Volume 7
Capítulo 2
Estou em uma cidade que não conheço.
Mais precisamente, estou em um distrito comercial comum que agora é bastante desprezado devido a uma tendência nacional em favor dos shoppings. Qual é mesmo o nome dessa cidade?... Isso não importa, importa? Meus arredores não têm importância nenhuma para a batalha solitária que estou travando.
O anoitecer fez com que as ruas se esvaziassem, e no meio desta rua descansa o corpo de um garoto em uniforme escolar, Yukito Tejima. Ele desmaiou e está segurando uma boneca bem feminina.
“Deadlock Among Mirrors”¹. Esta “caixa” garantiu o desejo do Tejima por “um mundo contendo apenas ele e sua garota ideal”. Ele desejou por um mundo dedicado para ele e à garota um ano mais velha que ele, Suzu Amemiya. Entretanto, “caixas” sempre incorporam as dúvidas. Tejima não acreditou que seu desejo fosse realmente virar realidade, e ele também sabia que Suzu Amemiya não iria querer viver com ele em um mundo tão solitário. Além disso, mesmo que ele pudesse ter desejado por isolamento, ele não abrigou de fato esse desejo em seu coração.
Permitindo que seu desejo hesitante criasse a “caixa” que resultou no espelho chamado “Deadlock Among Mirrors”. Tudo que ele conseguiu foi trancar a si mesmo em uma casa de espelhos com bonecas de tamanho real da Suzu Amemiya que apenas diziam o quer que ele queira que elas falassem.
Invadi o mundo que ele criou e vaguei por entre o labirinto de espelhos, encontrando nada além de bonecas sem alma. Como se não houvessem pistas que me levassem a solução, acabei trancada lá por mais tempo que o previsto. Minha tática quase desesperada eventualmente suplantou o status quo, que era quebrar todos os espelhos ao meu redor. Ignorando as regras do labirinto, eventualmente alcancei o Tejima, que estava se escondendo no centro do seu mundo. Eu o persuadi a desistir e tomei a sua caixa.
Apenas um dia se passou na vida real, mas o tempo subjetivo que gastei na “caixa” foi de um ano. Seria mentira dizer que não estou cansada.
Como uma nota de observação, Tejima e Suzu Amemiya não são um casal. Diferente do que Tejima queria acreditar, sua paixão o considerava apenas como mais um estudante com o qual ela trocou umas poucas palavras. Enquanto a verdadeira Amemiya é de certa forma bonita, ela não é a garota perfeita que encontrei no labirinto de espelhos.
Sua “caixa” está emitindo uma luz fraca e débil como se coberta por papel prateado. Jogo-a no chão e a destruo pisando nela. A “caixa”, apesar do seu tamanho, se quebra com praticamente nenhum esforço da minha parte.
Agora terei que começar de novo.
...Quanto tempo ainda terei que seguir assim? Por quanto tempo serei capaz?
— Mais uma vez você fracassou em obter uma caixa.
Encaro quem está falando que apareceu do nada.
— “O”!
Ele assumiu a aparência do pai de Yukito Tejima, mas seu sorriso charmoso o entrega.
— Por que não desiste logo? Jamais será capaz de obter uma “caixa” vazia de novo, nem você será capaz de criar.
— Talvez, mas isso não importa. Vou continuar a buscar pela “caixa” e vou transforma a minha “Flawed Bliss” em uma verdadeira felicidade. Farei todos do mundo felizes.
— E está disposta a se sacrificar por isso?
— Sim. Porque...
— ...sou Aya Otonashi.
Em resposta a minha posição firme, “O” desdenha de mim com um sorriso e desaparece. Não me lembro de quanto tempo venho jogando esse jogo de gato e rato. Minha memória consiste apenas de eventos recentes. No entanto, todas as minhas memórias valiosas que algum dia existiram não são mais recuperáveis.
Por exemplo—
— Ah.
Um pensamento quente e acolhedor se espalha em meu coração enquanto um certo nome quase chega à superfície, mas o fragmento de uma memória passada desaparece antes que eu possa fazer qualquer coisa.
Bem, isso não me importa mais. Qual a relevância de um potencial relacionamento no passado quando já me esqueci dele? Aposto que essa pessoa está em um novo relacionamento agora e também já se esqueceu de mim.
— E estou...
Sozinha.
Estou sozinha desde aquele dia.
Completamente exausta, cambaleio até um apartamento alugado em um hotel de negócios e desabo na cama. No entanto, não posso dormir.
Minha cabeça dói como se estivesse sendo acertada por um martelo. Meu corpo já sofreu com muitas das minhas longas lutas contra as “caixas”. Me sinto como se fosse estourar por dentro a qualquer momento. Se eu gritar por ajuda, o monstro que é o vazio vai pular na minha garganta e me devorar.
Estou no meu limite. Estou no limite faz muito tempo.
Rastejo até a minha bolsa, pego o óleo perfumado e despejo um pouco em um tecido.
O aroma de pimenta. Apesar de estranho, posso cair no sono enquanto estou cercada por esse cheiro. Meu corpo aprendeu em algum lugar a se acalmar com o aroma de pimenta.
Minha consciência começa a ceder.
Momentos depois, mergulho no passado que só posso me lembrar em meus sonhos.
✵✵✵
Minha irmã, Aya Otonashi, podia prever o futuro.
Ela poderia identificar o culpado em menos de dez minutos quando assistíamos uma série de detetives. Ela podia prever o jantar que a nossa empregada, Yoshida-san, preparava para nós todos os dias. Podia prever os casais que começariam a se formar em nossa turma. Ela previu quando seu professor pediria demissão.
Quando qualquer uma de suas previsões se tornava verdade, eu me tornava mais e mais fascinada com ela. Suas “profecias” me atingiam como uma mágica misteriosa, e como mágico, ela melhorava tudo com sua inteligência e beleza excepcional.
Eu estava orgulhosa por ser a irmã de uma pessoa tão perfeita, principalmente porque eu mesma não era especial. Entretanto — Aya-oneechan também previu algo sobre mim. Algo terrível.
Aconteceu em um dia de inverno quando eu tinha 12 anos. Estava um frio congelante e o vento batia nas janelas ao nosso redor. Tinha acabado de chegar da escola e ainda estava usando meu casaco. A primeira coisa que fiz foi correr para o quarto da minha irmã para me aquecer. Seu quarto provou ser tão quente quanto o esperado, me fazendo sorrir de contentamento. Estava preenchido com uma fragrância peculiar que consistia de uma mistura de vários óleos e perfumes.
Essa mistura aparentemente aleatória de aromas está, de alguma forma, em perfeita harmonia. Este era o cheiro da minha amada irmã.
Diferente do meu quarto, que foi decorado de uma forma completamente normal, o dela tinha todos os tipos de mobília luxuosa que não parecia apropriado para um quarto de criança. Particularmente seu lustre e espelho antigo, que poderia ter vindo de um mundo de fantasia.
Dito isso, pensei que um quarto extravagante como este era a combinação perfeita com Aya-oneechan. Enquanto ela me observava tirar o casaco da cama com dossel, ela me lançou um olhar sério por algum motivo. Inclino minha cabeça em resposta e ela diz:
— Preciso falar com você.
Ainda um pouco confusa, me sento na cadeira a sua frente. Ela abandona seu olhar sério e sorri. Ela fica de pé e me abraça dizendo alto e claro:
— Vou prever seu futuro agora Maria.
