Volume 1
CAPÍTULO 2: 5 ABRIL, 18H
QUANDO RECUPEREI A CONSCIÊNCIA, a primeira coisa que registrei em minha mente foi a melodia sombria da campainha das seis horas se infiltrando em meus tímpanos. Então, assim que a última nota, que soou por um longo tempo, de Greensleeves se calou, toda a agitação e confusão voltaram à minha mente como uma dose de adrenalina.
O que diabos acabou de acontecer comigo?
Nunca desmaiei antes, mas esses sintomas certamente se encaixavam — todos os meus processos mentais pararam abruptamente sem nenhum tipo de aviso prévio, e então, no próximo momento, eu estava em algum lugar completamente diferente, tentando entender como cheguei ali. Para ser mais preciso, eu não estava mais embaixo da grande árvore de cerejeira no parque abandonado — estava de volta à beira-mar, sentado no muro de contenção com as costas voltadas para o oceano. Bem à minha frente estava o policial da ilha, segurando sua bicicleta ao lado e olhando para mim com uma expressão preocupada.
— Ei, tá tudo bem, garoto? — ele perguntou. — Vai, fala alguma coisa.
— Oficial? — murmurei, sonolento.
— Ah, s-sim? Tô aqui, amigo… Não fui a lugar nenhum — ele brincou, mas com uma risada desconfortável que mostrava que ele estava tão confuso quanto eu. Não que fosse estranho ele ter parado para falar comigo, claro. Eu ainda estava tentando entender como cheguei ali e quanto tempo ele estava ali na minha frente.
— Então… Tem algo em que eu possa te ajudar? — perguntei, tentando ser casual.
— O que quer dizer com isso? Achei que estávamos só conversando.
— A gente tava…? Há quanto tempo?
— Você tem certeza que tá bem, garoto? Estamos conversando há, tipo, uns cinco minutos. Você teve um derrame ou algo assim?
Cinco minutos? Eu definitivamente não estava ali conversando com ele por tanto tempo... Pelo menos, não que eu me lembrasse. Olhei ao redor para confirmar o que eu já sabia: este não era o último lugar em que eu me lembrava de estar. Este era o muro de contenção de Sodeshima, não o parque abandonado com as cerejeiras. Curiosamente, o céu ainda estava no mesmo tom de laranja profundo que eu havia visto quando olhei para ele pela última vez — então, não poderia ter ficado desacordado por muito tempo.
Procurei meu celular, querendo ver as horas, mas ele não estava no bolso direito como deveria. Em pânico, tentei lembrar se eu simplesmente o tinha esquecido em casa, mas então percebi tardiamente que já o estava segurando com a mão esquerda. Aliviado, ia apertar o botão para acender a tela quando outra pergunta tomou minha mente: se eu estava desmaiado, como consegui tirar o celular do bolso?
E isso não era a única coisa que não fazia sentido — as roupas que eu estava usando agora eram completamente diferentes das que eu estava usando antes. Eu me lembrava claramente de ter colocado o moletom com capô esta manhã, mas agora estava usando uma camiseta de manga longa comum. Uma que definitivamente era minha, para constar, mas eu não tinha nenhuma memória de ter trocado para ela. Ou seria possível que eu estivesse usando a camiseta desde o começo e simplesmente confundido com o moletom favorito essa manhã? Certamente não. Eles nem eram da mesma cor.
— Ei, garoto! Não fica assim de novo — o policial disse, me chamando a atenção por ter ficado distraído. Eu rapidamente olhei para ele.
— Desculpa, oficial. Acho que estou um pouco confuso. Sobre a hora, as roupas que estou usando… Esse tipo de coisa.
— Se você diz… Bem, não posso te ajudar com o seu guarda-roupa, mas pelo menos você deveria saber que horas são. Pensa bem: não ouviu o badalar das seis?
— Hã? Ah, certo… É, acho que passou batido…
Isso só levantou mais perguntas na minha cabeça, mas decidi deixar pra lá e enfiei o celular de volta no bolso para não parecer que eu não acreditava nele. E, para dar um crédito ao cara, eu tinha ouvido a campainha das seis enquanto estava sentado ali — mas também a tinha ouvido no parque abandonado. O que não deveria ser possível, a menos que eu tivesse sido magicamente teleportado para cá num piscar de olhos… Não, mesmo assim, o policial disse que eu estava sentado ali conversando com ele desde pelo menos 17h55. Então o que diabos estava acontecendo? Não importava o quanto eu tentava pensar, não conseguia encontrar uma explicação razoável para isso.
