ilesa! Sua Yuuri ainda é pura!

— Bem, deixando de lado a questão se você é ou não pura, Yuuri... — Que má! Eu ainda sou 100% virgem!

— Você colhe o que planta, mas ninguém merece isso, é claro. Sim, você tem minha simpatia. Pode chorar.

— Não, não é isso...

— Também não é isso?! Venha, chore! Você merece!

Por quê?!

— Por favor, me escuta! Então, o professor que me atacou...

— PROFESSOR! — Iroha grita dando outro golpe na mesa e se levanta. — Professor! Hey, você pulou essa parte! Um professor! Um maldito professor...! — Ela continua batendo na mesa.

— I-Iroha! Pare de fazer tanto barulho...!

Todas as pessoas aqui estão nos observando... Estou tão envergonhada...

— Umm... olha, tenho certeza que você leu nossos quadros de avisos, certo? — Explico. — Houve um aviso sobre uma ação disciplinar contra um professor. Houve também notícias sobre o incidente!

— Foi isso que você fez?!

— Eu-eu não tenho culpa! Eu sou a vítima!

— Bem, isso é verdade, mas... — Com um profundo suspiro, Iroha se senta novamente e começa a beber seu café gelado, agora aquoso. — E?

Oh, ela parece muito cansada.

— Então o incidente ficou bastante famoso porque um professor estava envolvido, certo? Claro, rumores começaram a surgir em torno de que eu era uma puta que seduziu um professor, ou que eu era uma cadela que está se aproveitando dos caras do clube. É horrível, Iroha! São acusações infundadas!

— Mas eu não os chamaria de ‘infundados’.

— S-sim, eles são. Enfim... a atmosfera no clube ainda está tensa e a garota que mencionei agora me odeia... mas mesmo quando tentei assumir a responsabilidade e deixar o clube, os outros membros me impediram. Estou no fim das minhas ideias...

— Você não é uma Princesa Geek, é apenas um destruidora de clubes. — Ela diz enquanto me descarta com frieza. — Mas agora entendo. Qualquer um iria querer chorar em seus lugar.

— ...

— Yuuri...?

— ...Não pense mal de mim, ok?

— Desculpe, mas acho que já ouvi o suficiente hoje para pensar muito mal de você.

— De jeito nenhum!

-— É inteiramente justificável! Então? Afinal, o que fez você querer chorar?

— Bem... como você pode perceber, adquiri um monte de influência. Há vários alunos que posso não só expulsar de seus clubes, mas da universidade.

— E daí…?

Arranjo minha coragem e digo:

— Isso é ótimo.

— Hã?

— Esse sentimento de ter controle total sobre a vida das outras pessoas é ótimo. Algumas mentiras aqui, algumas palavras doces ali, e eu posso facilmente esmagar a elite que fez desta uma universidade tão renomada. Só pensar no que aconteceria se eu realmente fizesse isso me deixa toda excitada.

Aperto minha cabeça.

— Minha personalidade me faz querer chorar!

Iroha joga seu copo em mim. Eu mereci, não foi? T-hee!

 

Depois de dizer adeus a Iroha, pego minha câmera SLR e visito um parque espaçoso para tirar algumas fotos do sol poente. Um forte cheiro veraneio de grama enche a área e os gritos das cigarras parecem estar balançando o ar.

Meus horizontes se expandiram muito desde o colegial. Comecei a ir para a faculdade, vivendo por conta própria e até mesmo tenho uma moto. Estou começando lentamente a me entender melhor.

De volta ao ensino médio, eu buscava o topo sem metas específicas em mente, mas sempre houve alunos que me superaram. Sentia uma barreira insuperável entre nós que me deixou desesperada. Eu estava terrivelmente ciumenta e me sentia inferior a Iroha, o principal exemplo de uma estudante que não podia me igualar.

Iroha é uma revolucionária de nascença. Ela nunca está satisfeita com o status-quo. Ela está sempre tentando empurrar a si mesma e o mundo ainda mais. A razão para sua entrada na Faculdade de Medicina da Universidade de Tóquio é que ela quer começar por mudar o mundo pela medicina. Ela possui a inteligência e habilidade necessárias para perseguir fervorosamente seus objetivos.

Hoje, entendo que não havia como eu ter batido alguém tão focada como Iroha através de estudo sem objetivo. Iroha se acalmou um pouco por causa do revés que sofreu, mas uma vez que ela terminou sua pausa, ela continuou a trabalhar para revolucionar o mundo.

Há uma diferença fundamental entre eu e Iroha. Não posso me tornar como ela, nem quero. Não me importo tanto com o mundo. Estou feliz se minha família e eu pudermos ter uma boa vida. Por causa disso, nunca vou me submeter a Iroha.

Dito isto, cheguei a uma conclusão sobre isto.

Iroha e eu temos desejos diferentes. Agora que ela me promoveu a uma “destruidora de clubes”, descobri meu verdadeiro desejo.

Quero manipular os outros. Quero controlá-los como bonecos.

Sim, é um desejo retorcido. Pelo menos, não posso chamá-lo bonito. Mas parece que sou bastante habilidosa em controlar os outros, e posso usar essa habilidade para ser útil à sociedade.

Há uma certa empresa de relações públicas que uma vez empregou uma estratégia radical com 10 princípios.

  1. Manipular as pessoas para consumir mais.
  2. Manipular as pessoas para descartar mais facilmente.
  3. Manipular pessoas para desperdiçar dinheiro.
  4. Manipular as pessoas a ignorar a periodicidade
  5. Manipular pessoas para comprar mais presentes
  6. Manipular pessoas para comprar produtos em pacotes
  7. Manipular as pessoas para aproveitar todas as oportunidades para comprar
  8. Manipular as pessoas para perseguir as tendências
  9. Manipular pessoas para comprar produtos facilmente
  10. Manipular as pessoas para estar em constante turbulência

Quando li essa lista, pensei, é isso.

Isso significa que posso impulsionar a economia e ajudar a sociedade se fizer pleno uso de minhas habilidades e dar pleno alcance aos meus desejos. Há um lugar para pessoas como eu.

Sou uma agitadora. Quero assistir as massas dançarem a minha melodia.

Minha vida se tornou muito mais fácil depois de descobrir meu caminho. Sei onde tenho que ir e não tenho que perder tempo e energia. Também comecei a me esforçar para encontrar um emprego em uma empresa de relações públicas ou na mídia de massa.

Se tiver sucesso como uma agitadora, poderia até mesmo ser capaz de me unir com a revolução de Iroha. Se isso acontecer, finalmente estaremos em pé de igualdade e eu poderia participar da mudança do mundo. Certamente não teria mais nenhum complexo de inferioridade com respeito a ela.

Contudo...

— Eu não preciso ser bem-sucedida.

Estou contente se sou capaz de induzir apenas uma pessoa a me amar, e depois construir uma família feliz. Isso é tudo o que quero.

— Kazuki-san...

No entanto, essa pessoa não será meu primeiro amor.

— Hah...

Um sorriso escapa de meus lábios enquanto suspiro.

Kazuki-san pertence a Maria Otonashi e só, mas por alguma razão, sinto que também é melhor assim. Tenho o palpite de que meus sentimentos por ele não deveriam evoluir.

Não pude deixar de rir quando ouvi sobre o anúncio que a Otonashi-san fez depois que Iroha e eu nos formamos. Kazuki-san, você se fisgou um grande peixe! Minhas condolências!

Mas tenho certeza que você precisa de seu poder agora.

— Ah!

O sol está começando a tingir o céu de uma cor agradável. Aqueles reflexos na água são exatamente o que estava procurando. Decido me concentrar em um casal que está remando um barco e tirar uma foto. Depois de algumas tentativas de diferentes ângulos e com diferentes tempos de exposição, finalmente consegui pegar um bom.

— Mm.

Mesmo eu possa tirar belas fotografias, e serei capaz de muito mais. Ainda falta pouco mais de dois anos até o dia da promessa de Otonashi-san.

 

Quero ficar um pouco mais perto do meu sonho antes disso. Quero ter confiança em mim mesma.