Com essas palavras, ela me solta. Esta foi a primeira vez que ela fez uma previsão me envolvendo. De alguma forma eu estava surpresa e me endireitei imediatamente. Minha irmã me olha nos olhos e diz:
—Você se tornará eu... terá que se tornar.
Vendo que eu estava completamente perdida, ela continua.
— Por isso quero dizer que você terá que fazer os outro felizes.
— Me tornar você? Mas o que vai acontecer com você, Oneeee-chan.
Ela hesita um pouco, mas seu olhar não vacila quando me responde.
— Maria, quando eu tiver 14 deixarei neste lugar.
Aya-oneechan acabou morrendo aos 14 anos. Ela morreu no seu aniversário em um trágico acidente de carro junto com seu pai e sua mãe. Eu fui deixada para trás, da forma como ela previu.
Desde então, tenho vivido como Aya Otonashi de acordo a sua profecia.
✵
A primeira vez que me encontrei com Aya-oneechan foi na primavera, aos quatro anos. Ainda me lembro claramente daquele dia.
— Ei, por que todo mundo está em fila?
Minha mãe apenas sorriu sem graça em resposta à pergunta. Todos os membros da casa, incluindo as empregadas, foram alinhadas em frente à entrada principal. Nunca tinha visto isso antes, então eu estava de certo modo ansiosa e apertava forte a mão da minha mãe.
Pouco tempo depois, meu pai atravessou o portão em sua Mercedes e estacionou na nossa frente. Uma garota desceu do banco traseiro. Ao nos notar, a garota deu um sorriso fraco e nos cumprimentou.
— É um prazer conhece-las.
Mesmo que não houvesse nada de especial sobre seu comportamento, eu estava profundamente impressionada. Tínhamos praticamente a mesma idade e altura, ainda assim percebi instintivamente que ela era diferente. Seu rosto tinha uma forma perfeita, suas pernas eram longas e sua pela parecia macia como seda — mas sua aura era ainda mais marcante que sua aparência. Apesar de jovem, ela era cercada por uma frágil melancolia (não que naquela época eu tivesse usado essas palavras para descrevê-la). Fui completamente dominada pelo meu encontro com essa garota misteriosa e me escondi atrás da minha mãe.
— A partir de hoje ela será sua irmã — minha mãe explicou.
Onee-san? Essa garota? Como isso é possível?
Quando olhei ao redor, vi que todos, incluindo minha mãe, estavam dando as boas-vindas a ela. Parecia que estavam todos felizes e surpresos com tamanha educação. Talvez seja óbvio apenas para crianças como eu que ela não é normal? Pensei comigo mesma.
Entretanto, aquela primeira impressão que Aya-oneechan fez não durou muito. Quando pai saiu do carro e fez com que o chofer o estacionasse na garagem, ela falou algo que deixou todos sem palavras.
— Poderia por favor se ajoelhar diante de mim? — ela ordenou com uma voz que parecia nada mais do que a voz de uma criança.
De início meu pai pensou que ela estava brincando. A garotinha estava fazendo piadas, todos pensaram. Entretanto Aya-oneechan continuou:
— Desculpas são necessárias. Uma para mim, que fui separada da minha mãe por causa da sua promiscuidade, uma para a minha nova mãe, que agora é obrigada a me aceitar, e uma para a minha irmã, que agora vai ter que lidar com uma meia-irmã. Portanto se ajoelhe diante de nós.
Ela encarou nosso pai, sinalizando que ela não entraria na sua nova casa até que ele a obedecesse. Ele poderia apenas ter rido de suas demandas, afinal, ela era apenas uma garota de quatro anos!
— Se ajoelhe, por favor.
Mas isso estava fora de questão. Ele não tinha permissão desviar da questão dada a seriedade dela. Se ele fizesse a decisão errada, ela jamais voltaria a acreditas nos laços de família. Eu — não, todos que estavam presentes sentiram isso.
Percebo agora que o estranho era todos concordarem esta era a única solução: meu pai teria que se ajoelhar diante dela. Eventualmente, ele se ajoelhou e baixou a cabeça.
— ...Me desculpe.
Foi uma cena inacreditável. Um executivo de alto escalão de uma grande firma financeira que estava acostumado a dar ordens, estava se prostrando para sua filha de quatro anos diante de sua família e seus servos, sua face se contorceu em humilhação.
— Obrigado. Agora sou capaz de viver aqui.
Esse incidente, entretanto, não enfraqueceu sua autoridade como pai. Aya-oneechan era geralmente bem-comportada e escutava aos seus pais. Ela não fez nenhuma outra tentativa de prejudicar a dignidade do seu pai. Mas, em retrospecto, ela se tornou a verdadeira chefe da família desde o dia da sua chegada. Nossa família tem dançado conforme sua música desde então.
Suas circunstâncias lamentáveis também levaram meus pais a lhe dar algum tempo. Nós éramos uma família de quatro: um pai, Michishige, uma mãe, Yukari, uma irmã mais velha, Aya, e uma irmã mais nova, Maria. Aya-oneechan e eu éramos meia-irmãs, e ela era apenas 3 meses mais velha.
Cinco anos após Michishige-san (costumo me referir a ele pelo nome pois ambas, minha mãe e irmã, se referiam a ele dessa forma) perdeu sua primeira esposa, Yoriko-san, para uma doença, ele se casou com a mãe da Aya-oneechan e ex-celebridade Rinko-san. Sua beleza excepcional, que diziam encantar qualquer homem, deve tê-lo aproximado dela.
Seu relacionamento não durou muito. Rinko-san não era uma pessoa devotada a família, nem amava Michishige-san (pelo menos de acordo com ele). Ele buscou por conforto fora da sua família e teve um caso com Yukari, uma estudante recém-formada que havia começado a trabalhar como recepcionista na sua firma financeira. Muito antes, ele engravidou Yukari; ao mesmo tempo, sua esposa Rinko-san estava grávida de três meses com Aya-oneechan.
Após assegurar uma pensão e suporte para que a criança vivesse confortavelmente, Rinko-san rapidamente aceitou um divórcio. Ela conseguiu a custódia de Aya-oneechan, que havia acabado de nascer, e Michishige-san se casou com a minha mãe logo após o meu nascimento.
Aparentemente, Michishige-san e Rinko-san mantiveram contato após seu divórcio. Ele até mesmo visitava Aya-oneechan de tempos em tempos após obter permissão da minha mãe (Yukari). Eventualmente, após Aya-oneechan completar quatro anos, Rinko-san pediu para que ele tivesse a custódia total da sua filha. Michishige-san aceitou imediatamente. Ele ouviu um rumor de que ela estava sendo negligenciada.
Aya-oneechan nunca falou muito sobre Rinko-san. Me lembro de uma única vez que ela deixou escapar: “Ela me disse que eu nunca devia ter nascido”! Como tive contato mínimo com Rinko-san, não posso dizer se Aya-oneechan estava falando a verdade. Entretanto, ela sempre pareceu ser uma “criança lamentável” para a maioria das pessoas.
Suponho que meus pais tentaram compensar sendo muito mais tolerantes com ela do que comigo, mesmo que ainda fossem bastante rígidos com nós duas. Eles a deram um quarto luxuoso, compraram todos os brinquedos que ela queria, e ela tinha o direito de escolher os doces antes de mim. Na intenção de protege-la dos rumores, ela até mesmo foi enviada para uma escola diferente da minha.
