Volume 7

Capítulo 1

 

1ª vez

— Eu te amo, Kazu-kun.

Não estou interessado. Não posso me dar ao trabalho de lidar com questões amorosas no momento.

 

23ª vez

— Eu te amo, Kazu-kun.

Por favor, me poupe. Como você espera que eu reaja?

 

1.050ª vez

— Eu te amo, Kazu-kun.

Estou tão feliz. O que mais poderia sentir após a confissão de uma garota com sorriso tão amável?

 

13.118ª vez

Meu cérebro foi aprisionado dentro do meu crânio, como uma massa que foi pisoteada repetidamente. Uma sensação constante de náusea está possuindo meu corpo, como se estivesse banhando em uma piscina de óleo usado. Estou rodando de um lado para outro como se estivesse em uma máquina de lavar, ainda assim o cenário ao meu redor não muda: risada irritante e escuridão.

Não posso ver nada.

Posso apenas continuar repetindo.

Esses loops continuarão até que tenha eu derretido na escuridão. Esses loops continuarão até que a última de minhas células desapareça. Esse loop vai repetir infinitamente.

 

Acordo.

Enquanto suprimo a vontade de vomitar, esfrego meus olhos e confirmo onde estou. Vejo um quadro negro de cabeça para baixo. Aparentemente estou em uma sala na escola.

— ...Estava sonhando?

Estou deitado no chão da minha sala. Me levanto coçando a cabeça.

A sala parece diferente. As mesas foram agrupadas em grupos de quatro, cada mesa foi decorada com uma toalha colorida. As janelas foram ornamentadas com flores feitas à mão. O quadro mostra um desenho fofo de uma maid, obviamente desenhado pelas garotas da nossa turma, com algumas palavras à direita:

“Maid Café”

— ...Haha...

Uma risada desconcertada escapa dos meus lábios; a discrepância entre meus pesadelos e as palavras bobas que li é grande demais.

— Certo... hoje é...

É sábado, 10 de outubro. Dia do nosso festival escolar. Uma vez que me lembro disso, o barulho ao meu redor de repente se torna confortável.

— Olá, olá. É divertido encarar o nada enquanto segura algo assim? — Uma voz familiar fala de repente.

— Hm? — Murmuro enquanto me volto para a voz. — Ah! — Grito e desvio o olhar.

Whoa! Não estava preparado para ver um atraente par de pernas na minha frente! Esta garota está usando até mesmo belas meias brancas!

— Oh? Oh-oh? O que vou fazer com essa reação? Minhas belas pernas de excitaram? — Ela brinca.

— Claro que não! — Enfrento e ergo os olhos. Kokone Kirino está diante de mim com um grande sorriso no rosto. Ela veste uma roupa de empregada azul clara, o que lembra Alice no País das Maravilhas.

— O que você está fazendo enquanto todos trabalham feito loucos?

— Erm...

O que eu estava fazendo antes de cair no sono de novo?

Me lembro de ter deitado porque não sabia em que trabalhar e fiquei entediado; devo ter caído no sono depois disso. Provavelmente porque no dia anterior, também estávamos nos preparando para o festival até tarde da noite.

Estou segurando um objeto cilíndrico. Certo! Antes de acidentalmente cair no sono, eu queria comer um umaibou. Umaibou são como energéticos para mim, e custam meros 10 yen cada. São tão baratos, todos deveriam compra-los.

Na tentativa de ficar disposto, tento mastiga-lo.

Clank.

— ...Huh?

Umaibous não deveriam ser tão duros.

— Por deus! Como você pode brincar com meu gravador tão descaradamente na frente de todo mundo...?!

— Seu o que? — Pergunto confuso e olho para o que estou segurando.

Por alguma razão, estou segurando um gravador na minha mão direita em vez de um umaibou.

— Huh? Como?

— OH NÃO, ME AJUDE! Um tarado! Temos um tarado imundo entre nós! — Kokone grita.

— ...Urm? W-Whoa, não não não! Eu não queria... !

— Nãaao! Ele está lambendo minha flauta! Está lambendo ela! Vai leva-la para casa e a por em um altar! Vai usar para fazer bolhas de sabão! Vai tocar as mais belas melodias enquanto faz bolhas de sabão!

— Nunca ouvi sobre tal tarado!

Entretanto, não me lembro de ter pego um gravador em qualquer lugar.

Isso significa...

Um suspiro profundo escapa dos meus lábios. Finalmente recobro minha compostura e pergunto à Kokone:

— Erm, Kokone... você trocou meu umaibou pelo seu gravador certo?

Sendo direto, Kokone me pregou um peça.

— Hah? Não, faço, ideia, do que, está, falando. — Ela diz se fazendo de desentendida. — Quero dizer, por que faria isso? Porque iria querer um garoto que nem é meu namorado tocasse minha flauta? Isso soa como o comportamento de uma colegial normal para você?

— Não, não mesmo, mas tenho certeza que você pode pensar em um motivo.

— Ah, qual é, use seu senso comum, ok? — Ela continua. — Nenhuma colegial inocente poderia ter uma ideia tão estranha, certo? Certamente você entende isso?

— Ah... — Suspiro.

— Agora repita comigo: “Sou um tarado”.

Ela provavelmente ficaria ainda mais irritante se eu recusasse, então a acompanho.

— Sou um tarado. — Digo.

— Muito bem, agora... Repita comigo: “Sou um tarado. Meu hobby é envergonhar garotas encarando seus cabelos que elas esqueceram de escovar”.

— Sou um tarado. Meu hobby é envergonhar garotas encarando seus cabelos que elas esqueceram de escovar. Em particular, não consigo me encher de pelos do sovaco.

— Eek! V-você é mesmo tarado! Se afaste de mim!

Por alguma razão, ela realmente parece chocada, mesmo que tenha sido ela que me fez dizer tais coisas.

— A propósito, a fantasia de maid ficou ótima em você.

— Oh, que mudança repentina. Bom, de qualquer forma estava ficando entediada... Ah, um, minha fantasia de maid? Sim, muito bonita. Mas sejamos honestos: tudo fica lindo em mim, não? Sou de uma beleza incomparável, não?

