Volume 2

01. Maio

(Sexta-feira)

 

01. Maio (Sexta-feira) 08:14

Kokone ignorou o meu indiferente “Bom dia”.

Embora ela se intrometa arbitrariamente em minhas conversas, hoje ela está estranhamente distante, em vez disso foi conversar com nossos outros colegas. Ao mesmo tempo, de vez em quando ela olha para mim disfarçadamente, com uma expressão levemente assustada.

Não sei qual a razão. Não faço ideia do porquê ela de repente começar a agir assim. Como não estou no clima para ficar conversando alegremente com outros amigos com as coisas desse jeito, tento me isolar comendo um Umaibō de queijo.

— Você fez alguma coisa com a Kiri?

Como esperado de Daiya. Ele ignora completamente os sinais sutis e me pergunta diretamente.

—...Não faço ideia do que está errado.

— Entendo... Ok, me deixa dizer uma coisa boa.

— Algo bom?

Será que ele sabe por que a Kokone está agindo estranho?

— Sabe, quando Kiri teve seu primeiro teste no ensino médio, ela estava tão ansiosa para obter boas notas que acabou estudando durante toda a noite na véspera do exame. Por causa disso, ela dormiu no terceiro teste. Não teria problema se ela dormisse silenciosamente, mas não foi o que aconteceu. Ela começou a falar enquanto dormia naquela sala em silêncio. Se bem me lembro, estava dizendo algo como “Essa roupa é muito apertada, ela não cabe em mim...“

— Daiya ... Que diabos você está falando?

— Mm? Sobre seu ponto fraco, é claro. É preciso muito para ela não gostar de alguém, então agora é a sua chance de mostrar seu lado ruim e tirar ela da sua vida. Se você a lembrar dessa história agora, estará fora de jogo!

— Uhm, por que eu iria querer isso..? Além disso, essa história não é bonita?

— Não, este é o ponto onde ela deixa de ser bonita e começa a ficar engraçada. Vou te contar A Lenda da Baba da Kokone!

Como senti que ia vir algo ruim, tapo meus ouvidos silenciosamente, mas Daiya agarra meus braços.

— Pare, já ouvi o suficiente!

— Não, esquece a história por enquanto — olha lá!

Olho na direção que Daiya está apontando. Otonashi-san e um estudante estão envolvidos em uma conversa. Os dois parecem bastante sérios.

O estudante intelectual, usando óculos de armação negra em seus longos olhos afiados é o presidente do conselho estudantil, Ryuu Miyazaki. Diferente de Daiya, que foi eleito para a posição só por suas boas notas, ele faz seu trabalho ciente das responsabilidades. Sendo um estudante exemplar sem ser rígido demais, é popular como um presidente confiável.

Relutantemente, me aproximo deles. Para ser honesto, tenho problemas para lidar com a atitude autoconfiante de Miyazaki-kun.

—...O que está errado?

Pergunto e eles se viram para me encarar.

— Oh, Kazuki. Esse cara me parou quando eu ia entrar na sala.

— Claro! O que há de errado com você, quer entrar despreocupadamente na sala de seus senpais? Não é nem a hora do almoço!

Agora que ele menciona, Otonashi-san não costuma vir aqui, exceto durante o intervalo do almoço. Talvez seja porque ela pelo menos finge que se importa com as regras da escola, em vez de ignorá-las completamente.

— Aposto que você pretende arrastar Hoshino para algum outro lugar de novo, não é?

— O que faço com Kazuki não é da sua conta.

— Mas o fato é que eu sou o presidente do conselho aqui, quer você goste ou não. Isso significa que tenho que manter um olho em meus colegas, entendeu? O primeiro período está prestes a começar. Se você o levar agora, ele não terá condições de voltar a tempo.

— Não poderia me importar menos. Temos algo muito mais importante para falar.

Por um segundo não sei ao que ela está se referindo, mas pensando bem, só há uma coisa que vem à mente. Tem que ser sobre a ‘caixa’. Isso é uma tarefa de grande importância para mim também.

— Um... Sinto muito, Miyazaki-kun, mas vou com ela.

Falo, forçando-o a me encarar. Reflexivamente dou um passo para trás, intimidado por seu olhar penetrante.

— Então, você escuta tudo que ela fala?

— N-não é isso.

— Com certeza você é um covarde, não é? Já pensou pensar por si mesmo em vez de ser ordenado por uma garota?