Seria mentira dizer que naquela época eu não me incomodava esse tratamento diferenciado. Mas por outro lado, eu podia definitivamente tolerar isso. Já que minha mãe sempre me dizia
— Sou tão grata por você ter nascido.
Ela dizia o tempo todo.
— Você manteve eu e o Michishige-san juntos. Você é meu anjo.
Me enchia de orgulho sempre que ela me dizia isso. Se minha mãe não tivesse engravidado, Michishige-san poderia não ter se divorciado de Rinko-san, e a traição poderia ter sido simplesmente esquecida. Michishige-san frequentemente nos dizia que se tornado um novo homem graças ao profundo e duradouro amor que minha mãe sentia por ele. Pensei que eles eram um casal verdadeiramente feliz e queria um dia ter um casamento feliz como o deles.
Eu era a base da minha família.
Yeah.
Talvez nada de ruim tivesse acontecido se isso fosse verdade.
✵
Foi tão quente no primeiro dia das minhas primeiras férias de verão no ensino fundamental, que apenas andar pela casa deixava minha roupa de baixo suada e colada na minha pele. Odiava aquela sensação e decidi passar as férias inteira em lugares com ar-condicionado. Nem cavalos selvagens me arrastariam para fora.
Finalmente estava livre da escola, e além disso, eu não tinha aulas particulares de piano agendadas. Para aproveitar a sensação de felicidade perfeita, me deito na cama e ligo o console portátil. Estava determinada a não fazer nada o dia inteiro.
Por causa disso, não me importava nem um pouco de ouvir a campainha tocar. Não era para mim já que ninguém pararia para me visitar sem aviso prévio. Mesmo assim, alguém bateu na minha porta logo em seguida. Pude dizer que era imediatamente.
— Aya-oneechan?
Saí da minha cama e abri a porta. Como esperava, era minha irmã. Ela vestia um lindo vestido branco.
Desde que completou 13 anos, ninguém mais a chamava de “fofa”. Ela tinha se tornado uma moça encantadora que atraía os olhos de todos. Enquanto seu rosto e corpo ainda eram imaturos, sua aura extraordinária suprimiu completamente suas deficiências.
— Por acaso aquilo era para mim? — Perguntei. — Recebi alguma encomenda?
— Não, era um convidado meu.
Me vendo coçar a cabeça, Aya-oneechan gentilmente acariciou meu cabelo. Deixei meu cabelo crescer apenas para parecer com ela, então eu estava feliz quando ela tocou neles.
— Vou chamar meu convidado para o meu quarto. Quero que você esteja lá comigo, Maria.
— Huh? Preciso conhecer essa pessoa?
Era a primeira vez que ela pedia algo assim. Desde que íamos para diferentes escolas, não tínhamos nenhum amigo em comum... ou para ser mais exata, eu não tinha nenhum amigo.
— Sim. Você precisa presenciar o que está para acontecer.
—...O que você quer dizer?
Sem dizer uma palavra — provavelmente porque uma explicação teria demorado muito — ela agarrou minha mão e me arrastou para o seu quarto. Já tinha me acostumado com sua atitude mandona, então desisti e a segui.
— Ah, certo! Aqui está uma daquelas “profecias” que você tanto gosta, — ela fala e me dá as costas. — Doces serão tomados.
Novamente inclino minha cabeça. Aya-oneechan estava sendo ainda mais enigmática do que o normal. Minhas tentativas de pedir por uma explicação foram silenciosamente ignoradas com um sorriso.
— Você sempre faz o que quer comig-EW!
— Hm? Qual o problema? — ela perguntou.
Afastando os olhos, aponto para a criatura de oito patas que estava me assustando. Ela sorriu e falou “É apenas uma aranha”. Ela avança e a pega com as mãos nuas, e então observa ela andar ao redor.
— V-você não está assustada?
— Hm? Não há nada que ela possa fazer contra nós, tem? Na verdade, ela é até fofa. Adoro como seu corpo parece perfeitamente construído.
Com essas palavras, Aya-oneechan sorriu e...
— Ah...
...Esmagou a aranha com seu punho.
— Por que você fez isso? — Perguntei surpresa enquanto a encarava nos olhos.
— Porque a aranha não tinha minha permissão para estar aqui.
Eu estava preocupada de alguma forma sobre quem seria apresentado para mim, mas a pessoa esperando por nós era um garoto completamente normal que não se misturava muito com a atmosfera no quarto dela. Ele não era feio, mas comparado com Aya-oneechan, ele era apenas um garoto qualquer. Ele tinha um olhar sério e círculos negros sob seus olhos indicando que ele não tinha conseguido dormir bem.
— Oi — Ele fala ao sorrir e afasta com parte da sua aparência cansada. Como a maioria dos estudantes que frequentam a escola particular de Aya-oneechan, ele deve ter usufruído de boa educação.
EU, por outro lado, fui incapaz de responder apropriadamente e apenas olhei para o chão. Não estava tentando ser rude, simplesmente não estava confortável lidando com garotos da minha idade.
Sem parecer ofendido, ele volta para Aya-oneechan e diz:
— Aqui está o que você queria.
— Obrigado. — Ela responde e pega o caderno.
Ele começa a olhar em minha direção.
— Err, Aya-san? Porque sua irmã está aqui?
— Não se preocupe. Ela não vai fazer nada.
— Então está tudo bem se ela escutar?
— Claro.
Apesar dos comentários da minha irmã, ele não conseguiu evitar de me encarar de tempos em tempos. Bom, apesar de tudo eu era uma completa estranha.
... Estou desconfortável. Quero voltar e continuar a jogar... Pensei comigo mesma.
— Na verdade, se importaria de explicar a situação para ela? — Aya-oneechan pediu.
— ... O quanto ela sabe sobre a situação na escola?
— Nada!
— Nada mesmo...? Então devo explicar desde o início?
Ela confirma.
Aparentemente, ela não pretendia me apresentar para ele. O garoto também não parecia se importar comigo além da minha identidade como irmã mais nova. Comecei desesperadamente a pensar porque fui arrastada para isso.
O garoto ainda desconhecido se voltou para mim e calmamente falou:
— Okay, deixe-me explicar o que está acontecendo na nossa escola. — Fico tensa ao ser encarada por um garoto. — Veja, nós temos um ‘inimigo’.
— Um inimigo?
— Isso. Há um grupo de garotas na nossa sala comandada por uma garota chamada Yamashita. Elas são nosso ‘inimigo’.
Ergo uma sobrancelha. “Inimigo” era uma palavra muito forte para ser usada com uma colega de classe. Normalmente, uma frase como “não me dou bem” ou “não consigo aturar” seria mais apropriada, especialmente vindo de alguém tão bem-educado.
— O grupo da Yamashita está tentando expulsar a Aya-san da escola, e não estamos falando sobre coisas relativamente inofensivas como calúnia ou ser ignorada. Elas estão ativamente procurando nossos pais e professores, coletando assinaturas, boicotando as aulas dos professores que defendem Aya-san e espalhando falsos rumores sobre ela. Chegou a um ponto em que um membro do grupo concorreu para vice-presidência do conselho estudantil com a proposta de forçar Aya-san a se transferir para outra escola. De qualquer forma, você tem que entender que essa não é uma questão de turma, mas que envolve toda a escola.
Não fazia ideia. Ela nunca mencionou nada para mim, nem parecia ter problemas. Na verdade, era o contrário — Olho para o rosto de Aya-oneechan. Ela ainda está sorrindo calmamente.