— É. Você é de uma beleza incomparável. E não está ainda mais bela hoje? — Digo.

— O que há com essa reação indiferente?! Você que está começando com os elogios!

Te acho fofa, mas o que mais devo dizer quando está se gabando tanto... ?

— Uh-huh, aposto que está zangado porque essa fantasia não foi feita para enfatizar meus seios, eh? Então está dizendo que devo mostrar meu tamanho-E e seduzir a todos!?

Nem chegou perto.

— Você não é só um tarado de flautas com fetiche por axilas, mas também um viciado em meias e peitos! A palavra “tarado-do-armário” foi feita para você, Kazu-kun! Ajoelhe-se diante do meu esplêndido E-Aaaiiii!

Alguém bateu na cabeça da Kokone.

— Hah... — Daiya Oomine suspira, o cara que acabou de atingir a Kokone.

Daiya recentemente tingiu seu cabelo de volta ao seu preto natural, mas mesmo após remover seus piercings, os buracos em sua orelha esquerda ainda são visíveis. Devido ao seu rosto charmoso e sua personalidade astuta, as pessoas o chamam de príncipe da língua afiada.

Dito isso, ele se aquietou um pouco nesses dias. Até mesmo ouviu seus colegas e se vestiu de mordomo para o festival da escola. Ele jamais teria concordado com algo assim antes.

Mas se um mordomo tão irritado quanto o Daiya realmente existisse, seus insultos contra a lady da casa o teriam demitido em um dia. Ou... talvez haja uma demanda por esse tipo de coisa?

De qualquer forma, enquanto Daiya adora me provocar, ele geralmente para a Kokone quando ela está indo longe demais.

— Valeu Daiya, você veio na hora certa! Diga algo para ela!

— Hm...

Aposto que ele vai dizer algo do tipo: “Você é um insulto aos meus olhos. Poderia se vestir o tanto que quisesse, mas não seria capaz de esconder quem realmente é. Belas penas podem fazer belos pássaros, mas isso não se aplica a porcas como você”. Sim, algo desse tipo.

De acordo com minhas expectativas, Daiya, a consumação do cinismo, cospe:

— Não brinque com outro garoto na minha frente. Agora estou com inveja.

 

O quê?

Urm, eh?

Poderia ser que... Daiya se apaixonou perdidamente por ela... ?

— ...Awawa... —Gaguejo confuso...

O-O que está havendo... ? Certo, sei que eles finalmente começaram a namorar, mesmo que costumassem se dar tão bem quanto água e óleo, mesmo assim... !

— Awww... — Kokone fala enquanto cora, aparentemente tão surpresa quanto eu. — U-Urm...! V-Você é único para mim Daiya... tenha certeza disso... — Ela murmura enquanto sua voz desaparece. Ela está ainda mais feminina que antes.

— Mas você estava se aproximando mais do que o necessário do Kazu, não era? — Daiya fala.

— Somos amigos! Apenas por que somos amigos!

— Humph, tudo bem então. É realmente irritante que você entenda o quão atraente você é.

— S-Se você diz, Daiya, vou me certificar de ser mais ciente disso daqui em diante!

Enquanto se acalma, Kokone começa a sorrir de orelha a orelha. Ela se esfrega no peito de Daiya.

...Eles vão fazer na minha frente? Encontrem um quarto de uma vez!

— Oh... você trocou de perfume? — Kokone pergunta.

— Você tem um olfato excelente.

— Bem, estou acostumada a sentir aquele cheiro todos os dias. Mas usar perfume é contra as regras — você é um garoto tão mau.

— E sobre seu cabelo tingido? — Daiya rebate.

— Você disse que castanho ficava melhor em mim do que preto. Não me importaria voltar a usar óculos ou para o tom natural, mas foi você que disse que preferia minha atual aparência.

— Sim, você está ótima. Você não precisa mudar a menos que queira; prefiro seu jeito atual. Mas não era esse o problema, era?

— ...Mm. — Ela cena enquanto olha para Daiya. — ...Sua roupa de mordomo é tão legal... Daiya, querido, tenta dizer “bem-vinda, princesa” para mim!

— Ridículo. De forma alguma direi isso. Você diga “bem-vindo, mestre”.

— Não me importo nem um pouco. Bem-vindo, mestre. Ah... da próxima vez irei para sua casa, me vestirei de maid e direi isso!

Estou em desespero.

Q-Que diabos é isso...?! E-Eles se tornaram em um meloso par apaixonado! Kokone ainda é reconhecível, mas qual é a da atitude do Daiya?! Nunca quis ver ele dessa forma! Esse não é mais o meu Daiya!

— Ei Kazu, por quê a boca aberta? — Daiya pergunta.

— N-Não é óbvio? Não se mostrem dessa forma na minha frente!

— Tenho que fazer isso pois sou popular com as garotas. Me envolvo em situações complicadas se não demonstrar que estou em um relacionamento de vez em quando.

— ...Há várias coisas que gostaria de comentar, mas as manterei para mim mesmo. Me deixe apenas perguntar... Não está com vergonha? — Pergunto.

— Não há porque ter vergonha em ser visto com minha adorável namorada.

Nossa, isso é absurdamente embaraçoso!

— ...Então você não está com vergonha de estar comigo?

— Qualquer coisa vou me gabar disso.

— Ehehehehe.

— Haha.

— Ehehehehe.

— Hahaha.

Sai fora! Não quero mais ouvir isso!

Acabei mais envergonhado que qualquer um deles. De repente, sinto a mão de alguém em meus ombros, então me volto.

— Eles são horríveis, não são? Eles estão claramente se mostrando para fazer os solteiros como nós sentirem inveja!

É Haruaki Usui, nosso amigo.

