Volume 1

INTERLÚDIO III

TODAS AS MINHAS MEMÓRIAS DE Kanae nos tempos da escola primária ainda estavam vívidas em minha mente, tão vívidas que, sempre que eu as revisitava, era como folhear as páginas de um livro infantil lindamente ilustrado. Como, por exemplo, uma conversa que tivemos na terceira série, a caminho de casa. Era uma tarde fresca de julho, e estávamos sentados no quebra-mar, como sempre fazíamos, deixando as horas passarem. 

Costumávamos ficar ali conversando até o sol se pôr, geralmente sobre coisas totalmente triviais: um gato de rua que alguém encontrou perto do santuário, um colega de classe que levou um console portátil escondido para a aula, um livro que um de nós pegou emprestado da biblioteca. Mas, naquele dia em particular, eu me lembrava especificamente de Kanae me contando, animado, algo realmente importante.

— Ei, adivinha só? — ele sorriu. — Um monte de garotos do fundamental tentou me cercar outro dia, mas aí seu irmão apareceu do nada e espantou todos eles.

— Sério?!

— Sim! Ele foi incrível, tô te dizendo. Não acredito que ele sabe lutar e ainda joga beisebol tão bem... Queria ser como ele um dia.

— É mesmo, hm...?

Eu nunca gostei muito do meu irmão mais velho, principalmente porque ele vivia implicando comigo, mas até eu tive que admitir que o que Kanae contou foi bem legal. Na verdade, fiquei genuinamente orgulhosa dele por ter defendido alguém indefeso daquela forma.

— Cara, se ao menos eu tivesse algo em que fosse o melhor — Kanae murmurou.

— Eu acho que você já é ótimo do jeito que é, Kanae-kun.

— O quê? Sério? Sinto que pelo menos deveria encontrar algum esporte ou talento especial para me destacar. Mas qual...? — Ele divagava em voz alta até que, de repente, se virou para mim. — Você tem sorte, Akari. Quero dizer, já é uma nadadora incrível.

— Eu não sou tão boa assim...

— Claro que é. Poxa, você não fez o melhor tempo da turma inteira outro dia? Isso requer talento, né? Dá um pouco mais de crédito pra si mesma.

— É... talvez...

Era verdade que eu nadava bem, mas nunca gostei muito das aulas de natação, já que isso significava mostrar mais da minha pele incomumente pigmentada do que eu já precisava. Ainda assim, ouvir Kanae falar tão bem das minhas habilidades me deixou muito feliz, e foi naquele momento que decidi levar a natação mais a sério.

As férias de verão chegaram, e eu resolvi me inscrever em um curso de natação avançado oferecido pela piscina da escola. As aulas eram bem mais difíceis do que eu esperava, mas meu tempo nas voltas melhorou visivelmente. No último dia das férias, meu instrutor veio até mim e sugeriu que eu considerasse me matricular em aulas de natação mais formais em um grande centro aquático no continente. Ele estava convicto do potencial que via em mim e insistiu que eu pelo menos conversasse com minha família sobre isso.

Na verdade, eu sempre sonhei em ter aulas em um lugar assim. Um complexo tão grande parecia essencial para quem queria nadar sem limites, e eu imaginava que deitar de costas no meio de uma piscina imensa, com água cristalina ao redor, deveria ser uma sensação sublime. Mas já tinha praticamente desistido dessa ideia, achando que seria impossível por causa da nossa situação financeira. Eu já sabia, mesmo naquela idade, que a nossa família não tinha condições.

Minha mãe sustentava meu irmão e eu sozinha, desde que meu pai morreu em um acidente de carro quando eu tinha cinco anos. Durante o dia, ela trabalhava no caixa do supermercado; à noite, servia bebidas em um bar hostess da cidade.