— Ei, cuidado com o que fala. É como se estivesse dizendo que Kazuki não tem vontade própria.

Interrompe Otonashi-san. Miyazaki-kun sorri em resposta.

— Ah, por favor, me perdoe. Você se ofendeu por que eu insultei o seu amor? Ah, ou isso te incomoda porque eu entendo que Hoshino está sendo controlado pelo seu egoísmo?

— Miyazaki―

Otonashi-san o encara friamente. Ele ri.

— O quê? Se você quer reclam――

Você age como se tivesse um objetivo.

As palavras de Otonashi-san calaram Miyazaki-kun.

— Sua posição como presidente é um motivo muito fraco para interferir nos nossos assuntos. Por que assim, de repente, se você nunca demonstrou interesse até agora? O que está planejando, nos abordando de forma tão forçada? É uma tentativa de encontrar uma desculpa que te permita se intrometer entre a gente de agora em diante?

—...Não sei do que você está falando.

— Tudo bem então. Seu comportamento chamou minha atenção porque sou muito sensível ao que acontece ao meu redor atualmente. Nunca se é cuidadoso demais, e se apenas entendi errado, isso deve te manter avisado para se afastar um pouco.

Assisti a disputa verbal com admiração muda. Por que ela está falando assim de repente?

— Kazuki, vamos.

Otonashi-san agarra a minha mão.

— Ah sim...

Miyazaki-kun olha para o meu braço com uma cara um pouco tensa. De fato, sua abordagem foi um pouco mais agressiva do que o normal.

Enquanto sou arrastado para fora da sala nos deparamos com Haruaki e Asami-san. Haruaki está voltando do banheiro e Asami-san começa a perseguir Otonashi-san.

— Oh, o que é que há Hoshii? Fugindo?

—...Fugindo...

Ao ouvir a observação desnecessária de Haruaki, o olhar de Asami-san fixa em nossas mãos unidas. Ela, então, levanta um pouco o olhar e me encara com os olhos apertados. ...Estou assustado.

— Oh, o que há de errado Rikochii? Você está agindo estranha hoje.

Ela continua olhando para mim sem se incomodar com esse apelido, o que ela normalmente faria.

— A-Asami-san vem agindo um pouco estranho desde ontem... certo Haruaki?

— Mm? Sério?

Haruaki, o quão cabeça de vento você é para esquecer o que aconteceu ontem?

—...Maria-san――

— Desculpe, mas estamos com pressa.

Otonashi-san fala para Asami-san, olha rapidamente para ela, e se vira. Chocada com a atitude de Otonashi-san, Asami-san baixa os olhos e murmura...

—.....Se pelo menos a escola recebesse spam com comentários difamatórios e imagens humilhantes que arruinassem completamente a dignidade de Kazuki Hoshino...

A atitude de Otonashi-san nem sequer é culpa minha!

 

01. Maio (Sexta-feira) 08:31

Assim como ontem, estamos atrás do prédio da escola de novo.

— Você sabe do que isso se trata, certo?

Engulo em seco e aceno enquanto ela se encosta na parede. Suponho que ela tenha informação nova sobre a ‘caixa’ que está em uso atualmente.

— Há inúmeras coisas que quero te perguntar.

— Okay.

— Por que nós estamos sempre juntos assim como agora?

— Por quê? ...bom, porque estar ao meu lado é conveniente para você, não é? Já que é mais provável que encontre ‘O’ dessa forma.

— ...Exatamente.

Pensei que essa fosse uma resposta livre de problemas, mas Otonashi-san franziu as sobrancelhas.

— Espera, então você está ciente da posição em que está e não teve a ideia errada, certo?

—...Do que você está falando?

— É que ―― entenda... não, deixa para lá. Claro que você não diria uma coisa dessas sem ter certeza sobre o que está sentindo. Te devo uma resposta sincera. Só queria me livrar disso. Kazuki, eu ――

— Espera um segundo!

Rapidamente interrompi, fazendo-a gritar.

— Por que você me interrompeu?!

— D-Desculpe... mas o que é que você está querendo falar? Não estamos falando sobre a ‘caixa’?

— Sobre a ‘caixa’...? O que você está falando? Claro, a caixa é importante, mas não é óbvio que te trouxe aqui por causa da ligação que você me fez ontem?

— Minha ligação?

