Volume 1

INTERLÚDIO VI

NOS PRIMEIROS MESES DO ENSINO MÉDIO, eu vagava pela vida apaticamente, sem qualquer senso de direção. Por insistência de meus professores e senpais, entrei para a equipe de natação, mas, naquele momento, eu estava apenas seguindo o fluxo, sem energia. Não alcancei nenhum recorde notável como fazia no fundamental. Na sala de aula, também tinha dificuldade em me manter presente mentalmente, e, por isso, frequentemente levava broncas dos professores por ficar no mundo da lua. Sem Kanae para me cumprimentar todas as manhãs, ir à escola parecia vazio e sem sentido.

Havia um buraco em meu coração, e sua ausência era como um vento gelado que soprava por ele todos os dias. Se ao menos eu pudesse vê-lo novamente... ou até mesmo ouvir sua voz ao telefone, receber uma mensagem sua... talvez isso não preenchesse o vazio, mas ao menos poderia acalmar esse vento por um tempo.

Pena que isso nunca aconteceu. Ele nunca entrou em contato comigo.  

No início, tentei dar o benefício da dúvida, pensando que ele apenas precisava de um tempo para se ajustar ao novo ambiente. Mas um mês virou dois, e ainda assim, nada. Claro que comecei a me preocupar. Várias vezes pensei em tomar a iniciativa e mandar uma mensagem, mas nunca tive coragem de apertar o botão de chamada ou enviar um simples texto.

"Somos apenas amigos. Não tire conclusões erradas."

As palavras de Kanae naquele dia fatídico no fundamental não saíam da minha cabeça. Eu sabia que ele só queria afastar aquela outra garota de mim, mas suas palavras se enroscaram no meu coração como uma serpente que se recusava a soltar. Sempre que pensava em entrar em contato, essa frase ressurgia, mostrando suas presas e me paralisando com seu veneno. O efeito era avassalador, e eu nunca conseguia fazer nada.

Assim, continuei vivendo no piloto automático, oscilando constantemente entre ansiedade e resignação. A única forma de perceber que o tempo ainda estava passando era o número crescente de rascunhos na minha pasta de mensagens não enviadas.

Então, em uma noite do verão do meu primeiro ano, minha vida chegou a um ponto de virada. Por algum motivo, senti uma necessidade incontrolável de sair para correr. Talvez eu esperasse que isso distraísse minha mente da sensação de vazio e isolamento, ou talvez fosse apenas um excesso de energia acumulada, já que não tivemos treino naquele dia. Seja qual fosse o motivo, tudo que eu sabia era que precisava correr.

Depois de uma hora, eu já tinha percorrido metade do perímetro da ilha, e meu corpo inteiro estava encharcado de suor. Parei para recuperar o fôlego, sentando-me no muro à beira-mar, deixando a brisa fresca da noite resfriar minha pele. Ao longe, do outro lado do mar, as luzes brilhantes do continente tremulavam como vaga-lumes, e então, um pensamento me atingiu como um relâmpago.

Aquele é o lugar onde eu preciso estar. Lá.

Era como se uma chama tivesse sido acesa dentro do meu peito. Meu corpo voltou a queimar de novo, e eu não conseguia mais ficar parada. Corri de volta para casa o mais rápido que pude e, assim que cheguei, comecei a procurar informações sobre como me mudar para Tóquio.

No dia seguinte, depois da escola, fui direto ao meu professor e perguntei sem rodeios.

— O que eu preciso fazer para entrar na U of I?

Naquele momento, parecia a única opção que me restava. Como Kanae já estava estudando na escola preparatória oficial da universidade, sua escolha de faculdade estava praticamente definida. Se eu conseguisse me formar com notas altas o suficiente para ser aceita na mesma universidade, poderíamos ficar juntos novamente. Era por isso que eu estava perguntando, mesmo sabendo que estava subestimando o quão difícil seria. Mas não importava. Eu não podia ignorar essa nova vontade que ardia dentro de mim, e também não queria ignorá-la. Sabia que, se não começasse a agir imediatamente, havia uma grande chance de nunca mais ver Kanae.

Meu professor respondeu com um olhar cauteloso.

— Para ser sincero… talvez seja melhor baixar um pouco suas expectativas, considerando suas notas atuais. E mesmo que você consiga passar na prova, essa ainda é uma universidade cara. Você já conversou com sua mãe sobre isso?

A resposta foi tão desanimadora quanto eu esperava, mas me recusei a ceder.  

— Ainda não, mas vou conversar — afirmei com determinação.

— Olha, eu sei que isso não é da minha conta, mas… não acho que você entenda completamente o peso financeiro que estaria colocando sobre ela. Sua mãe trabalha duro, mas uma escola particular desse nível talvez esteja fora de questão. Se você realmente quer estudar e entrar em uma boa universidade, há várias opções públicas muito respeitáveis e bem mais acessíveis.

— Desculpe, mas minha decisão está tomada. Eu quero ir para a U of I — declarei, firme.

Meu professor hesitou por um momento, mas finalmente suspirou e disse com um olhar compreensivo.

— Tudo bem. Se você está realmente decidida quanto a isso, farei o que puder para ajudá-la. Mas o máximo que posso oferecer é orientação.

Então, ele me deu um resumo básico do que eu precisava fazer para transformar meu sonho universitário em realidade. Prestei atenção em cada palavra e, no final, já tinha uma ideia clara do que meu plano de ação precisava incluir. Era bem simples, na verdade. Tudo se resumia a três coisas: meus estudos, minhas atividades extracurriculares e minha situação financeira.

A parte acadêmica era óbvia. Se eu não fosse aceita, todo o resto seria em vão. Meu professor também me disse que eu deveria me esforçar para conquistar prêmios importantes na minha carreira no time de natação do ensino médio, já que as universidades levavam esse tipo de coisa em consideração. Conquistas desse tipo poderiam até me ajudar a conseguir algum auxílio financeiro. Ainda assim, mesmo que, por um milagre, eu conseguisse uma bolsa integral para cobrir a mensalidade, isso não pagaria minha mudança nem minhas despesas diárias. Então, decidi que precisaria começar a trabalhar meio período o quanto antes.

Seria um caminho longo e árduo, sem dúvida, mas agora que eu sabia exatamente o que precisava fazer para chegar lá, comecei a me sentir muito mais confiante. Agradeci ao meu professor pelo conselho e saí da sala de aula. Se eu conseguisse nadar melhor do que qualquer outra pessoa no time, conseguir um patrocínio esportivo e talvez até uma bolsa seria moleza. Ainda bem que eu nunca abandonei esse esporte. É verdade que eu tinha relaxado um pouco desde que entrei no Colégio Sodeshima, mas, a partir de agora, precisaria dar o meu máximo.

