Volume 1

INTERLÚDIO V

ERA O OUTONO do nosso segundo ano do ensino fundamental II. Naquela noite, caminhei para casa com passos pesados e arrastados, ainda abalada pela revelação angustiante de que Kanae deixaria Sodeshima para se mudar para Tóquio no final do nono ano. Subindo as escadas, destranquei a porta do apartamento da minha família e entrei. Meu irmão ainda estava no treino de beisebol, e minha mãe trabalhava em seu emprego noturno no bar de hostess, então, como de costume, eu estava sozinha em casa àquela hora. Tirei os sapatos e segui pelo corredor mal iluminado, ouvindo o rangido das tábuas sob meus pés. Joguei minha mochila no chão da sala e fui cambaleando até o banheiro para me olhar no espelho. Meu rosto estava abatido e pálido, e até dava para notar algumas leves rugas na testa. De repente, senti um alívio imenso pelo fato de já estar escuro lá fora. Eu não queria que Kanae me visse assim.

— Haha…

Minha expressão estava tão ridícula que não consegui evitar uma risada. Mas, assim que ri, todas as lágrimas que eu vinha segurando finalmente se libertaram e começaram a escorrer pelo meu rosto. Meu riso aos poucos se transformou em choro, e então caí de joelhos ali mesmo, no banheiro. Não conseguia mais suportar aquilo. Quando finalmente não restavam mais lágrimas para derramar, me levantei, fui até o quarto e desabei de bruços na cama. Nem tive ânimo para tirar o uniforme da escola.

— Tóquio, né…

Peguei o celular e pesquisei: "custo de vida estudante transferido Tóquio." Algumas leituras rápidas indicaram que as despesas mensais ficariam em pelo menos algumas dezenas de milhares de ienes, além de algumas centenas de milhares para a mudança inicial, sem contar possíveis taxas de matrícula, livros didáticos e mensalidades. Tentei somar tudo mentalmente, mas logo percebi que era inútil. Era ridículo pensar que eu poderia bancar uma vida em Tóquio, e tentar calcular os custos só me dava dor de cabeça. O fato era que, depois da formatura, eu talvez nunca mais visse Kanae. E só de pensar nisso, comecei a chorar de novo, mesmo achando que já não restavam lágrimas.

O que diabos eu deveria fazer?

A inevitabilidade de perder meu melhor amigo pairou sobre mim durante todo o inverno e, quando a primavera chegou, Kanae e eu começamos nosso último ano na Escola Fundamental II de Sodeshima. Nosso relacionamento permaneceu em um estado de inércia, onde tudo o que fazíamos era continuar voltando juntos para casa, sem nos aproximarmos nem nos afastarmos. Então, a primavera deu lugar ao verão e, no meio dos meses mais quentes do ano, me aposentei do time de natação, o que me deixou com muito mais tempo livre para passar com Kanae.

Nossos anos no fundamental II estavam chegando ao fim rapidamente. Naturalmente, comecei a pensar em maneiras de estender ao máximo o tempo que ainda me restava com ele. A maneira mais óbvia de conseguir isso seria simplesmente pedir para ele não se mudar para Tóquio, mas eu jamais poderia fazer isso, não depois de dizer que apoiaria sua decisão. Eu não era sua namorada, muito menos um membro da família, então que direito eu tinha de reclamar da escolha educacional que ele já havia feito? Tudo o que me restava era sofrer em silêncio enquanto Kanae me contava sobre os preparativos para a grande mudança.

— Então, eu finalmente escolhi para qual colégio vou tentar entrar — ele me disse um dia, enquanto voltávamos para casa depois da aula. — Você conhece a U of I, né? Pois é, decidi tentar a prova para a escola afiliada deles. A nota de corte é um pouco alta, mas, se eu entrar, posso só seguir o fluxo pelo sistema de admissão automática e entrar direto na universidade.

Escola afiliada. Sistema de admissão automática. Eu conhecia esses termos, é claro, mas eram conceitos tão distantes da minha realidade financeira e das minhas ambições educacionais que nunca registravam de verdade na minha mente — entravam por um ouvido e saíam pelo outro. Tudo o que consegui oferecer foram incentivos vazios como "Nossa, que legal!" ou "Não se preocupa, você consegue", e isso me fez sentir como uma amiga patética.

Quando cheguei em casa naquela noite, pesquisei sobre o colégio para o qual Kanae tentaria entrar. Ele havia dito que a barreira de entrada era "um pouco alta", mas isso era um baita eufemismo. O que me deixou ainda mais de queixo caído do que a nota de corte foram os custos da mensalidade. Eu jamais poderia pagar para estudar lá com a renda da minha família. A realidade inescapável de que nunca conseguiria morar em Tóquio com ele se tornava cada vez mais evidente, como se paredes estivessem se fechando ao meu redor, ansiosas para esmagar o pouco de esperança que ainda me restava.

E, ainda assim, continuei torcendo por Kanae, mantendo o máximo de apoio possível por fora, enquanto por dentro eu me consumia em sofrimento. Não importava quanto tempo passasse, aquilo era uma verdade que eu simplesmente não conseguia engolir. E antes que eu percebesse, o outono havia chegado novamente. Sob os céus nublados da estação, com o vento começando a ficar mais frio, meu irmão mais velho quebrou o ombro.

Não soube de imediato como aquilo aconteceu. Eu estava sentada sozinha em casa numa noite quando, de repente, minha mãe e meu irmão entraram juntos pela porta — algo raro, por si só. O rosto do meu irmão estava branco como papel. Minha mãe parecia simplesmente arrasada. Só mais tarde fui descobrir que ele havia tido uma inflamação grave no ombro, que estava lhe causando uma dor insuportável.