— Sim, ontem ――

Ela para no meio da frase, com os olhos totalmente abertos e a respiração presa.

—...Entendo. Esse email ... Não, de jeito nenhum ...Passei tanto tempo junto com Kazuki, mesmo através de um celular, isso não devia acontecer...

— Otonashi-san...?

— Kazuki, vou verificar uma coisa agora”, disse em voz alta e clara. E então começa a murmurar. “Você... se declarou pelo celular ontem, certo?

Declarar? O que ela quer dizer com declarar, pedir em namoro?

— Você também me disse que você iria se declarar novamente frente a frente no dia seguinte, em outras palavras, hoje.

— Eu... eu não faria.

— Certo, você não faria isso, agora que penso, é verdade...

— Claro que não! O-o que fez você pensar que eu disse algo assim...?

— Bem, dê uma olhada no seu telefone celular.

Ela sugere calma. Aceno, tiro meu celular e verifico meu histórico de chamadas. O nome que encontro no topo da lista é o seguinte:

« Maria Otonashi »

A chamada foi feita supostamente no dia 1º de maio, às 01h49. Isso é impossível. Estava dormindo naquela hora, não me lembro de ter ligado para Otonashi-san.

— Ontem, não, precisamente falando, hoje, às duas horas da manhã, você irritantemente me despertou do sono, ligando e se declarando para mim. É assim que entendo o que aconteceu.

De jeito nenhum faria isso. Mas, por outro lado, Otonashi-san não faria algo assim só para me provocar.

No entanto, não fui eu que liguei.

— Poderia ser uma brincadeira de alguém? Apesar de não saber como ele fez isso...

— Uma brincadeira... hein? Está sugerindo que alguém usou seu celular e se declarou por palhaçada ou algo assim?

Pode parecer irracional, mas é a única coisa que consigo pensar. Mas antes que eu afirmasse...

Com a voz exatamente igual a sua?

— ..Hã?” Otonashi-san continua enquanto abro minha boca sem pensar como um idiota.

— A menos que você tenha um irmão gêmeo do qual foi separado ao nascer, posso te afirmar uma coisa, Kazuki. Não havia dúvida de que era a sua voz.

— V-você só ouviu errado! Você confundiu porque a ligação veio do meu número... provavelmente ...

— Kazuki. Passei uma vida inteira junto com você. Nunca iria confundir sua voz com outra pessoa.

Ela me olha com absoluta convicção. Também não acho que ela me confundiu com qualquer um. Mas isso significa que sou o único suspeito? Não, isso é absurdo. Otonashi-san está convencida de que era a minha voz, mas estou convencido de que não me declarei. Mas é fato que liguei para ela.

— Isso não faz sentido...

— Sim, é contraditório. Absurdo. No entanto ――

Certo. Uma contradição como essa não poderia ocorrer normalmente. O que significa..

 

— Estamos lidando com uma ‘caixa’.

Por reflexo pressiono meu punho contra o peito, que pulsa com medo, embora ainda esteja perdido sobre o que está acontecendo.

Temos que nos apressar e preparar uma contramedida. O ‘portador’ obviamente nos tem como alvo, e tem más intenções.

— O que posso fazer...?

— Me deixa pensar... Preciso de algum tempo para ordenar as coisas. Por enquanto, apenas certifique que estará pronto. Vou decidir como vamos agir.

Concordo com a cabeça em silêncio.

— Paramos por aqui. Vou voltar para sala.

Com estas palavras, ela se vira e vai embora.

 

01. Maio (Sexta-feira) 09:32

Volto para a classe após o fim do primeiro período, só para descobrir Kokone de pé ao lado da porta em uma pose assustadora. Ela está de cara feia para mim, por algum motivo, o rosto ligeiramente vermelho. Talvez esteja com raiva?

—......Estive te esperando...

— Hã?

— Estive esperando você se aproximar de mim!

Reclama em voz alta.

— Mas você pensou que poderia simplesmente faltar o primeiro período junto com ela! Quer dizer, que diabos! Não entendo! Suas ações não fazem sentido, Kazu-kun!

Da minha perspectiva, Kokone ficando tão excitada é que não faz sentido, mas era melhor ficar quieto agora. Aparentemente irritada com meu silêncio, ela dá um empurrão no meu peito e me pressiona contra a parede, resmungando o tempo todo.

— Um... Sinto muito.

— Porque está se desculpando?!