...Se possível, também gostaria de me encontrar com alguém que é ainda mais bonito do que você, Kazuki-san!

Sim, esse seria o meu ‘desejo’.

 

Haruaki Usui (19), 14 de Agosto

Até esse momento decisivo, meu coração estava coberto de escuridão.

Minha decisão de desistir do meu sonho de me tornar um jogador de baseball profissional em favor de ir para o mesmo colégio como Daiya Oomine e Kokone Kirino resultou no pior resultado possível. Daiyan ficou fora de si e foi esfaqueado, Kiri sofreu um choque horrível que é improvável que algum dia vá superar, e Hoshii não pode mais sequer falar. Perdi todos os meus melhores amigos. Meu cotidiano foi completamente devastado.

Durante esses dias, fiquei completamente afastado. Via tudo nublado e nada parecia importar. De alguma forma consegui me obrigar a frequentar as aulas, mas não fazia sentido estar lá, tudo o que fiz foi continuar me movendo como um inseto sem cérebro. Houve momentos em que eu ia para casa sem dizer uma única palavra o dia todo.

O tempo passou assim e a turma de Iroha Shindou se formou, Kiri deixou a escola, os pais de Hoshii o registraram como ausente por um período indefinido de tempo, e Kasumi se afastou. Quando eu era estudante do terceiro ano, eu estava só. Minha lembrança dessa época é bastante vaga. No entanto, a escuridão que me sufocou foi eliminada pelas palavras de Maria Otonashi.

Em 15 de julho, Maria Otonashi foi eleita presidente do conselho estudantil. Eu era um estudante do terceiro ano e 9 meses tinham passado desde que todos partiram.

Havia uma assembleia para todos os alunos do ginásio — o conselho estudantil estava passando a tocha para a próxima geração. Em contraste com qualquer outra assembleia, os alunos estavam esperando que a cerimônia começasse com a respiração ofegante e olhos fixos no palco. É claro que eles não estavam olhando para o presidente saliente e sem precedentes. Sua atenção era dirigida à nova presidente, Maria Otonashi.

Ela tinha me visitado em minha sala de vez em quando para ver como eu estava indo, mas sempre a ignorava. Eu sabia que ela não tinha culpa, mas ainda não conseguia me relacionar de novo com ela. Devo ter sentido que ela, a estranha, foi a que causou estragos em nossas vidas.

A Maria Otonashi que vi de pé sobre a plataforma tinha perdido muito de sua antiga aura. Seu carisma, por outro lado, estava claramente intacto: ela venceu a eleição facilmente, o que era parte da razão pela qual ela era o centro das atenções. Além disso, ninguém tinha esquecido como ela separou as massas como Moisés separou o Mar Vermelho e marchou até Hoshii durante a cerimônia de entrada. A situação era semelhante, então todo mundo estava secretamente esperando algo incomum acontecer.

Maria Otonashi começou seu discurso falando em uma maneira clara e distinta. Ela conseguiu alcançar os corações de sua audiência.

Por algum tempo, um estranho ar de ansiedade vinha se apoderando de toda a escola. Um estranho ar de ansiedade de que todo mundo parecia estar ciente. Vários incidentes bizarros certamente desempenharam um papel nisso (como o incidente do assassinato ou o surgimento de Cães Humanos), mas também não conseguimos evitar a sensação de que algo muito mais grave nos afetou diretamente — porque havia algo errado com nossas memórias.

Tínhamos sido colocados sob controle de alguém e depois libertados.

É difícil de explicar porque não havia nenhuma razão concreta para esse sentimento, mas continuava nos seguindo como uma maldição. Todos podiam sentir o ar opressivo e tenso que enchia a escola. Houve um acordo silencioso para nunca falar dele. A mera menção do assunto era um tabu porque ninguém queria falar sobre isso.

No entanto, Maria Otonashi quebrou o silêncio em seu discurso. Ela descreveu o sentimento de forma clara e direta ao explicá-lo para nós, e até mesmo propôs alguns métodos diferentes para se livrar dele. Seu discurso conseguiu ser prático e teórico.

Era exatamente o que os alunos haviam desejado. Eles ouviram atentamente o discurso dela com respiração ofegante e se certificaram de não perder uma única palavra.

Uau, ela é uma menina impressionante, disse para mim mesmo. Mas isso não vai trazer meus amigos de volta, pensei.

Portanto, seu brilhante discurso não deixou uma impressão duradoura em mim.

— Farei o meu melhor para garantir que os alunos desta escola possam, uma vez mais, desfrutar de uma vida escolar frutífera. Sou Maria Otonashi, a nova presidente do conselho estudantil.

O público começou a aplaudir, achando que o discurso havia terminado, mas ela levantou a mão e fez sinal para que eles parassem.

— Por fim, gostaria de fazer um anúncio.

Com uma brusca mudança de tom e expressão, ela continuou:

 

— Kazuki Hoshino e eu nos casaremos quando ele tiver 20 anos.

 

— ...O quê? — Falei, confuso por sua súbita e aparentemente aleatória observação.

Todos os presentes, incluindo os professores, estavam completamente confusos.

— Vamos nos casar e ser felizes. Mais feliz do que qualquer outra pessoa.

No entanto, em contraste com suas palavras, ela estava chorando.

Quase todo mundo sabia sobre o estado atual de Hoshii. Também era bem conhecido que Maria Otonashi era sua namorada e cuidava dele todos os dias.

— E é tudo pela minha própria felicidade!

Era um choro fingido? Não. Seu anúncio não era de forma alguma egoísta, como se podia perceber facilmente ao olhar para sua expressão dolorida.

Nesse caso —

Minha intuição me disse o que era.

Era uma desculpa para todos nós.

Por alguma razão, Maria Otonashi se sentiu responsável pela estranha atmosfera que permeou a escola. Ela estava desesperadamente nos pedindo desculpas. Ela estava tentando desesperadamente expiar seus pecados.

Hoshii deve ter sido o que mais sofreu por causa da estranha atmosfera e, portanto, seu cotidiano foi o mais difícil de restaurar. A fim de se casar e ser feliz, era uma exigência natural que antes de mais nada ele voltasse ao normal.

Em outras palavras, Maria Otonashi tinha acabado de anunciar que iria lutar para restaurar até mesmo o cotidiano mais danificado.

Se conseguisse, ela também nos libertaria desse sentimento perturbador.

Ela tinha considerado que esta era a melhor maneira para ela se redimir. É por isso que ela teria sucesso, não importa o quê. Tenho certeza de que a maioria do público não conseguiu entender tudo que dizia no seu anúncio, mas olhar seu rosto e ouvir sua voz foi o suficiente para transmitir a verdadeira mensagem — que não era nem um pouco egoísta.

Nossas vidas cotidianas voltarão.

 

Com os punhos cerrados e lágrimas nos olhos, Maria Otonashi se curvou profundamente diante de todos, e o público rompeu em aplausos entusiasmados.

Esse foi o ponto de virada para mim.

Enquanto os aplausos continuavam, o véu que me cobria foi levantado em um instante. Meu peito aqueceu e esse calor colocou meu coração congelado de volta em movimento.

Thump! Thump! Eu não tinha ouvido meus batimentos cardíacos tão claramente em um longo tempo.

Ah, entendo...

Eu também queria ser perdoado. Todo esse tempo fui incapaz de me perdoar por falhar com meus amigos em sua hora de necessidade. Essa foi a maior razão para o véu escuro sobre meu coração.

Percebi que também tinha que encontrar uma maneira de me redimir. Não seria capaz de seguir em frente até que eu me perdoasse. Estava determinado a descobrir como me redimir adequadamente.

 

Maria Otonashi pode ter lidado com a atmosfera opressiva, mas nenhum dos meus amigos voltou quando eu ainda estava na escola. Mas enquanto eu ainda estava sozinho, parei de passar todo o meu tempo como um zumbi.

