Volume 1

INTERLÚDIO IV

ASSIM QUE ME FORMEI NO ENSINO fundamental, parei de fazer aulas de natação no continente, pois sabia que, assim que entrasse na Sodeshima Junior High, poderia simplesmente entrar para o time de natação da escola… e foi exatamente o que fiz. Não demorou nada para eu me enturmar com os outros membros do time, possivelmente porque a maioria deles já tinha ouvido falar dos tempos absurdos que eu fazia nas piscinas quando ainda estava no fundamental.

Parecia que todos os olhares estavam voltados para mim; os alunos do oitavo e nono ano tinham grandes expectativas, assim como os treinadores, e os outros alunos do sétimo ano me olhavam como se eu fosse invencível.

Fazer parte de um time competitivo aprimorou minhas habilidades na natação mais do que eu poderia ter imaginado. A única grande desvantagem era que agora eu precisava ficar até tarde para os treinos, o que significava muito menos tempo para passar com Kanae depois da escola. Na verdade, o único motivo pelo qual ainda conseguíamos passar algum tempo juntos era porque ele esperava por mim na biblioteca até eu terminar.

Assim que o treino acabava, eu sempre era a mais rápida a trocar de roupa para sair correndo do vestiário e encontrá-lo na biblioteca, para que pudéssemos voltar para casa juntos. Geralmente, já estava tão tarde que íamos direto para casa, mas de vez em quando parávamos na pequena loja de doces da cidade no caminho.

Lembro-me de uma dessas ocasiões em que estávamos sentados lado a lado no banco bem em frente à loja de doces, cada um bebendo sua garrafa de Cheerio, enquanto o sol poente lançava seus últimos raios quentes contra minha bochecha direita.

— Ei, por que parece que refrigerante sempre tem um gosto melhor quando vem em garrafa de vidro? — murmurei, quase na metade da minha bebida com sabor de melão.

— O quê? Você nunca aprendeu sobre isso? — Kanae perguntou. — É porque a carbonatação dissolve um componente molecular do vidro que ativa suas papilas gustativas. Todo mundo sabe disso.

— Espera, sério? Então eu nem estou sentindo o gosto do refrigerante, mas sim do vidro? Isso é loucura!

— Nossa, como você é ingênua. Eu inventei isso agora.

— Hã…? Ah, você estava só brincando comigo. Entendi — disse eu, minha voz ecoando na garrafa enquanto a levava de volta aos lábios para mais um gole. Então, olhei para Kanae, que parecia insatisfeito com minha reação.

— Você realmente não se irrita com frequência, né, Akari?

— Eu não?

— Tipo, quase nunca. A maioria das pessoas ficaria pelo menos um pouco chateada ao cair numa pegadinha dessas. Digo, quando foi a última vez que você ficou realmente brava com algo? Você se lembra?

Pensei um pouco, mas não consegui me lembrar de nenhum episódio recente. Havia várias situações em que eu provavelmente deveria ter ficado com raiva, mas eu era do tipo que preferia se lamentar e sentir pena de si mesma em vez de perder a paciência.

— É, acho que eu nunca fico realmente brava — respondi. — Não gosto de confrontos…

— Bom, você provavelmente precisa trabalhar nisso. As pessoas não vão te levar a sério se você nunca impuser respeito. Por enquanto, talvez esteja tudo bem, mas quando chegar ao oitavo ano, vai ter que mostrar autoridade para os alunos do sétimo ano — Kanae declarou, assentindo como se concordasse consigo mesmo. — Ei, já sei! Por que você não tenta ficar brava comigo agora, só para treinar?

— O quê? Tipo, gritar com você e tal? Sem chance. Não quero fazer isso.

— Ah, qual é! Pensa nisso como um exercício! Dá o seu pior! — Ele se virou completamente para mim, cheio de expectativa. Eu ainda não estava nem um pouco confortável com aquilo, mas decidi tentar e levantei um pouco a voz para ele.

— E-Ei, você…!

Um momento de silêncio se seguiu antes de Kanae soltar uma risada divertida.

— Beleza, tanto faz. Acho que isso serve — riu.

— Nossa, que grosso. Quero ver se eu vou fazer algo por você de novo…

Meu rosto ficou vermelho de vergonha por ter tentado algo novo — mas, no fundo, eu não tinha odiado a experiência. E, enquanto Kanae estivesse rindo, eu sabia que estava tudo bem no mundo. Esse era um dos motivos pelos quais eu prezava até mesmo interações casuais como aquela. Como fotografias em um álbum, eu fazia questão de guardar cada lembrança que tinha com ele.