— Huh?... D-Desculpe.

— Não, é sério, por que está se desculpando?!

Kokone chega cada vez mais perto, enquanto tento lidar com minha confusão sem esperança.

— Você quer se desculpar?! Fingir que nunca aconteceu?! Não é cruel?! B-bem ... até que faria minha vida muito mais fácil, mas...

— E-espere... do que você está falando?

Estamos falando sobre coisas diferentes, como Otonashi-san e eu fizemos antes.

...Eh? Espere um segundo. Isso significa que ――

— O que você não entende, mm? Porque...! V-Você sabe... porque...

Seu rosto cora ainda mais, fica vermelha até as orelhas. Se meu palpite estiver certo, então não quero ouvir sobre isso. No entanto, Kokone sussurra a resposta em meu ouvido depois de confirmar que não há ninguém por perto.

— Estou falando dessa ――  ligação ontem quando se declarou para mim.

O que...? Me declarei? Estou sem palavras. Kokone olha para mim com olhos arregalados.

— Um, você sabe... eu...

Ela timidamente olha para o chão, provavelmente interpretando meu silêncio de forma errada. Pensa sobre o que dizer por um tempo, mas finalmente começa a falar.

— Sinto muito... Eu... Eu realmente não sei como devo responder ... Quer dizer... eu pensava em você como um amigo, e tinha certeza de que era assim que você se sentia também... Além disso... não que importe... mas há Daiya...

Ela aperta os punhos para criar coragem e olha para mim.

—...Me dá algum tempo. Não sei quando posso te dar uma resposta, mas me dê algum tempo... Desculpe.

Sua tristeza é tão transparente em seu rosto que meu coração começa a doer. Quero gritar e dizer que não era eu, mas não adianta falar isso para ela. Só um tolo agiria sem pensar.

Interpretando errado minha expressão dolorosa, Kokone fez uma expressão tão triste quanto a minha, se vira, e volta para a sala.

Quando ela some de vista, murmuro:

— Também penso em você como uma amiga!

Aperto meu punho. De repente, um certo pensamento me ocorre. Tiro meu celular e examino meu histórico de chamadas. ...Por que não notei mais cedo? 01 de maio, 01h29.

« Kokone Kirino » é listada logo abaixo « Maria Otonashi ».

 

01. Maio (Sexta-feira) 11:00

Bem, então, vamos ver como vão as coisas.

 

01. Maio (Sexta-feira) 12:00

A primeira coisa que ouço é o som de uma menina chorando. O rosto de Daiya está bem na minha frente. Não sei o que está acontecendo.

O quê?

Nos seus olhos apenas fria hostilidade. Para quem? Para mim, é claro, porque sou o único refletido em seus olhos. Em outras palavras, ele olha para mim como inimigo.

De repente, uma onda de dor me atravessa. Minha boca, meu rosto ferido, assim como os meus pulsos. Daiya está em cima de mim, me agarrando com força pelos pulsos.

Finalmente consegui compreender a situação em que estou.

Estou na sala de música. É o terceiro período, então deveria estar na aula de história agora, mas por alguma razão estou na sala de música, que é onde a minha quarta aula é realizada. Há sangue na gola do meu uniforme. Sangue de quem? ...Provavelmente é meu. Sinto gosto de ferro na boca. Daiya deve ter me acertado.

O que aconteceu... o que aconteceu aqui?!

Daiya ... o que —

Cala a boca, Kazu. Mais uma palavra e juro que quebro a sua cara.

A hostilidade de Daiya é real. O tom claro da sua voz prova que ele não está brincando, provavelmente vai recorrer à violência se eu fizer algo desnecessário.

Que pesadelo é esse? Mas se isso fosse um pesadelo, meu corpo não doeria tanto. Isso é real. O choro ainda não parou... quem está chorando, afinal? Viro a cabeça na direção dos sons. Kokone Kirino está chorando.

A primeira sensação que tenho é a compreensão. Entendo, é por isso que ela não parou Daiya antes que as coisas chegassem a esse ponto. A segunda sensação é espanto. Por que Kokone está chorando?

A próxima sensação que se espalha é horror.

Por favor, não.

Ok: Kokone está chorando e Daiya foi completamente fora de si. Então, quem a fez chorar? Quem o fez ter raiva? Estou na sala de música, por isso já deve ser quarto período. Não me lembro de nada que aconteceu durante o terceiro. No entanto, estou aqui. Em um lugar diferente de antes. Em outras palavras ――

Me movi inconscientemente?