Me esforçando para me redimir, coloquei o maior esforço em tudo o que fiz. Queria fazer o melhor do meu tempo restante, mesmo que não resultasse em nada. Como um resultado da minha nova resolução e como o ás da nossa equipe, eu dirigi nosso time de baseball de segundo nível para o status de vice-campeão no torneio de baseball local nesse verão.

Depois de me formar no colégio, entrei na universidade. Escolhi a Universidade Waseda. Minhas notas não foram nem perto boas o suficiente, mas milagrosamente recebi uma recomendação da sua equipe de baseball, muito provavelmente por causa do meu desempenho no torneio de verão.

Mas enquanto sou finalmente aceito, ainda sou claramente um dos membros mais fracos da equipe. Os outros membros, que treinaram e construíram seus corpos nas escolas secundárias, facilmente me superam em poder bruto. Como resultado, não posso me manter adequadamente nas práticas. Sou tão ruim que na verdade, o nosso supervisor sutilmente sugeriu que eu me tornasse o gerente da nossa equipe.

Julgando apenas pela habilidade, eu poderia terminar meus quatro anos aqui sem jogar em um jogo oficial, nem mesmo uma vez. Mas estou bem com isso. Vou dedicar meus quatro anos na universidade ao baseball, mesmo se não tiver sucesso.

— Usui! Use sua maldita parte inferior do corpo quando você está jogando!

Nosso treinador, Miyashiro, grita de repente enquanto estou praticando. Ele é o tipo de cara que você esperaria encontrar em uma corrida de cavalos, não em um estádio, então você não iria reconhecê-lo como um treinador, se não fosse pelo seu uniforme. Ele é o único aqui que tem algumas expectativas positivas de mim.

— ...Treinador, posso lhe fazer uma pergunta?

— Sim? O que é?

— Por que me nomeou para uma recomendação? Quero dizer, havia muitos jogadores melhores para você escolher.

— Quem te disse que te nomeei? Bem, não importa. Por que escolhi você? Não vou te dizer se você só quer algum consolo para o seu jogo de merda! — Ele responde.

— Não, eu só quero saber o que você acha que são meus pontos fortes. Se possível, gostaria de trabalhar para melhorá-los.

— Mhm ... Bem, acho que está tudo bem então — Ele diz enquanto coça a cabeça. — Bem, seus lances são muito bons para um cara do seu porte. Vou dizer que você tem algum potencial aí.

— Mas por causa do meu porte físico, tenho dificuldade de me manter durante as práticas.

— Muito bom na autocrítica, hein? Mas não parece deprimido. Hmph... essa é a outra razão. Seus olhos.

— Meus olhos? Porque eles estão cheios de entusiasmo?

— Completamente errado. Mesmo que fosse isso, pode encontrar jogadores com entusiasmo em qualquer esquina. Na verdade, não posso ver um traço de ambição em seus olhos, mesmo que isso seja algo quase todos os profissionais devem ter. Caramba, você parece que está morto para o baseball. Você é um merda.

— Merda…?

— Mas... — Ele acrescenta enquanto coça a barba. — Você tem os olhos de alguém que conhece o desespero.

Fico em silêncio.

— Isso te impede de perder o coração com cada revés, e você não fica nervoso durante os torneios. Você realmente mostrou isso durante o processo de seleção, lembra? Havia melhores jogadores ao seu redor, mas você não se importava.

É verdade que já não presto atenção às habilidades de outras pessoas. Não importa. No final do dia, você só pode fazer o seu melhor.

— Conheço um cara com olhos semelhantes. Ele era um arremessador, mas teve que parar porque ferrou o ombro em uma partida no Estádio Koushien¹. Foi tão feio que eu estava com medo dele cometer suicídio a qualquer momento, então o persuadi a se juntar a nossa equipe de baseball aqui. Esse cara praticava todos os dias até o ponto de desmaiar, mas uma vez que ele era o batedor em um jogo, juro que ele bateu essas bolas como um louco. Seus balanços eram tão poderosos que uma vez lhe perguntei sobre seu segredo. O que você acha que ele disse?

Treinador Miyashiro sorri.

— “Porque não vou morrer se eu perder”.

Ele suspira profundamente.

— Como você se sente sobre isso? Eu honestamente não entendo, mas minha intuição me diz que você tem um palpite, não?

— ...Como essa pessoa está agora?

— Deixa eu lembrar, quantas centenas de milhões de ienes por ano foi isso?

Entendo. Ele tem uma boa opinião sobre mim porque lembro esse jogador, não por causa da minha própria habilidade. Mas não vou desanimar por causa disso.

Agacho e pego minha bola.

— Esse jogador simplesmente tinha talento. — Observo.

— Pensei que você também pudesse provar ser capaz, isso é tudo. Não sei se você realmente tem algum talento. Está desapontada?

Coloco meus dedos enluvados nas costuras da bola.

— Treinador... Tinha um cara que eu não poderia superar em toda a minha vida.

— Hm? Ele deve ser um monstro se você diz isso. Quero dizer, você nem se considera inferior ao Yoshino, não é?

Yoshino é um arremessador que recusou se tornar um profissional para se juntar ao nosso clube e jogar baseball universitário.

— Um profissional? Qual o nome dele?

Eu respondo:

— Daiya Oomine.

— ...Nunca ouvi falar desse cara.

— Isso não me surpreende. Mas ele sempre foi meu ideal.

Depois de acalmar a minha respiração, eu estico o meu braço para baixo junto com a minha perna esquerda. Um forte impulso dispara através de meu corpo, até as pontas dos dedos da minha mão direita. Meus músculos vibram enquanto meu corpo cuida do resto. Meu braço faz uma poderosa curva para baixo. Um som rápido ecoa através do bullpen² enquanto meu passo corta o ar.

"Oh, maneira de dar o seu arremesso alguns spin! Agora estamos a falar!"

 

Desde o anúncio de Maria Otonashi, tenho dado tudode mim. Continuei seguindo em frente sem nem saber para onde estava indo. Comecei a ver resultados. Estou finalmente começando a entender o que estava faltando em mim.

Por que eu era incapaz de ser de alguma ajuda?

Porque eu não tinha a “determinação”.

Sempre observei de longe e evitei me envolver diretamente. Também evitei me intrometer muito profundamente nos problemas de Daiyan e Kiri. Acreditava que aquela era a distância certa a manter para evitar ferir qualquer um. Estava com a impressão de que eu poderia destruir tudo se não mantivesse uma certa distância. Bem, é perfeitamente possível que minhas preocupações fossem bem fundadas, mas não importava! Eu poderia muito bem ter destruído tudo!

Eu poderia muito bem ter tomado Kokone Kirino de Daiya Oomine.

Você não pode causar uma mudança sem coragem e determinação. Não perceber isso quando necessário foi o meu defeito.

Daiya Oomine — ele sempre teve essa determinação. Não posso dizer que ele estava certo em desconsiderar sua própria felicidade, mas ele tinha a determinação de seguir suas decisões. Há muito que posso aprender com ele.

Desde que nos conhecemos, não pude supera-lo.

“Porque eu não vou morrer se eu perder”.

Posso entender perfeitamente as palavras daquele batedor. Não morreremos apenas porque nossos sonhos e esforços se revelam fúteis, e não precisamos desesperar. Ambos enfrentamos um desespero muito maior, por isso não temos medo dos obstáculos que temos diante de nós. Podemos facilmente apostar enquanto outros estão muito assustados até mesmo escolher cara ou coroa.

Daiyan. Finalmente descobri como posso ser igual a você. Mas, diferente de você, não me sacrificarei. Vou encontrar meu próprio tipo de determinação. Só quando tiver encontrado a resposta para essa pergunta serei capaz de me perdoar por minha abstenção.

Falta pouco mais de um ano para o dia prometido de Maria Otonashi.

Até lá vou definitivamente encontrar meu próprio tipo de determinação. Esse será o momento em que meu ‘desejo’ se tornará realidade.

 

Kokone Kirino (16), 23 de Setembro

Quando Daiya finalmente apareceu no hospital onde eu estava recuperando de minha lesão auto infligida, ele já tinha deixado a escola. Tinha removido seus piercings e tingido seu cabelo de volta ao seu preto natural. Quando ele me viu na cama de hospital, me deu um sorriso terno e acariciou minha bochecha.