Começo a acenar em afirmação, mas grito em surpresa quando percebo a fantasia do Haruaki. Ele também está fazendo cosplay, mas por alguma razão, está vestindo o uniforme de outra garota. Seus ombros largos estão para rasgar o uniforme, e como sua blusa só vai até o umbigo, a camisa verde que ele está usando por baixo está totalmente visível. Suas pernas másculas, bem musculosas das práticas de baseball, espiam por debaixo da saia. Pelo menos depile essas pernas, mas que diabos!

Como ele pode usar essa roupa sem sentir vergonha? Por acaso ele pensa que está relaxando na privacidade de sua casa ou algo do tipo?

— Sigh! Também quero uma namorada fofa! Você é meu único aliado, Hoshii!

— ...Tch! — Resmungo enquanto tiro sua mão do meu ombro.

— Huh? O-O que foi, Hoshii? Isso foi frio.

— ...Sei de tudo, Haruaki. — Digo em um tom profundo pouco comum.

— ...O que quer dizer?

— Ouvi que está se dando muito bem com uma garota de outra escola. E até mesmo teve um encontro?

— Ugh.

— Ah...! Esse uniforme! É dela, não é?

— ...

Haruaki permanece quieto, um sorriso forçado aparece em seu rosto. Pelo visto meu chute foi certeiro.

— Você tem bastante coragem, fingindo que eu era se “único aliado” quando está ocupado com sua garota. Isso beira a violência contra nós solteiros! — Censuro Haruaki enquanto sorrio miseravelmente.

— ... Não ... Quero dizer ... olha, nós fomo a um encontro, mas não estamos exatamente saindo. Qualquer coisa ainda pode acontecer. É por isso que gostaria de bancar o cara solitário por mais um tempo...

— Feh! — Digo enquanto finjo cuspir no chão. — Você é como um cara rico que sai por aí sendo favelado!

Continuo a rir miseravelmente.

— N-Não está exagerando? Essa analogia não parece verdade para mim, também ... e ei, você não é melhor, Hoshii!

— Hm?

— Você e a Kasumi claram—MHMHM!

Na hora que ele menciona este nome, Kokone cobre sua boca. Não posso fazer nada a não ser me calar e corar. Apesar de tudo, Kasumi Mogi é a garota que gosto. I-Isso é estranho. Nunca contei para ninguém, então como Haruaki surgiu com esse nome?

Kokone sussurra no ouvido de Haruaki:

— ...Shh, Harudiota! Eles ainda estão nos primeiros passos do relacionamento... melhor deixá-los por conta própria...!

— ...Ah, está certa... mas qual é, é claramente correspondido...

— Quieto! Se nos metermos, podemos acidentalmente bagunçar essa relação... esses dois ainda nem estão cientes que estão agindo como apaixonados o tempo todo...!

— ...Sério? Eles ainda estão presos no fundamental ou o quê...?! — Haruaki replica.

Ei, estou bem aqui!

M-Mas, é correspondido? O-O que ele quis dizer com isso? Não é possível. É verdade que Mogi-san frequentemente sorri comigo... mas isso é porque ela é uma garota alegre. E ela apenas me pede para ajudar o tempo todo porque sou um bom ajudante. Isso... exatamente.

Mas.

Mas, dado o que estão dizendo, talvez ela realmente—

 

— Kazu-kun?

 

— Eek! — Exclamo após ouvir uma voz inesperada.

Me volto.

— Hm? — A garota magra na cadeira de rodas murmura. É Kasumi Mogi, seus olhos se abrem em surpresa a minha reação. — Por que o “eek”? Esse uniforme de enfermeira não combina comigo? — Ela diz mordendo os lábios e abaixando sua cabeça com vergonha.

Eu, eu não sabia que a Mogi-san também estava fazendo cosplay... Ela está usando um uniforme rosa de enfermeira.

Meu coração está batendo feito louco, ao ponto em que estou preocupado se outras pessoas podem ouvi-lo. Estou em pânico, não posso nem sequer olhar nos olhos.

De forma alguma esse uniforme não ficaria bem nela! Sou infame pelo meu fetiche por lágrimas, mas também tenho um fetiche por uniformes de maids e enfermeiras! (Gatos estão fora de questão). Além disso, Mogi-san seria fofa mesmo vestindo um saco de lixo!

Tenho que dizer a ela!

— Fica ótimo em você! Está adorável! — Digo enquanto ela olha para mim.

— A-Adoráv—

— Sim! Muito adorável! A garota mais adorável daqui!

—~~~~~~!! — Ela olha para o chão, sua face tão vermelha quanto uma beterraba.

Huh? O que há de errado com ela? Tudo que fiz foi dizer o que estava pensando...

— Ah cara, lávai ele de novo, realmente trabalhando suas habilidades de jogador. — Haruaki suspira.

— Ultimamente, tenho pensado que ele faz isso de propósito. — Nota Kokone.

— Sério? Ele é um maldito bastardo se for verdade.

— Garotos aparentemente ingênuos como ele transam com mais frequência do que você espera. Eles são especialistas em expor os desejos secretos das donas de casa — Aprendi isso de um mangá.

Haruaki e Kokone realmente não medem suas palavras.

— Um-um-um-um...! — Interrompe Mogi-san.

De início ela parece um pouco envergonhada pela sua expressão, mas então ela se endireita e me encara.

— Err, sim?

— Obrigado por se encarregar de mim hoje, Kazu-kun!

Ela curva sua cabeça.

Me encarregar dela...?

Realmente gostei de como isso soou, mas não faço ideia do que isso significa. Entretanto, noto que Haruaki, Kokone e até mesmo Daiya estão rindo de mim. Tudo bem... acho que sei aonde eles estão chegando. Minha tarefa é acompanhar Mogi-san durante todo o dia e lhe mostrar os arredores.

 

Após se envolver em um acidente, Mogi-san perdeu sua capacidade de andar. Ela ainda está em intensa reabilitação física e ainda não voltou para a escola. Entretanto, seus colegas queriam que ela participasse do festival de alguma forma. Queríamos mostrar que seus amigos ainda estão torcendo por ela.

Pensamos muito sobre como a faríamos aproveitar seu dia e garantir que tudo corra normalmente. Concordamos que alguém teria de acompanha-la o dia todo e por alguma razão todos me escolheram para essa função.