Como quando enviei sem aviso um email me declarando para Otonashi-san. Como quando eu, sem saber, me declarei à Kokone e destrui nosso relacionamento.

E se, sem saber, machuquei Kokone e provoquei a ira de Daiya?

Já é o suficiente, Daiyan.

Haruaki fala enquanto coloca a mão no ombro de Daiya.

É o bastante?

Isso significa que eu merecia ser derrubado e espancado?

Daiya joga minhas mãos contra o chão me soltando. Lentamente se levanta, seu olhar penetrante ainda fixo em mim. Então, para terminar ――

Ugh!

Ele pisa no meu estômago com toda sua força e vira as costas.

Me contorço de dor e então vejo as faces ao meu redor. Todos os meus colegas, o professor de música, e até mesmo Haruaki, olham para mim como se eu tivesse feito algo incompreensível. Kokone pressiona o rosto contra o peito de Daiya e chora ainda mais alto.

Tento levantar, mas é difícil por causa da dor. Ninguém se preocupa em me dar uma mão. É como se me ajoelhasse diante deles.

Por que eu tenho que suportar isso? Por que todos parecem pensar que mereci isso? Não sei o que aconteceu, mas sei a causa.

É uma ‘caixa’.

Certo, não é culpa minha, é culpa da ‘caixa’. Não fiz nada de errado! Então, por que tenho que passar por isso?! Me levanto sem ajuda. Mesmo sendo o centro das atenções, ninguém se aproxima de mim.

Sei perfeitamente bem que ninguém vai entender o que realmente aconteceu. Portanto, ninguém se aproxima de mim, ninguém fala. Ninguém. Nem Daiya, nem Kokone, nem mesmo Haruaki. Ninguém. Ninguém. Ninguém, ninguém sem um ――

 

Kazuki, você está bem?

 

Ninguém além dela.

Sorrio. Seu surgimento no meio da aula deixa todos espantados, mas não estou nem um pouco surpreso.

...Maria.

Como ela ouve seu nome verdadeiro escapar dos meus lábios, seus olhos se arregalaram por um momento, mas imediatamente recupera sua serenidade habitual e corre para o meu lado.

Ignorando todos que não se moviam, ela parou na minha frente, chegou tão perto do meu rosto que pude ver seus cílios detalhadamente. Gentilmente ela toca minha bochecha inchada.

Antes de mais nada, vamos cuidar desses ferimentos. Vem comigo para a enfermaria.

...Ok.

Ela vai embora e eu a sigo. Ninguém chama por nós. No momento que saio da sala, o choro fica ainda mais alto. Pelo menos é o que parece.

 

01. Maio (Sexta-feira) 12:17

Ninguém na enfermaria.

Vendo isso, Otonashi-san examina minhas feridas. Ela pega os medicamentos de uma prateleira e começa a tratar minha ferida com movimentos hábeis.

Com certeza não esperava me deparar com uma cena tão desastrosa quando decidi compartilhar minhas ideias sobre a ‘caixa’ com você... O que aconteceu?

Pergunta enquanto desinfecciona minha ferida.

Eu que queria saber, na verdade.

Você não se lembra?

Aceno. Por alguma razão, ela solta um suspiro terrivelmente irritado.

É sempre a mesma coisa com você desde a ‘Rejecting Classroom’. Está ficando velho, sabe?

Não é como quisesse perder minhas memórias...

Só estou brincando, claro.

Explica enquanto põe gaze no meu rosto.

A primeira coisa que vi foi Oomine pisando em você. Se lembra o que aconteceu antes disso?

...Ele já estava em cima de mim quando recuperei a consciência.

Então você não tem a menor ideia por que ele bateu em você?

Mm, não sei.

Depois de me ouvir, ela cruza os braços e pondera a questão.

Kazuki, você está com seu celular agora?

Meu celular? Deve estar dentro no bolso da calça...

Pode haver algum tipo de registro deixado para trás. Tenta procurar.

Rapidamente pego o celular e começo a procurar. Chamadas recebidas, chamadas feitas, caixa de entrada, caixa de saída; nenhum deles parece ter mudado. Abro a pasta de dados.

« Pasta de Voz »

Tenho uma pasta de Voz? Abro.