— Olha, garoto — o policial começou — se você não estiver se sentindo bem, eu posso te dar uma carona até em casa. Ou te levar na clínica para se examinar, se preferir.
— Não, não—não precisa fazer isso… Eu consigo voltar sozinho. Mas valeu.
— Tem certeza? Bem, ok… Olha, sei que esses dias não foram fáceis, mas tenta não pensar muito sobre isso, beleza? Não foi sua culpa, e você fez tudo o que pôde. De qualquer forma, eu tenho que ir, mas nos vemos por aí.
— Espera, hã…? — eu gaguejei enquanto ele subia na bicicleta e colocava o pé no pedal.
— Ah, e mais uma coisa — ele disse, olhando por cima do ombro. — Nada de encontros noturnos por um tempo, tá? Sei que você é jovem, mas tem que dar uma segurada.
E com isso, ele pedalou para longe. Eu fiquei ali, pensando por um bom tempo, tentando entender o que ele quis dizer com "encontros noturnos" e por que ele disse que os últimos dias tinham sido difíceis, mas honestamente não fazia ideia do que ele poderia estar se referindo. Mesmo assim, parecia que ele estava genuinamente preocupado comigo, então eu devia ter realmente aparentado estar no meu limite. O que não estava muito longe da verdade, para ser sincero — faz muito tempo que não me sentia tão confuso e manipulado.
A luta para entender isso estava começando a embaçar minha visão. Eu sentia como se estivesse sendo vítima de uma piada cruel.
Esse pensamento me fez parar por um momento. E se fosse realmente uma brincadeira? Afinal, hoje era o Dia da Mentira. Talvez alguém tenha previsto que eu finalmente voltaria neste feriado de primavera e bolado um plano super elaborado com a ilha inteira para me fazer parecer um louco... Não, não tinha como. Afastei essa teoria de conspiração ridícula da minha mente. Eu precisava parar de pensar demais — isso estava me dando dor de cabeça. Além disso, já estava escurecendo. Era hora de ir para casa.
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Quando cheguei em casa, o sol já tinha se posto completamente no horizonte, e já não havia quase mais luz lá fora. Ao abrir a porta da frente, Eri saiu da sala de estar com o uniforme escolar, e nossos olhares se encontraram. Foi só nesse momento que me lembrei de que tivemos uma briga mais cedo, e meu estômago afundou. Não sabia se deveria fingir que nada tinha acontecido ou ser mais maduro e começar pedindo desculpas. Mas, no final, foi ela quem quebrou o gelo antes mesmo de eu decidir o que fazer.
— Já é bem tarde. Vai, entra logo — ela disse.
— Sim, um segundo — respondi.
Ela estava agindo perfeitamente normal; não ouvi nenhum sinal de raiva em sua voz. Sempre achei que ela fosse do tipo que nunca deixaria um rancor de lado, mas talvez eu não tivesse dado a ela o devido crédito. Ainda assim, eu precisava pedir desculpas; parecia a coisa certa a se fazer, especialmente por eu ser o irmão mais velho. Tirei os sapatos e entrei no corredor, parando Eri enquanto ela se dirigia para o banheiro.
— Ei, ah… Eri?
— O que foi?
— Escuta, me desculpa por tudo aquilo que eu falei antes. Foi muito imaturo da minha parte.
— Hã? Do que você está falando?
— Você sabe. A gente teve aquela discussão, e eu basicamente saí…?
Ela apertou os olhos e me olhou com desconfiança por um momento, depois soltou um "Ahhh," como se eu tivesse refrescado a memória dela sobre algum fato irrelevante que ela já tinha esquecido.
— É, não se preocupa com isso — ela disse. — Já superei. E, além disso, eu também falei umas coisas que não devia.
Fiquei extremamente surpreso com essa resposta. Era a mesma garota que nunca sonharia em pedir desculpas, ou mesmo recuar um milímetro, não importava o quanto você ficasse bravo com ela. Isso, mais do que qualquer outra coisa, me fez perceber o quanto ela havia amadurecido nos últimos dois anos. Enquanto eu admirava em silêncio sua nova maturidade, Eri parecia estar ficando impaciente por algum motivo e mudou de assunto.