Quando cheguei em casa depois do treino naquele dia, encontrei meu irmão assistindo a TV no sofá da sala, com os pés apoiados na mesa. Eu sabia que a mamãe já tinha pedido para ele parar de fazer isso. Escolhi ignorá-lo e passei direto em direção ao banheiro. Mas, ele me chamou, me fazendo parar no meio do caminho.

— Ei. Vai comprar um refrigerante pra mim rapidinho — ordenou.

Sua voz era monótona; ele nem sequer fez contato visual comigo. Para falar a verdade, meu irmão sempre me mandou fazer coisas, desde que éramos pequenos. Mas, depois da lesão no ombro, ele ficou cada vez mais mandão. Antes, eram coisas pequenas, como "pega o controle remoto" ou "enche a banheira pra mim". Mas, ultimamente, ele começou a me tratar como se eu fosse sua empregada particular, mandando eu "fazer o jantar" ou "passar suas roupas", entre outras tarefas.

Que fique claro: eu realmente sentia empatia pelo que ele devia estar passando depois de ter que desistir do beisebol. Mas também o desprezava profundamente pelo tipo de pessoa desprezível em que ele havia se tornado. Desde que se formou no ensino médio, tudo o que ele fazia era ficar jogado no sofá assistindo a TV o dia inteiro ou sair para fazer sabe-se lá o quê com seus amigos inúteis, só voltando para casa quando lhe convinha. Ele não demonstrava o menor interesse em arrumar um emprego ou entrar na faculdade, mas, ainda assim, tinha a cara de pau de pedir dinheiro para nossa mãe o tempo todo. No meu ponto de vista, ele não tinha um único osso — ou sequer uma molécula — de respeito em seu corpo.

— Ei. Tá surda, por acaso? — ele resmungou, me encarando impaciente.

Normalmente, nesse momento, eu cederia e faria o que ele mandou, ainda que a contragosto. Mas isso não ia mais acontecer. Não quando eu precisava estudar o máximo possível em casa para realizar meu sonho de me mudar para Tóquio. Se continuasse perdendo tempo com cada pequena tarefa que ele me empurrava, desperdiçaria horas preciosas. Decidi que era hora de impor limites, então tentei dizer não de um jeito que não o irritasse.

— Desculpa, não vai dar. Tenho um monte de lição de casa para fazer hoje à noite — expliquei.  

Os olhos dele se arregalaram. Então, ele pegou o controle remoto em cima da mesa de café e o atirou na minha cabeça sem hesitar. Eu gritei quando o controle bateu na parede, a poucos centímetros do meu rosto, fazendo a tampa da bateria sair voando pelo ar.  

— Faz o que eu mandei, sua pirralha. Não pense que está abafando só porque é a mais rápida no nado de cachorro na piscina infantil — ele cuspiu, pegou o copo de bebida e ameaçou jogar isso também. Eu levantei as mãos sobre a cabeça como reflexo defensivo.  

— T-Tá bom, caramba... Vou comprar seu maldito refrigerante — falei, praticamente correndo de volta pela sala de estar.

Sem nem mesmo ter tempo de trocar de uniforme, saí correndo do apartamento. Meu corpo inteiro estava tremendo. Nunca imaginei que ele realmente começaria a me atacar com objetos por eu me recusar a ser sua criada. Ele nunca tinha feito nada disso antes; o irmão que eu tanto desprezava estava começando a me aterrorizar de verdade. Fui lentamente até as escadas em direção à máquina de refrigerante mais próxima, com as lágrimas de medo e desespero começando a se formar nos cantos dos meus olhos.

Na manhã seguinte, contei à minha mãe que queria fazer faculdade na capital. Expliquei que sabia que nossas finanças estavam apertadas, mas garanti que ela não precisaria se preocupar, pois eu ia cobrir meus custos de matrícula, seja com bolsas de estudo ou empréstimos estudantis. Também disse que planejava arrumar um trabalho meio período em breve para cobrir os custos de morar sozinha. Ela me deu seu apoio e disse que veria se conseguia me arrumar um emprego em uma pousada local, tradicional, que ela sabia que pagava um salário razoável por hora. Seus olhos estavam cheios de vergonha enquanto se desculpava por não poder me ajudar mais, mas eu disse que isso já era mais do que suficiente.  

Agora que eu já havia decidido qual faculdade queria, finalmente tinha uma desculpa para entrar em contato com a Kanae. Com as borboletas no estômago, redigi uma longa mensagem para contar a novidade a ele… mas, no fim, não a enviei. Meu bom senso me disse que talvez fosse um pouco estranho e exagerado dizer que eu já estava planejando ir para a mesma faculdade que ele, quando nem tínhamos chegado à metade do nosso primeiro ano. Decidi esperar até a primavera do nosso último ano, um momento muito mais natural para as pessoas já terem decidido seu caminho no ensino superior. Mas, fosse Kanae saber ou não, eu acabava de dar meus primeiros passos rumo à minha mudança para Tóquio.

O ano e meio seguinte, até o presente momento, foram, sem dúvida, os meses mais exaustivos de toda a minha vida.

Quando o verão do meu primeiro ano foi chegando ao fim e o outono se instalou de vez, tudo começou a ficar embaçado. Minhas únicas lembranças reais desse período eram de estar completamente e totalmente exausta com o ciclo de trabalho, estudo, natação, dia após dia. Eu não podia relaxar em nenhum desses três pilares da minha vida, então foi meu horário de sono que acabou sendo prejudicado. Comecei a cochilar no meio das aulas, frequentemente perdendo muito conteúdo importante. Eu até me saía bem pela manhã, mas, depois do almoço, era uma luta ficar acordada o suficiente para copiar as anotações do quadro. Mesmo assim, persistia, lutando desesperadamente contra a vontade de dormir para não afetar minhas notas.

Quando o dia escolar terminava, finalmente eu podia dar um descanso ao meu cérebro. Não era muito alívio, admito, porque eu tinha que correr direto da sala de aula para o treino de natação. O formato não havia mudado muito desde o meu tempo no ensino fundamental. Continuávamos nadando na piscina externa da escola durante o verão e fazendo treinamento físico nos meses mais frios, com um dia por semana reservado para nadar em uma piscina coberta na ilha principal. A única coisa que tinha mudado era a dificuldade. Nosso novo treinador de natação era um verdadeiro disciplinador e nos fazia trabalhar até o limite todos os dias. Nunca houve um único dia em que eu não saísse do treino me sentindo como um saco de batatas amassado.  