Há um item com um nome de 12 dígitos. Acho que são os números de referência para a hora da criação do arquivo. Se não foi editado, este arquivo foi criado em 01 de maio, por volta de 02:00, em outras palavras, na madrugada de hoje.

Abro o arquivo e pressiono o celular no ouvido. Uma voz começa a falar.

 

« Bom dia Kazuki Hoshino-kun. Ou devo dizer, boa noite mesmo? »

 

O que...?

Sem querer interrompo a reprodução do arquivo. Porque é que existe uma gravação de um cara desconhecido no meu telefone? Por que esse cara está falando comigo?

O que foi Kazuki? Encontrou alguma coisa útil?

Incapaz de responder, meus dedos tremem e pressionam o botão play mais uma vez.

« Bem, acho que não importa, você não se preocupa com esses detalhes, não é? O que você importa é quem eu sou, certo? Ah, só para confirmar, você sabe sobre as ‘caixas’, certo? Ouviu falar sobre eles a partir de ‘O’, certo? não há necessidade de repetir essa explicação, não é? »

Ele sabe sobre as ‘caixas’, e sabe sobre ‘O’? Significa que ele é o ‘portador’?

« Deve ter notado que seu cotidiano está começando a desmoronar. Legal, não é? Afinal de contas, é isso que quero. Mas por quê? Porque eu quero te destruir, Kazuki Hoshino. »

O contraste entre o tom casual da voz dele e que está dizendo faz com que meu coração dispare.

« Vou te destruir. Destruir tudo o que você valoriza. Com minha ‘caixa’ posso roubar tudo de você. Vai ser fácil! Afinal ―― »

A voz é cortada. Não, não é isso. Apenas deixei cair meu celular.

Kazuki...?! Você está bem? O que diabos você ouviu?

Ah ――

Apenas experimentei a clara hostilidade de alguém que obteve o pior e mais poderosa arma, uma ‘caixa’, e vai tentar destruir minha vida. Otonashi-san pega meu celular e abre o arquivo de voz.

Isto é !

Ela levanta uma sobrancelha quando escuta atentamente à mensagem. Depois de um tempo, devolve o celular fechado sem dizer uma palavra, cruza os braços e se perde em pensamentos.

Kazuki

Ela finalmente diz em uma voz assustadoramente clara.

— Estive remoendo este assunto desde o que aconteceu esta manhã. tinha criado algumas ideias vagas sobre como agir, mas não pude chegar a uma conclusão. Mas agora que ouvi essa gravação, me resolvi. Otonashi-san olha diretamente para mim.

 

Não vou mais confiar em você.

 

— .... Hã?

Abro a boca como um idiota, incapaz de acompanhar.

Você já notou que esta caixa está focada diretamente em você, não é? Para piorar a situação, você já caiu nas mãos do ‘portador’. Por isso, não posso confiar em você.

Repito essas palavras na minha cabeça. Ela não pode confiar em mim?

P-Por quê? Eu nunca iria traí-la!

Certo, você não iria. Se você for o Kazuki Hoshino.

Hã?

Mas você é realmente Kazuki Hoshino? Talvez você seja o ‘portador’?

V-você não está sendo clara, Otonashi-san. O ‘portador’ é cara que gravou essa mensagem, não?

...Você não terminou de ouvir a gravação? Não... mesmo que tenha parado de ouvir no meio do caminho, deve ter pelo menos reconhecido a voz.

Otonashi-san, você descobriu sua identidade? Já sabe quem é o ‘portador’? Você o conhece?

...Bem, acho que é natural que não reconheça a voz. Afinal, você nunca ouviu a voz dessa maneira, e a maneira como fala também é totalmente diferente.

Ela murmura em vez de responder às minhas perguntas. Então vira as costas para mim e começa a deixar a enfermaria.

E-espere! Pelo me diz que quem é a voz!

Ela para. Mas ela não se vira.

Kazuki, tente ouvir mais uma vez a mensagem quando recuperar a compostura.

Ao dizer isso, se afasta. Atordoado por sua rejeição absoluta, sou incapaz de chamá-la. Otonashi-san me deixou aqui sozinho.

Enquanto ouço a voz, que é desconhecida para mim mesmo que a escute o tempo todo, finalmente entender o que está acontecendo.

Hahaha...

Não posso deixar de rir. Justo. É natural que ela não possa confiar em mim agora.