No entanto, não pude ver o garoto amoroso e despreocupado que ele já foi. Daiya não era mais inocente. Cuidadosamente envolvi minhas mãos em torno da sua. Mm… não quero esquecer esse toque.

Quando soltei sua mão, ele a puxou de volta. Isso foi o suficiente para eu entender o que ele estava planejando fazer.

— Você vai me deixar sozinha novamente.

Com olhos arredondados, Daiya me deu um sorriso torto.

— Não posso esconder nada de você, Kokone, posso?

— Onde você planeja ir desta vez?

Daiya sorriu vagamente.

— Eu não sei.

— Você não sabe...?

— Sei o que é importante para mim agora: estar ao seu lado. Kazu me ensinou o caminho mais difícil.

— Então fique aqui comigo, bobo...

Ele sacudiu a cabeça suavemente.

— ...Tenho certeza que você entende, Kokone. Cometi muitos pecados. Brinquei e arruinei o futuro de muitas pessoas. Enquanto pagar por isso, não posso estar ao seu lado. Mas não sei como pagar. É por isso que tenho que ir procurar uma maneira de assumir a responsabilidade. — Daiya explicou e calmamente baixou o olhar. —Vou continuar procurando. Talvez demore um ano, talvez demore dez, e talvez eu não descubra nada. De qualquer forma, vou ter que carregar esse fardo para o resto da minha vida.

— Daiya...

— Mas posso te prometer uma coisa.

Ele me beijou.

 

— Voltarei para você, Kokone.

 

Quando nossos lábios se separaram, não pude deixar de falar.

— Prometa!

— Sim.

— Você deve voltar para mim!               

— Sim.

Daiya enxugou minhas lágrimas com os dedos.

— Não falharei com você de novo.

 

Ele disse que não cometeria o mesmo erro novamente.

Ele prometeu que voltaria para mim.

Mas da próxima vez que vi Daiya, ele estava deitado em uma cama de hospital e tinha inúmeros dispositivos médicos conectados ao seu corpo. Ele foi esfaqueado nas costas por uma garota fanática do ensino médio (que foi imediatamente presa) e acabou na UTI. Mesmo escapando da morte, a grave perda de sangue causou danos cerebrais e o deixou em coma.

Daiya estava inconsciente. Um ventilador estava bombeando ar em seus pulmões através de sua traqueia, e dois tubos foram conectados em seu nariz. Eu podia ouvir o som do ventilador inflar e desinflar e o sinal sonoro do ECG.

No momento em que o vi assim, desabei em lágrimas.

Mesmo que seu peito subisse e descesse e seus olhos piscassem ocasionalmente, ele não parecia mais humano para mim. Era um ser vivo disfarçado de Daiya. Um mês se passou, mas ele permaneceu em coma.

Os pais de Daiya o visitavam quase todos os dias, embora não estivesse tudo bem entre eles por causa do incidente envolvendo a mim e a Miyuki Karino. Muitas outras pessoas também apareceram: Haru, Kasumi, nossos outros colegas de classe, Maria Otonashi, Yuuri Yanagi, Iroha Shindou, Miyuki Karino e até Riko Asami, que trabalhava em uma fazenda em Hokkaidou. Alguns de seus ex-crentes também o visitaram, mas, ao contrário da menina que o tinha esfaqueado, voltaram ao normal.

Entretanto, não importa quem o visitasse, a condição de Daiya não mudava. Ele não mostrou nenhuma reação. Contra os desejos das nossas famílias, deixei a escola para passar mais tempo ao lado de Daiya. Eu acreditava que deixá-lo ouvir a minha voz era a melhor maneira de trazê-lo de volta.

No entanto, Daiya não se recuperou, não importa quanto tempo falei com ele. Enquanto o observava durante todo o dia, notei que havia momentos em que ele mostrava alguns sinais de vida, mas esses eram apenas sinais fracos e nada tangível. A parte crucial não mudou. Ele ainda era apenas uma concha desumana.

À medida que o tempo passou, suas chances de recuperação gradualmente diminuíram e meu medo de que ele nunca poderia despertar cresceu a cada dia. A ansiedade mordia a minha esperança como uma fera faminta. Lentamente comecei a ficar entorpecida... até que fiquei completamente sem expressão.

 

Mais um mês se passou e agora era novembro. Eu tinha ficado tão abatida que até estava ciente disso. Na verdade, o médico de Daiya até sugeriu que eu conversasse com um psiquiatra.

Enxuguei as lágrimas de Daiya com uma tira de gaze. É claro, aquelas lágrimas corriam pelas bochechas devido a reflexos e não tinham nada a ver com emoções reais. De repente, enquanto eu estava limpando o rosto limpo, um pensamento cruzou minha mente.

Será que é assim que ele planeja se punir? Ele impôs esse castigo sobre si mesmo para compensar seus pecados?

Se isso é verdade, ele é egoísta, pensei. Ele está me negligenciando.

Segurei meu corpo e toquei a cicatriz que provavelmente me acompanhará pelo resto da vida. Era o lugar onde eu me esfaqueei porque acreditava que eu poderia salvar o Daiya.

“Eu não me importo em morrer contanto que Daiya seja feliz”.

Naquela época, pensei isso do fundo do meu coração. E ainda penso. Estou disposta a me sacrificar por Daiya a qualquer momento. Talvez ele fosse um pecador. Talvez ele tivesse que pagar seus pecados. Mas havia motivo para ele levar esse fardo sozinho? Ele não poderia passar isso para outras pessoas como eu? Não havia nada que ele pudesse fazer para ser perdoado?

É isso mesmo? Foi por isso que ele acabou assim?

Sim... pensei comigo mesma. O mundo sempre foi cruel, sei disso. Aquela crueldade foi esculpida nas minhas costas.

Nesse caso...

— Já chega.

Já vimos o suficiente deste mundo.

Removendo o equipamento médico ligado ao Daiya, poderia parar suas funções corporais. Vamos fazer isso, pensei. Vamos para o próximo estágio. Talvez sua alma já esteja esperando por mim no céu.

Nesse caso, apenas faça!

Agarrei os tubos conectados ao nariz.

Apenas puxe. Ninguém vai me culpar. Não, mesmo que o façam, seguirei o Daiya de qualquer maneira.

...Você estava sozinho, Daiya, não foi? Desculpe, mas estarei com você em um minuto!

— Uh... gh...

No entanto, não pude me obrigar a tirá-los, e soltei os tubos.

Por mais inumana que fosse a concha diante de mim, ainda parecia o Daiya. Não havia nenhuma como eu terminar sua vida enquanto ainda havia uma chance para ele despertar, não importa quanto tempo leve.

Eu sabia que estava simplesmente prolongando o estado das coisas porque estava com medo do fim, mas não pude evitar.

Sou tão fraca.

Não há nada que eu possa fazer.

Me debrucei sobre o corpo de Daiya e chorei até a exaustão.

 

Dois meses se passaram e o ano novo veio e foi, mas Daiya ainda não mostrou sinais de recuperação. Ele respirava sozinho de vez em quando, mas me disseram que tinha pouco a se fazer para recuperar a consciência. O médico de Daiya tinha sido pessimista em relação à recuperação de Daiya desde o início, mas ele se tornou especialmente franco recentemente. Os pais de Daiya ainda acreditavam que ele voltaria, mas também começaram a mostrar dúvidas. Eles até me perguntaram se devíamos conceder-lhe uma morte indolor.

Não é estranho? Eu pensei. Eles fizeram parecer que o corpo de Daiya só estava sendo mantido vivo por causa do meu egoísmo. Mesmo que eu fosse a pessoa que mais queria libertá-lo!

“Eu faria qualquer coisa por você”.

Isso não era mentira, mas minha tentativa de cometer suicídio havia falhado. Eu não sabia se era correto terminar sua vida com minhas próprias mãos. Não, mesmo que fosse certo, eu não seria capaz de fazê-lo.

