Volume Único

Capítulo 3: 5 Centímetros por Segundo

Naquela noite, ela teve um sonho.

Um sonho de muito tempo atrás. Tanto ela quanto ele ainda eram apenas crianças. Era uma noite tranquila, quando a neve estava caindo em silêncio, cobrindo os campos, as luzes das casas espalhadas ao longe e seus passos frescos na neve recém caída.

Lá, uma única cerejeira gigante permanecia em pé. Estava mais escuro do que a noite, como se um buraco profundo tivesse se aberto de repente. Os dois estavam lá. Enquanto olhavam para os galhos, a neve caindo, ela pensou na vida que levaria no futuro.

Ela estava decidida e aceitou o fato de que o rapaz que ela amava, que a tinha apoiado todo esse tempo, logo desapareceria. Apenas algumas semanas atrás, ela recebeu uma carta dele dizendo que estava mudando de escola e estava pensando várias e várias vezes o que isso significava.

A solidão e a preocupação a abraçaram como se estivesse olhando para um buraco negro sem fundo, pensando que o menino que estava com ela perderia toda a sua bondade. Ela pensou que ela tinha enterrado esses sentimentos por ele há muito tempo, mas ela continuava a sonhar. Os sentimentos ainda estavam frescos como se tudo tivesse acontecido ontem. Se pelo menos a neve fosse realmente flores de cerejeira.

Se ao menos fosse primavera. Então o inverno teria passado. Eles estariam vivendo na mesma cidade, vendo as flores juntos novamente, enquanto seguiam o mesmo caminho para casa. Se pelo menos tivesse acontecido.

 

Uma noite, ele se sentou em seu quarto lendo um livro.

Mais cedo, ele estava deitado na cama, mas não conseguia dormir e então decidiu pegar algo da pilha de livros e começou a ler com uma cerveja na mão.

Era uma noite fria e tranquila. Ele ligou a TV em vez do rádio e deixou no volume baixo. Estava passando um filme. As cortinas estavam meio abertas e inúmeras luzes podiam ser vistas através da queda da neve. Começou a nevar pouco depois do horário do almoço, mas se transformava em chuva de vez em quando, depois voltava a ser neve. Foi só depois do pôr do sol que os flocos de neve cresceram e ele realmente começou a nevar.

Ele desligou a TV como se estivesse o distraindo. Tudo estava calmo. O último trem tinha desaparecido e nenhum carro ou trem podia ser ouvido. Ele podia sentir a neve através das paredes.

De repente, ele sentiu uma sensação nostálgica aquecê-lo como se para protegê-lo. Ele se perguntou por que se sentia assim e se lembrou do tempo em que ele estava olhando para uma árvore no inverno há muito tempo.

...Faz quantos anos? Aconteceu depois do primeiro ano na escola secundária, então deve fazer quinze anos agora.

Ele fechou o livro, ainda não sentindo vontade de dormir e terminou o resto da sua lata de cerveja.

Três semanas atrás ele tinha deixado a empresa que trabalhava há quase cinco anos e desde então parou de procurar emprego, sentado por aí sem fazer nada todos os dias. Ele se sentiu em paz durante aqueles poucos anos.

O que há de errado comigo? Ele pensou consigo mesmo quando saiu do aquecedor, seu coração batendo. Ele pegou seu casaco da parede (seu terno ainda estava pendurado ao lado dele), calçou os sapatos e pegou o guarda-chuva perto da porta. Ouviu o suave som da neve caindo em seu guarda-chuva enquanto andava lentamente e logo chegou à loja de conveniência cinco minutos depois.

Momentos depois, colocou a cesta cheia de mantimentos e um pouco de leite no chão aos seus pés. Ele hesitou antes de tirar a Revista Ciência deste mês da prateleira e olhou para ela. Era uma revista que lia com grande paixão durante seus anos de escola secundária, faz muitos anos que ele não a lê. Havia artigos sobre o derretimento do gelo na Antártida, a forma como a gravidade era afetada entre galáxias, a descoberta de novas partículas e como a nanotecnologia pode ajudar o meio ambiente. Ele ficou um pouco surpreso que o mundo ainda estava cheio de novas descobertas e aventuras quando olhou os artigos.

De repente, sentiu um déjà vu e respirando rapidamente, notou a música tocando.

Havia a música nos autofalantes da loja - talvez uma música que tivesse ouvido durante seus anos escolares. Ouvindo a música nostálgica, ele pegou a revista científica com os novos fragmentos do mundo. Os sentimentos que ele pensava ter esquecido há muito tempo fluíam de seu coração e mesmo depois de pararem, ele ainda podia senti-los.

Ele saiu da loja, mas ainda estava quente por dentro. Faz tanto tempo desde a última vez que se lembrou como o coração sentia.

Em breve vai chegar a estação das flores de cerejeira, ele pensou olhando para a neve caindo do céu.

 


Depois de Takaki Tohno se formar na escola secundária em Tanegashima ele retornou para Tóquio para entrar na universidade. Alugou um apartamento pequeno que ficava a cerca de trinta minutos de caminhada da estação de Ikebukuro de modo que fosse mais fácil se locomover. Ele estava morando em Tóquio entre os oito e os treze anos, mas tudo o que ele podia se lembrar da cidade era a área de Setagaya em que ele costumava viver. O resto de Tóquio era estranho para ele. As pessoas pareciam isoladas, rudes e usavam uma linguagem vulgar em comparação com as pessoas da ilha onde morou durante sua adolescência. As pessoas cuspiam, cigarros usados ​​podiam ser encontrados nas calçadas e havia um monte de lixo amassado. Ele simplesmente não conseguia entender por que todos os tipos de embalagens, como garrafas de bebidas plásticas, sacos de revistas e lancheiras, são deixadas em todos os lugares. A Tóquio que ele lembrava era uma cidade mais bonita e refinada.

Tanto faz.

É aqui que vou viver agora. Ele já havia transferido de escola duas vezes e já tinha aprendido a se adaptar a novos lugares. Ele não era mais uma criança indefesa. Ainda se lembrava de como se sentiu desconfortável quando se mudou para Nagano, em Tóquio, devido ao trabalho de seu pai. Aquela paisagem familiar que ele uma vez viu enquanto segurava as mãos de seus pais, viajando de Oomiya para Shinjuku, parecia muito estranha agora. Parecia que não era o lugar que ele deveria estar vivendo. Mesmo agora, às vezes ele se sentia como se tivesse sido rejeitado pela cidade, como quando mudou de Tóquio para Tanegashima. Quando o helicóptero os deixou no pequeno aeroporto e ele olhou para as fazendas, campos gramados e postes de dentro carro do seu pai, sentiu saudades de Tóquio.

Era o mesmo, onde quer que ele fosse. “Mas desta vez, vim aqui por vontade própria”, ele pensou consigo mesmo enquanto olhava para a paisagem lá fora do seu pequeno apartamento cheio de caixas de papelão.

 

Não há muito a dizer sobre meus quatro anos na universidade. Estava ocupado com minhas aulas de física, o que significa que passei muito tempo estudando, mas, a menos que a frequência fosse absolutamente necessária, eu estaria trabalhando, passando tempo assistindo filmes sozinho ou apenas vagando pela cidade. Mesmo durante os dias em que tinha que frequentar universidade, às vezes parava pelo parque pequeno em frente à estação de Ikebukuro para ler. No início não estava muito acostumado com a quantidade de pessoas caminhando e passando, mas não demorou muito para me acostumar. Fiz vários amigos no trabalho e na universidade, mas como a maioria das pessoas, a nossa amizade se desgastou com o passar do tempo, embora alguns tenham se tornado amigos próximos. Dois ou três de nós queríamos nos reunir em nossas casas, em seguida, passávamos a noite falando sobre várias coisas, bebendo cerveja barata e fumando. Durante os quatro anos, meus diretores mudaram lentamente enquanto outros se fortaleceram.

No primeiro ano de universidade, Takaki conseguiu uma namorada no outono. Ele a conheceu através do trabalho. Tinham mais ou menos a mesma idade e ela morava em Yokohama.

Naquela época, ele tinha um emprego ajudando a universidade a vender lancheiras na hora do almoço. Ele queria encontrar um emprego fora da universidade, mas como estava muito ocupado com aulas, pensou que seria mais conveniente trabalhar durante as horas do almoço e ganhar dinheiro na loja da universidade. Quando o segundo período terminava às doze e dez, ele corria para a lanchonete e empurrava um carrinho cheio de obentos para vender. Apenas quinze minutos antes do terceiro período começar, ele se sentava junto com a garota em uma mesa na cafeteria e rapidamente terminar o almoço. Fez isso por três meses.

Para ele, ela foi a primeira garota com quem saiu. Ela lhe ensinou muitas coisas. Durante os dias que passaram juntos, ele aprendeu sobre sentimentos de felicidade e tristeza que nunca tinha experimentado antes. Ela também foi a primeira garota com quem dormiu. Foi com ela que aprendeu que os seres humanos vivem suas vidas cheias de sentimentos - sentimentos que podem e não podem ter controle. Provavelmente havia mais sentimentos do último tipo, como amor e ciúmes.

Eles continuaram a sair por cerca de seis meses e seu relacionamento terminou quando um cara que ele não conhecia tinha se declarado para ela.