Mesmo depois disso, ainda tinha que ir trabalhar no meu emprego meio período. Eu tinha que espremer até a última gota de energia dos meus músculos, como se fosse um pano de prato velho, para continuar sorrindo enquanto cumprimentava e atendia os hóspedes da pousada. Ainda era um ambiente de trabalho desconhecido para mim, apesar dos meus esforços, e como eu estava sempre no auge da exaustão física e mental nesse ponto do dia, cometi mais erros no trabalho do que gostaria de admitir. Às vezes, eu recebia sermões dos meus colegas de trabalho mais velhos, e outras vezes até era xingada por hóspedes irritados em algum tipo de viagem de poder com o famoso "o cliente sempre tem razão". Em noites assim, eu me trancava no banheiro por um tempo e chorava muito, onde ninguém pudesse me ouvir.  

Normalmente, eu estava tão exausta quando saía do trabalho que poderia dormir em pé. E ainda assim, mesmo assim, meu dia não estava totalmente acabado. Eu tinha que voltar para casa e estudar no meu tempo livre para me preparar para o exame de entrada para a universidade. Assim que chegava em casa, comia alguma coisa, tomava um banho rápido e tentava estudar por pelo menos duas horas todas as noites. Estudar fora do horário escolar era essencial para mim, pois o currículo básico da Escola Sodeshima não era suficiente para passar em uma escola de prestígio por si só. Depois dessas duas horas, eu reunia a última gota de energia que me restava para me arrastar até a cama e me jogar nela, onde imediatamente desmaiava de tanto cansaço. Se o dia seguinte fosse dia de aula, eu fazia tudo de novo, e se fosse fim de semana, eu ia direto para o trabalho ou para o treino de natação. Nunca me dava folga.  

Você poderia pensar que eu me acostumaria com essa rotina rígida depois de um tempo, mas não. Cada novo dia era como um novo inferno. Mesmo assim, eu continuava vivendo dessa forma, sem me dar tempo para duvidar da minha decisão ou me lamentar sobre o quão péssima era minha situação. Minha mente e meu corpo estavam igualmente exaustos. Nunca, nem em um milhão de anos, eu teria imaginado que isso poderia ficar ainda pior.

Eu me lembrei de um sonho que tive uma vez. Nesse sonho, eu caminhava até a escola, subia para a sala de aula, e Kanae estava lá… no colégio Sodeshima.

— Oi, Akari. Como você está? — ele disse.

— Kanae-kun?! O-que você está fazendo de volta na Sodeshima?! — perguntei, incrédula, enquanto me aproximava lentamente de sua mesa.

— Ah, é. A escola em que eu estava fechou, na verdade. Então, decidi voltar para cá.

— Uau, isso é loucura — falei. Então, toda a força saiu do meu corpo de uma vez. Caí de joelhos ali mesmo, no meio da sala de aula.

— Você não vai precisar se esforçar tanto assim, Akari — ele disse, estendendo a mão para me ajudar a levantar. — Podemos simplesmente ir devagar e aproveitar como nos velhos tempos.

— Sim… Eu gostaria disso — falei, pegando a mão dele e deixando ele me puxar para me levantar. Então fomos até o telhado da escola e almoçamos juntos. Eu estava tão feliz, tão aliviada e tão empolgada que não conseguia parar de falar. Kanae sentava ali, com um sorriso no rosto, ouvindo cada palavra.

— Akari — ele me interrompeu em um momento, olhando profundamente nos meus olhos enquanto se aproximava do meu rosto. Eu congelei como uma boneca de porcelana, atônita demais para me mover um centímetro. Ele passou a mão suavemente na minha bochecha e a retirou novamente.

— Você tinha um pouco de arroz no rosto — ele disse.

— Ooh, é só isso? Puxa! Me avisa antes de vir com tudo da próxima vez! Ahahaha — brinquei, rindo disso. A risada logo se transformou em lágrimas. Porque eu já sabia, naquele ponto, que tudo aquilo era apenas um sonho. Que, mais cedo ou mais tarde, eu teria que abrir os olhos e encarar mais um dia do meu pesadelo acordada. E, ainda assim, eu não queria deixar esse momento ir embora. Eu queria ficar ali com Kanae e segurar cada segundo que eu pudesse. Mesmo que fosse tudo uma mentira.

— Não chore, Akari — ele implorou.

E eu tentei. Naquele momento, eu faria qualquer coisa por Kanae. O problema é que ele me pediu a única coisa que eu não poderia dar.

— Ei, Hoshina-senpai! Acorda!

Cansada, comecei a perceber que alguém estava me balançando pelos ombros. Abri os olhos com dificuldade e vi uma das garotas mais novas da equipe de natação me encarando como se eu estivesse causando uma grande confusão pública para envergonhá-la.

— Voltamos para a Sodeshima. Hora de descer.

— Tá bom — murmurei sonolenta. Agradeci por ela ter me acordado e me levantei. Eu costumava cochilar no trajeto de balsa assim, as ondulações lentas das ondas sob o barco me embalaram no sono. Desci do barco e saí do porto, estiquei os braços e respirei fundo. Ao meu redor, estavam os doces aromas da primavera.

Agora eu estava no segundo ano do ensino médio. Avançar um nível escolar, infelizmente, não significava que minha rotina caótica tivesse ficado mais fácil. Todo dia continuava sendo um perigoso ato de equilíbrio entre escola, natação e trabalho... mas eu sentia que estava começando a progredir. Aos poucos, minhas notas estavam melhorando, e eu já tinha economizado uma quantia razoável de dinheiro. Minha carreira na natação também estava em ascensão.

Meu professor disse que eu talvez pudesse me candidatar a uma recomendação esportiva da Universidade de Illinois, explicando que era uma forma alternativa para estudantes que alcançassem grandes feitos em determinados esportes terem prioridade na admissão, sem precisar enfrentar a corrida tradicional dos vestibulares e recomendações públicas. No meu caso, tudo o que eu realmente precisava para me qualificar era chegar ao campeonato nacional de natação.

A boa notícia era que havia muito menos concorrência para aqueles que se candidatavam a uma recomendação esportiva em comparação com a admissão geral. Além disso, geralmente vinha acompanhada de uma bolsa de estudos bem generosa. Para alguém como eu, cuja família já tinha dificuldades financeiras, essa era uma opção muito atraente. Por isso, redirecionei parte do meu tempo e esforço mental dos estudos para a natação.