— ....
Exatamente o oposto, ela esteve de bom humor ultimamente.
— De acordo com o inimigo, nossa sala foi despedaçada pela Aya-san. Elas afirmam que Aya-san está perturbando a ordem natural e que tudo voltaria ao normal se ela fosse embora.
Aya-oneechan deu de ombros, dizendo que:
— Elas estão certas em afirmar que toda turma da qual faço parte se torna anormal, pelo menos na minha experiência.
Ela falava a verdade, o ambiente das suas turmas sempre se tornava bizarro. Uma vez, um admirador fanático a seguiu e invadiu nossa casa armado com uma faca. Este era um bom exemplo dos tipos de problemas que seu charme incrível poderia causar. Ter um maior impacto no seu ambiente é uma consequência natural de ser ‘especial’.
— Mas Aya-san não fez nada de errado! Foram elas que começaram com isso, e quando elas estavam prestes a se meter em problemas, jogaram toda a culpa na Aya-san! É um absurdo! Elas não são bem da cabeça!
Lentamente compreendi a situação.
As coisas começaram devagar, Yamashita e suas amigas provavelmente ressentiam Aya-oneechan por causa dos garotos da turma ficaram obcecados com ela ou por causa do favoritismo de alguns professores. As garotas devem ter descontado nela em resposta. Normalmente, a história terminaria aqui porque uma única pessoa não tem chance contra um grupo.
Entretanto, elas estavam se opondo a Aya-oneechan. Ela não se rende a ninguém. Além disso, Aya-oneechan naturalmente tem muitos aliados. Como resultado, o número de aliados e inimigos continua aumentando e intensificando o problema.
Uma vez que a bola começou a girar, o grupo de garotas não podia simplesmente pular fora, mesmo se elas quisessem, pôquer a situação ganhou vida própria. Você não pode terminar uma luta se as pessoas a sua volta estão de empurrando de volta ao conflito.
Como resultado, o problema ficou cada vez pior. Aya-oneechan sempre teve muitos amigos e inimigos, problemas a seguem onde quer que ela vá. Desta vez, entretanto, o problema se tornou grande demais para ser resolvido normalmente. Até porque toda a escola estava envolvida.
— E pensar que elas estão tentando ameaçar Aya-san a transferir quando ela não fez nada de errado... elas são o verdadeiro mal! — Afirmou o garoto.
Fazendo tudo pior...
Havia verdadeiro ódio em seus olhos.
— Vou ensiná-las uma lição... Vou matar todas elas!
As palavras que ele disse são geralmente usadas hiperbolicamente, mas nesse caso elas carregam um peso completamente diferente. Ele disse isso literalmente. Está realmente considerando usar violência.
— Não te disse que não aprovo violência?
— Mas Aya-san...! Elas só vão aprender da maneira mais difícil!
— Seja honesto comigo: Você veio aqui hoje para conseguir minha aprovação para cometer atos violentos? — Aya-oneechan perguntou.
O garoto permaneceu em silêncio.
— Uma vez que usar a força, automaticamente você será o errado, não importa o que o seu inimigo fez. É sempre assim. Violência não é uma solução.
— Merda...! Mas então o que devemos fazer...?! — Ele se encolheu enquanto olhava para baixo e apertava os punhos. — Quero mata-las... mata-las... matar, matar e matar todas elas!
Eu estava horrorizada, ele desejava sinceramente pela morte dos seus inimigos. Sua mente se tornava facilmente “assassina”.
— Ugh... — Murmurei enquanto imaginava uma sala cheia de intenções assassinas.
Uma pequena parte desse tipo de sentimento era suficiente para causar náusea, se isso preenchesse uma sala de aula inteira, não havia como manter uma vida escolar normal. A simples presença de um sentimento tão agressivo impediria uma vida escolar saudável.
Nesse caso, pensei, a situação não tem mais esperança.
Um terrível incidente vai acontecer e Aya-oneechan não pode parar. Meu corpo começou a tremer.
Por que... por que Aya-oneechan quer que eu veja isso...?
Eles continuaram a conversar, mas quanto mais eu ouvia, mais assustada ficava do seu comportamento anormal. Após a sua conversa absurda finalmente acabar, vimos ele sair pelo portão principal. Fui tratada de forma educada do início ao fim. Ele parecia se comportar normalmente ao redor dos outros, exceto pelos seus “inimigos” e “Aya Otonashi”.
— Ah, certo. Por favor pegue isso. — Aya-oneechan disse antes que ele fosse embora, entregando um saco de papel.
— O que é isso?
— Você disse que não consegue dormir, certo? Escolhi alguns óleos perfumados e outros itens que vão te ajudar a descansar. Use o que achar melhor. Também inclui uma nota sobre como usá-los.
— Mu... muito obrigado!
Eu estava espantada, ele estava em lágrimas por causa de um gesto tão simples, e agora estava chorando. Seus sentimentos pela minha irmã eram qualquer coisa menos normal. Eles completamente transcenderam o amor. Poderia até... ser sentimentos de adoração.
Fugi para o meu quarto, mergulhei sob o meu cobertor pois não queria mais pensar, e me foquei nos jogos. Mas senti claramente: eu não podia escapar.
Uma semana após a sua visita, fui acordada no meio da noite. “Qual o problema?” perguntei, mas Aya-oneechan não me deu uma explicação clara e prosseguiu desabotoando meu pijama. Após eu terminar de me trocar, ela me levou para fora e pegamos um taxi. O endereço de destino era cerca de uma estação de distância.
— O que vamos fazer lá?
Aya-oneechan não respondeu.
Após sair do taxi, Aya-oneechan olhou ao redor e cuidadosamente me puxou para um estacionamento de bicicletas de um complexo de apartamentos. Então nos agachamos como se quiséssemos nos esconder.
— Onee-chan... me explica o que está acontecendo!
— Você vai entender em alguns minutos.
— Onee-chan! Apen — Ela interrompeu meu grito pressionando seu dedo contra meus lábios. Desisto e me conformo em esperar em silêncio.
Após alguns minutos, um grupo de quatro pessoas se juntou em uma das casas em nossa frente. A obscuridade estava obviamente aparente, eles usavam coletes pretos para evitar chamar atenção.
— ...Ah. — Suspirei silenciosamente. Reconheci uma das imagens que estava vestindo um boné. Era o garoto que veio a nossa casa outro dia.
Estava começando a ter uma sensação muito ruim sobre toda a situação.
— Vamos fazer isso. — Um deles falou.
— Yeah.
Dois deles mantiveram vigia enquanto o garoto que reconheci e outra pessoa se aproximaram da casa. Eles carregavam garrafas plásticas e começaram a derramar seu conteúdo pelas paredes.
Notei o peculiar e penetrante odor de óleo.
Isso é... gasolina?
— Não é possível, o que eles vão...?!
Uma vez que percebi o que eles desejavam fazer, olhei adiante e vi o nome na placa da casa que eles estavam cobrindo com óleo.
“Yamashita”
— Onee-chan — mghn...!
Ela cobriu minha boca.
Por que? Eles estavam prestes a cometer um crime no meio da noite! Provavelmente haviam pessoas dentro da casa e os bombeiros demorariam algum tempo para chegar. Se o pior acontecesse, os habitantes poderiam morrer. Por que Aya-oneechan não estava interrompendo?