“Eu te amo tanto, Tohno-kun, mas não acho que você me ame tanto. Percebi que isso é demais para mim” ela disse antes de chorar em seus braços. Ele queria dizer que não era verdade, mas decidiu que era melhor não, pois se culpava por deixá-la pensar dessa maneira. Ele desistiu dela. Foi a primeira vez que aprendeu o que era mágoa e foi como se o próprio corpo estivesse com dor.

Ele ainda podia se lembrar dela claramente, mesmo agora. Podia se lembrar da época quando ainda não namoravam e se sentavam lado a lado, terminando rapidamente o almoço depois do trabalho. Ele sempre comprava seu almoço enquanto ela sempre trazia o próprio obentou. Ela comia educadamente, ainda usando seu avental, terminando seu almoço até o último grão de arroz. Mesmo o obentou dela tivesse apenas metade do tamanho do obentou dele, ela sempre terminava por último. Ele a provocava por isso e ela ficava com raiva, “Você devia comer devagar, Takaki-kun. É um desperdício comer tão rápido”.

Demorou muito tempo antes que percebesse que não queria que o tempo gasto juntos na hora do almoço passasse tão rápido.

 

A próxima garota com quem ele saiu era outra pessoa que conheceu no trabalho. Durante o terceiro ano da universidade, ele estava trabalhando como assistente de um cursinho. Toda semana, durante quatro dias, ele corria para a estação de Ikebukuro depois da aula, pegava o trem para Takadanobaba na Linha Yamanote, em seguida, mudava para a Linha Tousai para chegar a Kamiraku Hills. Havia um professor de matemática e um de inglês no cursinho e, havia ao todo cinco assistentes, incluindo ele. O professor de matemática estava em seus trinta e poucos anos e era popular entre os jovens. Tinha família e uma esposa na cidade e, no trabalho, era muito rigoroso, mas havia algo em suas habilidades que o tornavam encantador. Ele sempre dava a seus alunos perguntas que os preparariam muito bem para os exames universitários, mas ao mesmo tempo, tinha uma maneira inteligente de fazê-lo, para que descobrissem como a matemática podia ser divertida. Trabalhar como seu assistente fez Takaki compreender profundamente as lições de estatísticas da universidade. Por alguma razão, aquele professor também parecia favorecer Takaki como seu assistente e, em vez passar tarefas inúteis fazer registro ou marcação de papéis, ele o fazia analisar que tipo de perguntas deveriam ser usadas para exames e preparar os esquemas de notas. Claro, Takaki sempre fazia isso com toda sua habilidade. Era um trabalho que valia a pena e o pagamento não era ruim.

A garota era uma das assistentes e era estudante de Waseda. Sua beleza a destacava de todas as outras garotas. Tinha o cabelo longo, os olhos surpreendentemente grandes e, ela não era alta, mas tinha bom gosto e estilo. Takaki pensou que ela parecia mais um belo animal do que uma garota. Talvez um cervo destemido ou um pássaro voando alto no céu.

Naturalmente, ela era muito popular. Os palestrantes e assistentes sempre tentariam encontrar uma chance de falar com ela, mas no início Takaki a evitava (ela era colírio para os olhos, mas era tão bonita que não parecia ser o tipo de garota com quem você poderia falar facilmente). Mantendo sua distância, notou que ela se parecia com um certo tipo de pessoa. Algo estranho, na verdade.

Sempre que alguém se aproximava ela sempre respondia com um belo sorriso, mas ela não tomava a iniciativa de falar com ninguém. Ninguém ao seu redor notava a solidão sobre ela, em vez disso pensavam que ela era muito sociável.

Takaki achou estranho como muitos ao seu redor a louvavam: “Ela é uma mulher tão linda, mas é tão modesta e de coração aberto”, mas ele nunca tentou dizer o que tinha notado nem queria saber por que os outros tinham uma noção tão errada sobre a personalidade dela. Se ela realmente não queria socializar com as pessoas, ela simplesmente devia parar. Há todos os tipos de pessoas neste mundo e todos têm seus próprios limites que os tornam diferentes. Mas ele não diria nada que o colocasse em apuros.

No entanto, um dia ele não teve escolha senão falar com ela. Era um dia muito frio em dezembro, pouco antes do Natal. Naquele dia, o professor de matemática foi para casa cedo por causa de algum negócio urgente e deixou Takaki sozinho junto com a garota para preparar as notas restantes. Cerca de uma hora depois ele percebeu que havia algo errado. Estava focado em seu trabalho quando olhou para ela. Ela estava sentada na frente dele, com a cabeça pendendo e tremendo ligeiramente. Seus olhos estavam abertos, fitando o papel em sua mão, mas estava claro que não era para isso que ela olhava. Sua testa estava coberta de suor. Preocupado, Takaki falou com ela, mas não ouviu resposta, se levantou e a sacudiu pelos ombros.

— Ei, Sakaguchi-san! O que está errado? Você está bem?

— Remédio…

— O que?

— Preciso do meu remédio. Preciso de algo para beber junto com ele — ela disse com uma voz estranhamente rasa. Takaki correu para fora da sala e comprou um chá na máquina de vendas ao longo do corredor e levou para ela. Com as mãos ainda trêmulas, ela tirou um pacote de comprimidos da bolsa em seus pés e disse: — Preciso de três deles. — Takaki tirou três comprimidos amarelos do pacote e os colocou em sua boca e ajudou com o chá. O toque de seus lábios brilhantes era surpreendentemente quente.

 

Eles namoraram por três meses. Foi um relacionamento curto, mas ela deixou uma ferida muito profunda que ele nunca vai esquecer. Talvez a mesma ferida também tenha ficado com ela. Foi a primeira vez que ele se apaixonou por alguém tão rápido, mas também a odiava muito. Durante dois meses, ambos tentaram desesperadamente pensar em alguma maneira de se apaixonarem mais e, no mês seguinte, continuamente se feriam. Tiveram dias de felicidade inacreditável e êxtase, mas também houveram os dias cruéis em que não podiam contar a ninguém, lançando palavras duras um para o outro.

...Era estranho, mas no final, mesmo depois dessa experiência, ele ainda podia se lembrar daquele dia em dezembro antes de começarem a namorar.

Naquele dia de inverno, um pouco de vida retornou aos olhos dela depois de tomar o remédio. Foi um momento sagrado que lhe tirou o fôlego apenas por olhar para ela. Era como se estivesse observando a única flor que ninguém no mundo jamais havia visto florescendo diante dele. Um pensamento o dominou, não posso isso escapar de novo. Ele não se importou que ela já estava tendo um caso com o professor de matemática.

 

✻ ✻ ✻

 

Takaki começou a procurar emprego no verão do seu quarto ano na universidade. Levou três meses para conseguir encarar alguém depois de terminar com sua namorada. Em parte, foi graças ao seu gentil e apaixonado conselheiro que decidiu que carreira seguir por volta do outono. Ele não sabia se era realmente o tipo de trabalho que queria ou se era o tipo de trabalho que deveria estar fazendo, mas sentiu que tinha necessidade de trabalhar. Ele queria tentar ver um mundo diferente em vez de ser pesquisador na universidade.

 

Depois da cerimônia de graduação, ele voltou para seu apartamento e empacotou tudo nas caixas de papelão. Fora da pequena janela na cozinha que dá para o leste, ele podia ver um edifício de madeira velho banhado no sol poente. Fora da janela sul, ele podia ver aglomerados de edifícios em Shinjuku entre os outros apartamentos e eles pareciam pequenos. Todos estes edifícios que estavam a mais de duzentos metros de altura pareciam muito diferentes, dependendo do tempo e do clima. Assim como o nascer do sol atinge os picos das montanhas, os edifícios altos sempre brilham conforme refletem sua luz e, assim como os penhascos íngremes que você pode ver através do mar, os edifícios eram borrados pelo ar úmido quando chovia. Há quatro anos ele estava olhando para os prédios pensando em várias coisas.

Logo, a noite começou a cair lá fora e inúmeras luzes nas ruas lá embaixo na cidade começaram a acender. Takaki pegou um cinzeiro, o colocou sobre uma das caixas de papelão, tirou um cigarro do bolso e acendeu. Se sentou com as pernas cruzadas e fumou enquanto observava as luzes.

Vou continuar vivendo nesta cidade, pensou.

 


Takaki logo encontrou um emprego em uma empresa de desenvolvimento de software de médio porte em Mitaka. Você poderia chamar de “SE (Engenharia de Software)”. Ele foi designado para o departamento responsável pelo desenvolvimento de soluções de software para dispositivos móveis e seus clientes eram majoritariamente empresas de comunicação ou fabricantes de terminais. Sua pequena equipe era responsável pelo desenvolvimento de softwares de telefonia móvel.

Logo descobriu que servia para ser programador. Era solitário, exigia muita paciência e concentração, mas nunca traía a quantidade de esforço que dedicava. Quando o código que você escreve não funcionava da maneira que você pretendia, podia ter certeza que foi você que programou errado. Ter todos os seus pensamentos acumulados em milhares de linhas de código lhe fez sentir uma de felicidade que nunca tinha experimentado antes. Era um trabalho demorado. Ele sempre voltava para casa tarde da noite e teria sorte se ele tivesse cinco dias de férias por mês, mas mesmo assim, ele nunca se cansava de estar na frente do computador. Era um escritório limpo e branco e atrás do seu cubículo, Takaki se encontrava teclando dia após dia.