Para competir no campeonato nacional, primeiro eu precisava me destacar nas eliminatórias distritais, que aconteciam apenas uma vez por ano, no verão. Como eu ainda estava no segundo ano, tinha mais duas chances. Eu sabia que teria que me esforçar ainda mais do que já vinha fazendo para chegar lá, mas estava determinado a conquistar essa tão desejada bolsa de estudos.

Eu me esforcei até os ossos, tentando reduzir o máximo possível o meu tempo no estilo crawl. Vi os números diminuírem cada vez mais, junto com as horas de sono que eu conseguia ter a cada noite. Para ser justa comigo mesma, isso não era inteiramente culpa dos meus treinos constantes. A maior parte da culpa era do meu irmão. Ultimamente, ele vinha trazendo os amigos para o apartamento mais ou menos a cada três dias. Como minha mãe trabalhava até tarde da noite, ele e dois ou três de seus amigos ficavam no quarto dele, bebendo e fazendo piadas até de madrugada.  

A noite inteira, eu era obrigada a ouvir risadas vulgares, gritos infantis e passos pesados sem o menor arrependimento. Era tão barulhento que não havia como escapar. Eu tentava puxar o cobertor até cobrir completamente minha cabeça para abafar o som, mas as paredes do nosso apartamento eram tão finas que as vozes estrondosas e as gargalhadas altas ainda faziam meus tímpanos latejarem dolorosamente a noite toda. Não conseguir dormir o descanso de que eu tanto precisava, mesmo nas poucas horas que minha rotina exaustiva me permitia, era uma verdadeira tortura. Conforme a madrugada avançava e a privação de sono piorava, eu ficava tão agitada e inquieta que parecia que eu ia enlouquecer.

— Ah, calem a boca de uma vez…  

Me encolhi debaixo das cobertas e tentei ao máximo pensar em algo mais agradável. Como, por exemplo, quando eu me mudasse para Tóquio e visse Kanae de novo… Seria legal irmos juntos a algum lugar divertido. Talvez um aquário ou um parque de diversões. Para ser sincera, não me importava muito com o destino, desde que estivesse com ele. Havia tantas coisas que eu queria conversar com ele… Queria saber se ele entrou para algum clube na escola nova, que tipo de amigos ele fez e… se já tinha arrumado uma namorada. O que eu faria se ele tivesse? Só de imaginar ele com uma namorada muito mais bonita e engraçada do que eu, meu estômago embrulhava. Mas isso explicaria por que ele não tinha entrado mais em contato comigo. Ugh, odeio isso. Acho que eu devia simplesmente mandar uma mensagem e perguntar de uma vez. É, vou fazer isso. Mas espera… E se ele disser que sim? Como eu vou reagir? Gah, não, chega! Preciso parar de deixar minha imaginação pessimista fugir do controle. Me obriguei a desligar o cérebro para conseguir dormir pelo menos um pouco.

Alguns meses se passaram. Antes que eu percebesse, já era junho e as eliminatórias nacionais estavam se aproximando. Me lembro de ter chegado em casa um dia depois das onze da noite, completamente exausta do treino e do trabalho. Mas antes de ir tomar banho, peguei meu caderninho do banco na gaveta da escrivaninha e o abri. Percorri a lista de depósitos e vi que minhas economias estavam realmente aumentando. Assim que eu depositasse o pagamento do dia, minha conta ultrapassaria a tão esperada marca de um milhão de ienes. Isso já era mais de um ano de despesas pagas!

Me senti um pouco mesquinha, parada ali, refletindo (mentalmente) sobre quanto dinheiro eu tinha, mas ver os números crescerem me dava ânimo para continuar. Fiz alguns cálculos de cabeça, tentando descobrir quantos meses mais eu precisaria trabalhar para atingir minha meta original, quando, de repente, a porta do meu quarto se escancarou.

— Ai! — soltei um grito ao deixar o caderninho cair no chão em puro pânico.

— Ei, Akari. Meus amigos vão vir aqui mais tarde — disse meu irmão. — Preciso que você saia e compre uns petiscos para a gente.

Eu não podia acreditar. A audácia — o puro descaramento. Ele tinha invadido meu quarto sem permissão — sem sequer bater na porta — e agora estava me mandando sair para fazer mais um favor para ele. Eu queria gritar. Quem ele achava que era?

Apesar de tudo, não consegui responder. O medo de que ele começasse a jogar coisas em mim de novo me impediu de retrucar. Mordi o lábio, me ajoelhei e peguei meu caderninho do chão. Depois de guardá-lo de volta na gaveta da escrivaninha, peguei minha carteira e saí pisando firme de casa, sem dizer uma palavra.

— E não demora, beleza? — meu irmão gritou atrás de mim.

Eu estava fervendo de raiva. Aquele último comentário quase me fez explodir. Ainda assim, fiz o que me foi mandado: saí, comprei os malditos petiscos que meu irmão sempre me mandava buscar e voltei para o apartamento. No instante em que atravessei a porta, ele arrancou as sacolas das minhas mãos e voltou para o quarto sem nem ao menos me agradecer.

Tarde da noite, assim que terminei de estudar e estava prestes a me enfiar na cama, os amigos do meu irmão apareceram — quase como se tivessem planejado aquilo apenas para me impedir de dormir com suas palhaçadas barulhentas e irritantes. Só que, dessa vez, eles foram um pouco além.

— Ei, você tem uma irmã mais nova, não tem, Akito? A Akari-chan, certo? — perguntou um dos amigos do meu irmão. De novo, as paredes eram tão finas que eu conseguia ouvir cada palavra com clareza.  

— Sim, e daí?

— Ah, é que acho que a vi pela cidade outro dia. Ela ficou bem bonitinha, cara. Ela tá aí no quarto ao lado agora?

Meu sangue gelou. Meu corpo travou em puro terror. Uma sensação sombria e sufocante rastejou para dentro do meu peito, percorrendo sua língua gélida ao longo do meu coração.

— Quer chamar ela pra curtir um pouco com a gente? — disse outro amigo.  

— Ei, ótima ideia. Vai lá e chama ela pra vir beber com a gente, Akito. Pelo amor de Deus, precisamos de umas garotas por aqui.

— Cara, não. Isso soa ridículo pra caramba.

— Ah, qual é, cara! Beleza, então eu mesmo chamo. Ei, Akari-chaaaan! Você ainda tá acordada aí?!