Enquanto lutava com minha confusão, as preparações continuavam. As duas pessoas que derramaram o óleo acenaram uma para outra e rasgaram pedaços de jornal. Após pôr os pedaços nas paredes da casa, eles os encharcaram com mais óleo.
Acenderam seus isqueiros. As chamas tocaram o papel — estava tudo acabado.
— ...Mm! Mmm!
Ela devia ter um plano, tinha certeza, mas eu não podia mais só observar. Afastei suas mãos que me seguravam e gritei:
— PAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAREM!
Mas era tarde demais. Os pedaços de jornal já foram queimados e o fogo está se espalhando. A construção de madeira, coberta em gasolina, foi engolida pelas chamas rapidamente.
Tendo escutado meu grito, os culpados se voltaram contra mim. De início, as duas pessoas que estavam mantendo vigia pareceram confusas pelo surgimento de uma testemunha, mas eles decidiram fugir. A outra pessoa próxima ao garoto com o boné também parou por um momento, mas então fugiu a toda velocidade.
Apenas o garoto familiar permaneceu. Ele sabia quem eu era e olhou para mim com os olhos arregalados.
— ...O que a irmã da Aya-san está fazendo aqui...? — Ele balbuciou. Aya-oneechan então se levantou e se revelou. — Aya-san...!
Ela pegou o celular sem dizer uma palavra e discou o número de emergência. Enquanto isso, eu estava tocando a campainha dos Yamashita como louca enquanto gritava “A casa está pegando fogo! Saiam daí! Saiam daí!” e continuei batendo da porta da casa. Como não havia resposta, voltei a apertar a campainha. Por fim, apelei à mãe que evacuasse a casa o mais rápido possível.
Após Aya-oneechan finalizar sua chamada telefônica, o garoto com o boné se aproximou dela e falou:
— A-Aya-san, você deve sair daqui, rápido! Você será confundida como cúmplice se continuar aqui!
Vendo as chamas dançarem, ela soltou um suspiro.
— Não precisa se preocupar com isso. Minha irmã vai testemunhar a minha inocência. Mais importante, não te disse que você não devia apelar para a violência?
— Mas não tinha outra forma...!
Ele parecia ainda mais exausto que na semana passada. Seu rosto indicava que ele estava completamente esgotado.
— Você fez tudo isso pelo meu bem. Sendo assim, não posso desviar meus olhos desse incidente e devo aceitar total responsabilidade.
— Não! A culpa é toda nossa! Você não teve nada a ver com esse incidente!
— Temo que ninguém vá acreditar. Tenho que deixar mais claro? Você me causou um enorme problema. Um problema sem volta.
Seus olhos se arregalaram em choque.
— ...E-eu te causei... problemas...? Não, não pode ser...! — Ele congelou como se fosse o fim do mundo. — Uh, ew...!
Ele caiu de joelhos e desabou em lágrimas.
— EWAAAAAAAAAAAAAAAAAAA! — Ele gritou e lamentou.
— ...
A cena diante de mim me deixou chocada.
Mas que diabos?
Senti náuseas. Isso era tão errado. Senti como se estivesse vendo um drama barato. Primeiramente, eu sabia que Aya-oneechan poderia tê-lo parado a qualquer momento. Ela deliberadamente falhou em intervir. Se eu não tivesse gritado, ela poderia ter esperado a casa queimar completamente. Em outras palavras, esperou ele cometer o crime.
Qual o significado disso?
Olhei para ela... e segurei minha respiração.
Aya-oneechan estava sorrindo apesar dessa situação horrível. Mas este não era o problema. O que era muito, muito mais perturbador era que...
Estava encantada com aquele sorriso.
Perdi meu equilíbrio. A casa queimando diante de minha era certamente bizarro. Fora de lugar. Não se encaixava em nenhum tipo de cotidiano. E a culpa era de Aya-oneechan.
As disputas na turma de Aya-oneechan pararam após o incidente... o que não era surpreendente, já que as duas pessoas envolvidas na disputa deixaram a escola.
A casa da Yamashita-san queimou quase completamente. Antes de se mudar, ela veio até Aya-oneechan e implorou por perdão. O garoto com o boné, por outro lado, tentou se matar com uma overdose de pílulas para dormir antes da polícia chegar até ele. As pílulas estavam no saco de papel que minha irmã entregou para ele.
Entretanto, ele não sofreu uma overdose. Ele foi preso como culpado pelo incêndio, mesmo que ele se perguntasse porque ainda estava vivo. Era apenas natural que ele não tivesse morrido das pílulas que Aya-oneechan deu para ele. As “pílulas” que ele tomou não continham sedativos ou algo parecido. Eles eram apenas doces baratos de 70-yen da loja de conveniência da esquina.
Entretanto, enquanto ela não lhe disse o contrário, ele não acreditou que os doces eram outra coisa além de pílulas para dormir. Apenas isso foi suficiente para convencê-lo. Apesar dela o ter enganado, ele interpretou o ato como uma tentativa de impedi-lo de cometer suicídio. No final das contas, ele agradeceu a pessoa que o levou a cometer o crime.
...Ah, certo. A profecia de Aya-oneechan.
“Doces serão tomados.”
Ela previu o futuro mais uma vez.
✵
Nos meus sonhos, uma aranha estava tecendo teias pegajosas que jamais deixaria escapar qualquer um azarado o suficiente para ser capturado. A aranha nunca se apressava. Ela devoraria qualquer presa que caísse na teia, sempre emitindo um veneno paralisante de suas presas que trariam prazer a sua vítima. Incentivadas por uma doce ilusão, a presa seria gradualmente consumida. Oh... é a aranha se alimentando de uma pessoa? A vítima está usando um boné? Ou é Yamashita-san?... Não.
Era eu.
Eu estava me contorcendo em êxtase enquanto a aranha me devorava, como ela mordiscava meus dedos, minhas pernas, minha cabeça — mesmo quando estava comendo em direção ao meu interior.
— …H … ah … hah … hah!
Acordei.
Desde o incidente, sou assombrada por pesadelos quase toda noite.
— Devo conseguir uma resposta...
Por que Aya-onechan me mostrou uma cena tão horrível? Qual era seu objetivo?
Eu sabia que enquanto não tivesse uma resposta, não seria capaz de me livrar dos meus pesadelos, mas me faltava a coragem de perseguir a resposta. “Ew” murmurei enquanto segurava minha cabeça, que estava doendo muito devido a minha falta de sono. Cobri meus olhos com minhas mãos e me lembrei do rosto de Aya-oneechan.
Me lembrei daquele... sorriso incrivelmente charmoso.
Enquanto não pude prever exatamente o que aconteceria, eu sabia que não poderíamos mais ser irmãs normais uma vez que pedisse uma resposta.
Era uma noite de verão abafada. Comecei a suar imediatamente quando deixei meu quarto com ar-condicionado. A mudança abrupta de temperatura me deu um breve ataque de tontura e falta de ar.
Cheguei a uma decisão.
Juntando minha coragem, bati na porta do quarto de Aya-oneechan. Nunca antes eu havia batido na sua porta enquanto estava com o humor tão sombrio. Normalmente, estaria excitada por causa do meu profundo amor e afeição pela minha irmã. Não houve resposta, mas entrei no quarto de qualquer forma.
Fui recebida por uma mistura de vários óleos perfumados, o cheiro que nunca falhou em me acalmar. Quando olhei para a cama no quarto escuro, vi Aya-oneechan deitada de lado com suas costas voltadas para mim.