Se era uma característica do seu campo de trabalho ou talvez apenas da empresa que ele estava trabalhando, Takaki sempre percebeu que seus colegas nunca falavam um com o outro fora do trabalho. Nenhuma das equipes saía para tomar uma bebida depois do trabalho, todos almoçavam na sua própria mesa comendo almoço pronto, nunca se cumprimentavam quando entravam ou saíam do trabalho e as reuniões eram mínimas - a maioria acontecia por e-mails. Somente o som de teclados podia ser ouvido no escritório espaçoso e embora tivesse mais de cem empregados, a presença de seres humanos era pouca. A interação social era tão estranha quanto nos primeiros dias da universidade, mas naquele tempo, Takaki podia conversar sobre qualquer coisa e sair para beber, mesmo sem ter motivo. Agora ele está acostumado com o novo ambiente silencioso. Ele nunca foi uma pessoa falante para começar.

No final do dia, ele pegava o trem da estação Mitaka quase até a última parada na Linha Central, descia em Shinjuku e retornava ao seu apartamento em Nakanosakaue. Quando estava realmente cansado ele pegava um táxi, mas a corrida levava cerca de trinta minutos. Ele havia se mudado depois que se formou na universidade. O aluguel era mais barato em Mitaka, onde ficava sua empresa, mas não gostava de viver muito perto de seu local de trabalho. Ainda mais importante, queria muito estar em algum lugar que tivesse uma visão parecida com a que tinha em Ikebukuro, onde podia ver os edifícios de Shinjuku.

Talvez por isso tenha decidido se mudar para onde mora atualmente. Todos os dias, seu momento favorito era quando seu trem se aproximava de Ogikubo, quando podia olhar para os edifícios de Shinjuku enquanto a distância entre eles diminuía. Se sentava no comboio quase tão vazio quanto o último comboio em direção a Tóquio, envolto em seu terno e no estresse de um dia de trabalho - esse sentimento era confortavelmente satisfatório. Ele sempre olhava ao longe enquanto os prédios se erguiam na frente dos outros, no ritmo do trem, balançando de um lado para o outro. O céu noturno em Tóquio era estranhamente brilhante e as silhuetas negras e escuras dos edifícios se destacavam contra o céu. Belas luzes pequenas entregavam aqueles que ainda trabalhavam a essa hora. As luzes vermelhas piscando dos aviões de carga pareciam respirar. Mesmo agora ele tinha a sensação de que estava olhando para algo, se movendo para aquela coisa bonita, mas distante. Seu coração estremecia.

E então já era outra manhã e outro dia de trabalho. Takaki comprou um café na máquina de vendas da entrada, passou o cartão no ponto eletrônico, chegou no seu assento e ligou o computador. Enquanto bebia seu café esperando a máquina ligar, ele verificou a agenda do dia. Ele moveu o mouse, abriu uma série de programas necessários e, em seguida, posicionou seus dedos no teclado. Estava verificando os algoritmos que precisaria usar, avaliando e testando em algumas Interfaces de Programação de Aplicativos (API), reunindo código para dar andamento ao seu trabalho. Por baixo da API de alto nível estava o sistema operacional (OS), mais abaixo funcionava o software de baixo nível e, finalmente, havia o hardware que estava deixando ele louco.

Ele era proficiente em programação já que sua paixão pelo hardware o fez respeitar computadores. Ele compreendia superficialmente a física quântica por trás da construção de semicondutores, mas, ele não podia deixar de se animar com sua rotina de trabalho quando tinha tanto controle sobre uma ferramenta tão inacreditavelmente complexa. Era quase mítico. Foi esta ferramenta que provou as leis da relatividade no universo, a física quântica em escala nanométrica e, sobretudo, a teoria das cordas que une tudo. Parecia que o computador tinha a possibilidade de desvendar os segredos do mundo. Segredos que o levariam de volta aos sonhos e sentimentos já esquecidos, aos lugares que ele amava, à sua música favorita que costumava ouvir depois da escola e aquela promessa que nunca conseguiu cumprir com aquela garota especial. Não havia nada de concreto que sugerisse que alguma coisa ia acontecer, mas ele se sentia assim. Ele começou a trabalhar perdido nesses pensamentos. Ele digitou no teclado como se fosse um músico solitário, conversando com seu instrumento.

 

E assim, aqueles anos que ele passou na empresa pareceram piscar de um piscar de olhos. Faz muito tempo que ele parou para pensar sobre o que conseguiu alcançar durante aqueles anos. Pensou nos dias de colégio quando ainda era jovem e propenso à doença. Seu orgulho cresceu quando se tornou mais musculoso e passou para a idade adulta. Teve o mesmo sentimento nostálgico quando as habilidades de programação melhoraram. Ele ganhou a confiança dos outros e também teve um aumento. Toda estação comprava um terno novo. Nos feriados, passava o tempo limpando seu apartamento ou lendo um livro e, talvez a cada meio ano ou mais, ele se encontrava com um amigo para uma bebida. O número de amigos que ele tinha não mudou.

Todo dia ele deixava sua casa às oito e meia da manhã e voltava depois de uma da madrugada.

O loop continuou. Os edifícios em Shinjuku eram sempre bonitos o suficiente para te fazerem suspirar não importa a hora e o clima. Eles brilhavam cada vez mais bonitos como se amadurecesse ao longo dos anos.

 

Às vezes sentia que a beleza provocava algo dentro dele. Não sabia o quê.

 

✻ ✻ ✻

 

Faz muito tempo desde que alguém o chamou “Tohno-san” e foi naquela manhã de domingo, durante aquele dia chuvoso, em uma plataforma em Shinjuku Oeste. Era a voz de uma jovem que usava óculos, carregando um guarda-chuva bege. Por um momento, ele não conseguiu se lembrar de quem ela era, mas sentia que já se conheciam. Enquanto ficou ali sem saber o que dizer, ele finalmente se lembrou quando a mulher disse: “...eu trabalho na equipe de manutenção do sistema”.

— Oh, você é... a garota do departamento do Yoshimura-san.

— Mizuno. Estou tão feliz que você se lembrou.

— Desculpa. É que você estava vestindo um terno quando nos conhecemos...

— Oh, deve ser por causa do chapéu que estou usando. Te reconheci imediatamente. Você parece um estudante quando está com roupas casuais.

Aluno? Ela não quis dizer isso de uma maneira ruim, ele pensou. Começaram a caminhar lado a lado em direção às escadas. Ela também parecia uma estudante de graduação usando suas sandálias marrons, suas unhas de feitas. Qual era seu nome mesmo? ...Ah, sim, Mizuno. Eles se conheceram quando teve que entregar alguns relatórios mensais para um de seus clientes e aconteceu que ela era a pessoa que trabalhava para eles. Desde então, nunca se encontraram novamente. Eles haviam trocado cartões de visita, seu jeito sério e voz clara tinham deixado uma impressão nele.

Sim, agora se lembrava. Seu nome completo era Risa Mizuno. Se lembrou de como a fonte em seu cartão de visita combinava perfeitamente com sua personalidade. Juntos desceram as escadas e viraram à direita.

— Você está indo para a saída leste também, Mizuno-san?

— Ummm, não realmente.

— Não?

— Ummm, estou livre agora para ser honesta. A chuva parou, então acho que vou fazer compras ou algo assim, porque o tempo parece que vai ser bom — ela disse sorrindo. Seu sorriso o fez sorrir de volta.

— Também estou livre. Bem, talvez possamos ir para um café juntos ou algo assim, se quiser?

Mizuno sorriu, parecendo um pouco surpresa, mas respondeu que sim.

E então, naquele dia, eles encontraram um pequeno café perto da saída leste para um café, conversaram por cerca de duas horas, trocaram números e se separaram.

Quando Tohno entrou em uma livraria e passou pelas prateleiras, de repente percebeu que sua garganta estava um pouco entorpecida e cansada. Faz tempo desde que conversou tanto tempo com alguém sem se preocupar com o mundo. Ele então percebeu como se davam bem, como se aquelas duas horas não fossem suficientes, mesmo que tivessem acabado de se encontrar. Talvez fosse porque tinha acabado de terminar um dos grandes projetos e tirou um peso de seus ombros. Fofocaram um pouco sobre suas empresas, o bairro e seus dias de escola. Não era nada especial, mas se sentia muito confortável em sua presença. Um sentimento quente que havia esquecido há muito tempo crescia dentro dele.

Uma semana depois, enviou um e-mail para ela e a convidou para jantar. Terminou o trabalho rapidamente, se encontrou com ela em Kichijouji, jantou e se despediram logo após as dez da noite. Na semana seguinte, a convidou para jantar e, na semana seguinte, era um feriado. Eles passaram o dia assistindo um filme juntos. Dessa maneira educada, a relação começou a desenvolver.