Uma explosão de risadas estrondosas atravessou as paredes do quarto ao lado. Até meu irmão estava rindo agora. Enquanto isso, tudo que eu conseguia fazer era me encolher debaixo das cobertas, tremendo de medo. Eu nem sabia o que faria se meu irmão realmente entrasse ali naquele momento. Só a ideia era tão assustadora que comecei a chorar em silêncio no travesseiro. Nunca na minha vida eu tinha me sentido tão aterrorizada pela ausência de uma fechadura na porta do meu quarto.

Não preguei o olho naquela noite. Meu irmão e os amigos dele não fizeram nada, mas ainda assim, foi a experiência mais angustiante que já vivi. Eu havia chegado ao meu limite. Assim que os amigos dele foram embora de manhã cedo, fui direto para a sala e o confrontei de frente.

— Certo, olha. Precisamos conversar — eu disse.  

— Hã? O que você quer? Na verdade, esquece, tô cansado agora — ele bocejou, se afastando em direção ao quarto. Aquele ar arrogante foi a gota d’água para mim. 

— Ah, não! Eu já tive o suficiente de você! — gritei, e ele se virou surpreso na hora. — Você só me trata como sua escrava pessoal e me mantém acordada a noite toda com essas suas festas ridículas… Por favor, Akito. Isso precisa parar. Eu não aguento mais.

A bochecha dele se contraiu de raiva.

— Para de exagerar. A gente só tava se divertindo um pouco. Se te incomoda tanto assim, compra uns tampões de ouvido, caramba. Você não manda nessa casa, então para de agir como se mandasse.

Isso foi a gota d'água. Algo dentro de mim se rompeu, e as comportas se abriram. Desatei a liberar toda a fúria e ressentimento que vinha reprimindo há mais de um ano.

— Ah, é? Engraçado ouvir isso de um vagabundo aproveitador que nem sequer tenta arrumar um emprego. Até quando você vai continuar usando esse ombro machucado como desculpa, hã? Até a nossa mãe se matar de tanto trabalhar?

Os olhos do meu irmão se arregalaram, e seu rosto ficou vermelho como um tomate. 

— O que diabos você disse pra mim?!

Ele me empurrou com tanta força que, por um momento, achei que ele tivesse quebrado o meu esterno. Minhas pernas cederam, e caí para trás direto na mesa de centro — onde um de seus cantos pontiagudos se cravou fundo na lateral da minha lombar. 

— Agh, hngh…

Uma dor aguda percorreu meu quadril. Eu não conseguia me mover. Fiquei ali, gemendo impotente no chão, enquanto meu corpo inteiro era tomado por um suor frio. Tentei me levantar algumas vezes, mas isso só tornava a dor ainda mais insuportável. Meu irmão estalou a língua com impaciência e saiu de casa. Algum tempo depois, minha mãe finalmente chegou do trabalho.  

— Akari! Você está bem?! O que aconteceu?! — ela gritou, deixando a bolsa cair no chão enquanto corria para me socorrer. Ela me levou às pressas para a pequena clínica de saúde aqui em Sodeshima, de onde fui transferida para um hospital de verdade no continente.  

Fui diagnosticada com uma suspeita de "fratura do processo transverso" em uma das vértebras lombares. Basicamente, eu tinha trincado a pequena protuberância óssea que se estende para o lado de um dos segmentos da parte inferior da minha coluna. Quando me mostraram a região da cintura no espelho, vi um grande hematoma roxo-escuro, como se alguém tivesse esmagado um punhado de amoras contra minhas costas. O médico disse que uma cirurgia não seria necessária e que não haveria complicações futuras, desde que eu usasse um colete ortopédico por um tempo e tirasse um período de repouso para me recuperar. A conta do hospital não foi absurda, e me deram alta no mesmo dia.

O problema era que eu realmente não podia me dar ao luxo de tirar esse tempo de folga agora. Levaria três semanas até que eu pudesse voltar ao meu trabalho de meio período, e dois meses inteiros antes que eu estivesse autorizada a nadar novamente. Isso significava que eu tinha que abandonar completamente a ideia de competir no campeonato nacional este ano, tudo enquanto era forçada a ficar deitada na cama como um cadáver.

Tudo que eu podia fazer para lidar com o desespero de desperdiçar uma das minhas duas últimas chances era chorar baixinho no travesseiro. O que eu realmente queria era gritar e soluçar até perder a voz, mas sempre que eu fazia mais do que apenas soluçar suavemente, as contrações do meu diafragma faziam parecer que pregos longos e enferrujados estavam sendo martelados na minha coluna. Minha única opção real era tentar ao máximo reprimir minhas emoções. Parar de sentir qualquer coisa. Se um estranho olhasse para mim, deitada imóvel naquela cama, provavelmente pensaria que eu estava apenas distraída, mas por dentro, eu gritava de agonia desde a manhã até tarde da noite.

Como todos os meus esforços atléticos podiam simplesmente ir para o lixo?! Sacrifiquei todas aquelas horas de trabalho e estudo por nada! O que eu fiz para merecer isso?! O que eu tenho para mostrar por todas aquelas horas exaustivas de treino agora?! Nada!

Eu ainda tinha mais uma chance de chegar ao nacional, mas isso só aconteceria daqui a um ano inteiro. O pensamento sozinho já fazia meu estômago se revirar. Para piorar, parecia que apenas uma única pessoa realmente se importava com o inferno que eu estava passando: minha mãe. Ela até tirou um tempo precioso do trabalho para cuidar de mim e ficou ao meu lado quando eu estava com tanta dor que mal conseguia andar pelo apartamento.

— Me diga uma coisa, Akari — ela perguntou um dia, enquanto eu ainda estava de cama. — O que realmente aconteceu naquela manhã?

Pensei por um longo tempo se deveria contar toda a verdade ou não, porque sabia que isso provavelmente partiria seu coração. Minha mãe trabalhava tão duro quanto eu, mas pelo bem da família, e por muito mais tempo do que eu. Ela não merecia mais esse peso sobre os ombros. Mas percebi que essa era uma daquelas coisas que eu realmente não deveria esconder.

Então, decidi contar a verdade.

— Akito me empurrou... e eu caí de costas, batendo o cóccix na mesa de centro — confessei.  

— Entendo — disse minha mãe. — Eu já imaginava que fosse algo assim. Certo. Obrigada por ser honesta comigo. E me desculpe por ter permitido que algo assim acontecesse com você, por ser uma mãe ausente. Sou uma péssima mãe...  

— Não, mãe! Isso não é culpa sua, de jeito nenhum. Por favor, não diga isso.