— Onee-chan. — Chamei.
Ela se virou e me olhou. Seus olhos claros como joias me encaravam. Só isso era suficiente para fazer dos meus pensamentos um livro aberto.
— Venha aqui. — Ela falou enquanto acenava para que eu fosse até a cama.
Tenho certeza de que em uma situação normal, eu teria aceitado seu convite alegremente.
— O que há de errado Maria? — Perguntou quando percebeu que eu não estava me movendo.
— Um, você sabe... Eu queria perguntar... — Falei apertando meus punhos. — O que foi tudo aquilo?
— Hm...? Quer saber porque eu te mostrei aquele incidente? É essa a pergunta?
Confirmei.
— Maria. Tenho respondido sua pergunta todo este tempo. Desde que cheguei a esta casa, tenho dito que só procuro alcançar uma coisa.
— É aquele...
Há uma coisa que Aya-oneechan estava sempre falando quando a conheci. Era seu sonho utópico.
— Quero fazer todos no mundo felizes.
O que ela disse correspondia às minhas expectativas palavra por palavra. Balanço a cabeça.
— Não entendo, Onee-chan ... o que você fez causou exatamente o oposto da felicidade... não?
— Na superfície, sim. Mas Maria ... você ouviu falar sobre como minha turma se comportou depois do incidente, não foi?
— Hã?
— Minha turma estava em um estado anormal. Eu era fonte de grande conflito que causou uma atmosfera sufocante. Meus colegas devem ter se sentido horríveis. Eventualmente, esses sentimentos se espalharam por toda a escola e o problema não podia mais ser ignorado já que todos estavam envolvidos. Todo mundo estava pensando em uma maneira de resolver a disputa. E aqui está a pergunta, Maria: Por que tudo isso aconteceu?
Ela havia dito mais do que suficiente para eu descobrir a resposta.
— Por causa da minha orientação.
Sim, essa era a verdade. Ela deliberadamente agravou o problema.
— Mas esse grande problema desmoronou todo de uma vez depois que o incidente aconteceu. Os alunos estão desfrutando de sua vida escolar ao máximo agora que finalmente foram liberados de suas preocupações. — Ela explicou com um gentil sorriso. — Ao confrontá-los com esse problema, eles também ganharam muita experiência de vida. Estou certa de que eles nunca mais vão cometer um erro semelhante. Com sucesso, aumentei sua felicidade ao provocar esse incidente e assegurei que suas vidas prossigam mais suavemente no futuro.
Imaginei como todos os alunos de sua sala, e até mesmo os professores, sorriam desajeitadamente em volta de Aya-oneechan... Não sabia se isso poderia ser chamado de “felicidade”, mas havia uma questão mais crucial a ser levantada.
— Mas para chegar lá, você arruinou aquele garoto com o boné e Yamashita-san... Não, você trouxe azar para muitas outras pessoas, não foi?
— O número de pessoas que se tornaram felizes é maior do que o número de pessoas que se tornaram infelizes. Mas sua objeção é absolutamente válida. Como meu objetivo é fazer com que todos no mundo estejam felizes, sem sacrifícios. Eu tive que recorrer a essas facilidades por causa da minha incompetência.
— Então você pode viver com sacrifícios como fazer alguém um criminoso ou alguém ter sua casa queimada?!
— Mesmo que possa não ser capaz de aprovar tal sacrifício, se ele leva a mais pessoas felizes, sempre vou escolhê-lo. Além disso, a experiência que ganhei abrirá novas possibilidades no futuro.
— Isso é errado... isso é simplesmente errado...!
Uma pessoa normal não tomaria tal decisão, isto foi simplesmente errado. Aya-oneechan parecia estar faltando algo em nível emocional.
— Como está errado? Você se importaria em me explicar? Tudo que estou dizendo é que sacrificarei 10 pessoas se puder salvar 100, mesmo que não esteja satisfeita com essa solução.
— M-mas ... ainda está errado!
Eu tinha certeza de que ela estava errada. Tinha confiança em minha moral, mas não poderia produzir um argumento convincente. Tudo que podia fazer era balançar a cabeça como uma criança pequena.
— Urm... urm...! Deveria ter outra maneira...! Não consigo pensar em nada de repente, mas alguém tão esperto como você não deve ter nenhum problema em encontrar um caminho Onee-chan! Por exemplo... você não poderia usar sentimentos positivos como confiança e afeição para fazer todos felizes de alguma forma?
— Tentei isso na escola primária.
— Hã?
— As lições que aprendi foram que dar às pessoas o que elas querem só resulta em conforto temporário, e que você só pode fazer poucas pessoas felizes dessa maneira.
— ...Não entendo o que você quer dizer!
— Suponho que palavras sozinhas não bastam. Bem. Poderia abrir a gaveta da minha mesa? A que está no topo.
A ansiedade me fez ficar parada. O que quer que eu encontrasse quebraria todas as minhas crenças. Como não estava me movendo, Aya-oneechan se levantou. Ligou o lustre e abriu a gaveta superior de sua mesa.
Da gaveta, ela pegou um caderno e me entregou. Era o caderno que o rapaz com o boné lhe entregou quando chegou em nossa casa.
— Eu o fiz roubar por mim, mas não conte a ninguém. — Ela disse com um sorriso. Até mesmo um comentário como esse não me surpreende mais.
O caderno dizia “Diário”.
— Vá em frente, leia.
Tinha um mau pressentimento sobre isso, mas fiz como ela disse e comecei a ler o diário.
— É um amor proibido.
O diário começou com essa linha e, embora não seja mencionando o nome do amado, era claramente sobre Aya-oneechan. O caderno se concentrava completamente nela.
Escreveu que era amor à primeira vista, mas que decidiu que não lhe era permitido confessar seus sentimentos. No entanto, porque ela tinha notado seus olhares e respondeu com interesse, ele se tornou incapaz de suprimir seus sentimentos. O diário descreveu então como estava feliz quando a convidou para um encontro e conseguiu um OK. O encontro foi “esplêndido”. Estava pronto para dedicar o resto de sua vida a ela. Ele confessou seu amor e eles começaram a sair. O diário também continha um número de poemas mal escritos e observações sobre o amor.
Fiquei pálida ao ler o diário. O amor cego descrito nele me pareceu incrivelmente repulsivo. Embora o autor estivesse observando Aya-oneechan o tempo todo, ele não tinha a menor compreensão dela. Era como se ele tivesse inventado uma descrição de personagem para uma boneca bonita chamada Aya.
Mas o pior de tudo, eu sabia sobre o final.
— Maria. — Minha irmã sussurrou. — Eu poderia fazer um único homem feliz se eu quisesse, mas percebi que nada poderia estar mais longe do meu objetivo.
O diário começou a tomar um rumo alarmante.
Ele escreveu sobre como Aya-oneechan o tratou friamente mesmo que fossem um casal. Seu amor por ela tinha sido notado por toda a turma, tornou-se um grande problema nas reuniões, todos na sua classe começaram a ignorá-lo, e Aya-oneechan foi quem espalhou os rumores sobre o seu amor.
A escrita já não era meticulosa, ela se transformou em um rabisco furioso.
O diário passou a dizer que foi rejeitado quando pediu a ela para se casar com ele um dia. Aparentemente, sua proposta tinha sido gravada e a gravação dele que propondo para uma menina da escola primária foi espalhada na classe. Todos — alunos, pais, colegas de trabalho — começaram a lhe dar olhares sujos. Ele foi obrigado a deixar seu emprego, e seus pais o repudiaram.