Desnecessário dizer, aceitei sem pensar duas vezes. Estou grato por poder passar o tempo com ela, seria maravilhoso se as memórias do festival a ajudassem na sua recuperação.

Começo a sorrir enquanto observo Mogi-san. Ela ainda está olhando para baixo.

— O prazer é todo meu, Mogi-san. — Digo isso e curvo minha cabeça.

— Ah! Mas...! Espero que não seja muito incômodo, na verdade, eu que deveria estar te agradecendo. — Ela gagueja e se curva novamente.

— Não hesite em pedir se precisar de qualquer coisa, ok? Darei o meu melhor para te manter entretida!

Curva-se.

— Aah...! Não se curve! Estou realmente feliz que possamos aproveitar o festival juntos! Muito obrigado!

Curva-se.

— Hehe.

Curva-se.

— Hehehe.

Curva-se.

Curva-se. Curva-se. Curva-se.

Por nenhuma razão, continuamos nos curvando um para o outro enquanto sorrimos embaraçados.

— Toma isso!

— Ouch!

Rapidamente, Haruaki me bate.

— Essa doeu, Haruaki...

— Essa era a intenção! Se lembra como alguns momentos atrás você me criticou por estar saindo com uma garota?!

...Bom, devo admitir que realmente mereci.

— Hey, Hoshino. Pode ir e deixar o resto com a gente! — Grita nosso representante da turma, Ryuu Miyazaki, em um tom um pouco rude. Ele não está com raiva da gente; é apenas a forma natural dele falar.

— Ok, estamos indo. — Respondo e seguro as alças da cadeira de rodas da Mogi-san. — Vamos.

— Claro!

Dou um leve empurrão na cadeira de rodas.

 

Que momento — isso novamente marca o início de um ótimo dia.

 

— ... ... Hm?

.... Novamente?

Mogi-san volta seu sorriso para mim e qualquer receio que eu tinha se foi junto com as minhas preocupações.

 

Todo festival escolar termina com uma fogueira... não, isso é mentira. Não faço ideia do quão difundido é esse costume na realidade.

Iluminado pelas chamas bruxuleantes, estudantes dançam ao som de Oklahoma Mixer¹. Dois estudantes do primeiro ano, cuja confissão nós flagramos, estão andando felizes de mãos dadas. Parece que a confissão foi um sucesso.

Kokone e Daiya trocaram de roupa e também estão dançando. Eles costumavam não se dar bem devido a uma história antiga, mas superaram isso e começaram a namorar. Não se livraram completamente das questões do passado, mas pelo menos por agora estão dançando livres de preocupações.

Mogi-san também se trocou para o seu uniforme escolar. Está sentada em sua cadeira de rodas e encara as chamas. Parece muito séria, como se estivesse marcando esse momento em sua memória.

Sou apenas um estudante do colegial, mas já sei: esses momentos abençoados são raros. Guardarei a beleza da adolescência pelo resto da minha vida. O mesmo vale para Kokone, Daiya, tantos outros. Pessoas tem suas próprias histórias da adolescência. Talvez não sejam sempre histórias felizes, mas hoje vai ser lembrado pelo resto das nossas vidas.

Nenhum dia se repete.

Enquanto assisto os casais dançando, Mogi-san murmura. — Que legal.

Estou sem palavras; Mogi-san jamais será capaz de dançar assim de novo. Ela vê a expressão no meu rosto em balança a cabeça freneticamente.

— Ah, não entenda errado! Não estou lamentando! Estava apenas com inveja de como eles podem passar um dia especial apaixonados!

Seu sorriso de satisfação prova que ela realmente está sendo sincera.

— Kazu-kun...

Após todo o tempo que passamos juntos hoje, finalmente entendo como ela se sente sobre mim.

— Após aquele incidente, pensei que não seria capaz de alcançar a felicidade normalmente. Mesmo que possa agir alegremente, mesmo que possa ter momentos felizes de tempos em tempos, me convenci de que minha deficiência sempre iria me afastar disso, que jamais seria capaz de sorrir sem me preocupar.

Apesar das suas palavras autodepreciativas, sua face está calma.

— Mas sabe de uma coisa? — Ela continua. — Não me sinto mal sobre a minha deficiência hoje. Sério. Isso é uma grande descoberta para mim! Por exemplo, não posso dançar com você, mas realmente não me importo. Não porque estou me convencendo a pensar assim, mas porque já me sinto muito feliz. Isso não é maravilhoso?

Sorrio para ela e aceno profundamente.

— Por que sou capaz de aproveitar esse dia, finalmente parei de me odiar. — Mogi-san segura minha mão. — Obrigado por me fazer sentir assim.

O fogo não é a única razão para o seu rosto estar vermelho. Um olhar no seu rosto é suficiente para saber o que ela dirá a seguir.

 

— Eu te amo, Kazu-kun.

 

Seu sorriso é a coisa mais linda que já vi. Me sinto verdadeiramente assim. Sou a única pessoa que a vê sorrir assim. Sou definitivamente o cara mais sortudo do mundo. Faria qualquer coisa para proteger este sorriso.

Meus sentimentos de realização estão para me consumir. Cada célula do meu corpo está vibrando de prazer. Esse deve ser o melhor dia da minha vida.

E esse dia—

Esse dia que gostaria de repetir eternamente...

— Aah —...

 

... É uma maldita farça.

 

Uma fria brisa que estava por trás das quentes correntes de ar em minhas bochechas. A brisa gelada clareia de vez meus sentidos atordoados.

O que é esse lugar repugnante?

A gentil cena carmesim diante de mim se torna em uma mal executada pintura a óleo exibindo um sonho tolo.

— Heh, heh... — Dou risada, impressionado com minha estupidez por não notar que algo estava errado até agora.

— Kazu-kun...? — Mogi-san pergunta, inclinando sua cabeça em resposta à minha súbita mudança de humor.

Como pensei, não há cicatriz.