— Então, ei… Não deveria estar se preparando? — ela perguntou.
— Ah, é, claro. Desculpa, vou me apressar… Er, se preparar para o quê, exatamente?
— Espera. Você não esqueceu que o velório é hoje à noite, esqueceu?
— Velório? Que velório? Alguém morreu?
Assim que essas palavras saíram da minha boca, ela apertou os olhos novamente. Só que dessa vez não era um olhar de confusão, mas de reprovação.
— Kanae. Você está de brincadeira, né?
Decidi levar o tom desrespeitoso dela na esportiva e responder o mais honestamente possível.
— Não, sério, não faço a mínima ideia… Não era alguém próximo a mim, era? — perguntei.
Eri hesitou por um momento, então respondeu com uma voz frágil e suave.
— Foi o Akito. Akito Hoshina. Como você pode ter esquecido disso?
Levou alguns segundos para minha mente conectar o nome "Akito" à palavra "morto". Quando finalmente fez isso, meu cérebro entrou em modo de negação.
— W-Whoa, whoa, whoa. Espera aí. Você está brincando comigo? Eu vi ele no cais da balsa mais cedo hoje.
— Hã?
— Espera, já entendi. Isso é tudo uma grande piada do Dia da Mentira, não é? Muito engraçado, pessoal. Mas não é legal mentir sobre a morte das pessoas, sabia? Podem parar com isso agora.
— Kanae, do que você está falando?
A expressão dela estava mais séria do que eu já tinha visto. Ela me olhava como se realmente achasse que eu tivesse sofrido algum tipo de dano cerebral. A próxima coisa que ela disse quase me fez começar a considerar isso como uma possibilidade para mim também.
— Já não é mais o Dia da Mentira, Kanae — hoje é dia 5. O Akito morreu há quatro dias. Não sei se você está em negação ou o quê, mas precisa acordar pra realidade. Agora, você pode se mover? Preciso arrumar meu cabelo.
Eri me lançou um olhar de lado enquanto passava por mim em direção ao banheiro. Eu fiquei parado no meio do corredor, sem saber mais no que acreditar.
Será que o Akito realmente morreu? E não só isso, ele já estava morto há quatro dias...? Se isso fosse verdade, quem foi que eu vi no porto quando cheguei aqui hoje à tarde? Um sósia? Ou o espírito dele?
Como assim. Então eu me lembrei de algo mais que Eri tinha dito — que hoje era, de fato, dia 5 de abril. Bem, eu sabia que estava no feriado de primavera, então até podia perder a noção da data, mas não tinha como eu estar errando por quatro dias inteiros. Tirei o celular do bolso na esperança de me defender, apertei um botão e a tela se acendeu. A tela do meu celular confirmou que era, de fato, 5 de abril, exatamente como Eri tinha dito.
— Não pode ser.
Corri para a sala de estar, verificando tudo o que poderia mostrar a data de hoje — TV, jornal, o relógio eletrônico de mesa — mas todos eles diziam a mesma coisa: 5 de abril. Ainda assim, me recusava a acreditar. Algo definitivamente não estava certo aqui. Isso estava indo longe demais, até para uma brincadeira muito elaborada. Saí da sala e fui procurar minha avó. Abri a porta de correr para a sala de estar no estilo japonês, onde a encontrei mexendo nas gavetas.
— Oi, vovó? Posso te perguntar uma coisa?
— Ah, Kanae! — ela exclamou, se virando para me encarar. — Não sabia que você já tinha voltado. Boa hora, aliás. Eu estava pensando que, para o velório, você poderia usar—
— Vovó, que dia é hoje? — perguntei, interrompendo-a.
— Meu Deus. Porque está perguntando isso?
— Só me fala, por favor.
— Bem, deixa eu ver… Hoje é quinta-feira, então deve ser dia 5.
— E isso é a verdade? Tem certeza absoluta disso?
— Supondo que eu ainda não tenha ficado senil! Mas sim, tenho certeza. Posso jurar pela sepultura do seu falecido avô, se isso for te convencer.
Ok. Eu sabia que minha avó nunca mentiria sobre o nome do falecido marido dela, então isso queria dizer que, sem dúvida, era 5 de abril. Não encontrei nenhuma prova concreta em contrário, e tanto minha irmã quanto minha avó pareciam bem firmes quanto a isso. Talvez eu realmente fosse o louco aqui.