— Bem, pode ter certeza de que eu vou falar com o Akito sobre isso. Vou deixar bem claro que, se algo assim acontecer de novo, ele vai parar na rua.  

Ela parecia realmente determinada. Eu sabia que podia contar com ela. Ou pelo menos, era assim que eu me sentia naquele momento.

Naquela noite, enquanto tentava dormir, ouvi minha mãe gritando na sala, em um tom que raramente — ou nunca — usava. Curiosa, decidi dar uma olhada no que estava acontecendo. Com cuidado para não forçar a parte inferior das minhas costas, me ergui da cama e saí para o corredor. Então, me aproximei da porta da sala, que estava ligeiramente entreaberta, e espiando pelo vão, vi meu irmão sentado no sofá enquanto minha mãe o repreendia sem piedade.

Dava para perceber pelo tom frenético da sua voz o quanto ela não tinha experiência em punir os próprios filhos, e ainda assim, meu irmão permanecia completamente impassível diante de tudo que ela dizia. Na verdade, ele parecia mais irritado pelo barulho que ela fazia, como se mal pudesse esperar para que ela se calasse. Então, de repente, nossos olhares se cruzaram.

Foi por apenas um segundo, mas aquele único instante foi suficiente para que ele deixasse claro: ele ia me fazer pagar por isso. Só espere. Aterrorizada, voltei para o meu quarto às pressas para fugir daquele olhar de desprezo, já me arrependendo de ter contado a verdade para minha mãe.  

Quando finalmente me recuperei o suficiente para voltar aos treinos de natação, o nosso time já havia sido eliminado das preliminares do distrito, e todos os veteranos haviam se aposentado. Mesmo assim, meus colegas me receberam de braços abertos, perguntando se eu estava bem e dizendo o quanto sentiram minha falta.

O carinho deles durante aquele que foi, sem dúvida, o pior ano da minha vida significava o mundo para mim, e eu não pude evitar derramar algumas lágrimas de tanta emoção. Ao mesmo tempo, senti um aperto no peito, porque percebi o quanto havia me fechado até então, focando apenas em melhorar meus tempos e deixando de lado a oportunidade de criar laços com meus companheiros de equipe. Decidi, então, que dali em diante faria um esforço para interagir mais com eles.

Passei a conversar mais com meus colegas, dar dicas para os novatos do primeiro ano e bater papo com as outras garotas nos intervalos dos treinos. Elas sempre eram muito simpáticas, e sempre que estávamos rindo juntas, por um breve momento, eu conseguia esquecer de todos os aspectos dolorosos da minha vida. Foram os momentos mais felizes que tive desde que entrei no ensino médio.  

Mas a felicidade não durou muito.

Cerca de duas semanas depois da minha recuperação, fui ao banheiro da piscina e, enquanto estava dentro de uma das cabines, ouvi duas colegas de equipe entrando e começando a fofocar sobre mim. Elas não perceberam que eu estava ali.  

— Então, o que você acha que tem de errado com a Hoshina-san? — disse uma delas. — Não sei o que passa pela cabeça dela, mas o jeito como ela está agindo agora é simplesmente ridículo, se quer saber.

— Pois é, né? Tipo, será que ela não percebe que foi a lesão estúpida dela que fez a gente perder a chance de ir para o nacional? E agora ela tem a cara de pau de voltar sorrindo como se nada tivesse acontecido? É inacreditável.

— Ei, quer saber de uma coisa que ouvi por aí? Estão dizendo que foi o irmão dela que machucou ela daquele jeito.

— Sério? Tipo... violência doméstica de verdade?

— É, parece que aquele cara virou um lixo completo ultimamente. Ego super frágil, vive pedindo dinheiro pros amigos e nunca paga de volta, bate na irmã... Um escroto.

— Nossa, que lixo de pessoa. E aposto que ele gasta tudo com bebida. Que família mais podre, né? Tá, pelo menos a Akari tá ralando pra juntar dinheiro pra faculdade, eu acho, mas sério?

— Ah, não fala tão cedo. Vai que ela também começa a pedir dinheiro pra gente um dia desses. E o ciclo da pobreza continua!

— Haha! Tá brincando, mas eu sinto que isso pode mesmo acontecer!

Fiquei ali sentada, paralisada, mesmo depois que as duas saíram do banheiro. Eu não conseguia sentir nem raiva. Tudo o que senti foi um ódio profundo por mim mesma.

Era humilhante pensar que acreditei nas palavras gentis delas, que aceitei os votos de melhoras como se fossem sinceros. Eu realmente achei que sentiam minha falta? Que piada. Eu fui uma tola por achar que elas realmente se importavam.

Depois disso, comecei a evitar todos os meus colegas de equipe de propósito.

Pensando nisso agora, foi provavelmente nesse momento que meus profundos problemas de confiança começaram. Sempre que eu ouvia alguém rindo à beira da piscina, automaticamente assumia que era às minhas custas. E sempre que alguma das outras garotas tentava falar comigo, eu entrava no modo de defesa, me convencendo de que tinham algum motivo oculto. Logo, elas pararam de tentar interagir comigo por completo, e eu me tornei uma solitária na equipe de natação mais uma vez. Esses problemas de confiança logo começaram a se manifestar também na sala de aula. Enquanto eu geralmente passava os intervalos do almoço com a cabeça abaixada sobre a mesa, tentando tirar um cochilo, antes desse episódio eu ainda tentava socializar um pouco com meus colegas. Depois disso, parei de falar com praticamente todo mundo e passei a almoçar sozinha em silêncio.  

Não importava onde eu estivesse, sentia que não era bem-vinda. Como se eu não pertencesse a lugar nenhum.

O único lugar onde encontrei um pouco de paz foi no telhado da escola. Sempre que sentia que não aguentava mais ficar cercada por aquelas pessoas durante o almoço, saía da sala e ia matar o tempo na escada que levava à porta de acesso ao telhado. Quando aprendi o truque para abrir aquela porta, passei a almoçar lá cada vez mais frequentemente. Não sei explicar o porquê, mas estar ali me acalmava completamente. Era o único lugar onde sentia que conseguia respirar. Como se toda a ilha de Sodeshima fosse uma cidade submersa e aquele fosse o único ponto alto o suficiente para eu emergir e encher os pulmões com ar fresco. Sempre que olhava para baixo daquele lugar, sentia a mesma coisa: preciso sair dessa ilha, e rápido. Então, sem falha, o sinal para a quinta aula tocava, e eu voltava a afundar nas águas outra vez. Forçada a prender a respiração por mais um dia.  