Mas havia algo que eu tinha notado.

Enquanto não pude me obrigar a acabar com a vida de Daiya, eu poderia facilmente encerrar a minha.

Tenho certeza que Daiya está esperando por mim no céu, e se ele não está lá, isso simplesmente significa que ele sobreviveu, o que é ainda melhor.

Que idéia brilhante! Me pergunto por que não pensei nisso antes?

 

No dia seguinte, trouxe uma faca comigo para visitá-lo.

Desta vez, não esfaquearia meu estômago. Cortaria minha garganta e encontraria Daiya.

Meus planos suicidas me fizeram esquecer completamente que Maria Otonashi tinha dito que viria visitar Daiya naquele dia.

Ela é a única que manteve o corpo de Daiya vivo por fornecer primeiros socorros e chamar a ambulância quando ele foi esfaqueado. Ela parece ter se esquecido disso, mas os registros não mentem. Eu estava grato por isso. Mas por alguma razão, não me dava tão bem com ela como antes.

Maria Otonashi tinha trago uma caixa de música e estava segurando perto dos ouvidos de Daiya. Aparentemente, houve um caso em que uma caixa de música trouxe um paciente de volta. Bem, é fútil de qualquer maneira, pensei porque eu duvidava que ele reagiria a algo assim se ele nem reagiu à minha voz.

Apenas saia para que eu possa morrer.

— ...Kirino.

De repente, Maria Otonashi me deu um forte abraço.

— Hã?

Eu parecia deprimida?

...Não, ela não me deu um abraço — ela está examinando meu bolso.

Ah...

Ela puxou minha faca e suspirou profundamente enquanto olhava para ela.

— Estava me perguntando por que você estava tão impaciente, mas certamente não esperava isso... O que você estava pretendendo... Não, não diga. Posso adivinhar.

Sua atitude de sabe-tudo me fez ferver instantaneamente.

Como se você pudesse entender como estou me sentindo!

— Devolva! — Eu gritei histericamente. — Devolva, devolva, devolva!

Eu sabia que esse barulho traria as enfermeiras aqui a qualquer momento, mas não consegui recuperar a compostura e acusar Maria. Meu ataque provou ser inútil. Ela me cercou rapidamente e me conteve com uma imobilização comum.

— Cai fora! Me larga! Devolve a minha faca! — Gritei e, incapaz de suprimir a emoção, continuava entre lágrimas. — É o único jeito! A única maneira de ver Daiya é a morte!

— Jesus Cristo! Por que você é assim, vocês dois?!

— O quê?! — Gritei de volta.

— Eu respeito sua determinação e a do Oomine, mas se sacrificar pelo o outro é simplesmente errado. Isso não faz sentido. Isso só vai fazer ele infeliz, porque Daiya é tão preocupado com a sua felicidade quanto você é com a dele. Você esqueceu o quanto sofreu quando suas posições foram invertidas?! Por que você não pode aceitar isso, mas que coisa!

Seu tom convincente me fez estremecer, mas continuei de qualquer maneira:

— Quem é você para falar! Quem está se sacrificando por Kazu-kun agora, hm?!

— Eu costumava ser a encarnação do auto sacrifício, mas passado é passado. Estou com o Kazuki pelo meu próprio bem. Kazuki, também, precisa de mim e não pode ficar feliz sem mim. Não vou mais me sacrificar, nem se eu quisesse.

Franzo o cenho para ela.

— Você sabe por que está cometendo o erro de se sacrificar? — Ela pergunta. — Eu era como você, é por isso que posso dizer. — Então declarou friamente:

— É porque você é fraca. É porque você não pode enfrentar a realidade.

— Oh, claro que não posso encarar a realidade! Como poderia viver com o fato de que Daiya — a pessoa que eu amo é um maldito vegetal?! Ele é tudo para mim! O mundo tirou tudo de mim! O que mais me resta?! — Gritei. — O que diabos deveria fazer?!

Pensei que ela não seria capaz de responder a minha pergunta. Pensei que não havia respostas para esta pergunta. Maria Otonashi, no entanto, respondeu sem hesitação.

— Acredite na recuperação do Oomine.

Mordo meus lábios.

Você faz parecer fácil!

— O que há para acreditar?! Sei como este mundo é terrível, oh sim eu sei. Quanto você acha que já perdi? Como diabos deveria acreditar em um milagre?!

— Nunca disse para acreditar no mundo. Sei tão bem quanto você que o mundo não escuta as orações.

— Veja só! Poupe o seu t...

 

Mas eu acredito em Kazuki.

 

— O que? O que você está...

— Sei que Kazuki nunca me deixaria sozinha, acredito do fundo do meu coração que ele vai voltar para a minha vida.

— ...P-por que... como você pode estar tão confiante de que...?

Certo. Maria Otonashi estava na mesma situação que eu. Ela deveria estar tão desesperada quanto eu, mas parecia cheia de esperança.

Por quê? Qual a diferença entre eu e ela?

— Você não acredita?

Ah, nossa diferença é perfeitamente óbvia.

— Você não acredita que Oomine nunca te deixaria assim?

Ela tem fé no seu amado.

 

Voltarei para você, Kokone.

 

Daiya fez uma promessa.

No entanto, não acredito em suas palavras. Pior ainda, tentei me matar, a quem ele valoriza mais do que tudo.

Até onde traí o Daiya?

— Eu... eu...

Mas se eu fosse honesta, não poderia ser tão otimista. Não acreditava que só seus sentimentos por mim pudessem trazê-lo de voltar para mim.

— ...Daiya... o que eu deveria... hein?

Daiya estava chorando. Ele estava chorando silenciosamente.

Só mais um reflexo? Me perguntava. …De jeito nenhum. Isso não ocorreria com um timing tão perfeito.

Ah...

Minha voz estava chegando até ele. Mas ele só podia olhar e culpar a si mesmo como me tornei cada vez mais suicida. Que horrível, como isso era mortificante! Não notei nada disso e quase tomei o que ele mais apreciava, sem saber o quão cruel eu era. Sem mim, o fio que mal o ligava ao mundo dos vivos despedaçava. Ele nunca mais acordaria.

Finalmente percebi isso.

 

— Daiya precisa de mim.

Tanto quanto preciso dele.

 

— Desculpe. — Por ignorar algo tão simples.

— Eu sinto muito…!

Me agarrei ao corpo de Daiya e chorei.

Maria Otonashi esperou silenciosamente que eu me acalmasse. Ela se certificou de encerrar a caixa de música que tinha trago para me rodear com uma melodia suave.

 

Meio ano se passou desde então. Agora é julho. Ouvi dizer que Maria Otonashi foi eleita presidente do conselho estudantil e que ela anunciou seu noivado com Kazu-kun.

Ninguém mais percebe isso, mas posso dizer que ela tem que ser incrivelmente forte para não perder a fé em Kazu-kun. Dito isto, cuidar dele todos os dias e não obter a menor resposta é tenso e doloroso. Então, acho seu anúncio particularmente inspirador.

— Daiya. — Digo enquanto acaricio suas costas. Não há resposta, é claro.

O suicídio não é mais uma opção — porque eu acredito nele. Ainda há dias em que perco a esperança, mas isso é natural, dado que até Maria Otonashi fica desgastada. A caixa de música que ela trouxe parou de tocar. Ultimamente, me tornei aquela que procura conforto na melodia.

— Sigh... — Expiro.

Mesmo agora que Maria Otonashi me ajudou a ver a luz, ainda sou incapaz de descartar minha ansiedade sobre o destino. Ainda sinto que o mundo é um lugar áspero. No entanto, estou mudando, devagar, mas mudando. Estou mudando e acreditando nas pessoas.

 

Falta pouco mais de dois anos para o dia da promessa de Maria Otonashi. Antes disso, quero ser a garota alegre que uma vez fui.

Esse é o meu ‘desejo’.

 

— Seu ‘desejo’ é o mesmo, não é, Daiya? — Digo com um sorriso é desprovido de qualquer emoção negativa.