— Cara, o que diabos está acontecendo comigo...? — sussurrei.
Era como se o mundo inteiro estivesse desabando sobre mim. Primeiro eu desmaio e acordo em outro lugar completamente diferente, depois descubro que o Akito morreu, e agora me dizem que eu estou com a data errada há vários dias...? Isso estava começando a parecer menos uma brincadeira elaborada e mais um pesadelo sem sentido. Enquanto eu ficava lá, segurando minha cabeça com as mãos, minha avó tirou um conjunto de roupas pretas da gaveta e me entregou.
— Aqui, você deveria vestir isso.
Minha avó me explicou que a vestimenta adequada para crianças da minha idade em funerais era simplesmente o uniforme escolar. No entanto, eu tinha fugido de casa, então não estava com o meu uniforme. Ela, então, gentilmente me ofereceu o uniforme antigo de meu pai, dos tempos de escola no colégio Sodeshima.
Era um traje tradicional todo preto, com gola de pé, e, por acaso, me serviu perfeitamente, para minha vergonha. Depois que todos nós trocamos de roupa e nos preparamos, minha avó, Eri e eu começamos a caminhar em direção ao Centro Comunitário de Sodeshima, onde o velório estava sendo realizado. O ar frio da noite era a temperatura perfeita para esfriar meu cérebro superaquecido, e o tempo de viagem me deu uma chance de tentar organizar alguns dos meus pensamentos confusos.
Fiz algumas deduções lógicas enquanto caminhávamos e, eventualmente, consegui me convencer de duas verdades objetivas. Primeira: hoje não era dia 1º de abril, mas sim dia 5. Isso era o que todas as evidências apontavam, incluindo dois depoimentos separados, então eu não tinha escolha a não ser aceitar isso como verdade.
Segunda: eu não tinha a menor lembrança do período de quatro dias entre as 18h do dia 1º de abril e as 18h do dia 5 de abril. Ou, em termos de eventos reais, havia uma lacuna enorme nas minhas memórias entre o momento em que toquei aquela pedra no santuário no parque abandonado e quando estava sentado no muro de contenção conversando com o policial da ilha mais cedo. A única razão pela qual eu sabia que ambos os eventos aconteceram quase exatamente às 18h foi porque, em ambos, eu podia ouvir o sino das seis horas da ilha tocando ao fundo.
Isso significava que havia um período de noventa e seis horas do qual minha memória estava completamente em branco. A primeira, e talvez mais racional, explicação que consegui pensar foi que eu tinha sofrido algum tipo de lesão cerebral ou falha neural. Um episódio amnésico, ou um caso de demência precoce. Claro, eu não sabia o quão raro era para pessoas da minha idade desenvolverem a última, mas o primeiro caso era extremamente possível — acontecia com crianças que sofriam concussões o tempo todo.
Eu tinha lido tantos livros com protagonistas amnésicos que considerava isso uma espécie de dispositivo de enredo meio cansativo, mas agora que estava diante da possibilidade de isso acontecer comigo na vida real? Era assustador pra caramba. A ideia de ter um possível dano cerebral grave em uma idade tão jovem não era nada atraente.
A única outra explicação que consegui pensar foi que isso estava de alguma forma relacionado àquela pedra no pequeno santuário esquecido, justamente porque parecia que minha mente e meu corpo tinham sido transportados para um lugar e tempo diferentes no momento em que coloquei os dedos nela. Talvez, ao simplesmente tocar na pedra, eu tivesse irritado algum deus ou espírito ali venerado e caído sob algum tipo de maldição.
Isso parecia bem ridículo, o que pode ter sido o motivo de eu preferir essa explicação à de um dano cerebral grave. De qualquer forma, independente do que causou minha perda de memória, eu precisava descobrir o que aconteceu nesse intervalo de quatro dias — e a melhor maneira de fazer isso era perguntar por aí. Corri um pouco para alcançar minha irmã e acompanhei o ritmo dela.
— Ei, Eri, posso te perguntar uma coisa?
— O que você quer?
— Então, eu sei que isso vai parecer uma pergunta estranha, mas eu tenho passado muito tempo em casa ultimamente?
— Hã? — ela estranhou. — Que tipo de pergunta é essa? Você saberia melhor que eu.
— Não, não, eu sei. Eu, ah, queria saber se você acha que eu tenho passado tempo suficiente em casa ou não. Se isso faz sentido.