Mizuno era o tipo de mulher que você gostava cada vez mais a medida que a ia conhecendo. Seus óculos e longos cabelos negros a faziam parecer comum de relance, mas olhando de perto, seu rosto era muito refinado, o suficiente para surpreendê-lo. Ela usava roupas que mantinham sua pele escondida, não deixando nada visível, como se fosse muito tímida e não quisesse ser vista bonita. Era dois anos mais nova, sincera e honesta. Ela nunca falou em voz alta, sempre calma e lentamente. Sempre relaxava quando estavam juntos.

Seu apartamento ficava em Nishikokubuji e ir trabalhar significava passar pela Linha Central, então eles sempre se encontravam em algum ponto ao longo dessa linha. Ele podia sentir os sentimentos dela em relação a ele quando seus ombros se tocavam no trem, compartilhavam as refeições e caminhavam juntos. Era óbvio que se qualquer um deles se declarasse, nenhum dos dois rejeitaria o outro. Mas ele não sabia se deveria.

Takaki a observou enquanto caminhava na direção oposta na estação de Kikujouji. Ele sempre apressava as coisas quando começava a gostar de uma garota. Em pouco tempo ficava entediado e perdia essa mesma pessoa. Ele não queria que algo assim acontecesse novamente.

 

✻ ✻ ✻

 

Naquele ano, em uma noite chuvosa, ele assistiu ao lançamento bem-sucedido do foguete H2A nas notícias em seu apartamento.

Era um dia horrivelmente úmido onde ele tinha que manter as janelas fechadas para que pudesse usar o ar condicionado e ainda assim, o som da chuva caindo e dos carros passando ao longo das ruas molhadas conseguiam se infiltrar. Na tela passava o familiar Centro Espacial de Tanegashima, o H2A subindo com uma chama enorme. Mudaram para uma imagem de longa distância do foguete subindo lentamente, abrindo seu caminho através das nuvens. Em seguida, mudaram para uma das câmeras anexadas aos propulsores do foguete. É possível ver a ilha de Tanegashima completamente. Poderia até mesmo distinguir as áreas da ilha.

De repente, um forte arrepio percorreu seu corpo.

Takaki não sabia como deveria se sentir olhando essas imagens. Tanegashima não era mais sua casa. Seus pais haviam mudado para Nagano e provavelmente passariam o resto da vida por lá. Tanegashima era apenas um dos lugares que morado.

Tomou um gole de sua cerveja que já estava quente, sentiu o licor amargo viajar até o seu estômago. A jovem jornalista continuou falando, sem emoção, afirmando que era um satélite de comuniação... De certa forma tinha algo a ver com ele. Parecia que tinha sido levado de volta a algum lugar distante.

Tinha dezessete anos quando viu pela primeira vez um lançamento de foguete. Uma menina de uniforme escolar estava ao seu lado. Eles estavam em turmas diferentes, mas se deram bem. Ou talvez, ela tenha tomado mais iniciativa do que ele. Seu nome era Kanae Sanada e gostava de surfar. Uma menina enérgica, bonita e bronzeada.

Já se passaram quase dez anos e o tempo tinha enterrado gentilmente esses sentimentos, mas mesmo agora, quando pensava nela, sentia seu coração doer. Sua figura, o cheiro de seu suor, sua voz, seu sorriso, seu rosto, cada parte de sua presença veio inundando, os sentimentos que ele teve durante seus dias em Tanegashima estavam frescos em sua mente novamente. Sentiu arrependimento, mas também sabia que era a única maneira que poderia ter agido com ela naquela época. Tudo estava tão claro. O modo como ela estava tão apaixonada por ele, as vezes que ela tentou confessar seu amor por ele. A hora em que a parou e depois que ela desistiu. Ele podia se lembrar de tudo como tivesse acontecido ontem, mas sabia que não havia nada que pudesse ter feito.

Quando chegou a hora de viajar para Tóquio para estudar na universidade, Sanada foi a única para quem contou sobre seu voo. Era um dia ensolarado em março e ventava muito. No estacionamento do aeroporto, que parecia quase tão pequeno quanto uma balsa, eles trocaram algumas palavras. Ela não conseguia parar de chorar enquanto falavam, mas logo antes de partir, ela conseguiu sorrir. Deve estar muito mais forte e madura do que naquela época.

Não me lembro se consegui sorrir de volta para ela. Não me lembro mais.

 

Eram vinte minutos depois da meia noite.

Teve que ir dormir para poder trabalhar amanhã. A notícia tinha terminado e os comerciais noturnos estavam passando.

Takaki desligou a TV, escovou os dentes, programou o ar condicionado para desligar após uma hora, desligou as luzes e foi para a cama. Ele notou que a luz de seu celular piscava, indicando que havia uma nova mensagem. Ele ligou e a luz branca do visor iluminou a sala. Mizuno o convidava para jantar. Ele se virou para o lado e fechou os olhos por um momento.

Todos os tipos de padrões apareceram atrás de suas pálpebras. Alguém lhe havia dito uma vez que a pressão exercida pelas pálpebras no globo ocular controlava a quantidade de luz que os nervos ópticos conseguiam ver para que os humanos nunca pudessem ver a verdadeira escuridão. Se perguntou quem teria dito isso a ele.

Agora que pensava nisso, se lembrou de que tinha o hábito de escrever e-mails no celular que nunca eram endereçados a ninguém. No início, escrevia para enviar a uma certa menina, embora não soubesse o seu endereço de e-mail. Tinham perdido contato antes de perceberem. Mesmo assim, ele continuou escrevendo essas mensagens, tentando transmitir a ela os sentimentos que estavam se acumulando dentro dele. Toda vez ele acabava apagando a mensagem. Talvez fosse uma preparação. Um experimento antes de encarar o mundo sozinho.

Em pouco tempo, essas mensagens não eram dirigidas a ninguém em particular e, quando se transformaram em monólogo, seu hábito de escrever mensagens desapareceu. Foi quando estava pronto para a viagem.

Não ia enviar outra carta para “ela”.

Também sabia que não encontraria outra “ela”. Pensar nisso fez a dor e a frustração retornarem para ele. Ficou surpreso com aqueles sentimentos que ainda carregava e percebeu que não tinha mudado nem um pouco. Ele ainda era o mesmo ignorante, arrogante e cruel daquele tempo. Seus olhos permaneceram fechados. Não... pelo menos agora ele sabia claramente quem era importante para ele aqui e agora.

Ele provavelmente estava apaixonado por Mizuno.

Da próxima vez que se encontrassem, se declararia para ela. Com essa decisão em mente, escreveu uma resposta para ela. Ele enfrentaria os sentimentos que tinha por ela. Assim como Sanada fez no último dia que eles se viram.

 

Naquele dia, no aeroporto da ilha.

O vento estava forte, afastando os uniformes, os fios, as folhas e os cabelos de Sanada. Ela estava chorando, mas conseguiu olhar para ele com um sorriso.

“Eu te amei, Tohno-kun. Obrigado por tudo”.

 


Em seu terceiro ano, houve uma mudança dentro da equipe.

Um de seus grandes projetos tinha perdido o propósito, o cliente fechou e a companhia tinha decisão abandoná-lo. Takaki foi ordenado pelo líder a salvar qualquer código que pudesse ser reutilizado em seus projetos futuros para que pudessem manter o prejuízo no mínimo. Era como se o líder soubesse de suas habilidades e estivesse tentando colocá-lo sob pressão desnecessária.

No começo, Takaki fez como foi dito, trabalhou como de costume. Mas em pouco tempo, logo percebeu que isso só deixaria o código mais complexo e pioraria a situação. Ele não conseguiu fazer o líder entender e acabou com mais horas extras por um mês. Ele trabalhou como ordenado, mas ao mesmo tempo, tentou lidar com a situação de uma forma que pensou ser melhor. Estava claro para ele que a limpeza do projeto nunca terminaria se a equipe não fizesse o que ele estava tentando. Tentou convencer o líder da equipe novamente, mas não só foi repreendido, mas foi severamente avisado para ser tão egoísta novamente.

Realmente o incomodava ver como seus colegas seguiam cegamente as instruções. O projeto nunca terminaria. Ao obter os requisitos errados na fase inicial do projeto, estavam apenas para tornando tudo mais complexo, já que não chegavam à raiz do problema. Não só isso, já havia passado da hora de rever os requisitos que tinham sido passados. Se perguntou se realmente seriam capazes de terminar o projeto da maneira que a empresa queria.

Ele hesitou mas decidiu se aproximar do gerente sênior do departamento para discutir suas preocupações. O gerente pacientemente ouviu a sua história, mas no final, sugeriu que era melhor se trabalhasse junto com o líder para terminar o projeto. Ele estava pedindo o impossível.

 

Durante três meses, o trabalho continuou improdutivo. Ele entendeu o quanto o líder queria fazer o projeto andar, mas simplesmente não conseguia ficar calado e ver o projeto afundar. Ele continuou fazendo as coisas à sua maneira, apesar de ter sido repreendido pelo líder várias vezes. O gerente sênior em nada ajudou. No entanto, o resto de seus colegas fizeram a situação ficar mais difícil com o passar dos dias. Ele começou a fumar e beber mais que o normal quando chegava em casa.

Um dia ele não aguentou mais. Se aproximou do gerente da equipe sênior, exigindo ser transferido para uma equipe diferente ou, pelo menos, falar com o líder da equipe. Se nenhum dos dois fosse feito, ele desistiria.