De repente, percebo que os olhos de Daiya estão seguindo meu sorriso. Há uma intenção atrás de seu olhar pela primeira vez em muito tempo.

— Eh…?

 

Kazuki Hoshino (19), 3 de Outubro

————————————————————————————————————————Resumo dos pensamentos. De repente. Informações externas não processadas ​​até agora. Caos na minha cabeça. Eu estava aqui, mas a consciência estava longe. Tentou controlar o corpo, mas o corpo não reagiu. Corpo operado por conta própria era independente da mente.

Mas agora posso controlar o corpo. Mas não livremente. Como operar um controle remoto. Também pressionar os botões errados de vez em quando. Mesmo durante o caos fui capaz de recuperar o conhecimento da linguagem. Porque alguém conversou comigo. O conhecimento geral também pôde ser recuperado. No entanto, minha memória está fragmentada e não parece ser minha. Está espalhada como um quebra-cabeça, e não consigo juntar tudo. Não sei se posso.

Tento caminhar pela casa. Ninguém está aqui. A irmã Luu-chan também não está aqui. Pensando nisso, ela muitas vezes chora e diz que não sou eu. Portanto, sempre pensei que este corpo não tinha nada a ver comigo. Pensei que estava assistindo a um vídeo estranho. Isso está errado. Eu sou eu. Finalmente percebi isso.

Vou para a cozinha. Abro o armário e como biscoitos comprados. Também era capaz de comer enquanto eu não era eu. Acho que minha mãe sempre me perguntou se tinha gosto bom, mas eu não sabia. Só sabia que coisas picantes me fazem mal. Odiava o arroz que como todos os dias. Ele foi grudento e não tinha a qualquer gosto. Só comi doces. Porque “doce” era o único sabor que eu entendia. Um dia, a mãe polvilhou tempero Furikake em cima do meu arroz. De repente, tinha gosto e eu gostava do meu arroz. Tempero é como mágica.

Enquanto espero na entrada, a porta se abre. A pessoa lá em pé olha para mim com surpresa, provavelmente porque quase nunca sai do meu quarto, mas então ela sorri. É a mulher que mora no mesmo quarto que eu. Ela tem um cheiro bom e fico feliz quando a vejo.

— Estou de volta, Kazuki. Fui ver Usui hoje. Você não acreditaria como ele se tornou musculoso!

Não sei o que “Usui” quer dizer, mas aceno algumas vezes.

De repente, a mulher enruga os olhos.

— ...Vejo algo em seus olhos. Você entende o que estou dizendo?

Aceno novamente. Com um rosto todo vermelho, a mulher chama minha família. Mas eles não estão aqui. Devo dizer a ela? Eu tento, mas falho porque meus pensamentos não podem ser traduzidos em palavras. Só consigo fazer ruídos sem sentido. Minha cabeça parece confusa, como se o conteúdo tivesse sido jogado em um misturador. Por tudo de volta ao lugar é muito difícil. Mas me lembro da palavra mais importante. Maria. Esse é o nome dessa mulher.

Minha família estava feliz com o retorno de meus pensamentos conscientes. Maria também estava feliz. Mas ainda não posso falar. Começaram a falar mais comigo. Anteriormente, todos, exceto Maria, parecia tristes quando falavam comigo, mas recentemente eles parecem um pouco mais felizes. Também estou feliz.

Passo a maior parte do meu tempo no mesmo quarto. Contanto que ninguém me chame, não saio de lá. Maria vive comigo no mesmo quarto, mas não me lembro quando isso começou. Não acho que é normal para alguém que não faz parte da minha família viver comigo, mas minha família não diz nada, então suponho que está tudo bem. Mas sempre que a ouço respirar na cama acima da minha, meu coração começa a bater com força e acho que talvez não devêssemos dormir no mesmo quarto, afinal.

Maria e minha família muitas vezes tentam me tirar de casa, especialmente agora que recuperei minha capacidade de pensar. Mas odeio ir lá fora. Há muita luz. Há muitas cores. Informações de todos os tipos entram em meus olhos e enchem minha cabeça. Mais cedo ou mais tarde, fico sobrecarregado e minha cabeça começa a doer. Quando Maria está me forçando a sair e começo a lamentar, ela me deixa voltar para o meu quarto. Mas sempre que faço isso, Maria parece muito triste. Ela não deveria tentar me levar para fora se isso a deixa triste.

Há uma coisa que Maria me diz todos os dias.

— Eu casarei com você.

Casar. Eu sei o que essa palavra significa. Significam se tornar uma família. Pessoas que se amam fazem isso. Mas não entendo. Se vivemos juntos de qualquer maneira, por que se casar?

— Mas não vou forçá-lo. Não nos casaremos até que você queira honestamente.

Ela diz todos os dias também.

— Não nos casaremos até que você recupere seu cotidiano.

Isso também. Estou cansado de ouvir. Realmente não entendo o que ela está falando, mas isso me deixa com raiva. Ela está me ordenando sem nenhuma boa razão, me dizendo para fazer algo muito difícil.

Quando dou de ombros, Maria de repente parece extremamente triste. Mais triste do que nunca. O resto do dia meu peito dói por algum motivo. Dói tanto que não consigo dormir e lágrimas escorrem dos meus olhos. Maria percebe que estou chorando e desce do beliche superior e me abraça.

— O que há de errado? — Eu me acalmo. Ela está morna. Quero ficar assim.

Finalmente, noto que estou tão triste por causa da expressão extremamente triste de Maria hoje. De forma alguma quero vê-la assim. Quando Maria está triste, estou triste também.

O que devo fazer para evitar que ela fique triste?

Provavelmente deveria ouvir tudo o que ela disser. Se ouvi-la, eventualmente nos casaremos como ela quer. Se nos casarmos, Maria pode sempre sorrir para mim. Quando imagino isso, de repente fico feliz. Nesse caso, estou disposto a aturar coisas que doem um pouco.

 

Comecei a sair ativamente. Porque Maria queria que eu fosse lá fora.

Quando Maria e eu estamos saindo juntos, muitos de nossos vizinhos se aproximam de nós. Acho que os conheço, mas mal me lembro de conversar com eles. Eles dizem que estão preocupados comigo e me desejam o melhor, mas suas palavras não são como as de Maria e minha família. Eles não são honestos. E eles me olham com olhos desagradáveis. Tenho certeza que me olhariam da mesma maneira se eu dançasse nu diante deles. Isso sempre me deixa com raiva, e na maioria das vezes quando não consigo mais controlar minha raiva, Maria olha nos meus olhos e diz.

— Vamos encerrar por hoje, certo?

Não tenho medo apenas de pessoas que conheço. Estranhos me assustam também. A maioria deles ou nos ignora ou desviam o olhar, mas algumas pessoas nos dão olhares estranhos. É muito desagradável quando isso acontece. Ao contrário quando Maria e minha família olham para mim, não entendo o que eles estão pensando. Eles podem tentar me matar ou Maria a qualquer momento. Sempre que esse pensamento atravessa minha mente, não posso mais me mover. Maria diz gentilmente, “está tudo bem”.

As pessoas não são os únicos obstáculos lá fora. Tenho medo das coisas grandes que estão passando em velocidades incríveis porque definitivamente morreria se fosse atingido por um.

Não faz sentido para mim já que sou o único que parece se importar. Na verdade, minha memória me diz que um certo “Mogi-san” se meteu em grandes problemas quando foi atingido por um deles. Também sei que milhares de pessoas morrem todos os anos por causa deles. Por que ninguém parece se importar? Sempre que um carro ou uma moto passa por perto, aperto a mão de Maria. Ela geralmente aperta de volta e sorri para mim.

Mas os trens são ainda mais assustadores do que estradas. São caixas gigantes com muitas pessoas dentro. Tantas que seus corpos se tocam. Sou esmagado por um excesso de informação.