Ela me olhou desconfiada, claramente não acreditando nessa explicação. Eu mesmo sabia que parecia uma desculpa bem fraca, mas não queria admitir de cara que havia um buraco de quatro dias na minha memória e correr o risco de ela me obrigar a ir ao médico. Por enquanto, tudo o que eu podia fazer era tentar ligar uma desculpa na outra. Eventualmente, Eri respondeu, mas não antes de virar a cabeça novamente e desviar o olhar.
— Na verdade, você tem saído bastante nos últimos dias. Uma ou duas noites, você nem voltou pra casa. Ou pelo menos, não até eu já ter dormido…
Isso era uma informação valiosa. O fato de ela notar que eu estava fora "uma ou duas noites" me disse que passei ao menos metade das noites na minha própria cama, então não era como se eu estivesse levando uma vida totalmente diferente. Isso ainda deixava algumas perguntas sem resposta, então eu precisava de mais informações.
— Você sabe pra onde eu estava indo? — insisti. — Ou se eu estava ficando em algum outro lugar nessas uma ou duas noites que eu não voltei?
— Tem alguma coisa na água aí em Tóquio? Alguma bactéria que come o cérebro ou algo assim?
— Hã? O que diabos isso quer dizer?
— Eu estou dizendo que você tem agido estranho desde que chegou aqui — Eri disse, virando-se para me olhar bem nos olhos novamente. — Pessoas normais não fazem perguntas assim. Sem brincadeira, eu realmente acho que você devia ir ao hospital.
— Ah, vai, agora você está exagerando…
— Não, eu não estou. Tem algo definitivamente errado com você. Está óbvio, Kanae.
Eu desviei o olhar do dela, tentando encontrar alguma desculpa. Era exatamente isso que eu queria evitar — mas agora que ela já estava desconfiada, talvez fosse melhor eu confessar tudo e contar a verdade inteira: que eu tinha avançado quatro dias no tempo. O problema era que, se eu fizesse isso, havia uma chance real de ela me levar ao hospital, ou contar a alguém que pudesse fazer isso, e eu não queria preocupar minha avó… por mais que talvez eu realmente precisasse me consultar.
— Silêncio, vocês dois — minha avó interveio. — Estamos quase lá. Sejam respeitosos.
Ufa. Salvo pelo gongo, pensei comigo mesmo enquanto nos aproximávamos do centro comunitário onde o velório estava sendo realizado. Era um prédio grande e aberto, do tamanho de uma pequena quadra de ginástica. Uma fila de adultos com roupas de luto se formava no pátio geralmente vazio do prédio. Eu pude perceber que Eri ainda tinha muito mais para me dizer, mas ela deixou a conversa de lado assim que entramos na fila.
Depois de assinar o livro de visitas, entramos. Assim que passamos pela porta e entramos no espaçoso salão principal, avistei Akari, usando o uniforme do ensino médio Sodeshima, pelo canto do olho. Eu sabia que ela estudava lá, obviamente, mas essa foi a primeira vez que a vi usando o uniforme.
Ela parecia muito mais feminina e refinada comparada à última vez em que a vi no muro do cais. Pensei em me aproximar e cumprimentá-la, mas ela estava conversando com um grupo de adultos vestidos de preto; definitivamente não parecia o momento certo. Sentei-me ao lado de Eri e da minha avó em uma das várias fileiras de cadeiras de metal, e então olhei para o altar. Ver o rosto de Akito ali, na moldura da foto, me fez encarar a dura realidade de sua morte de uma forma que ainda não havia processado completamente. Afinal, ele foi o herói da minha infância — ele até correu para me salvar uma vez.
Eu estava na terceira série, sendo zoada por um grupo de delinquentes do ensino fundamental. Estava assustado e cercado, quando Akito passou por ali. Mesmo sendo mais novo e menor que os valentões, ele pulou sem medo para me defender, dando socos para todos os lados até que os mais velhos saíram correndo como coelhos assustados. Eu ainda me lembrava da pequena conversa que tive com ele logo após aquilo.
— Na próxima vez, não quero te ver tremendo nas suas botas assim — ele me repreendeu. — Isso me irrita. Você sabe que não fez nada de errado, e eles também sabem, então não deixe que te afetem. Mantenha a cabeça erguida.