E então ele invadiu nossa casa.
Era o diário de amor do professor de Aya-oneechan no seu sexto ano de escola primária. Terminou com o seguinte rabisco:
“Vou matar Aya Otonashi.”
Os sentimentos ferozes que moravam dentro do diário me deixaram enjoada. Lembro daquele horrível assalto com muito mais detalhes. No entanto, não podia culpá-lo.
Afinal, minha irmã havia predito que “seu professor deixaria seu emprego”.
Em outras palavras — ela tinha seduzido seu professor quando ela estava na escola primária e o encurralou impiedosamente.
— ...P-por que você fez isso?!
— Tentei fazê-lo feliz. Ele não parece feliz para você no início do diário? Infelizmente, ele estava tentando me possuir completamente. Não aprovou minhas tentativas de fazer outras pessoas felizes. Se tivesse respeitado seu desejo de me monopolizar, não teria sido capaz de perseguir meu objetivo, e isso estava fora de questão. Ele estava sob a ilusão de que eu não amaria ninguém além dele. Foi problemático me livrar dele. No final, tive que recorrer a medidas drásticas.
Aya-oneechan balançou a cabeça fracamente.
— Como você pode ver, o experimento foi um fracasso. Mas, ao mesmo tempo, fiquei sabendo da estreita ligação entre amor e ódio, e aprendi que podia aperfeiçoar meu controle dos outros usando os dois sentimentos. Parei de me preocupar com pessoas, em vez disso tentei enfrentar meu objetivo de uma maneira indireta fazendo uso de ódio. Na verdade, esta abordagem produziu os melhores resultados até agora! Dito isto... a solução ainda está longe de ser suficiente. Tenho um longo caminho a percorrer até alcançar o meu ideal, mas não vou parar aqui.
Ela pressionou seus lábios com forte determinação.
— Vou continuar a procurar uma maneira de fazer cada pessoa no mundo feliz.
Depois de fazer essa declaração, Aya-oneechan sorriu para mim.
Ah.
Finalmente entendi por que seu sorriso me tinha parecido tão encantador naquela época.
Foi porque...
Aya-oneechan era uma verdadeira santa.
Pode não ser óbvio à primeira vista. Afinal, ela não hesitava em sacrificar outros e a virtude de suas realizações era discutível. Além disso, ela estava claramente agindo de forma não ética. Entretanto, suas ações não foram conduzidas por um único grão egoísmo. Ela deixou de lado seus desejos pessoais e só estava preocupada com o bem-estar dos outros. Tenho que admitir que realmente vi seu ideal tão lindo.
Aah... também sou estranha por pensar isso?
— Entendi o que você está tentando fazer... eu acho. Mas não respondeu à minha pergunta, Onee-chan!
— Sim, está certa. Ainda tenho que explicar exatamente por que te mostrei o que tenho feito. Mas se você pensar sobre isso, uma vez não previ algo relevante?
Prever.
— Você vai se tornar eu, você terá que se tornar.
Pensar no significado por trás dessa profecia me fez tremer. Aya-oneechan tocou suavemente meus lábios.
— Você também vai viver para a felicidade dos outros, assim como eu. Queria que aprendesse comigo.
Eu? Vou fazer as mesmas coisas que ela? Abandonando meus desejos e sentimentos pessoais pelo bem do mundo?
— M-mas isso é impossível para mim!
Não era um super-humano como minha irmã. Era uma criança fraca que não podia frequentar a escola corretamente porque era incapaz de me misturar.
— Isto não é uma questão de ‘impossível ou não’. Você não pode desafiar seu destino.
— P-por que?! Não é suficiente se uma de nós fizer essas coisas?! Não me envolva! — Gritei em negação.
Aya-oneechan suspirou em resposta.
— ...Não tinha certeza se deveria dizer isso ou não, mas parece que não há outra maneira de contornar este assunto.
— O que você quer dizer ...?
— Você manteve Michishige-san e eu juntos. Você é meu anjo. — Ela disse, citando minha mãe.
Essas foram as palavras que sempre foram minha maior garantia.
— O-o que foi...? Por que trazer essas palavras agora...?
— Parece haver amor nessas palavras. Elas parecem ser exatamente o oposto do que minha mãe me disse. Mas é realmente o caso? Quer dizer, se você colocar de outra forma, você tem:
“Você serviu seu propósito uma vez que você nasceu”.
As palavras de minha mãe formavam o alicerce da minha segurança. Minha identidade inteira foi construída sobre essas palavras. Não havia como minha base se romper com uma única frase.
— Ah...
E ainda assim.
— Ew... AAAAAH...
Não poderia suportar este ataque. Uma única frase foi suficiente para quebrar a única coisa que me sustentou. Como uma torre de cartas, tudo desmoronou, para nunca mais ser restaurado.
Aah... aconteceu tão rapidamente, devo ter suspeitado o tempo todo. Devia ter percebido que meus pais não se importavam comigo. Devo ter sentido a verdadeira mensagem por trás dessas palavras de “amor”.
— U... gh...
Não era como se tivesse sido maltratada ou submetida a restrições excessivas. Não havia absolutamente nada tangível que pudesse reclamar a meus pais. Mas não podia negar que não éramos nada além de um mal desnecessários para Michishige-san e minha mãe.
Certo —
Não éramos necessárias.
Aya-oneechan aconchegou minha cabeça em seus braços e me confortou.
— Você é especial, Maria. — Ela disse enquanto me abraçava de uma maneira mais gentil do que o normal. — Você ainda é uma casca oca, intocada. Tem possibilidades ilimitadas. É tão excepcionalmente pura que se houvesse um deus que concede ‘desejos’, ele apareceria diante de você, não de mim.
— No entanto, — ela acrescentou — também significa que você está vazia.
— O que eu deveria...
— Estamos vazias, nós duas. Mas se continuarmos procurando nosso propósito, eventualmente seremos capazes de preencher esse vazio em nossos corações. Vamos fazer um propósito enorme, Maria. Vamos deixar todos felizes no mundo. Se tivermos sucesso, todos precisarão de nós. — Ela disse e sussurrou em meus ouvidos — Haverá um significado para o nosso nascimento.
No entanto, murmurei
— ...Talvez ...Eu encontre outro objetivo...
Ainda não estava disposta a me dedicar a algo como Aya-oneechan.
— ...Ei, Maria. Tenho a capacidade de controlar as pessoas até certo ponto, mesmo se acabasse de conhecê-las, certo?
— Sim, você faz...
— Quantos anos se passaram desde que nos conhecemos, Maria? Quantos anos passamos sob um único teto? Como pode ter tanta certeza de que não foi influenciada por mim?
— Ah...
— ...Certo, Maria. Você já está sob meu controle. Te manipulei para desejar a felicidade universal. Pode resistir o quanto quiser, mas no final chegará à mesma decisão.
Ela continuou:
— Maria Otonashi se tornará Aya Otonashi.
No instante em que ela disse isso, vi as teias de aranha semi-translúcidas. Vi a teia de aranha de meus pesadelos que não me deixavam ir. Eu estava presa nas teias de aranha, incapaz de escapar. Seria devorada como o professor que tinha escrito aquele diário, como o menino com o boné, e como todas as outras pessoas que se associaram com Aya-oneechan.
Ela sorriu para mim.