...Minha determinação para salvar Maria desapareceu.

Não tenho o poder de destruir “caixas” no momento.

Olho para Mogi-san, que está com os olhos arregalados.

Sua confissão me encantou. É verdade. As repetições dessa caixa fizeram com que eu me apaixonasse por ela de verdade. Estou perdidamente apaixonado por ela. Mas essa história acaba aqui. Acaba após ela se confessar e nos tornarmos um casal. Não há continuação.

Pensando nisso, essa não é a primeira vez que isso aconteceu. A mesma coisa ocorreu durante a “Rejecting Classroom”, apesar das nossas posições estarem trocadas. Naquele tempo, Mogi-san estava feliz quando finalmente aceitei sua confissão, apenas para se desesperar ao perceber que não haveria amanhã. É o mesmo tipo de futilidade.

Certo. Não importa quão confortável, esse mundo é feito de mentiras. Não importa quão feliz todos pareçam ser, é tudo mentira. Não?

Quero dizer — ela não está aqui.

Maria não está aqui.

Este mundo assume que ela não existe e se parece com um final feliz. Talvez tivéssemos terminado assim se ela nunca tivesse trago as “caixas” para as nossas vidas. Talvez a raiz de todo o mal seja “O” e a “Flawed Bliss”. Maria nos machucou ao trazer essas anomalias, essas “caixas”, para nossas vidas.

Entretanto...

— Não me importo.

Vivo apenas pelo bem da Maria.

— Kazu-kun? O que há de errado?

A situação lembra a “Rejecting Classroom”, mas tenho certeza que a Mogi-san é inocente dessa vez. Ainda assim, há mais nisso do que mera coincidência. A alma de Maria foi fortemente influenciada pelo tempo que ela passou no mundo de repetição, por isso a “Flawed Bliss” assumiu uma forma que lembra a “Rejecting Classroom”.

Seu poder é fazer a felicidade durar para sempre, mas lá no fundo, é tudo falso e dura apenas um único dia. Parece que “O” decidiu me pôr para baixo nesse mundo para me encurralar.

Uma vez que eu aceitar essa felicidade — uma vez que eu aceitar a ausência de Maria — perderei para “O” e serei aprisionado nesse mundo eternamente.

Portanto, há apenas uma resposta que posso dar a Mogi-san. Até porque, não existe um amanhã para nós.

— ...Por favor, espere até amanhã. — Me forço a dizer isso e fujo dela.

— K-Kazu-kun...?!

Ignorando seus lamentos, corro para dentro do prédio da escola e subo as escadas, pulando degraus. Finalmente chego no terraço, abro a porta e sou confrontado pela vista do pôr do sol.

— Hah... hah... hah...

Para lutar contra esse mundo de recorrência, preciso de alguma forma reter minhas memórias. Na “Rejecting Classroom”, eu era capaz disso ao experimentar algo traumático, como testemunhar Maria ou Mogi-san serem atingidas por um caminhão.

Enquanto não tenho nenhuma prova concreta, estou bastante certo de que posso alcançar o mesmo resultado fazendo algo similar. Quando decidi correr para o terraço, já tinha decidido um plano.

Vou pular do teto da escola!

Corro para a cerca a toda velocidade evitando pensar sobre a queda a seguir. Me jogo na cerca e começo a escalar, chego até o topo.

— ...Ah...

Vejo o chão abaixo.

...Serei esmagado por ele.

De repente, sou dominado pelo medo. Minhas pernas congelam. Meu cérebro imediatamente recua e começa a inventar desculpas. Suicídio é absolutamente estúpido! Volta agora mesmo para Mogi-san e aceite sua confissão. Não há razão para ser fiel apenas a Maria. Por que não aceitar um mundo onde todo mundo exceto por Maria é feliz? Pense bem, não pule, não morra, não pense, esqueça ela, esqueça ela, esqueça ela

— C..... CALA A BOCAAAAAAAAAAAAAAA!

Dou um salto por cima da cerca e mergulho no céu carmesim.

Imagino. Imagino me quebrar contra esse mundo.

Por meio segundo, uma rachadura surge através desse mundo supostamente perfeito. A escuridão que reconheço através da rachadura prova que estou certo — este mundo é falso.

Entretanto, a visão dura apenas meio segundo.

A escuridão é escondida de novo e eu caio precipitadamente pelo chão.

Sem misericórdia, sem piedade, minha cabeça esmaga contra o chão duro.

Splash.

Ao escutar meu crânio rachando e seu conteúdo sendo esmagado, minha consciência —

 

 

13.189ª vez

— sou transportado.

Em vez de ter meu cérebro espalhado ao meu redor, estou deitado no chão da sala de aula. Meus colegas estão ocupados se preparando para o festival. Me sento e ponho de lado o gravador que estou segurando.

— Ah, gh...

O que eu vi antes de morrer fez meu coração bater acelerado. Não consigo deixar de suar frio. Posso vomitar a qualquer momento. Certamente não quero passar por aquilo uma segunda vez... mas provavelmente não tenho outra escolha.

Apesar de tudo —

— Funcionou.

Consegui manter a minha memória, o que é o mínimo necessário para lutar contra esse mundo. Sem isso eu passaria o dia inteiro aproveitando o festival. Me tornaria apenas mais uma engrenagem nesse mundo sem sentido. Para prevenir isso, cometi um pseudo-suicídio.

Esfrego meus pés e descanso meus cotovelos sobre uma mesa forrada. Há muito tempo atrás, fui tomado por “O”. Não me lembro quando isso aconteceu, mas foi eras atrás. Minhas memórias daquele tempo enfraqueceram e parecem estranhas para mim, como ao ver um filme. Tenho repetido esse dia — o dia do festival escolar — por muito tempo, preso em uma ilusão de felicidade.

Não tenho ideia de quantos loops já se passaram. Só tive essa informação durante a “Rejecting Classroom” porque Maria estava contando. Já posso ter repetido esse dia mais de 10.000 vezes. Talvez eu esteja começando a fazer parte desse mundo. Não tenho como dizer.