Depois dos primeiros meses no ensino fundamental II, comecei a notar algumas mudanças no ambiente da minha turma. Para começar, os alunos se dividiram em dois grupos bem distintos: aqueles que eram bons em esportes ou socialização e aqueles que não eram. Havia uma enorme barreira entre os dois grupos; a que lado você pertencia determinava com quem podia almoçar e com quem podia conversar nos intervalos entre as aulas.

Embora eu não tivesse nada a oferecer além das minhas habilidades na natação, acabei sendo puxada para o grupo dos populares pela simples pressão dos colegas. Como resultado, passei a passar os intervalos rodeada por um grupo de colegas de classe em volta da minha mesa. Eu me lembrava vividamente da inquietação que sentia naquele ambiente — principalmente porque isso me deixava praticamente sem chances de conversar com Kanae, por mais que eu quisesse. Afinal, ele pertencia à "facção dos impopulares". Por mais estúpido e mesquinho que isso parecesse agora, naquela idade tudo realmente parecia um concurso de popularidade, então ignorar os alunos "descolados" para falar com Kanae seria como cometer suicídio social.

Ainda assim, eu continuava voltando para casa com ele depois dos treinos todos os dias. Isso nunca mudou. Obviamente, eu queria muito mais do que isso, mas me faltava coragem para romper os papéis sociais que nos haviam sido designados — sem falar na dinâmica da nossa relação até então. E, olhando para trás, talvez tenha sido isso que acabou levando Kanae pelo caminho que seguiu. Foi a partir desse momento que começou a surgir uma distância entre nós.

Certa manhã, no outono do nosso segundo ano, entrei na sala de aula e encontrei o quadro-negro coberto de insultos dirigidos a Kanae. Seu nome estava escrito bem no centro, cercado por frases como "Perdedor", "Todo mundo te odeia" e até mesmo "Se mata".

— O quê… Quem fez isso…? — murmurei, incrédula, parada na frente da sala com a boca entreaberta.

Um instante depois, Kanae entrou atrás de mim e, sem dizer uma única palavra, começou a apagar todas as ofensas escritas no quadro. Me apressei para ajudá-lo, mas ele praticamente gritou para que eu parasse.

— Tá tudo bem. Eu faço isso sozinho — disse ele.

Mas o verdadeiro significado daquelas palavras era "fica longe de mim agora".

Eu estava em choque. Não me lembrava de ele ter me afastado assim antes. Até aquele dia, eu nem fazia ideia de que os garotos da turma estavam fazendo de Kanae seu novo alvo. Mais tarde, perguntei a um dos meus amigos sobre isso, e ele me contou que Kanae havia defendido outro aluno que estava sendo intimidado. Sim, isso soava exatamente como o Kanae que eu conhecia.

Infelizmente, a perseguição não parou nos insultos no quadro-negro. Passaram a esconder seus sapatos e livros, além de convencer muitos de nossos colegas a ignorá-lo completamente. No começo, Kanae ficou furioso com tudo aquilo, mas, depois de um tempo, simplesmente desistiu e passou a aceitar os abusos sem reagir. Era como se algo dentro dele tivesse morrido, ou sido apagado.

E eu… eu só conseguia observar de longe. Se eu tentasse defendê-lo, sabia que me tornaria o novo alvo deles — do mesmo jeito que haviam mudado o foco para Kanae depois que ele defendeu o outro aluno. Além disso… não queria fazer nada que pudesse ferir o orgulho dele.

Por mais frustrada que eu estivesse, sem poder ajudá-lo, cheguei a contar para nosso professor sobre o que estava acontecendo. Ele garantiu que a escola tomaria providências — mas, é claro, nada foi feito. No fim, eu não pude fazer nada além de fingir que não via meu melhor amigo sendo assediado diariamente. Que tipo de amiga eu era?

A única forma que encontrei para tentar compensar minha impotência foi sendo o mais animada e positiva possível quando voltávamos para casa juntos. Queria que ele tivesse pelo menos um momento agradável no dia.

O inverno chegou logo, mas nada mudou. Meu time de natação ainda treinava durante o inverno também. Uma vez por semana, íamos nadar em uma piscina coberta no continente, e, nos outros dias, fazíamos diversos exercícios e treinos físicos. Nos faziam correr voltas até ficarmos exaustos, e, quando o treino terminava, já estava completamente escuro lá fora. Kanae me esperava na biblioteca, sem se importar com o horário, e então caminhávamos juntos no frio cortante.

Não importava o quanto eu estivesse cansada depois do treino, sempre tentava ser o mais animada e falante possível por ele.