No final, um novo líder de equipe foi nomeado. O novo líder mantinhas vários projetos e tinha uma atitude fria com seus subordinados, mas, pelo menos, tomava decisões racionais.

Em todo caso, eles poderiam finalmente andar na direção certa. A carga de trabalho se tornou mais pesada, o local de trabalho mais solitário, mas ele trabalhou duro. Era tudo que podia fazer. Fez tudo o que podia ter feito.

Sob essas circunstâncias, começou a passar mais tempo com Risa Mizuno e valorizou esses momentos cada vez mais.

Toda semana ou quinzena ele ia para a estação Nishikokubuji que ficava no caminho de casa. Eles se encontravam às nove e meia e às vezes comprava um buquê de flores. A loja de flores perto de seu local de trabalho só estava aberta até as oito horas, de modo que ele saía escondido às sete, pegava as flores e as colocava em um dos armários antes de voltar ao trabalho até oito e meia. Era divertido se esgueirar daquele jeito. Então, depois do trabalho, ele seguia até a lotada Linha Central e pegava o trem para onde Mizuno estava esperando, com cuidado para não esmagar as flores.

Nas noites de sábado, dormiam juntos em uma das casas. Ficava mais na casa da Mizuno do que em sua casa. Ambos tinham duas escovas de dentes em suas casas. Parte da sua roupa de baixo era deixada na casa da Mizuno, enquanto em sua casa haviam alguns utensílios de cozinha e temperos. O agradava perceber que havia um monte das revistas dela acumulando em sua casa que ele normalmente não leria.

Mizuno era quem sempre cozinhava. Enquanto Takaki continuava trabalhando em seu laptop esperando o jantar, o barulho do ventilador, da faca de cozinha e o cheiro de macarrão ou do peixe cozido preenchiam o quarto. Ele podia trabalhar pacificamente. O som do teclado e o jantar sendo preparado suavemente preenchia o apartamento e, no que lhe dizia respeito, era o lugar onde ele mais repousava.

 

Estar com Mizuno criou um monte de novas memórias. Um exemplo é o belo jantar que ela gostava de preparar. Ela podia limpava os ossos, deixando a carne inteira como um especialista e comia massas usando garfo e colher de uma forma tão refinada. Havia também as suas unhas, da cor de flor de cerejeira, que acariciava sua mão em torno da caneca de café, a umidade de suas bochechas, as pontas dos seus dedos frios, o perfume dos seus cabelos, a doçura da sua pele, suas mãos suadas, a fumaça que saia dos seus lábios, sua longa respiração.

Quando desligavam as luzes em seu apartamento perto da estrada de ferro e se aconchegavam juntos na cama, muitas vezes olhava para o céu ao longe pela janela. Você podia ver claramente a noite estrelada quando era inverno. Provavelmente era frio lá fora, mas dentro não era frio o suficiente para ver sua própria respiração. A cabeça de Mizuno descansava sobre seu ombro nu e se sentia confortavelmente quente. Ouvir o ruído do trem ao longo da estrada de ferro soava como se falasse uma misteriosa língua estrangeira. Sentia como se estivesse em outro lugar. Talvez, pensou, fosse o lugar que ele desejava.

Estar com Mizuno o fez perceber quão cansado estava e quão solitário ele tinha sido.

 

✻ ✻ ✻

 

Quando ele se separou de Mizuno, sentiu uma sensação muito perturbadora de escuridão o dominando.

Durante três anos, ambos colocaram todos os seus sentimentos e fizeram tudo que puderam para construir o relacionamento. No entanto, seus caminhos se dividiram ao longo do caminho. Ele sentiu uma sensação muito, muito pesada de cansaço dominá-lo quando pensou sobre como teria que continuar a viagem sozinho mais uma vez.

Nada aconteceu entre eles. Não foi um evento que os dividiu. Mesmo assim, os sentimentos eventualmente desaparecem.

Tarde da noite, ele ouviu atentamente os carros fora de seu apartamento e pensou desesperadamente. Tentou reunir todos os seus pensamentos, reunir todos os fragmentos e aprender com seus erros.

Mas não importa. No final, não importa com quem tentasse ficar, nunca ficariam juntos para sempre. É assim que as pessoas se acostumam à perda.

 

Foi assim, de alguma forma, que cheguei até aqui.

 

✻ ✻ ✻

 

Talvez tenha deixado seu emprego na mesma época em que se separou.

No entanto, caso tenha se perguntado se os dois eventos estavam relacionados, ele mesmo não tinha certeza. Talvez não. Muitas vezes ele desabafava seu estresse em Mizuno, mas houve ocasiões em que também não o fez isso. Era tudo superficial, de qualquer forma. Havia um sentimento incompleto que simplesmente não conseguiam pôr em palavras. Uma leve camada de que jazia escondida dentro dele. Mas o que era?

Ele não sabia.

Se sentiu sonolento enquanto pensava nos dois anos que se passaram antes de deixar seu emprego, ficou um pouco fraco.

Em pouco tempo passou a conhecer a mudança familiar das estações e os eventos de hoje pareciam os de ontem e ele se viu nas coisas que faria amanhã. Takaki estava tão ocupado com trabalho como sempre, mas estava se tornando um conjunto de tarefas rotineiras. Ele poderia apresentar automaticamente planos aproximados e as escalas de tempo necessárias para terminar projetos, como uma máquina. Era como se ele estivesse sentado dentro de um trem, seguindo em velocidade constante obedecendo apenas os sinais de trânsito. Ele não precisava se preocupar em controlar a velocidade, não precisava pensar quando estava no trabalho. Ele não precisava falar com ninguém.

Logo, a programação, os computadores e a tecnologia deixaram de ter o mesmo fascínio que o encantava há muito tempo. Talvez fosse natural. Até mesmo o céu estrelado da noite que tinha uma vez contemplado se tornou uma coisa comum.

Por outro lado, sua reputação na empresa cresceu gradualmente. Durante as avaliações, ele obteve aumentos salariais e mais bônus do que qualquer outra pessoa. Não tinha um estilo de vida financeiramente alto porque nunca teve tempo de gastar o dinheiro que ganhou. Antes que ele soubesse, ele tinha economizado tanto dinheiro que ficou surpreso quando finalmente olhou para suas economias.

Se sentou em seu assento bebendo o café quente no escritório, onde só se ouvia o toque dos teclados, esperando que seu código fosse compilado. É tão estranho, pensou. Não havia nada que quisesse gastar dinheiro, então continua poupando.

 

Às vezes ele brincava com Mizuno sobre tais pensamentos e ela apenas ria, mas ficava com um olhar triste. Vê-la daquele jeito mexia com ele. De repente se sentia muito triste também.

Era início do outono. O vento frio que soprava através da porta e se arrastava pelo chão era muito confortável. Takaki usava uma camisa azul intensa sem gravata e Mizuno usava uma saia comprida que tinha bolsos e um tinha suéter marrom. Ele se sentia um pouco triste quando olhava para o seio de Mizuno contra o suéter.

Faz muito tempo desde que passou no apartamento dela depois do trabalho. No passado, o ar condicionado estaria ligado quando ele chegasse ...Sim, já faz uns dois meses. Não era como se ambos estivessem ocupados demais para se verem. Um tempo atrás teriam se encontrado muito mais frequentemente. Eles simplesmente pararam de se esforçar.

— Ei, Takaki-kun. O que você queria ser quando era pequeno? — Mizuno perguntou depois de ouvi-lo resmungar sobre o trabalho. Ele pensou um pouco.

— Acho que não queria ser nada.

— Nada mesmo?

— Sim. Já me esforçava apenas para passar os dias. — Mizuno sorriu e disse que era o mesmo com ela, pegando uma fatia de pera do prato e a colocou em sua boca. Fez um som triturador.

— Você também?

— Sim. Nunca soube como responder sempre que alguém me fazia essa pergunta na escola. Então foi um alívio quando encontrei meu emprego atual. Isso significava que não tinha mais que pensar no futuro.

Ele concordou e estendeu a mão para as fatias de pera que Mizuno tinha cortado.

O que ele queria se tornar.

Sempre esteve desesperado para encontrar um lugar ao qual pertencesse. Mesmo agora sentia que ainda não tinha encontrado aquele lugar. Sentia que não estava perseguindo nada. Não se sentia como se estivesse procurando o “verdadeiro eu”. Parecia que estava a meio caminho de alguma coisa. Mas onde ele estava?

O celular de Mizuno tocou. Ela se desculpou, pegou seu telefone no corredor e respondeu.

Ele a viu sair pelo canto do olho, acendendo um cigarro na boca. Mizuno falou em seu telefone com uma voz baixa e feliz. De repente, ele estava tão sobrecarregado com ciúme que quase se surpreendeu. Ele imaginou o homem do outro lado do telefone. Aquele outro estranho que nunca conhecera, deslizando a mão sob o suéter de Mizuno, passando os dedos sobre sua pele branca e lisa. Sentia-se extremamente rancoroso.