Esqueci qual a sensação do mundo real, já não consigo diferenciar esse do verdadeiro. Me tornei ciente dos limites da verdade em um milagre. Se negligenciar minhas memórias, minhas dúvidas sobre esse mundo desaparecerão completamente. Se isso acontecer, esse feliz festival vai se repetir por milhares e milhares de vezes.

O mesmo dia vai se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e se repetir e me engolir como um chiclete que perdeu todo o seu sabor.

Como isso é diferente da morte?

— Uh... ah —

Medo.

Medo de perder meu propósito, de ter o objetivo da minha vida apagado. E mesmo esse medo iria eventualmente desaparecer.

— Gh...

Controlando minha angústia, me apresso para sair da sala. Ouço Kokone chamando por mim, mas não me importo. Tenho que por um fim a esse mundo de repetição.

 

É muito fácil fugir da escola e do seu clima festivo, mas rapidamente me deparo com uma barreira. Não sei para onde ir. Na verdade, não tenho nada que chegue pelo menos perto de ser uma pista.

Na “Rejecting Classroom”, nosso objetivo era localizar o “portador”. Entretanto, desta vez não há nem um “portador”. No máximo, poderia dizer que a própria Maria é a “portadora”, já que fui consumido por “O” — uma parte da “Flawed Bliss”. Dito isso. Maria não existe nesse mundo. Ela não pode ser encontrada.

— Mas —

Este mundo está conectado a Maria, então deve haver uma pista em algum lugar.

— Devo encontrar um fragmento de Maria!

Se conseguir encontrar um, é provável que me ajude a chegar a uma solução.

 

Corro pela cidade. Meu primeiro destino é o apartamento da Maria, o que acaba estando vazio, assim como no mundo real. Naturalmente não há nenhum aroma de pimenta a ser encontrado. Após uma busca minuciosa no quarto e descobrir que não há nenhuma pista a ser encontrada decido explorar todos os lugares que já fui com Maria.

Fui ao parque, ao game center, ao karaokê, ao shopping, hospital, parque de diversões, restaurantes e cafés onde comemos — entretanto, não encontrei um único fragmento de Maria.

Não há rastro dela neste mundo.

No fim, meus devaneios fizeram o tempo voar, um brilho vermelho cobre o céu mais uma vez.

Devo manter minha memória, e a hora em que pulei do telhado no último loop está se aproximando. Devo cometer pseudo-suicídio novamente. Não sei a hora exata em que cada dia de repetição recomeça. Minha memória poderia ser reiniciada a qualquer hora após o suicídio anterior.

Devo pular antes disso de qualquer maneira!

Desnecessário dizer, pular de má vontade para a morte é anormal e vem com um grande medo. Mas não tenho outra escolha. Na verdade, não há motivo para insistir em pular do telhado, nem a necessidade de morrer no mesmo lugar da última vez, mas meus pés me levam ao telhado novamente.

— Hoshii!

É o Haruaki. Ele vem na minha direção com uma sobrancelha erguida, empurrando uma cadeira de rodas.

— Aonde você foi Hoshii?! Você era o encarregado pela Kasumi hoje, lembra?! Você não estava empolgado para isso tanto quanto ela?! Por quê, apenas por quê...?

Ela está completamente certo de estar com raiva de mim.

— E-está tudo bem, Haruaki-kun... Tenho certeza que ele tem um bom motivo! —Mogi-san me defende.

Suas palavras são gentis, mas ela não pode esconder seu desapontamento.

Mogi-san... Adoraria desligar meu cérebro e aproveitar o festival com você. Adoraria ver seu sorriso de perto... mas não posso! Não devo me apegar ao “papel” que esse mundo me deu. Se cair nessa tentação, ficarei preso aqui eternamente. Contendo meus sentimentos pergunto:

— Vocês conhecem Maria? Maria Otonashi?

— ...Isso é hora para perguntas Hoshii...? Que diabos é essa? — Haruaki fala severamente.

— Essa pessoa tem a ver com porquê você desapareceu?

Como temia, nenhum dos dois faz ideia de quem é Maria.

— Ah... gh...!

Isso é demais para suportar. Dou as costas para eles e corro para o telhado.

Pule. Eu devo pular. Devo morrer!

O que é tão insuportável?

Eles não sabem sobre Maria. Não pude sentir um único traço de Maria neles. Mas está tudo bem — estava preparado para isso. Então por que estou tão profundamente afetado? Por que estou tão horrivelmente nervoso e estressado? Do que estou fugindo?

É porquê não senti nada. Mesmo que meus colegas devessem conhecer Maria, sua ignorância não me atinge de forma estranha. Maria parece com uma personagem fictícia de um mundo à parte. Enquanto eu, o único que se lembra da Maria, parece ser muito mais falso do que qualquer um deles.

De repente percebo algo crucial.

Maria.

Que tipo de garota você era?

 

Estou começando a me esquecer sobre a Maria... por quanto tempo estive exposto a violência do tempo para que isso acontecesse? O tempo gasto nesse estado de falsa felicidade já cresceu o suficiente para me esmagar. Se vou esquecer ainda mais sobre ela — então porque mante essa luta solitária?

— Hah...hah...hah...

Continuo correndo como se estivesse afastando minhas dúvidas e abro a porta do terraço. Um mundo escarlate salta a visão. Não tenho muito tempo restante.

Eu te amo, Kazu-kun.

Este mundo é muito sedutor. Quero ficar nele. Entretanto, afasto essa ideia.

Não vou vacilar. Não quero vacilar. Não devo vacilar. Sem me deixar espaço para duvidar. Escalo a cerca e fico sobre ela.

Pulo.

Caio e espalho o interior da minha cabeça pelo chão mais uma vez.

 

13.190ª vez

Após retornar para a sala de aula e confirmar que ainda tenho as memórias, me levanto. Entretanto, sou imediatamente atacado por uma tontura. Minha mão está tremendo enquanto a passo na testa. Os pseudo-suicídios estão seriamente afetando minha mente.

Por quanto tempo terei que suportar isso?