— Ei, eu li um mangá outro dia, sabe? E é, tipo, incrivelmente bom — falei empolgada.

— Aham — Kanae assentiu.

— Ele tem essa pegada de ficção científica bem sutil, e conta a jornada de uma garota por um mundo pós-apocalíptico. Mas, cara, eu não estava preparada para aquele final de partir o coração.

Esperei por uma reação, mas como Kanae não disse nada, continuei.

— Ah, e no posfácio, a autora conta que a história foi baseada num quadrinho amador que ela fez no ensino médio. Dá pra acreditar? Imagina ter tanto talento tão jovem. É muito legal ver cada vez mais autoras ganhando espaço—

— Ei, Akari? — Kanae me interrompeu de repente, parando no meio da calçada.

— O que foi? — parei também, me virando para ele.

— Tem certeza de que não tá exagerando ultimamente? Parece que tá se esforçando demais.

Foi como se eu tivesse levado um tiro no peito. Por que ele diria algo assim? Será que era tão óbvio que eu estava forçando a barra? Engoli a vontade de perguntar e fingi não entender.

— Como assim? Eu não tô me esforçando nada.

— Bom, tá. Desculpa por tirar conclusões precipitadas. Vamos pra casa — disse, voltando a caminhar.

Fiquei parada no escuro por um instante, observando sua silhueta solitária se afastar cada vez mais antes de correr para alcançá-lo. Não demorei a chegar ao seu lado, mas, a partir daquele dia, comecei a sentir que havia uma distância entre nós que eu nunca conseguiria encurtar. Como se o verdadeiro Kanae já tivesse ido para um lugar distante, onde minhas mãos jamais conseguiriam alcançá-lo.

Algumas semanas se passaram. Um dia, durante o almoço, eu comia tranquilamente minha comida quando uma das meninas que sempre se reunia ao redor da minha mesa fez uma pergunta sugestiva.

— Então, Akari… Você e o Funami estão juntos ou o quê?

— O quê?! N-Não, a gente não tá namorando! — soltei de imediato, negando veementemente.

Foi só depois que as palavras saíram que percebi meu erro. Torcendo para que Kanae não tivesse ouvido nada, olhei rapidamente para sua mesa, mas ele não estava lá. Examinei a sala discretamente e, para meu alívio, ele não estava em lugar nenhum. Soltei um suspiro.

— Sério? Mas vocês voltam juntos da escola todo dia, né?

— Sim, mas isso não significa que ele é meu namorado.

— Sei não… Parece bem coisa de casal. Mas vou dizer uma coisa: você tem um gosto bem peculiar, Akari. O que você vê naquele cara, afinal? — perguntou, com um sorriso de orelha a orelha.

Mesmo naquela época, eu já sabia que existiam diferentes tipos de sorriso, cada um para uma ocasião. Sorrisos de felicidade, de alívio… Às vezes, as pessoas sorriam apenas para demonstrar que não eram uma ameaça. Mas aquele sorriso eu reconheci de imediato: era um sorrisinho debochado de que se diverte zombando dos outros.

— Vai, conta a verdade — ela insistiu. — Vocês já se beijaram? Ou foram ainda além?

Meu rosto ficou vermelho como um pimentão ao visualizar aquilo em minha mente. E então, fiquei com raiva. Não era como se eu nunca tivesse imaginado esse tipo de coisa com Kanae antes, mas o fato de ela falar daquilo com tanta leviandade, como se fôssemos apenas bonecos dançando para o seu entretenimento, me encheu de fúria.

Como ela ousava reduzir nossa amizade de infância a isso? Ainda assim, não queria causar uma cena, então mantive a calma e respondi firme.

— Olha bem para mim: eu e o Kanae-kun? Nem pensar. Somos só amigos. Não tem nada entre nós, acredite.

No segundo em que terminei de falar, ouvi passos se aproximando por trás. O som dos sapatos rangendo contra o piso de linóleo me fez gelar. Quando me virei, Kanae estava parado logo atrás de mim.

Fiquei tão horrorizada que não consegui dizer nada. Quando foi que ele voltou para a sala? Será que tinha escutado toda a conversa? Seu desconforto era evidente; ele desviou o olhar de mim no mesmo instante e coçou a nuca. Então, abriu a boca, e meus piores temores se confirmaram.

— É, vocês ouviram. Somos só amigos. Não tirem conclusões erradas — disse, antes de voltar para sua mesa e se sentar.

A garota que estava me cutucando revirou os olhos e murmurou apenas uma palavra.

— Chatooo…

Perdeu o interesse e voltou a comer. Peguei meus hashis de novo, mas, de repente, tudo parecia sem gosto.