— Vamos começar, Maria! Não podemos ter rancor contra ninguém, mas temos um inimigo sem forma que atormenta nossas mentes. Seu nome é vazio. Vamos mostrar a ele...
Com um sorriso ainda mais encantador, ela continuou:
— Como nos vingamos!
✵
Seu funeral foi realizado em um dia chuvoso.
Estava em meu uniforme escolar sem falar com qualquer um, abraçando a foto do funeral de Aya-oneechan. Quando olhei para mim mesma em um espelho, tudo o que vi foi uma concha vazia que poderia ser facilmente esmagada sob a pressão mais leve.
“Maria, quando eu tiver 14 anos, vou deixar este lugar!”
Por que ela escolheu morrer junto com nossos pais? Me perguntava. Afinal, ela não conseguia mais alcançar seu objetivo. Mas claramente, ela tinha planejado tudo isso de antemão, ou então ela não teria previsto isso.
Em outras palavras, Aya-oneechan tinha planejado o tempo todo para me confiar seu objetivo final de fazer todos no mundo felizes. Foi por isso que ela me fez testemunhar o incidente do incêndio e me mostrou o diário.
Ela deve ter chegado à conclusão de que tinha terminado de transferir o seu mandato para mim. No seu 14º aniversário, Aya-oneechan manipulou o ódio de seu ex-professor para que ele causasse um acidente que matasse todos os envolvidos.
Vingança.
Ela disse para se vingar.
Aya-oneechan deve ter detestado sua família por criar o vazio interior que a atormentava. Se vingar deles era outro objetivo que ela nunca me contou. Ela tinha planejado suas mortes desde o começo.
Eu também era uma parte da família que ela queria se vingar, mas no meu caso, ela não se vingou por assassinato, mas por tomar meu coração cativo. Como prova disso, eu não tinha para onde ir.
Meus parentes estavam ocupados fazendo um alarde sobre quem devia tomar a filha de um caso amaldiçoado, quem devia herdar o dinheiro, quem iria herdar a casa, quem iria herdar a outra propriedade, e assim por diante. A disputa pela herança que ocorreu sem minha consciência resultou na tomada de todos os nossos bens, incluindo a terra e a casa, enquanto me deixa para trás.
Recebi apenas o dinheiro do seguro das mortes de meus pais, o que era suficiente para sobreviver até que atingisse a maioridade se vivesse humildemente. Aparentemente, meus parentes achavam que seu dever já estava cumprido.
Não havia nenhuma maneira que eles pudessem fornecer um lugar para o qual eu pertencesse. Imaginei que era melhor me desfazer das teias de aranha abandonadas.
Antes que soubesse, fiquei sozinha. Surpreendentemente, a impressão era a oposta de ser trancada em um quarto estreito. Senti como se tivesse sido jogada em uma vasta área sem paredes. Neste mundo incolor, poderia caminhar e caminhar, mas a paisagem não mudaria e eu nunca chegaria a qualquer lugar.
No entanto, havia uma coisa que poderia servir como um guia. Era uma sombra frágil e transparente de Ayaoneechan. Não tendo outro lugar para ir, eu estava feliz em segui-la.
Aya-oneechan.
De repente, notei uma grande aranha enlameada correndo pela chuva. Sem estar muito consciente do que estava fazendo, eu a peguei e, como minha irmã uma vez me mostrou, a deixei rastejar em minha palma. Apertei meu punho.
Quando abri a mão novamente, a grande aranha ainda estava na minha mão. Não pude me obrigar a esmaga-la. A aranha, ainda viva, rastejou da minha mão e desapareceu em algum lugar, deixando minha mão suja com lama.
Foi nesse momento que senti fortemente que...
Eu me tornaria Aya Otonashi.
Quando finalmente parei, me encontrei de pé na chuva torrencial. Não me lembro como tinha chegado aqui, nem me lembro de quanto tempo havia passado desde o funeral.
Eu estava em um lugar desconhecido. O meu uniforme e a minha saia estavam encharcados. A chuva torrencial lavou meus sentimentos, me deixou desprovida de calor, desgastou minha forma, diluiu meu sangue e me derreteu no solo.
Quanto tempo continuei andando? Provavelmente não tanto tempo, mas a viagem sem rumo rasgou minha alma.
Eu continuei andando.
E no momento em que minha alma tinha sido completamente erodida.
Eu estava cercado pela luz.
Eu não poderia encontrar outra maneira de descrevê-lo. Não havia céu ou terra lá e eu estava nua como o dia que nasci. Senti meu espírito começar a dispersar-se na luz. Esse lugar não permitia que minha individualidade “existisse”. Estar era igualmente valioso e igualmente sem valor.
De repente, senti um leve fluxo de ar que correspondia aos meus movimentos. No entanto, eu não conseguia ver nenhum ponto em controlar a brisa e me preparei para desaparecer deste mundo.
Ah, mas espere.
Há algo que tenho que fazer.
Eu devo “fazer todos no mundo felizes”.
Embora eu devesse estar vazia, ainda havia uma direção para ir. De repente, o fluxo de ar adquiriu uma direção e começou a se reunir ao meu redor.
Luz!
Luz!
A luz estava ao meu redor!
Antes que soubesse, tinha deixado o mundo da luz e me encontrava em uma floresta desconhecida. Enquanto escutava os gritos de corujas e insetos, me levantei.
No entanto, não sabia o que fazer a seguir. Fiquei ali, incapaz de me mover. Meu coração não tinha uma força motriz. Depois de ficar ali até que a cor do céu mudasse, deslizei minha mão no meu bolso e tirei alguma coisa. Era um pequeno saco de presente. Ele continha uma garrafa de óleo perfumado que tinha planejado dar para a minha irmã no seu aniversário. Abri a tampa.
Um sutil cheiro de hortelã-pimenta começou a se espalhar ao meu redor e recuperei os sentidos o suficiente para me sentir desconfortável com meu uniforme manchado de lama. De repente, notei que estava segurando uma caixa. Era uma linda caixa translúcida em forma de cubo. No entanto, a caixa parecia terrivelmente frágil, como se feita de vidro fino.
Instintivamente sabia que esta caixa iria conceder um desejo. Tive a chance de fazer qualquer desejo se tornar realidade.
Não é necessário dizer que havia apenas um desejo que eu pudesse fazer.
Chamei minha caixa de “Felicidade”.
No entanto, ela acabou “Falha”.
✵✵✵
Bang, bang!
Acordo com o som de alguém batendo na parede.
— ...Hm...
Esfrego meus olhos. Acho que tive um sonho nostálgico, mas me esqueci no momento em que acordei. O cheiro de hortelã-pimenta preenche meu quarto. É o aroma que estimula meu corpo e meu coração, embora já tenha alcançado meu limite há muito tempo.
— Ok, então, hora de ir.
Levanto para que possa continuar a procurar uma nova caixa. Encontrando ou não, tenho que cumprir a minha tarefa de fazer feliz a todos no mundo, mesmo que tenha esquecido meu passado. Esse é o único significado para minha vida.
Cambaleio depois de dar apenas alguns passos. Minhas pernas esguias me levaram por um longo, longo tempo — mais do que uma vida inteira — mas não tenho permissão para parar. Também não há razão para isso. Tenho devotado a minha vida aos outros. Ninguém tem permissão para me parar.
Bang, bang!
Ah… isso está me dando nos nervos.
Nota:
1 – Impasse Entre Espelhos