Balanço a cabeça para me livrar dos dilemas. Não devo mais pensar sobre eles ou estarei afundando nesses loops antes que possa perceber.

— ...Okay.

Desta vez vou investigar todos da escola. Vou andar por aí e interrogar todos associados com Maria. Sem dúvida de que vão ficar revoltados comigo por ficar vagando por aí ao invés de passear com a Mogi-san. Mas farei de qualquer forma... tenho que fazer.

 

— Há!

Olho para o céu escarlate enquanto me apoio na porta do terraço. O dia acabou sem avanço novamente. Continuei com minhas tentativas de interrogação até que fui desprezado por toda a turma por aborrecer Mogi-san, mas o resultado ainda foi um grande fracasso. Ninguém sabia sobra Maria e ninguém forneceu nenhuma pista.

— Heh, haha!

Posso apenas sorrir. Estou horrivelmente exausto. Não posso sequer andar em linha reta porque a falta de uma noite de sono está me derrubando. Quero descansar. Não quero mais pensar. Quero escapar. Quero ir ao festival junto com a Mogi-san, mesmo que só por um dia.

Mas não posso.

Não serei capaz de resistir aos loops se provar do doce sabor da felicidade mais uma vez. Então é hora de pular mais uma vez. É hora de cometer suicídio.

— ...Isso está tão errado.

Que tipo de lógica é essa? Porque devo sofrer essa dor repetidamente. Realmente vale a pena? Interrompendo a linha de pensamentos, pulo do terraço.

Splash. Minha cabeça se esparrama pelo chão novamente.

 

13.191ª vez

Mantive a minha memória, mas não tenho forças para levantar. Quero agir, mas nem meu corpo nem meu coração me escutam. Me dê apenas um raio de esperança, mesmo que seja ínfimo. Quero apenas dar um passo adiante. Forço meus membros de chumbo a se moverem e me levanto.

 

Entretanto, mais uma vez sou incapaz de obter qualquer progresso e acabo de bruços no terraço. Ninguém parece saber sobre Maria. Não há traço da sua existência.

— Uh...ghu...

Caio em lágrimas. Não quero mais me jogar do terraço. Não quero mais sofrer. Não quero mais entristecer a Mogi-san. Estou farto de tudo isso. Mas como desistir não é uma opção, me jogo de novo. Splash. Me esparramo pelo chão.

Apenas me mate de uma vez!

 

13.192ª vez

Mas minha vida continua, assim como a corrente de memórias. Mesmo minha dor sendo auto infligida, não consigo evitar expressar meu lamento me fazendo o centro das atenções.

— Mas que merda —! Amaldiçoo após chorar e enxugar as lágrimas. — Não desistirei!

Nada nesse mundo vai me fazer desistir.

 

13.201ª vez

Observo o céu escarlate do terraço da escola.

Quantas vezes já repeti o mesmo dia? Apenas dez vezes, eu acho? Não há mais nada que eu possa fazer. Simplesmente não há nenhum fragmento de Maria neste mundo para ser encontrado. Estou preso nesse loop. Não há saída.

Então o que devo fazer? Ainda devo continuar lutando? Não posso só perder minhas memórias? Não fiz o suficiente? Não mereço algum descanso?

Sou varrido por pensamentos que tentam me dominar. Eles não param. Neste ponto estou apenas pensando em abandonar meu dever. E ainda assim escalo o muro. Nem sei se isso faz sentido. Não sei se isso é a coisa certa a fazer. Mas ainda estou atado a minha obsessão: Devo trazer Maria de volta para a minha vida.

Pulo do muro.

Minha cabeça se espalha pelo chão.

Hahaha, e ainda tem algo para se espalhar?

 

13.445ª vez

A contagem já ultrapassou 250. Já morri mais de 250 vezes. Vejo a fogueira qundo olho para o terreno da escola lá embaixo. Não sou mais capaz de reconhecer qualquer significado no Oklahoma Mixer que toca ao longe.

 

Enterrei meus pensamentos um tempo atrás pois estavam entrando no caminho. Apenas em raras ocasiões como agora sou capaz de formar pensamentos com algum sentido.

E ainda assim pulo do terraço mais uma vez. A montanha dos meus cadáveres cresce um a um. Nem mesmo penso sobre a razão de estar fazendo isso.

Splash.

 

14.590ª vez

Quem é Maria?

Pulo do terraço.

Splash.

 

14.688ª vez

Cadáveres. 500 deles.

Este é um mecanismo feito por Kazuki Hoshino ao saltar para a morte.

 

14.888ª vez

— Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah...

 

15.233ª vez

—                                                                                                                         .

 

18.900ª vez

—                                                                                                                         .

 

22.000ª vez

—                                                                                                                         .

 

26.000ª vez

— 

                                                                                                                   .

 

27.500ª vez

— 

                                                                                                                   .

 

 

27.756ª vez

— Ah...? Huh?

De repente, recobro meu conhecimento de linguagem enquanto vejo o céu escarlate do terraço.

— ...Pôr do sol.

Não sei quanto tempo faz. Tendo desistido de pensar, o céu escarlate e o ato de pular para a morte se tornaram meros fenômenos sem significado para mim.

— Belo.

O fato de um comentário tão normal ter atravessado a minha mente beira o milagre. Não tenho ideia de quantas vezes experimentei o festival. Também não me lembro de nenhum evento recente. Voltei ao normal por apenas um momento.

Entretanto, provavelmente isso realmente é um milagre, e se eu deixar essa chance escapar, voltarei a ser um fenômeno sem propósito que gasta seus dias sem rumo, apenas para cometer suicídio ao pôr do sol.

Yeah... devo escolher agora. Estive cometendo suicídio para evitar ficar preso em um loop infinito, mas no fim, acabei ficando preso em um diferente tipo de loop. Estou em um beco sem saída e devo viver com isso. Devo fazer a decisão de atravessar esse loop sem sentido.

Devo parar de pular para a minha morte.

 

Devo desistir dela.