— E se isso fizer eles ficarem mais bravos e começarem a me bater...? — eu perguntei.
— Então você pega uma pedra grande, joga na cabeça deles e corre como o diabo.
Na época, eu não conseguia acreditar na ousadia do que ele sugeria, mas com o tempo, essas palavras se tornaram uma espécie de mantra pessoal para mim. Sempre que me sentia inseguro ou com medo, dizia a mim mesmo que, se realmente fosse necessário, eu sempre poderia jogar pedras na cabeça deles e sair correndo.
Era estranhamente reconfortante para mim. Obviamente, eu sabia que não era um conselho realmente louvável, nem nunca cheguei a recorrer a isso, mas ainda assim dava a um garotinho magro como eu a confiança necessária para não ter medo dos outros. Eu não sabia como Akito se sentia sobre mim ou se ele sequer lembrava daquela pequena interação... mas eu ainda sentia sua falta de uma forma bem profunda e desejava que ele ainda estivesse conosco.
Após o acendimento do incenso e o canto dos sutras, a mãe de Akito se levantou diante do altar para dizer algumas palavras à congregação. Mesmo de longe, eu conseguia ver que o rosto dela estava cansado e emaciado. Seu cabelo havia perdido o brilho; seus olhos pareciam vazios. Ela parecia que poderia desmaiar a qualquer momento, mas Akari estava ao seu lado para oferecer apoio enquanto ela fazia seu discurso.
A cerimônia terminou oficialmente depois que ela terminou suas palavras, então todos nos levantamos dos nossos assentos e começamos a sair em direção ao hall de entrada. Pelo visto, a família imediata preparou pequenos presentes de agradecimento para os participantes, então nós três nos colocamos na fila e começamos a avançar lentamente em direção à mesa de recepção. Estávamos esperando nossa vez quando ouvi a conversa de duas pessoas que estavam logo atrás de nós na fila, falando de maneira bem direta.
— Parece que não vão nos dar comida, né? Nenhuma bebida ou algo assim…
— Bem, o que você esperava? Aquela pobre mulher já tem o suficiente com ela agora, especialmente sendo a única que sustenta a família. Aliás, ouviu o que causou a morte dele?
— Sim, envenenamento por álcool agudo, né? Ouvi dizer que pegaram a autópsia ontem...
Envenenamento por álcool, é? Ou seja, ele bebeu demais. Mas na verdade, eu lembrava que aprendi na aula de saúde que, na maioria dos casos, não era o álcool no sangue da vítima que a matava. Era o fato de asfixiar com o próprio vômito. Eu nem queria considerar isso em mais detalhes; a imagem do atleta estrela de Sodeshima passando seus últimos momentos assim era insuportável.
À medida que a fila avançava, finalmente chegou nossa vez. Akari e sua mãe estavam entregando os presentes de agradecimento pessoalmente, então expressamos nossas condolências e eu aceitei educadamente o pequeno saco de presentes da Akari.
— Uau, olha você — ela sussurrou baixinho, me observando de cima a baixo enquanto entregava o saquinho de papel. — Espera, onde você arrumou um uniforme do colégio Sodeshima...?
— O que, isso? É o uniforme antigo do meu pai. Mal posso esperar para chegar em casa e tirar isso, sério. Está super apertado no pescoço.
— Ahhh, entendi. Mas fica bem em você, viu... Sério.
Quando ela enfatizou aquela última palavra, seus olhos começaram a se encher de lágrimas. Eu não sabia se estava lembrando ela de Akito no uniforme ou o quê — mas eu rapidamente puxei o lenço de bolso e ofereci a ela. Ainda bem que minha avó me convenceu a levar um.
— Escuta, é... Eu sei que a gente não tem conversado nos últimos anos, mas se você precisar de alguém para conversar, você sabe que estou aqui para você — eu disse, me sentindo meio desconfortável com o quanto minhas palavras pareciam forçadas e previsíveis. Akari parecia ter entendido aquilo como uma oferta genuína de consolo, pois ela fez um fraco aceno de cabeça enquanto limpava os cantos dos olhos com o lenço.
Ainda havia outras pessoas na fila atrás de nós, então nos despedimos e saímos do prédio. Lá fora, o céu da noite estava cristalino, e o ar estava frio o suficiente para sentir que o inverno ainda não tinha ido embora por completo. Minha avó sugeriu que começássemos a ir para casa, e então os três de nós começamos a caminhar rapidamente. Mal tínhamos andado um quarteirão desde a instalação quando ouvi passos correndo atrás de nós. Me virei — era Akari.