Após minha lesão na lombar, meu irmão deu uma trégua em seu comportamento exigente e perturbador por um tempo. Parou de trazer os amigos para casa e deixou de me tratar como sua empregada. Infelizmente, essa fase não durou muito. No outono do meu segundo ano do ensino médio, seus piores hábitos voltaram com força total. Ele estava ainda mais agressivo e insuportável: festejando até mais tarde da noite, acordando constantemente de ressaca e de mau humor, gritando insultos e atirando coisas em mim de novo. Nos dias particularmente ruins, chegava a me dar socos no ombro ou a levantar a perna e chutar minhas costas. Parecia não sentir o menor remorso por ter fraturado um dos meus ossos — se é que sentia algo, era apenas mais confiança de que podia fazer o que quisesse sem consequências.

Eu já não tinha mais forças para reagir. Sempre pedia desculpas e fingia que nada acontecia. Minha mãe gritava com ele quase sempre que estavam no mesmo cômodo, mas isso só piorava as coisas, pois ele descontava a frustração em mim, intensificando os abusos físicos.

Minha vida era um inferno. E, ainda assim, por mais difícil que fosse, eu sabia que não podia me dar ao luxo de descansar nem por um minuto. Precisava investir todo o meu tempo e energia nos estudos, na natação e no trabalho, para que, quando me formasse, pudesse fugir desse lugar amaldiçoado de uma vez por todas. Esse pensamento era a única coisa que me confortava: tudo isso terminaria assim que eu saísse do ensino médio. Mudar-me para Tóquio para ficar com a Kanae novamente era minha única esperança durante os dias mais sombrios da minha vida. Ainda assim, ao eliminar qualquer resquício de autoestima que eu pudesse ter, mal conseguia suportar cada dia que passava. Cheguei ao ponto de não me importar em reduzir alguns anos da minha vida se isso significasse ter um futuro melhor em Tóquio.

Então, trabalhei até me esgotar, rezando para que o pior passasse logo. Decidi que não deixaria mais nenhum obstáculo ou sofrimento me derrubar, por mais esmagador que fosse. Mas hoje, 1º de abril, em pleno recesso de primavera antes do meu último ano, no mesmo dia em que Kanae voltou para Sodeshima pela primeira vez em anos… Hoje foi o dia em que o mundo encontrou uma maneira de partir meu coração em dois… e destruir completamente meu espírito.

Hoje, trabalhei até às três da tarde. Normalmente, fazia um turno completo nos fins de semana, mas a pousada estaria fechada no dia seguinte, então saí mais cedo. Fui para casa, destranquei a porta e entrei no apartamento. Caminhei pelo corredor até meu quarto, mas percebi que algo estava errado assim que entrei: minha gaveta da escrivaninha estava ligeiramente aberta. Eu sempre fui muito cuidadosa em fechá-la, então isso me pareceu bem estranho. Dei de ombros e me aproximei para fechá-la, mesmo assim. Mas, no momento em que olhei para dentro, minhas mãos congelaram.

Meu talão bancário e meu carimbo de autorização de assinatura tinham desaparecido.  

— O quê…?

Fiquei ali parada por um tempo, imóvel. Pensando nisso agora, era como a calmaria antes da tempestade.  

— Espera, mas…

Então, finalmente, veio o estrondo do trovão. Puxei todas as gavetas da minha escrivaninha, depois as bati de volta com força. Não encontrando nada ali, passei a vasculhar minha cômoda, olhar debaixo da cama e revirar minha bolsa como uma ladra enlouquecida. Meu talão bancário não estava em lugar nenhum. O que eu deveria fazer agora? Se alguém tivesse invadido e roubado, e estivesse com meu carimbo de assinatura, poderia esvaziar minha conta inteira, e então eu não teria dinheiro suficiente para… para…

Quis começar a chorar alto ali mesmo. De alguma forma, contive o impulso e forcei meu cérebro a pensar o mais rápido possível. Se um ladrão realmente tivesse levado, deveria haver sinais de arrombamento, certo? Mas o apartamento estava intacto, e a porta da frente definitivamente estava trancada. O que significava que só poderia ter sido minha mãe ou meu irmão… e eu tinha um péssimo pressentimento sobre quem dos dois era o culpado.

Peguei meu celular para ligar para Akito, minhas mãos tremendo. Meu dedo parou a milímetros do botão de discagem.  

E se — e esse era um grande e se — mas e se eu estivesse errada e não tivesse sido meu irmão? Eu estava preparada para a fúria que poderia vir de uma acusação dessas? Ele faria algo muito pior do que simplesmente me chutar. Não havia dúvida disso. Esse pensamento me assustou tanto que acabei desistindo da ligação. Enquanto estava ali, sem saber o que fazer, um pensamento me ocorreu.

E se não tivesse sido roubada? E se minha mãe só precisasse pegar um pouco de dinheiro emprestado ou precisasse das informações da minha conta para algum assunto no banco? Havia várias explicações possíveis que não envolviam perder até o último centavo das minhas economias, e esse pensamento me acalmou um pouco. Talvez eu estivesse apenas me iludindo, mas precisava me apegar a essas pequenas possibilidades para não vomitar ali mesmo. Estava determinada a não encarar a realidade de frente.

Eu sabia que provavelmente não conseguiria estudar enquanto essa dúvida continuasse martelando na minha cabeça, mas também não suportava ficar sentada sem fazer nada. Saí de casa correndo. Corri freneticamente pela cidade, o mais rápido que pude, na esperança de que a adrenalina dissipasse minha ansiedade. Menos de trinta minutos depois, eu já estava exausta, minhas pernas estavam bambas, então me sentei no quebra-mar para recuperar o fôlego. Virei-me e olhei para o oceano enquanto esperava meu coração desacelerar. A silhueta enevoada do continente parecia mais distante do que nunca.

Talvez eu tenha acabado de perder minha única chance de me mudar para Tóquio, pensei comigo mesma… e então as lágrimas começaram a escorrer. Mas, algo mágico aconteceu. Ouvi uma voz me chamar e me virei. Lá estava ele. Kanae estava bem na minha frente. Não era um sonho, era real. Ele estava ali, em carne e osso, a apenas um braço de distância.

— Akari…?

— K-Kanae-kun?!