 

Estou realmente bem com isso, pergunto para o meu antigo eu. Foi ele que resolveu recuperá-la e trazê-la de volta para sua vida, mas que há muito perdeu seu vigor.

Estou bem com isso?

De forma alguma. Quero salvá-la. Ela é mais importante para mim do que qualquer outra coisa. Costumava estar pronto para sacrificar qualquer coisa, incluindo minha vida e a de todos os outros.

Mas...

Mas —

 

Qual era mesmo o nome dela?

 

Minhas últimas memórias dela foram apagadas pelas repetições desse dia. Se esse era o plano do meu inimigo, então ele foi um sucesso. O puro peso do tempo a levou da minha cabeça. Não posso mais salvá-la nem há mais razão para os meus atos. Fui derrotado em cada aspecto.

— Mas... está tudo bem, certo?

Lutei o suficiente. Não contei os dias que passaram, mas sei que é um número grande. Devo ter gasto tanto tempo aqui quanto na “Rejecting Classroom”. Se continuar essa batalha inútil, vou apenas destruir minha própria mente.

...Não, já está quebrada faz muito tempo.

O único jeito de me livrar da minha insanidade é descartar as memórias dessa batalha. Mesmo estando ciente disso, minhas pernas continuam me levando ao terraço e tentando pular do muro sempre que é dada a chance. Isso se tornou uma rotina para mim.

Só pode estar brincando! Não faça isso! Bato nas minhas coxas repetidamente na tentativa de impedir minhas pernas de se moverem. Estou no meu limite! Entenda de uma vez! Desista! Apenas após a dor fazê-las ficar inúteis, sou capaz de parar a rotina de me lançar à morte.

— Hah...hah...

Forço meu corpo a deixar o terraço, levando minhas pernas traiçoeiras comigo. Respirando pesado, cambaleio escada abaixo passo a passo.

— Vamos voltar...

Vamos pensar sobre coisas felizes.

— Vamos voltar...

Vamos pensar sobre o sorriso da Mogi-san.

— Vamos voltar... para o agradável festival escolar.

Me volto para um mundo feliz, mesmo que seja um fictício.

Abrindo a porta de entrada por dentro, entro no pátio da escola. Vejo a fogueira. Escuto Oklahoma Mixer. Faz tanto tempo desde a última vez que estive aqui. Mas se realmente retornei a esse mundo, então devo ir até Mogi-san. Devo pôr para fora as palavras que engoli até agora.

Esta é minha despedida para ela cujo nome esqueci.

No momento em faço minha decisão, minhas pernas parecem mais leves, como se uma maldição tivesse sido desfeita. Meu coração está lentamente descongelando após um longo período vazio. Ele é preenchido pelo sorriso da garota que amo.

— Kazu-kun...? — a garota murmura ao me encontrar diante do fogo e arrasta sua cadeira de rodas até mim. —O que te manteve ocupado hoje? Você parece pálido, está tudo bem?... Se estiver bem, poderia se juntar a mim e observar a fogueira? — ela diz com um sorriso gentil mas de alguma forma forçado.

Não tem como ela não estar triste. Até porque, ela realmente estava ansiosa pelo nosso dia juntos e eu quebrei a promessa.

— Me desculpe. — Eu digo.

— Eh...? N-não se preocupe, Kazu-kun! Sei que teve seus motivos...

— Me desculpe! — Repito enquanto choro e choro.

— Erm... não precisa se desculpar tanto apenas pelo que aconteceu hoje...

Não foi só hoje. Negligenciei você e esse mundo por um tempo incrivelmente longo. Devotei todo o meu tempo a ela, cujo nome esqueci, ao invés de você. Venho traindo a Mogi-san desse mundo sem parar. Mas decidi viver aqui de agora em diante. O que quer que aconteça aqui não é só um fenômeno fugaz, mas uma série de passos importantes. Não posso mais considerar como trivial qualquer coisa que aconteça nesse mundo.

Não posso mais cometer suicídio.

Eu te amo, Kazu-kun.

Não posso mais ignorar a declaração de amor da Mogi-san. Sua confissão, mesmo que vagarosamente, me afetou. Mudou meu coração, que costumava ser ocupado por ela cujo nome esqueci.

Meu amor por Mogi-san cresceu dia após dia. Assim como fez no mundo de repetições anterior.

 

Ela foi apagada pelas repetições desse mundo.

 

Enxugo minhas lágrimas e agarro os ombros delicados da Mogi-san.

— K-Kazu-kun...?

Hoje finalmente respondo a sua confissão.

 

— Kasumi Mogi, eu te amo.

 

Minhas lágrimas voltam a escorrer.

— Por favor fique comigo para sempre.

Não vou mais pedir para que ela espere até amanhã.

Mogi-san está completamente aturdida mela minha repentina confissão. Eu sei. Dessa vez Mogi-san não se confessou primeiro; minha declaração deve ter vindo do nada. Independente disso, ela abre um sorriso.

— Obrigado.

Ela mostra seu sorriso de girassol que tanto amo.

— Também quero estar com você para sempre!

 

Damos as mãos e começamos a dançar um simples Mayim Mayim². Não podemos propriamente dançar por causa da sua cadeira de rodas, mas estou satisfeito de qualquer forma. Estou definitivamente feliz agora.

De agora em diante viverei nesse inútil mundo de repetição. Algumas pessoas podem considerar isso um final ruim, mas estou perfeitamente feliz com isso. Quero dizer, o que poderia ser mais maravilhoso do que experimentar amor mútuo por toda a eternidade?

Nada, absolutamente nada.

— Haha.

Estou feliz.

— Hahahahahaha.

— Hahahahahahahaha.

— Hahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahah.

— Hahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha hahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahah.

E então, minha longa e longa luta finalmente veio ao fim.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Se isso pelo menos fosse verdade.


Notas:

1 – Oklahoma Mixer é uma canção popular bastante conhecida do século 19. Uma dança com base nessa música normalmente é ensinada nas escolas japonesas.

2 – Dança popular de Israel, é acompanhada por uma música de mesmo nome.



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