Ela falou ao telefone por cerca de cinco minutos e voltou dizendo: “Era um dos novatos do trabalho”. Ele se odiava por um pensamento tão irracional. Mizuno não tinha feito nada de errado. Claro que não. Ele acenou com a cabeça e apagou o cigarro no cinzeiro como se estivesse tentando suprimir seus sentimentos. O que diabos ele havia sentido?

 

Na manhã seguinte, sentou-se à mesa de jantar. Fazia tanto tempo que não tomavam café da manhã juntos.

Ele olhou pela janela e viu um céu envolto em cinza. Era uma manhã fria e gelada. Esse café da manhã no domingo era um momento muito importante para eles. Não era com frequência que tinham tempo livre e quando o tinham, não importava o que fizessem, contanto que aproveitassem bem - exatamente como nos anos que ainda estão por vir. O café da manhã de Mizuno era sempre muito bom e o deixava muito feliz. Ou assim costumava ser.

Enquanto observava Mizuno cortar seu ovo mexido e a torrada francesa ao meio e comê-lo, de repente sentiu que esta refeição era a última que eles teriam juntos. Não sabia por que, mas se sentia assim. Não queria que fosse a última. Na verdade, queria tomar café da manhã com ela novamente na próxima semana.

Mas isso nunca aconteceu. Realmente foi o último café da manhã.

 

✻ ✻ ✻

 

Ele avisou a companhia quando faltava mais três meses para concluir o projeto atual.

Percebeu que queria renunciar há muito tempo. Falou sobre isso com o líder da equipe. Queria terminar o projeto atual e depois passar o mês seguinte realizando quaisquer tarefas e procedimentos que fossem necessários para que pudesse sair no próximo fevereiro. O líder da equipe foi quase inexpressivo ao mandar falar com o gerente de departamento.

O gerente do departamento tentou convencê-lo a ficar. Ele estava disposto a ajudar Takaki a resolver qualquer queixa que pudesse ter. Ele não iria apenas observar um empregado de longa data deixar a empresa assim. Disse a Takaki para ser paciente. O projeto atual poderia ser extremamente difícil, mas uma vez que fosse concluído, ele seria muito elogiado e o trabalho se tornaria muito mais agradável.

Talvez. Talvez seria, mas esta é a minha vida, pensou Takaki, mantendo isso para si mesmo. Ele respondeu polidamente que não tinha ressentimentos. Seu trabalho não era nem um pouco difícil. Só queria renunciar. O gerente do departamento se recusou a aceitar sua renúncia. Por que? Takaki nem sequer conseguia convencer a si mesmo do motivo.

Ainda assim, com uma pequena negociação, ficou decidido que poderia partir no final de janeiro.

 

O fim do outono se aproximava com o passar do tempo e o ar se tornava mais frio a cada dia, Takaki trabalhou diligentemente em sua última tarefa. Com o prazo do projeto definido, ele estava mais ocupado do que nunca, quase sem dias de folga. Dormiu como um cão durante o pouco tempo que tinha em seu apartamento. A falta de sono o fazia se sentir pesado, quente como se estivesse com febre e tinha com náuseas horríveis quando trocava de trem. Mas esses dias o impediram de pensar demais dando uma sensação de paz.

Ele estava preparado para se sentir deslocado após entregar em seu aviso de demissão, mas, foi o oposto do esperado. O líder da equipe expressou a gratidão por toda sua assistência desajeitadamente e o gerente do departamento estava preocupado se ele tinha encontrado um novo emprego. O líder de recursos humanos disse que ficaria feliz de ser uma referência de recomendação se ele precisasse. Takaki tinha pensado em pegar leve até o dia em que ele saísse, mas ele decidiu continuar no mesmo ritmo como uma cortesia.

Após o tufão que o vento frio de Kansai trouxe tinha passado, Takaki decidiu mudar seu terno para uma jaqueta de inverno. A jaqueta que tirou da gaveta cheirava a naftalina. Ele pegou um lenço que Mizuno lhe dera há muito tempo e se enrolou para se proteger do inverno frio. Não havia ninguém para lhe desejar “tenha um bom dia”, mas não pensou sobre isso.

 

Toda semana trocava e-mails com Mizuno uma ou duas vezes. Suas respostas pareciam que levaram muito tempo para chegar, o suficiente para fazê-lo pensar que ela deve estar muito ocupada também. Ambos estavam ocupados provavelmente. Percebeu que já fazia três meses desde que tomaram café da manhã juntos e nunca mais se viram.

 

Um dia, enquanto estava sentado no último trem na Linha Central, soltou um profundo suspiro. Um longo e profundo suspiro.

O trem noturno em direção a Tóquio estava vazio, com cheiro de álcool e cansaço, como de costume. Enquanto olhava para as luzes dos prédios de Nakano, ouvindo o som do trem se agitando, ele de repente sentiu como se alguém o estivesse olhando lá de cima. As tênues linhas de luz que fluíam dos edifícios batendo no chão criavam um cenário que lembrava lápides.

Um vento forte estava soprando e as luzes na cidade distante pareciam estrelas piscando. Ele estava mergulhado naquela fina luz, ciente de que estava caminhando lentamente na superfície de um planeta gigante.

O trem parou na estação de Shinjuku e, quando desceu, não pôde evitar olhar para trás, onde estava sentado. Uma imagem do cansaço dele sentado ali com seu terno ficou em sua cabeça.

Mesmo agora, ainda não estava acostumado a Tóquio. Ele ainda não estava acostumado com os bancos na estação, as fileiras de máquinas de tickets e os metrôs onde as pessoas ficavam em filas.

 

✻ ✻ ✻

 

Em um dia em dezembro, o projeto de dois anos que ele estava trabalhando finalmente chegou ao fim. Olhando para trás, ficou surpreso por não sentir nada. Ele se sentiu um pouco mais cansado após o dia de trabalho do que o habitual. Fez uma rápida pausa com uma xícara de café e começou a fazer os preparativos para deixar a empresa. No final, foi o último trem que o levou para casa novamente.

Desceu na estação Shinjuku, seguiu passando pelas cabines de bilhete e chegou ao ponto de táxi onde uma longa fila de pessoas esperava. Ah sim, é sexta à noite, pensou para si mesmo. Além do mais, era Natal. Dentro do grande complexo da estação de trem ele podia ouvir a melodia fraca de Jingle Bells ecoando através do barulho das multidões. Decidiu esquecer o táxi e caminhar para casa, passando pelo metrô em direção à Shinjuku Oeste e chegou na rua onde os grandes edifícios o cumprimentavam.

Tarde da noite era sempre tranquilo por aqui. Caminhou ao lado dos prédios. Era a rota que ele tomava sempre que caminhava para casa de Shinjuku. De repente, seu celular estava vibrando dentro de seu bolso. Parou, respirou fundo e pegou o telefone.

Era Mizuno.

Ele não podia responder. Por alguma razão, simplesmente não queria. Sentia dor e não sabia por quê. Ficou lá, olhando o nome de “Risa Mizuno” na tela LCD do telefone. Continuou a vibrar, mas de repente parou. Ficou ali como se acabasse de morrer.

Takaki de repente sentiu uma onda de calor pelo seu peito e olhou para o céu noturno.

Os edifícios negros se elevavam sobre a sua cabeça, bloqueando metade da vista. As paredes iluminadas por algumas janelas, mais longe estavam piscando luzes de trânsito, mais além era o céu sem estrelas.

De repente, pequenos flocos brancos começaram a cair.

Estava nevando.

Apenas uma frase, pensou.

Só quero ouvir essa única frase. Há apenas uma frase que quero ouvir. Por que ninguém pode dizer isso para mim? Ele sabia que estava sendo egoísta, mas simplesmente não poderia viver sem o desejo de ouvir essa frase. Finalmente percebeu que o que ele desejou durante todo esse tempo, como se a neve caindo tivesse aberto uma porta selada profundamente em seu coração.

Queria ouvir as mesmas palavras que aquela garota disse naquele dia.

“Tenho certeza que você vai ficar bem, Takaki-kun”.

 


Akari Shinohara estava arrumando as coisas para mudar de casa quando encontrou uma carta muito antiga.

A carta estava no fundo de uma caixa de papelão. A caixa foi selada com as palavras “coisas velhas” escritas nela (naturalmente, foi ela que etiquetou) que por curiosidade a abriu outra vez. Ela continha várias coisas que coletou durante seus dias na escola primária e secundária. Escritos coletados durante a formatura, objetos que coletou durante excursões escolares, várias revistas para crianças de escola primária, várias fitas que não conseguia lembrar o que tinha gravado, uma mochila desbotada e sapatos. Um a um, tirou-os da caixa, olhando os itens com nostalgia e talvez, talvez também se deparasse com aquela carta. Pouco tempo depois, logo encontrou uma lata vazia no fundo da caixa de papelão. Sim. Tinha guardado a carta que escreveu na noite de sua formatura na escola primária. A carta que nunca tirava de sua mochila e carregava com ela o tempo todo onde quer que fosse e, em seguida, usando a formatura como desculpa, decidiu esquecê-la.

Levantou a tampa e encontrou a carta em um minúsculo bloco de notas. Era a primeira carta de amor que tinha escrito para o menino que foi seu primeiro namorado.