Merda...

Então ...Então, o que devo fazer agora ...?!

« Vai ser fácil! Afinal- »

Finalmente ouço o final da mensagem.

« ―― estamos compartilhando o mesmo corpo. »

É a minha própria voz.

 

01. Maio (Sexta-feira) 13:00

Acho que ficarei quieto por agora.

 

01. Maio (Sexta-feira) 14:00

De repente, minha consciência é cortada para ser restaurada momentos depois.

Estou sentado na minha cadeira. Ainda devia ser a pausa para o almoço, mas subitamente estou aqui.

Olho as horas, são 14:00, então quinto período está prestes a terminar.

Rapidamente olho ao redor da sala. Os lugares de Kokone e Daiya estão vazios, talvez tenham ido embora mais cedo enquanto os outros estão mais ou menos concentrados na aula. Parece que está tudo bem por enquanto. Na minha mesa encontro meu livro, caderno e bloco de notas. Nada foi anotado.

Não há dúvidas sobre isso.

Há dois humanos neste corpo. Além do [eu] há [outro eu] que não posso perceber.

O sinal toca.

O intervalo começa, mas por causa do que aconteceu na sala de música, ninguém se aproxima de mim. Em vez disso, as pessoas lançam olhares curiosos de longe.

Essa situação deve ter sido deliberadamente criada pelo meu [outro eu]. Afinal de contas, ele disse que quer [me] destruir ―― isto é um dos seus ataques.

Desabo sobre a minha mesa.

O que devo fazer sobre o [outro eu], agora que até mesmo Otonashi-san me abandonou?

Hoshii.

Alguém está chamando meu nome, então levanto a cabeça em resposta.

A expressão em seu rosto é totalmente diferente do seu habitual estado alegre. Com uma cara séria, Haruaki me pergunta:

Por que você fez isso com a Kokone?

Mantenho minha boca fechada. Não posso responder, afinal, nem mesmo sei ao que ele está se referindo.

Sabe... Não acho que você diria assim sem uma razão, Hoshii, então tenho certeza que há uma. Provavelmente sou denso demais para descobrir. Mas se você não explicar, vou continuar sem saber! Então por que você não me saber o que está acontecendo?

Visivelmente desconfortável, ele continua.

Caso contrário, não posso te apoiar, honestamente falando.

Suas palavras deixar uma coisa clara para mim:

Haruaki é a última linha de defesa do meu cotidiano.

Será que ele acreditaria se dissesse que estava sendo controlado por [outro eu]? ...Ele poderia. Mas ――

Não posso te dizer. Não posso te dizer agora.

Ainda não cheguei a um consenso sobre a situação com a qual me encontro, não seria capaz dar uma explicação satisfatória o suficiente para convencê-lo.

Mas direi em breve!

Digo enquanto olho diretamente em seus olhos, tentando transmitir a minha sinceridade.

Ok, entendi. Vou esperar.

Responde e se afasta silenciosamente. Ele realmente queria expressar sua insatisfação, mas se conteve de alguma forma.

Haruaki disse que ia esperar, não posso falar com ele até que chegue o momento apropriado. Vou perdê-lo se falar sem pensar.

E uma vez que perder Haruaki, não vou serei capaz de manter minha vida diária.

...Sim, sei o que tenho que fazer agora. Tenho que saber mais sobre esta ‘caixa’ e meu [outro eu] o mais rápido possível.

Mas como? Nem sequer sei como me comunicar com ele.

...... Ah.

Como soube de sua existência? Porque ele me deixou uma mensagem.

Vou para o corredor fora da sala e pego meu celular, estou enviando uma mensagem para o meu [outro eu], usando o gravador de voz.

É claro que não sei se ele vai responder, mas ainda vale a pena tentar.

Prazer em te conhecer, ou já nos conhecemos, meu [outro eu]?

Começo a gravar.

Agora entendo que nós compartilhamos mesmo corpo, mas ainda estou confuso. Quero que você me diga mais sobre esta ‘caixa’. E quero que você diga quem é.

Será que ele vai me responder se perguntar tão diretamente? Afinal de contas, ele é alguém que está tentando me destruir.

Vou tentar provocá-lo um pouco.

Ah, mas não me importo se responder ou não. Meu comportamento não vai mudar não importa o que me diga. Não poderia me importar menos, mesmo se você tenha todos os motivos do mundo para me detestar, o mais nobre objetivo, ou um passado que mereça piedade.