— Parece que ele vai precisar passar por uma cirurgia — explicou minha mãe. — Talvez nunca mais possa jogar beisebol. Ele está levando isso muito mal, então, por favor, tente não tocar no assunto, tá bom?

Assenti. Ela não precisava me dizer duas vezes; eu sabia muito bem que era melhor não cutucar um vespeiro com um assunto tão delicado. Meu irmão, aliás, já havia me procurado antes e me proibido de contar a qualquer um sobre sua lesão. Mas, para falar a verdade, aquilo não me afetou muito na época. Minha mente estava ocupada demais com a iminente partida de Kanae para Tóquio para que eu pudesse dedicar mais do que um pensamento passageiro ao meu irmão. Isto é, até uma noite em particular, quando eu estava sentada à mesa fazendo lição de casa e ouvi ele xingando furiosamente do outro lado da parede do meu quarto.

— Droga... Droga! O que foi que eu fiz pra merecer isso?! Isso é uma grande merda! Eu me esforcei mais do que qualquer um, caramba...! O beisebol era tudo que eu tinha... A única coisa em que o papai disse que eu era bom... Urgh, por que justo eu...?

Aquilo me abalou profundamente. Depois disso, não pude evitar sentir pena dele. Não me surpreendeu saber que ele baseava toda a sua autoestima no beisebol, afinal, era a única coisa que ele amava de verdade e pela qual sempre se dedicou. E não falo apenas dos anos escolares — lembro-me dele e do meu pai jogando bola do lado de fora do nosso apartamento todos os dias, antes mesmo de ele entrar no jardim de infância.

Nunca gostei muito do meu irmão mais velho. Desde pequeno, ele não fazia nada além de implicar comigo. Gostava de me mandar fazer coisas e sempre descontava a raiva em mim toda vez que se sentia frustrado. Por isso, sempre tentei manter o máximo de distância possível dele, tanto física quanto emocionalmente. Mas, naquele momento, senti apenas compaixão. Infelizmente, foi a partir dali que a vida dele começou a desandar, aos poucos, mas de forma irreversível.

No fim, não fui capaz de impedir Kanae de se mudar para Tóquio. Ele passou na prova de admissão e entrou para a escola afiliada da U of I. Arranjaram para que ele fosse morar com o pai na cidade grande na primavera seguinte. Eu, por outro lado, não dava a mínima para qual colégio entraria, desde que não fosse o mesmo que o dele. Acabei me matriculando na Escola de Ensino Médio de Sodeshima, a opção mais barata e próxima de casa. Quando divulgaram os resultados dos exames de admissão, não fiquei nem feliz nem triste. Não senti nada.

Então veio o dia da cerimônia de formatura e, com ele, o último dia em que eu teria a chance de voltar para casa da escola com Kanae.

— Tem certeza de que não quer ir pra festa de fim de ano? — ele me perguntou enquanto caminhávamos de volta. — Seus colegas de classe e o pessoal do time de natação provavelmente estavam contando com sua presença.

— Ah, eu não sou muito fã de festas grandes assim. — Dei de ombros. — Além disso, achei que seria bom ter pelo menos uma última chance de conversar com você antes de ir.

— Mas a gente volta junto pra casa praticamente todo dia.

— É... E daí?

— Então, que tal fazermos nossa própria festinha de fim de ano?

Passamos na lojinha de doces pela primeira vez em meses, apenas para fazer uma descoberta decepcionante: a velha máquina de vendas que ficava do lado de fora — aquela com as garrafinhas de vidro de Cheerio que a gente tanto adorava — havia sido removida e substituída por um modelo novo e moderno. Senti uma tristeza profunda e nostálgica, embora não conseguisse entender exatamente o motivo. Talvez porque eu nunca mais teria a chance de sentir o gosto das moléculas de vidro dissolvidas outra vez.

— Você tá bem, Akari? — Kanae perguntou.

— Hã? O que você qu — comecei a perguntar, mas então entendi. Minha voz estava nasalada e falha; eu tinha começado a chorar sem nem perceber.

— Ah… desculpa. Tentei ao máximo não chorar durante a cerimônia, mas acho que não consegui segurar por mais tempo… ou algo assim…

Minhas glândulas lacrimais estavam ficando absurdamente sensíveis ultimamente; eu me pegava chorando pelas coisas mais pequenas e triviais. E, uma vez que começava, era quase impossível parar.

— Desculpa — murmurei, com o nariz escorrendo. — Sério, me desculpa…

— Aqui, use isso — disse Kanae, me entregando um pacote de lenços de papel. Aceitei com gratidão e me sentei no banco mais próximo para secar os olhos e assoar o nariz. Kanae sentou-se ao meu lado, mas não disse nada. Apenas ficou ali, esperando pacientemente eu parar de chorar. Que festança de fim de ano essa acabou sendo, pensei comigo mesma. Mais parecia um funeral.

Ficamos ali por um tempo — não sabia dizer quanto — aproveitando juntos o início da tarde. O céu acima era límpido e azul, o vento em meus cabelos era fresco e cortante, e enquanto nos sentávamos lado a lado, meus ouvidos eram delicadamente acariciados pelo som tranquilizante das ondas quebrando ao longe. O momento era perfeito, e eu sabia que talvez fosse minha última chance.

Não me deixe.

Mas simplesmente não consegui dizer essas palavras.

 


Este Capítulo foi traduzido pela Mahou Scan entre no nosso Discord para apoiar nosso trabalho!


 



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