Faz quase quinze anos, quando escreveu a carta tinha a intenção de entregar ao menino que amava. Ela pensou e se lembrou que era uma noite tranquila e nevada. Tinha acabado de completar treze anos e ele veio de longe para me ver, embora ele fosse uma viagem de três horas de distância, estava atrasado por causa da neve. Quase quatro horas de atraso. Esperei por ele em um pequeno galpão de madeira, sentada em frente a um fogão quente e escrevi esta carta.

Segurando a carta, reviveu os sentimentos solitários e a preocupação que teve naquele dia. Ela não podia acreditar que aqueles sentimentos eram de quinze anos atrás. Se lembrou o quanto ele era querido e o quanto ela queria vê-lo. Os sentimentos estavam tão frescos que quase a fazia se sentir desconfortável.

Devo tê-lo amado muito, pensou. Tivemos nosso primeiro beijo no nosso primeiro encontro. Parecia que o mundo tinha mudado completamente depois do beijo. Foi por isso que não pôde dar a ele a carta. As lembranças voltaram para Akari como se tudo tivesse acontecido ontem. O único sinal de que quinze anos se passaram era o anel que usava em seu dedo.

 

✻ ✻ ✻

 

No dia seguinte, nevava em Iwafune enquanto Akari chegava à estação. As nuvens eram finas e às vezes você podia ver o céu azul que lhe dava a sensação que logo pararia de nevar. Fazia tempo desde a última vez que nevou em dezembro. A nevasca daquele foi algo raro.

— Gostaria que ficasse conosco até o Ano Novo — disse a mãe de Akari. Akari respondeu que tinha muita coisa para preparar.

— Sim, você está certa. Certifique-se de fazer uma boa refeição para ele — seu pai disse. Akari assentiu e olhou para os pais. Eles ficaram muito velhos, pensou. Mas é claro. Estavam quase na idade de se aposentar. E agora, estou na idade em que vou me casar.

Era estranho para os três aguardarem o trem para Koyama. Talvez fosse a primeira vez que esperavam um trem juntos desde o dia que se mudaram para este lugar.

Akari ainda podia se lembrar de como se sentiu no dia em que ela e sua mãe pegaram o trem de Tóquio para Iwafune. Seu pai as esperava na plataforma. Ela esteve em Iwafune várias vezes pois era o lugar de nascimento de seu pai. Era um lugar muito parado, mas ao mesmo tempo um lugar tranquilo. Dito isso, viver lá era uma história completamente diferente. Ela nasceu em Uchinomiya, se mudou para Shizuoka não muito tempo depois e passou um tempo entre o elementar quatro e seis em Tóquio. A plataforma de Iwafune parecia tão pequena em comparação. Simplesmente não parecia ser um lugar que gostaria de viver. Sua saudade de Tóquio quase a fez chorar.

— Não se esqueça de nos ligar se acontecer alguma coisa — disse a mãe. Ela repetia isso desde ontem à noite. De repente, a pequena cidade parecia muito querida por Akari enquanto ela estava lá com seus pais. Mas por enquanto, queria se separar do lugar. Ela sorriu gentilmente para eles.

— Eu vou ficar bem. Vamos nos ver novamente na cerimônia de casamento do próximo mês, então não se preocupem. Melhor voltar para casa. Está frio aqui fora. O som do assobio do trem podia ser ouvido ao longe quando terminou.

 

O trem da tarde estava vazio e ela era a única passageira dentro dos vagões. Não conseguia se concentrar em ler o romance que trazia, então olhou pela janela com a cabeça apoiada na mão.

Lá fora se espalhavam os campos na planície. Ela imaginou a neve caindo e se acumulando sobre eles. Imaginou que era tarde da noite, tão tarde que quase podia ver as luzes à distância. As janelas provavelmente estariam embaçadas com a condensação.

Deve ter sido um cenário tão solitário, ela pensou. Se perguntou o que “aquela” pessoa estava olhando quando o trem parou no meio da neve, o estômago vazio, cheio da culpa por fazer alguém esperar.

…Talvez.

Talvez ele desejasse ter voltado para casa. Era um garoto legal. Mas não me importei. Eu queria esperar por ele, não importava quanto tempo levasse para me alcançar. Nunca duvidei dele. Se pelo menos sua voz pudesse ter chegado a ele naquele dia.

Se sua voz o tivesse alcançado, ela teria dito: “Não se preocupe. Quem te ama está esperando por você”.

“Aquela garota sabe que você virá vê-la. Pode relaxar. Pense na alegria que terá quando se verem novamente. Pode ser a última vez que se encontrarão, mas por favor, guarde o momento no fundo do seu coração”.

Ela sorriu, surpresa por ela estar pensando tanto. O que há de errado comigo? Não parei de pensar nele desde ontem.

Provavelmente é por causa da carta que encontrei ontem. Ela se sentia um pouco infiel pensando em outro homem no dia em que iria morar com seu noivo. Mas tinha certeza de que seu marido não se importaria. Seu marido estava se transferindo de Takasaki para Tóquio e ele decidiu que era o momento certo para propor o casamento. Ele resmunga muito, mas eu o amo. E talvez eu o ame “também”. As memórias que criamos juntos são uma parte preciosa de mim agora. Assim como o alimento que consumimos, tudo era parte de minha carne e sangue que não pode se separar do coração.

 

Enquanto Akari olhava para o cenário que passava do lado de fora da janela, ela rezou para que Takaki-kun estivesse bem.

 


Enquanto você vive, a tristeza se acumula aqui e ali.

Isso era o que Takaki Tohno pensava enquanto acendia as luzes de seu apartamento. Assim como a poeira se acumulava, seu apartamento estava cheio de tristeza.

Só restava uma escova de dentes. Ele já não precisava limpar os lençóis para outra pessoa. Nem havia um longo histórico de chamadas e mensagens em seu celular.

Ele acabou de voltar para casa no último trem, como de costume, desfazendo a gravata e pendurando o casaco. Talvez fosse muito pior para Mizuno, pensou enquanto tirava uma cerveja da geladeira. Ele ficava muito mais na casa dela do que ela na sua já que a casa dela ficava em Nishikokubuji que ficava no caminho da sua. Ele realmente queria se desculpar. Nunca pretendeu deixá-la tão triste.

O ar frio lá fora e a cerveja gelada roubavam seu calor corporal.

 

Era fim de janeiro.

Seu último dia de trabalho foi o mesmo de sempre. Vestiu o casaco, se dirigiu para o escritório, chegou ao lugar onde trabalhou por cinco anos, ligou o computador, bebeu o café enquanto esperava iniciar e olhou para a agenda do dia. O projeto que ele estava trabalhando estava terminado, mas ainda queria minimizar o trabalho passado para outras equipes. Ironicamente, fez vários amigos enquanto fazia isso. Todos expressaram o quanto estavam arrependidos ao saber que ele iria embora e sugeriram que deveriam fazer uma festa à noite, mas ele recusou educadamente: “Estou muito grato pelo convite, mas quero passar o dia trabalhando como costumo fazer. Mas vou ter muito tempo livre depois que sair, então sintam-se livres para me convidar novamente”.

À noite, o antigo líder da equipe se aproximou dele e, olhando para o chão, pediu desculpas: “Sinto muito por todos os problemas que tivemos”. Takaki ficou um pouco surpreso com o que estava ouvindo, mas respondeu: “Não se preocupe”. Fazia um ano que não se falavam, antes de ser substituído.

Takaki se virou e começou a digitar novamente pensando consigo mesmo, não tenho que voltar a este lugar nunca mais. Era uma sensação estranha.

 

“Eu ainda te amo”, Mizuno escreveu em seu último e-mail.

“Acho que sempre vou te amar do jeito que amo agora. Para mim, você é uma pessoa gentil e maravilhosa que admiro mesmo que você pareça um pouco distante”.

“Quando comecei a sair com você, pela primeira descobri como o coração pode ser facilmente roubado por outro. Sentia como se estivesse me apaixonando por você todos os dias. Cada palavra que escrevia em seus e-mails me deixava feliz ou triste. Sei que ficou com ciúmes e preocupado com muitos assuntos triviais. Sinto muito, mas acho que nós dois estamos cansados ​​de tudo”.

“Cerca de meio ano atrás, queria te dizer tudo isso de várias formas, mas não importa o quanto tentasse, nunca corria bem”.

“Sei que me ama tanto quanto diz. No entanto, acho que nossos modos de amar podem ser diferentes. Posso perceber que estou sofrendo um pouco por causa dessa diferença”.

 

Sua última viagem da empresa para casa foi tarde da noite. Estava particularmente frio e as janelas dentro do vagão estavam geladas e úmidas. Olhou para os prédios iluminados que se destacavam à distância. Ele não se sentia como se estivesse livre, nem se sentia pressa em encontrar seu próximo emprego. Não tinha certeza do que devia estar pensando. Sorriu calmamente, percebendo que ultimamente não tinha certeza de nada.

Ele saiu do trem e seguiu através da estação como de costume, saindo por Shinjuku Oeste. O ar da noite estava quase dolorosamente frio. Seu casaco e cachecol não serviram para nada. Os edifícios escuros diante dele pareciam estruturas antigas.

Começou a caminhar lentamente entre eles.

 

“...Sou uma pessoa tola e egoísta?”