Quando eu era pequena, praticamente me convenci de que minha mãe era algum tipo de super-humana que havia evoluído além da necessidade de dormir — de tanto que ela trabalhava, dia após dia. Até hoje, eu não fazia ideia de como ou quando ela conseguia um tempo para descansar. Naturalmente, eu não queria dar ainda mais preocupações a ela, então decidi não perguntar nada sobre as aulas formais de natação. Ou pelo menos, esse era o plano... até que meu instrutor resolveu tocar no assunto na noite da reunião de pais e professores.

— Acho mesmo que sua filha tem talento, senhora — disse ele. — Seria um desperdício não colocá-la em um treinamento mais formal.

Minha mãe era uma pessoa educada e que cedia facilmente sob pressão, então ela concordou de imediato com a sugestão. Não demorou muito para que eu estivesse matriculada em aulas de natação de verdade. Eu ainda poderia ter pisado no freio naquele momento? Com certeza. Tudo o que precisava fazer era dizer que estava cansada de nadar ou que não me sentia à vontade pegando a balsa até o continente sozinha. Mas eu não disse nada, o que já dizia muito sobre o quanto eu realmente me importava em não sobrecarregar minha mãe — assim que percebi que aquilo estava prestes a acontecer, simplesmente me calei.

Para ser justa comigo mesma, me dediquei ao máximo assim que as aulas começaram, treinando o mais duro que conseguia para não desperdiçar o dinheiro da mensalidade e o custo das passagens da balsa. Como resultado, me tornei uma nadadora tão boa que, no sexto ano, fiquei em primeiro lugar na grande competição distrital de natação. Fui homenageada por essa conquista na assembleia escolar seguinte, e foi nesse momento que os outros alunos da minha série começaram a prestar muito mais atenção em mim — alguns até queriam ser meus amigos.

Como a habilidade atlética basicamente determina a popularidade de uma criança no ensino fundamental, logo me tornei a pessoa mais popular da turma. Ninguém mais ousava zombar da minha aparência.

Essa sensação era tão boa que eu me esqueci completamente da culpa que sentia por sobrecarregar minha mãe financeiramente e passei a viver minha vida ao máximo, sem preocupações. Onde quer que eu fosse, as pessoas me elogiavam — mas as palavras que mais significavam para mim, aquelas que me davam força para continuar me esforçando ainda mais, vinham de Kanae.

— Cara, Akari. Você tá pegando fogo ultimamente — ele comentou certo dia, enquanto voltávamos para casa da escola. — Viu só? Eu sempre soube que você tinha isso dentro de você. Consegui perceber que você estava destinada à grandeza muito antes de qualquer um perceber o quão boa nadadora você é!

— Ah, é? Então você sabia desde o começo, hm? — provoquei.

— Isso mesmo! Acho que só tenho um olho bom pra essas coisas, heh-heh! — ele se gabou.

— Nossa. Você devia ser um olheiro de talentos ou algo assim.

— Ei! Não seja sarcástica comigo!

Ri baixinho; ele tinha me pegado no flagra. Mas, falando sério, eu realmente era muito grata a Kanae. Se ele não tivesse falado tão bem das minhas habilidades naquele dia na terceira série, talvez eu nunca tivesse levado a natação tão a sério.

— Obrigada por tudo, Kanae-kun — disse, em um tom tímido e suave.

— Hã? De onde veio isso?

— Você sempre prestou atenção em mim, mesmo quando ninguém mais fazia isso. Significa muito para mim.

Nesse momento, Kanae abandonou a pose convencida e começou a minimizar a própria importância, dizendo coisas como "Ah, não tive nada a ver com isso", enquanto seu rosto ficava vermelho como um tomate. Naquele instante, senti que era a garota mais feliz do mundo. Se eu pudesse vender minha alma para garantir que aqueles dias nunca terminassem, teria feito isso sem hesitar.

 


Este Capítulo foi traduzido pela Mahou Scan entre no nosso Discord para apoiar nosso trabalho!


 



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