Estou surpreso com a hostilidade das palavras que surgem naturalmente da minha boca. Mas sinto que estou dizendo o que tem de ser dito.

Não vou permitir sua existência.

Tenho que transmitir minha determinação.

Não posso permitir isso, posso? De jeito. Me deixar ser roubado por outro alguém.

Minhas pernas estão tremendo e estou encostado a uma parede antes que possa perceber. Isso provavelmente é porque meu corpo está profundamente perturbado pela primeira ver que sinto hostilidade por alguém em toda a minha vida.

Fecho meu celular e respiro profundamente.

Vou esmagar meu [outro eu].

Não importa qual seja a situação, não vou permitir sua existência.

 

01. Maio (Sexta-feira) 15:34

Encontro um arquivo de voz gravado por Kazuki Hoshino.

 

01. Maio (Sexta-feira) 16:00

Bem diante dos meus olhos está o rosto de uma estudante desconhecida. Surpreso, solto a alça que estava segurando e caio. As pessoas ao redor riem enquanto tento ignorá-los para analisar a situação.

Uma alça? Estou em um trem?

A razão é óbvia, meu corpo foi controlado pelo [outro eu] novamente.

De imediato, pego meu celular e descubro um novo arquivo de voz.

Pressiono o play.

« Entendo, esta é uma maneira muito útil para se comunicar. Estava apenas começando a pensar que uma conversa unilateral seria chata! Bem, me deixe responder às suas perguntas, »

O intruso diz com minha própria voz.

« Quando recebi esta ‘caixa’, decidi fazer um certo desejo: me tornar Kazuki Hoshino. »

Prendo a respiração.

« Bem, aqui estou eu, controlando seu corpo... mas olha, você não acha que meu desejo é de alguma forma falho, uma vez que meu controle é apenas temporário e só posso roubar um pouco do seu tempo? Não se preocupe, é apenas temporário. Eu tomarei controle completamente após uma semana usando a ‘caixa’. Quando chegar 06 de maio, o último dia da Golden Week, sua alma vai deixar seu corpo, restando apenas a minha. »

Tenho pouco mais que quatro dias para destruir sua ‘caixa’.

« Isso deve ser suficiente para te dar uma ideia da situação em que está. Bem, então você perguntou quem eu sou, não é? Haha, essa é uma pergunta difícil. Quem sou eu? Para ser honesto, não me conheço realmente! Quer dizer, eu sou Kazuki Hoshino, não? Mas é isso que você quer ouvir, é? Para simplificar, vou criar um apelido para nos diferenciar. Pode me chamar ―― »

Ele fala com a minha voz.

« ―― [Ishihara Yuuhei]. »

Gravo esse nome desconhecido em minha memória.

« Ok, acho que vou concluir com alguns comentários, você disse que não permitiria minha existência. Me desculpe, mas caí em gargalhadas depois de ouvir isso, o que você pode fazer sobre mim? Gravar sua voz no celular? Se importa de explicar o que você pretende fazer? »

[Ishihara Yuuhei] ri terrivelmente usando minha voz.

« Você realmente é lamentável, então me deixa de dizer uma maneira de se livrar de mim. Mais da metade de Kazuki Hoshino é meu. Então é simples »

Ele fala.

« ―― apenas cometa suicídio. »

Mais uma vez, sua risada insuportável ressoa através do celular. Luto desesperadamente contra o desejo de pressionar o botão stop antes de ouvir o resto da sua mensagem.

A voz se acalma e ouço suas palavras finais.

« Oh, mais uma coisa, caso você não tenha notado, um de seus amigos te enviou um email! »

Um amigo...?

Engulo em seco e abro a caixa de entrada. O nome Usui Haruaki é exibido.

Não me lembro de abri-lo, mas a mensagem já está marcada como lida.

O que ――

O que ele fez com Haruaki ?!

Respiro profundamente. Ainda incapaz de me acalmar, mordo meus lábios. Não quero admitir isso, mas minhas mãos estão tremendo.

Abro o email.

« Por favor, não fale comigo por um tempo. »

Aah ――

A última linha de defesa do meu cotidiano desmoronou.

 

01. Maio (Sexta-feira) 23:22

Estou tendo um sonho.

O mesmo sonho que já tive muitas vezes.

 

 

 



Comentários