Durante os últimos dez anos, deve ter ferido muitas pessoas sem motivo algum e sempre mentiu para si mesmo que não poderia ter feito nada, não fez nada para tentar mudar.

Por que não poderia ser mais sério sobre seus relacionamentos? Por que não usava palavras melhores quando falava com as pessoas? Quanto mais caminhava, mais arrependimento sentia em seu coração.

Ele não conseguia parar os sentimentos esmagadores.

“Posso perceber que estou sofrendo um pouco”, Mizuno escreveu. “Um pouco”. Era mais do que isso.

“Desculpe” disse o antigo líder. “É um desperdício”, disse outra voz. “Esse é o nosso fim?”, disse a garota do cursinho. “Pare de ser tão legal comigo”, disse a Sanada e depois, “Obrigado” quando se separaram. Então se lembrou do “Eu sinto muito” no telefone. E o mais importante...

“Tenho certeza que você vai ficar bem, Takaki-kun” Akari falou.

Suas vozes surgiam em sua mente como se subitamente saíssem das profundezas silenciosas do mar. Sua mente estava cheia com todas elas. O som do vento invernal uivando através dos edifícios, as bicicletas, caminhões e vários veículos se misturado com a cidade. Quando finalmente escapou, o mundo ficou repentinamente barulhento.

Mas acima de tudo, havia um grito — sua própria voz.

Provavelmente foi a primeira vez que chorou desde aquele dia, quinze anos atrás naquela estação. Estava em lágrimas. Continuou a chorar como se um iceberg gigante dentro dele tivesse acabado de derreter. Não havia nada que ele pudesse fazer.

 

Ele deveria ficar sozinho para sempre. Por que não conseguia fazer ninguém feliz? Nem que fosse só um pouco.

 

Ele olhou para os edifícios de duzentos metros de altura diante dele enquanto as luzes vermelhas piscavam. A salvação simplesmente não viria tão convenientemente.

 


Naquela noite, ela encontrou um envelope velho e gentilmente o abriu. O papel que tirou parecia novo. Sua letra não tinha mudado muito.

Ela leu uma parte da carta antes de guardá-la cuidadosamente. Vou ler de novo, já que estou mais velha, ela pensou. Ainda era muito cedo para isso.

 

✻ ✻ ✻

 

Para Takaki-kun,

Como você está?

Quando marcamos essa data, nunca previmos o quão nevado seria, não é? Parece que o trem está atrasado. Por isso que decidi escrever enquanto estou esperando por você.

Há um fogão na minha frente por isso aqui é quente. Como sempre, guardo algum papel em minha bolsa para que eu possa escrever minhas cartas a qualquer momento. Estou pensando em entregar isso a você mais tarde. Portanto, não chegue muito cedo ou ficarei muito perturbada. Por favor, não se apresse, leve o tempo que precisar para chegar aqui.

 

Faz muito tempo que não nos vemos. Fazem onze meses. É por isso que estou me sentindo um pouco nervosa agora. O que faremos se não nos reconhecermos quando nos encontrarmos? Mas este lugar é tão pequeno em comparação a Tóquio, então não acho que isso poderia acontecer. Mas não importa o quanto tente imaginar como você se parece de uniforme ou roupas de futebol, sempre vai parecer estranho para mim.

Hmmm, o que mais devo escrever? Ah, já sei. Começarei pelos meus agradecimentos. Vou escrever os sentimentos que tinha por você que não pude transmitir corretamente. Quando me mudei para Tóquio no quarto ano do primário eu fiquei realmente feliz que você estava lá. Fiquei feliz por ficarmos amigos. Se você não estivesse lá, a escola teria sido muito mais difícil para mim.

É por isso que realmente não queria transferir para outra escola e me separar de você. Queria participar da mesma escola secundária com você e crescer juntos. Era o que eu desejava. Estou me acostumando com a minha escola agora (por isso, não se preocupe muito comigo), mas todos os dias, pensava muitas vezes: “Como seria melhor se Takaki-kun estivesse aqui”.

Estou muito triste que em breve você vai se mudar para um lugar muito distante. Embora estivéssemos separados entre Tóquio e Tochigi, sempre pensei: “Takaki-kun está ao meu alcance”. Sempre poderia pegar o trem imediatamente para ir te ver. Mas desta vez, ir para o outro lado de Kyushu é um pouco longe demais para mim.

De agora em diante, terei que aprender a viver sozinha, embora não esteja confiante. Mas tenho que conseguir. Tanto você quanto eu.

Há outra coisa que devo dizer. Estou escrevendo isto nesta carta apenas no caso de não poder dizer isso a você.

Eu te amo. Não me lembro quando me apaixonei por você, mas naturalmente, me apaixonei por você antes que eu percebesse. A primeira vez que o conheci, você era um rapaz forte e gentil. Sempre me protegeu.

Takaki-kun, tenho certeza que você vai ficar bem. Não importa o que aconteça, sei que você vai crescer e ser um bom adulto. Não importa o quão longe você vá, sempre vou te amar.

Por favor, lembre-se disso.

 

✻ ✻ ✻

 

Uma noite, ele teve um sonho.

Estava escrevendo uma carta em uma sala cheia de caixas de papelão, tudo preparado para a mudança. Tinha planejado entregar à menina que ele amava em seu primeiro encontro. No final, não conseguiu já que a carta foi levada pelo vento. Dentro do sonho, ele sabia disso.

No entanto, tinha que entregar para ela de alguma forma. Sabia que tinha que escrever aquela carta mesmo que ninguém a lesse.

E assim, ele comprou um papel e escreveu novamente.

 

✻ ✻ ✻

 

Eu realmente não sei o que significa crescer. Mas um dia, se alguma vez encontrar Akari novamente por coincidência, quero ter me tornado alguém que não tenho vergonha de ser.

Isso eu te prometo, Akari.

Eu te amei. Sempre amei.

Por favor tome cuidado.

Adeus.

 


Abril. As ruas de Tóquio estavam cheias de flores de cerejeira.

Takaki estava trabalhando até o amanhecer, então só acordou na hora do almoço. Abriu as cortinas e a luz do sol deslumbrante inundou seu quarto através da janela. A névoa de primavera pairava sobre os edifícios e a luz do sol cintilando em cada pequena janela parecia muito reconfortante. Entre todos os edifícios poderia ver as cerejeiras em plena floração. Ele pensou novamente, Tóquio tem um monte cerejeiras.

 

Já faz três meses que ele deixou a empresa. Só começou a trabalhar novamente no início do mês. Estava assumindo vários trabalhos, desde o projeto até a programação. Ele não tinha certeza se deveria continuar trabalhando de freelancer como agora ou se era possível continuar, mas era hora de voltar ao trabalho. A programação de repente parecia interessante novamente quando seus dedos tocavam o teclado com alegria.

Ele comeu um pouco de torrada com manteiga e bebeu café com leite enquanto tomava café da manhã. Enquanto limpava os utensílios, ele pensou que teria o dia de folga já que terminou tantos trabalhos. Decidiu dar uma volta e vestiu uma jaqueta fina. A brisa varreu seu cabelo e o cheiro do fim da tarde encheu o ar. Era um belo dia. Desde a demissão, percebeu que se sentia diferente em diferentes momentos do dia. De manhã cedo, podia sentir o dia pela frente, um aroma que só havia no amanhecer, outro aroma seria embrulhado suavemente no entardecer. Os céus estrelados tinham seu próprio perfume e os dias nublados também. Tudo tinha a ver com a mistura dos seres humanos e da cidade. Tinha esquecido todas essas sensações.

Atravessou lentamente as ruas estreitas das áreas residenciais e depois sentiu sede, comprou um café em uma máquina de vendas e bebeu em um parque, observando as crianças brincarem pelas portas da escola e inúmeros carros passando na ponte logo acima. Escondido atrás das residências e vários prédios estavam os grandes edifícios de Shinjuku. E atrás deles estava um céu vívido que se assemelhava a uma grande tela azul com nuvens brancas sobre ela.

 

Caminhou em direção a uma travessia da estrada de ferro. Havia uma enorme árvore de cerejeira, o asfalto em volta dela coberto de pétalas brancas. Observou as pétalas caírem lentamente e de repente pensou...

 

Cinco centímetros por segundo.

 

O aviso de cruzamento começou a tocar como se fosse sinal do retorno nostálgico da primavera.

Então, diante dele, notou um andar de mulher. Seus calçados brancos faziam sons enquanto ela andava no concreto mas foi abafado pelo som de advertência.

Uma luz em seu coração. Eles continuaram caminhando em direções opostas, mas tinha uma forte sensação de que se ele se virasse agora, a veria se virando também. Apenas sabia que ela se viraria.

Parou no outro lado da travessia, se virando lentamente para olhá-la. Ela também, lentamente se virou para olhar para ele. Seus olhos se encontram.

Seu coração e suas memórias se agitaram quando o trem correu ao longo da Linha Odakyu e cortou sua linha de visão.

Takaki pensou: “Ela ainda estará lá depois que o trem passar?”, enquanto o trem continuava passando.

Não importava. Se era realmente ela, era o suficiente para um milagre.

Ele decidiu. Assim que o trem passasse, ele seguiria em frente.

 

 

 

 



Comentários