Quando a escola terminou naquele dia e eu terminei o treino, finalmente chegou a hora de ir para casa. Kanae e eu conversamos sobre trivialidades como sempre fazíamos no caminho de volta, mas, dessa vez, nossa conversa parecia ainda mais vazia que o normal. Era como se eu estivesse apenas jogando palavras ao vento para preencher o silêncio, e eu sabia que Kanae devia perceber isso. Ainda assim, continuei falando, tentando desesperadamente manter minha boca ocupada.

Eu precisava me desculpar pelo que disse no almoço e esclarecer aquele mal-entendido o mais rápido possível. O único motivo pelo qual eu ainda não o tinha feito era o medo das possíveis implicações. Porque, se eu dissesse que não quis dizer aquilo em sala, seria como admitir que, na verdade, eu sentia algo por ele. E se fosse assim, então eu basicamente teria que confessar para ele ali mesmo ou perder minha chance para sempre.

Mas e se ele dissesse não? Só de pensar nisso, meu coração parecia que ia se partir ao meio. Não haveria como voltar atrás; mesmo que eu conseguisse esclarecer tudo, se ele me rejeitasse, a sombra desse momento pairaria sobre nossa amizade para sempre. Eu não suportaria isso.

Ugh. O que foi que eu fiz para merecer essa situação? Queria tanto poder voltar aos tempos despreocupados do ensino fundamental, antes de toda essa besteira de drama social.

Me perdi nesses pensamentos até que Kanae chamou meu nome.

— Akari, escuta… — disse ele, com um peso na voz que me fez entender que aquilo era sério.

— O quê? — perguntei, me preparando para o pior.

— Tem uma coisa que eu preciso te contar.

Meu coração disparou. O que poderia ser? Era sobre o que aconteceu no almoço? Espera… e se ele fosse confessar seus sentimentos para mim? Algo como "Preciso voltar atrás no que disse antes" ou algo assim. Meu Deus, eu ia surtar de felicidade! Provavelmente o beijaria ali mesmo. Claro, eu sabia que não devia criar esperanças… mas o que ele disse a seguir foi algo que eu jamais poderia ter imaginado.

— Estou pensando em me mudar para Tóquio — ele disse. — Não antes do fim do ano que vem, mas queria te avisar com antecedência.

Minha mente ficou completamente em branco. Tão em branco que demorei um tempo para sequer processar a palavra Tóquio. Essa era… a capital do Japão, certo? Pensando bem, acho que minha confusão inicial foi só meu cérebro tentando se desconectar da realidade. Fiquei ali, atônita, enquanto Kanae continuava explicando.

— Resumindo, meu pai me ofereceu a chance de morar com ele lá faz um tempo. E, bom, você sabe como eu sempre quis voltar para a cidade grande, né? Então, obviamente, eu disse que sim. Mas não é como se já estivesse tudo decidido. Ainda preciso ver em qual colégio vou estudar e essas coisas…

Então, Kanae me olhou como se quisesse dizer: "O que você acha que eu devo fazer, Akari?" Mas… isso importava? Se eu dissesse que não queria que ele fosse, será que ele ficaria comigo aqui em Sodeshima? Provavelmente. Kanae era bom demais para simplesmente abandonar alguém assim. Para ser sincera, eu não queria que ele fosse. Queria que ele continuasse ao meu lado para sempre. Queria que pudéssemos sentar, conversar, tomar Cheerio e assistir ao pôr do sol juntos até ficarmos velhos e enrugados. Mas, por mais que eu desejasse tudo isso, eu não podia pedir que ele desistisse dos seus sonhos por mim.

Então, forcei um sorriso.

— Se é isso que você quer, então vá em frente. Você tem o meu apoio.

— Tá falando sério?

— Claro! Além disso, um cara esperto como você merece estar em Tóquio. Seria um desperdício ficar preso aqui em Sodeshima para sempre.

— Bom, se é assim que você se sente, então acho que vou ter que estudar bastante — ele disse com um sorriso levemente culpado.

Tentei animá-lo com um bombardeio de palavras encorajadoras: "Ah, vai dar tudo certo", "Eu sei que você consegue" e "Se precisar de qualquer coisa, é só falar". Mas, na verdade, eu só continuava falando porque sabia que, no momento em que parasse, iria desabar e chorar.

Pouco depois de nos despedirmos, o sino das seis horas soou pela ilha — as notas melancólicas de Greensleeves ecoando em perfeita harmonia com a tristeza que agora preenchia meu coração.

 


Este Capítulo foi traduzido pela Mahou Scan entre no nosso Discord para apoiar nosso trabalho!


 



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