Meus pensamentos não podem continuar. Não consigo pensar em dezenas de pessoas ao mesmo tempo. Conheço essa pessoa ali e me esqueci dele? Esse smartphone é realmente muito interessante? Todos devem pensar várias coisas como eu. Todos devem ter suas próprias vidas. Sempre que começo a pensar assim, minha cabeça parece estourar. “Não se incomode com outras pessoas”, Maria poderia dizer, mas isso não é possível. Não sei como diferenciar informações importantes de informações supérfluas. Sempre tento suprimir o desejo de gritar, mas tenho um limite. Sempre que meu limite se aproxima, Maria me deixa sair na próxima estação e esfrega minhas costas até eu me acalmar. Maria sempre sabe o que quero mesmo que eu não possa falar. Ela é incrível. Estou começando a pensar que ela pode ler minha mente.

Dia após dia, praticávamos ir lá fora. Maria disse que serve como um bom estímulo para mim. É verdade que me tornei melhor em me controlar. Meus pensamentos se tornaram um pouco mais organizados também. Minha memória também está se conectando e voltando mais frequentemente.

No entanto, fazer passeios regulares comigo não é o único objetivo de Maria. Ela tenta me levar para algum lugar, mas nós sempre tivemos que voltar parcialmente por causa das minhas limitações.

Finalmente, um dia, Maria disse:

— Estão lá!

É um hospital. Eu também vou regularmente a um hospital, mas este é muito maior do que aquele. Maria pega o celular e liga para alguém. Depois de um tempo, aparece uma mulher com cabelos longos.

— Kazu-kun! — Ela diz enquanto sorri.

Aparentemente, devemos nos conhecer... Hm? Acho que a conheço bem. Ela parece muito mais magra do que me lembro, mas seus olhos entregam o óbvio.

É Kokone Kirino.

No momento em que me lembro do nome dela, uma dor aguda me penetra. Devo ter feito algo terrível para ela.

— Parece que ele te reconheceu. Ele parece se arrepender. — Maria diz.

— Sério? Estou surpresa que possa dizer quando sua expressão mal mudou.

— Eu posso ler a maioria de seus pensamentos. — Diz Maria, enquanto me dá tapinhas nas costas. — Não precisa ficar com medo, Kazuki. Você já a viu em casa algumas vezes porque ela vai visitá-lo. Falando nisso, você não veio a nossa casa há algum tempo, não é, Kirino?

Agora que Maria menciona isso — uma pessoa que parecia Kokone veio me visitar quando ainda não tinha recuperado a consciência plena. Também poderia tê-la visto uma ou duas vezes depois de recuperar minha consciência. Ok, entendi que minha memória ainda não está de volta ao normal. Kokone inclina os joelhos um pouco e olha para mim.

— Olá. Não precisa sentir pena, Kazu-kun. Sou realmente grata a você.

Grata? Mesmo eu tendo feito algo horrível? Estou totalmente confuso. Kokone me agarra pelo pulso e começa a andar. Ela vira a cabeça em minha direção algumas vezes, mas sempre há um sorriso brilhante no rosto dela.

— Ela está encantada por você ter chegado aqui. Está torcendo por você, Kazuki. Além disso... — diz Maria, olhando para a janela de um quarto de hospital. — Há alguém que você só pode encontrar aqui.

Kokone então diz:

— Kazu-kun, vá ver o Daiya!

 

Não conheço a pessoa que está sentada na cama, mas Kokone o apresentou como “Daiya Oomine”.

 

Me lembro de uma pessoa com esse nome que é inteligente, de cabelos prateados e tem piercings. Mas essa pessoa é diferente. Ele tem cabelo preto e não tem qualquer piercing. Mas a diferença é muito mais profunda.

Por um momento, duvidei que ele fosse realmente uma “pessoa”. Eu não conheço nenhuma “pessoa” que seja tão silenciosa. Mas mesmo que ele seja tão quieto quanto uma planta, o poder bruto de viver parece muito mais forte nele do que em qualquer outra pessoa que conheço. Não consigo me lembrar de ter sido amigo de alguém assim. Ele lentamente move sua cabeça.

— ...

Sua voz é tão fraca que não consigo entender nada. Ainda tenho medo desse estranho. Maria me dá um empurrão suave nas costas e coloca minha orelha na boca dele.

— ...Há quanto tempo, Kazu. — Ele diz em voz fraca como a de um velho.

Sinto uma ligeiro emoção, mas ainda não consigo igualar “Daiya Oomine” com essa pessoa em minha mente.

— Desculpe, mas ele não te reconhece, Oomine.

— Entendo. Não é tão fácil entre nós, não é Kazu? Para ser honesto, estou bastante chocado ao ver o que se tornou dele, apesar de sua advertência. É como se tivesse renascido como uma pessoa completamente diferente.

— Essa comparação não está certa. — Maria contesta. — Kazuki vai voltar ao normal. Ele vai recuperar seu cotidiano.

— Entendo... Você está certa...

A expressão do estranho só muda um pouco. Talvez ele ainda tenha dificuldade em mover seus músculos.

— Nesse caso, não vou perder para ele. Vou me certificar de conseguir andar até o salão com meus próprios pés para a cerimônia de casamento.

Com essas palavras, ele estende a mão magra, instável, insalubre. Instintivamente mantenho a minha também. De repente, a cicatriz na minha mão direita chama a minha atenção.

...Ah.

De repente me sinto dominado pela emoção. Uma imagem explode em minha cabeça. Me vejo olhando para Daiya, obstinadamente, pisando nele até o ponto onde ele não pode mais ficar de pé. Não preciso lembrar completamente o que aconteceu para saber o que fiz.

 

Sou eu que o deixei assim.

 

— Ah... AAAAAAAAAAH...! — Eu começo a lamentar alto. Não posso me impedir mesmo que saiba que não adianta fazer isso. Enquanto continuo chorando, caio de joelhos e começo a esfregar minha cabeça contra o chão.

—...Otonashi. Isso acontece regularmente? — Ele pergunta enquanto me olha confuso.

— Não... É a primeira vez que ele tem essa reação.

Não posso ser perdoado. Arruinei a vida dessa pessoa por meus desejos egoístas. Não, não só a sua vida. Sacrifiquei um monte de gente. Como prova disso, lembro-me de matar inúmeras pessoas. Lembro-me de ficar sozinho como consequência. Fiz tudo isso apenas por desejo de estar junto com aquela que amo.

Aah... Sou o pior pecador sob o sol.

— Parece que Kazuki está se comportando assim porque ele está se culpando.

— Entendo... — O estranho murmura e agarra os corrimãos de sua cama. Ele range os dentes enquanto canaliza a força em seus braços. — Você tinha suas próprias crenças inabaláveis. Crenças egoístas, sem dúvida, posso entender que você gostaria de se culpar por ceder a elas. Mas suas crenças beneficiaram a todos nós. Não acho que seja uma coincidência. Lá no fundo, suas crenças eram de natureza positiva.

Com estas palavras, ele se levanta. Embora muito instável, ele está de pé em seus próprios pés.

— D-Daiya... se levantou...? — Kokone observa enquanto fica com os olhos cheios de lágrimas.

Daiya lhe dá um breve sorriso e então coloca a mão na minha cabeça.

— Como você vê, posso me levantar. Vou me levantar de novo e de novo. Isso é tudo graças a você, Kazu. Já te perdoei há muito tempo.

— Eu também. — Kokone acrescenta enquanto enxuga suas lágrimas.

Perdoado?

Eles me perdoaram?

Estou realmente autorizado a acreditar nisso? Está tudo bem me mimar assim?

Quando levanto a cabeça, ele estende a mão novamente. Sua mão é tão magra quanto antes e ainda trêmula, mas posso ver claramente a força de sua vontade brilhando em seus olhos. Hesitantemente aperto sua mão com a minha. É a mão do Daiya Oomine que conheço. Finalmente, consegui conectar essa pessoa com Daiya Oomine.

Aah...

Ele é Daiya.

Daiya me perdoou.

 

Depois daquele dia, meus pensamentos se tornaram muito mais organizados — a maior parte da neblina que tinha confundido minha mente sumiu. Também estou começando a aprender como filtrar informações externas e tenho me acostumado com a esmagadoramente ampla gama de cores do mundo. Posso até deixar a casa sozinho se eu tiver alguma coragem.