Esse reencontro inesperado me pegou tão desprevenida que, ao me levantar, quase caí para trás no oceano. Felizmente, não caí, porque Kanae estava ali para me segurar. Nós dois então começamos a conversar, e eu me esforcei ao máximo para agir como se nada estivesse errado. Não queria arruinar nosso reencontro tão esperado falando sobre meu talão bancário perdido, sobre meu irmão abusivo ou sobre qualquer coisa remotamente deprimente.

Curiosamente, quanto mais eu falava com ele, menos parecia que eu estava fingindo. Depois de um tempo, comecei a me sentir genuinamente feliz de novo. Era como se ouvir sua voz estivesse lentamente preenchendo meu coração frio, vazio e ressecado com águas mornas que acalmavam minha alma. Quando ele revelou que, na verdade, não tinha namorada em Tóquio no momento, soltei um suspiro de alívio tão grande que quase caí de joelhos bem na frente dele.

— Já decidiu para qual faculdade vai no ano que vem? — perguntei.  

— Sim — para a U of I — ele respondeu. — Mas você já sabia disso.

Era exatamente a resposta que eu esperava, mas foi bom ter a confirmação de que eu precisaria me mudar para Tóquio se quisesse estar com ele novamente. Isso resolveu tudo. Era hora de parar de me lamentar e enfrentar meus problemas de frente. Me despedi de Kanae e voltei para casa. Assim que cheguei, peguei meu celular e liguei para meu irmão naquele instante. Temia que, se esperasse mais, pudesse perder a coragem de novo. Eu precisava saber onde estava meu talão bancário.

Ele não atendeu, o que fez minha determinação vacilar um pouco. Mas eu não iria desistir tão facilmente, então me sentei no sofá da sala e fiquei ali, esperando até que meu irmão voltasse para casa.

Quando ele finalmente chegou ao apartamento, já eram nove da noite. Reunindo toda a coragem que pude, me levantei e o confrontei.

— E-Ei, Akito? Você, por acaso, pegou meu talão bancário? — perguntei, tentando não soar acusatória demais. Ele me lançou um olhar sujo, depois tirou tanto meu talão bancário quanto meu carimbo de autorização do bolso do casaco e os entregou para mim. 

Então foi ele, pensei, sentindo um breve alívio por ele ter admitido tão facilmente e devolvido. Mas então, abri o talão bancário… e não pude acreditar no que vi. Depois de um único saque, meu saldo havia despencado de mais de 1.000.000 de ienes para meros 1.200.

Fiquei ali parada, olhando para aqueles números com absoluto horror, enquanto todo o sangue fugia do meu rosto.

— O-O-O que você fez…? — perguntei. Minha voz tremia de incredulidade.  

— Pfft — meu irmão cuspiu, como se tivesse engolido uma mosca por acidente. — Só peguei um dinheirinho emprestado, só isso. Amassei o carro de um cara outro dia, e ele me obrigou a pagar o conserto. Acontece que o cara é um figurão do submundo, então eu realmente não tive escolha.

Minha boca ficou escancarada. Eu estava completamente sem palavras, e ainda assim, de alguma forma, o pior ainda estava por vir.

— Ah, qual é, não faz essa cara — ele continuou. — Você e eu sabemos que, no fim das contas, você provavelmente nem ia passar nessa faculdade. Além disso, se você tá tão desesperada pra se mudar pra Tóquio, por que não arranja um emprego num clube de strip ou algo assim? Tem vários por lá.

— U-Um clube de strip?!

— É, ou num bar de hostess, sei lá. Enfim, eu tava indo ali no bar rapidinho. Pode me emprestar quinhentos? Sei que você tem pelo menos isso na carteira.

Nunca antes na minha vida eu soube que, quando a raiva ultrapassa certo limite, seu sangue literalmente esfria. Era como se um daqueles experimentos científicos que eu via na TV estivesse sendo recriado dentro da minha cabeça. Aquele em que mergulham uma pétala de rosa em nitrogênio líquido, tiram, apertam, e ela se despedaça em mil pedaços. Foi exatamente isso que aconteceu com o meu senso de razão naquele instante.

— Graaaaaaagh! — eu gritei, agarrando meu irmão pela gola com as duas mãos. — Como?! Como você pôde fazer uma coisa dessas?! Por que você tem que arruinar a minha vida em todas as oportunidades possíveis?!

— Ei! Me solta!

— Você tem ideia do quanto eu tive que trabalhar pra juntar todo esse dinheiro?! Eu me matei de trabalhar! Mas você não sabe nada sobre isso, não é?! Você não sabe nada sobre mim!

— Eu disse pra me soltar!

Meu irmão arrancou minhas mãos da sua gola e me empurrou para longe. Caí de costas, batendo forte no chão. Uma dor aguda percorreu minha coluna.

— Não é como se você soubesse alguma coisa sobre mim também! — meu irmão gritou enquanto eu me contorcia de dor. — O mundo já tirou tudo de mim! Meu pai, o beisebol… tudo o que eu amava! Eu nunca fiz nada pra merecer isso! Então por que eu não teria o direito de pegar algumas coisas de volta?! Não seria justo?!

— Por que você tá perguntando isso pra mim…?! Você não é o único que perdeu o pai aqui, sabia?! Só porque você não pode mais jogar beisebol, isso não te dá o direito de roubar o dinheiro suado dos outros…!

— Não me dá lição de moral, sua pirralha!

Meu irmão cerrou os punhos e se aproximou. Olhei para ele, que se erguia sobre mim, e não vi nenhum resquício de sanidade em seus olhos. Um calafrio percorreu todo o meu corpo. Tentei me arrastar para longe desesperadamente, recuando pelo chão, quando ouvi meu celular vibrando ao meu lado — deve ter caído do meu bolso quando bati no chão. Na tela, vi o nome do chamador: Kanae. Peguei o telefone sem pensar duas vezes e atendi o mais rápido que pude.

— Kanae-kun, você tem que me ajudar! — chorei

— Ei! Quem disse que você podia atender isso?! Me dá aqui! — meu irmão rosnou, arrancando o telefone das minhas mãos e encerrando a chamada. — Maldita. Tentando me meter em encrenca…

Ele jogou o telefone no chão e apontou um dedo diretamente para mim.

— Você nunca vai sair dessa ilha, entendeu? Então cala a boca e faz o que eu mando como uma boa garota — ele sibilou, cuspindo no meu rosto. Saiu do apartamento sem dizer mais nada. Assim que ele se foi, comecei a chorar descontroladamente, ali mesmo no chão, como se finalmente tivesse sido quebrada além do conserto.

 


Este Capítulo foi traduzido pela Mahou Scan entre no nosso Discord para apoiar nosso trabalho!


 



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