Também conheci muitas outras pessoas. Por exemplo, visitei Kasumi Mogi em uma grande instalação, chamada de centro de reabilitação, onde havia muitas pessoas em cadeiras de rodas. Ela estava feliz em me contar tudo sobre sua vida atual, embora a única coisa que me lembre dela era que ela tinha sido uma de minhas colegas de classe. No entanto, quando fiquei um pouco nervoso por causa do seu sorriso bonito, Maria me bateu na cabeça, embora ela seja normalmente tão gentil comigo. Nós também fomos a uma universidade de renome para ver Haruaki Usui. Ele parecia muito mais determinado do que me lembrava, o que me confundiu um pouco. Estava entusiasmado com o seu primeiro jogo de beisebol oficial. Conheci Yuuri Yanagi em um café perto da Universidade de Tóquio. Ela estava emitindo mais feromônios do que nunca e tinha alguns homens estranhos de companhia.

Para o desgosto de Maria, Yuuri-san insistiu em tirar todos os tipos de fotos com Maria, dizendo que ela era um grande tópico para fotos. Em um parque perto de minha casa, conheci Nana Yanagi e Touji Kijima, a quem eu conhecia desde a escola. Yanagi-san estava feliz com meu progresso e me deu um beijo na bochecha. Maria me bateu na cabeça novamente, embora eu não tivesse feito nada de ruim.

Eu fui calorosamente aceito por todos eles. Por quê? Não fiz coisas horríveis para eles? Como eles podem ser tão gentis comigo? Para alguém que nem consegue falar?

Mas há algo que percebi ao conhecê-los: eles são essenciais para eu voltar ao normal. Eles são as chaves dos fragmentos da minha memória baralhada. Falando com eles, posso lenta mas seguramente juntar esses fragmentos e lembrar o tipo de vida cotidiana que eu costumava viver.

Sempre que minha memória se reforça, recupero uma parte do meu antigo eu. No entanto, mesmo que eu esteja muito menos confuso agora, ainda não recuperei a capacidade de falar. Deve haver algo mais que me impede de falar.

Provavelmente estou com medo. Tenho medo de participar ativamente na comunicação com os outros. Certa vez me afastei de todos porque pensei que era a única coisa que eu podia fazer. Ainda não consigo me livrar da noção de que mereço a solidão.

Daiya pode ter me perdoado, mas meus pecados são graves. Não deve ajudar, mas acho que deveria me trancar em minha própria gaiola. Ah, mas a única coisa que não consigo suportar é estar separado de Maria. Tenho certeza de que ela sente o mesmo por mim.

 

A cerimônia de formatura da Maria está acontecendo hoje, estou preparando uma refeição para ela. Decidir por frango frito, que é um de seus favoritos, e uma salada de abacate. Claro, também me certifiquei de comprar uma torta de morango, porque o resto não vai ser o suficiente.

Quando inicialmente recuperei minha consciência, estava extremamente com medo de facas e fogo, mas esses medos têm desaparecido. Meu senso de gosto ainda favorece coisas doces, mas porque os outros membros da minha família não parecem gostar quando tudo é doce, comecei a temperar adequadamente meus pratos. Ultimamente tenho recebido elogios.

Inicialmente, Maria planejava conseguir um emprego depois de terminar o ensino médio, mas meus pais a encorajaram a ir para a faculdade, então ela mudou de ideia. Maria não costumava mudar suas decisões, então de qualquer maneira ela deve ter tido dúvidas sobre sua decisão inicial, ou simplesmente não queria ignorar a opinião das pessoas que estavam apoiando ela. Ou talvez fosse ambos os fatores? No final, ela passou no exame de a admissão e se juntará à faculdade de Iroha-san a partir desta primavera.

Me acalmei um pouco. Talvez, minha vida continue assim.

Contudo...

Aconteceu enquanto mergulhava as coxas de frango no óleo.

 

...Ah.

De repente, o mundo fica repleto de neblina.

Abruptamente perco minha conexão com o resto do mundo e me encontro em completo isolamento. Tudo se torna irrelevante. Nada mais tem significado.

Nada é importante. Minha memória se dispersa em todas as direções e meus pensamentos perdem o foco. Estou desaparecendo, desaparecendo, desaparecendo, desaparecendo

──

(Ah, voltei ao meu estado sem consciência).

Não há cores, sem palavras, sem fundo. É um mundo mais vago do que um sonho. Sinto como se estivesse algemado e afundando em um pântano sem fundo. Não consigo respirar.

Aah... Eu nunca deveria ter escapado deste pântano.

Deveria me afogar aqui. Luto para voltar à superfície, mas meu corpo não se move. Nem sei onde está. Apenas continuo afundando mais profundamente no nada onde nem mesmo a palavra “desespero” não existe.

Mas naquela época, ela nunca desistiria e continuaria falando comigo. Ela continuaria chamando meu nome.

“Kazuki”, “Kazuki”, “Kazuki”, com todos os tipos de expressões em seu rosto. “Kazuki”, “Kazuki”, “Kazuki”, “Kazuki”, “Kazuki”, em todos os tipos de vozes. “Kazuki”, “Kazuki”, “Kazuki”, “Kazuki”, “Kazuki”, “Kazuki”, “Kazuki”, “Kazuki”, mas sempre com amor e esperança.

É por isso que sou capaz de voltar.

 

“Kazuki!”

 

De repente, a névoa é dissipada e instantaneamente volto para a cozinha. O rosto preocupado de Maria está bem ao meu lado. Ela jogou seu buquê de flores rosa sobre a mesa e ainda está segurando o tubo contendo seu diploma.

Enquanto recupero a consciência, desligo rapidamente o queimador onde coloquei a frigideira.

— V-você está bem, Kazuki?

Olho em seus olhos e digo com um aceno, “Eu estou bem”.

Parece que ainda há “vazio” profundamente aninhado dentro de mim. Poderia ser assaltado a qualquer momento quando o tempo quase infinito se materializa e tenta me esmagar sob seu peso — um peso que não posso resistir. A loucura chamada “vazio” está sempre espreitando para me levar de volta.

Mas não tenho medo.

Sei que sempre que isso acontece, Maria vai me trazer de volta.

 

Maria, meu único desejo é estar com você por toda a eternidade. O que posso fazer para conseguir isso? Como posso comunicar meus sentimentos a você?

Ah, mas acho que sei como transmiti-los usando uma única palavra. Eu só tenho que fazer a mesma coisa que você fez para me trazer de volta.

 

Abro a boca para dizer a palavra que eu mais amo.

“           ”

Faz tanto tempo que não posso dizer se pronunciei corretamente, mas sei que ela entendeu.

Afinal, Maria está chorando tão feliz.

 

 

Maria Hoshino (18), 8 de Setembro

Tenho deixado meu cabelo crescer novamente de volta ao seu comprimento anterior justamente para este dia. Ele está amarrado e escondido debaixo do véu.

Costumava parecer um pouco com ‘ela’ quando tinha cabelos longos, mas agora que tenho 18 anos, esse não é mais o caso. A semelhança desapareceu completamente.

Se sou honesta, isso é um pouco inquietante. Mas sempre que me sinto ansiosa, ele diz a palavra que me faz ter esperança.

 

— Vamos, Maria.

 

As portas para a capela no telhado se abrem para os sorrisos de nossos queridos amigos em meio a luzes deslumbrantes contra um fundo azul.

Enquanto estou ao seu lado em meu vestido branco, ele pega minha mão e olha para a frente.

 

‘Desejamos’ nada além da eternidade, mas este voto é apenas mais um passo para o nosso futuro.

 

 

 

 

✤ Fim ✤

 

 


Notas:

1 – O estádio de Koshien é um parque situado perto de Kobe em Nishinomiya, prefeitura de Hyōgo, Japão. O estádio foi construído para sediar torneios de baseball do ensino médio e pode ser considerado a meca dos jogadores japoneses.

2 – Área de arremesso do baseball



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