— Ei, o que foi? — perguntei. — Ah, você não precisa me devolver o lenço agora, está tudo bem.
— Não, não é isso — ela disse, ofegante. — Escuta, é... Tem algo que eu preciso te contar, Kanae-kun.
— Tem?
— Sim. Sobre o que aconteceu com você nos últimos quatro dias... Ou melhor, o que vai acontecer, eu deveria dizer.
No começo, eu não fazia a menor ideia do que ela estava tentando me dizer. Um momento depois, as implicações de ela saber algo sobre "os últimos quatro dias" me atingiram como um caminhão. Eu praticamente pulei nela, colocando minhas mãos em seus ombros.
— Espera, você sabe o que está acontecendo?! — eu perguntei, exigente.
Ela deu um grito de surpresa, mas eu não liguei. Só quando senti os ombros dela tremendo foi que percebi o quão inapropriado foi eu tê-la segurado assim. Imediatamente arrependido de minhas ações, afastei minhas mãos.
— Ah, s-sinto muito. Não sei o que deu em mim. Eu só... não sei o que está acontecendo, e… — tentei explicar.
— Não, tudo bem... Eu entendo. Não posso te explicar tudo aqui e agora, então — ela hesitou, depois se aproximou de meu ouvido para sussurrar. — Me encontre no antigo parque abandonado amanhã às cinco da tarde. Eu te conto tudo o que você quiser saber.
Ela afastou a cabeça, disse rapidamente "Ok, até amanhã" e virou-se, começando a caminhar de volta para o centro comunitário. Eu a vi virar a esquina, já sentindo o olhar suspeito de Eri queimando nas minhas costas.
— O que foi aquilo? — ela perguntou, como esperado.
— Não poderia te dizer, mesmo se quisesse — respondi. E era a verdade. Murmurei, quase para mim mesmo. — Espero que eu descubra amanhã.
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Quando acordei na manhã seguinte, a primeira coisa que vi foi meu celular ao lado da minha cabeça. Peguei-o rapidamente e verifiquei a data e a hora. Era 6 de abril, às 8 da manhã. Enterrei o rosto no travesseiro. O tempo não tinha magicamente voltado ao normal da noite para o dia. Começava a parecer que isso realmente não era um sonho, para meu desgosto.
Depois de voltarmos do velório na noite passada, cuidei rapidamente da minha rotina noturna e me tranquei no meu quarto. Não tentei obter mais informações de Eri ou da minha avó sobre os últimos quatro dias; eu não queria levantar suspeitas, mas minha principal razão era que eu finalmente tinha uma pequena esperança para me apegar, graças a Akari.
— Eu te conto tudo o que você quiser saber.
Se ela pudesse esclarecer esse fenômeno bizarro e aterrorizante que estava acontecendo comigo, eu seria eternamente grata a ela. Dito isso, eu não fazia ideia de como ela poderia saber sobre a lacuna de quatro dias na minha memória, já que eu não contei a ninguém sobre isso — e essa não era a única dúvida.
Havia várias outras grandes interrogações, como por que ela me pediu para encontrá-la no velho e abandonado parque — um lugar que eu nem sabia que existia até que o encontrei depois da última vez que falei com ela, em 1º de abril. Era possível que ela tivesse descoberto sozinha, claro, mas então, como ela poderia estar tão certa de que eu saberia onde era?
As coisas não estavam se encaixando, e isso estava começando a me dar uma dor de cabeça. Considerando que eu vinha forçando meu cérebro praticamente sem parar desde ontem, isso não era surpresa. Talvez o cérebro pudesse se cansar ou se desgastar com o uso excessivo, como qualquer outro músculo? Era uma boa razão para voltar a dormir um pouco, para que meu cérebro pudesse descansar como precisava.
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Acordei de novo por volta do meio-dia e almocei algo leve com minha avó. Ela me disse que Eri havia ido para a ilha principal com uma amiga para passar o dia, o que foi um alívio. Ela estava visivelmente desconfiada de mim desde a noite passada, e eu não queria ser pego em mais um interrogatório com ela. Eu reconhecia, porém, que toda a investigação dela era porque ela se preocupava comigo. Eu fui quem a fez se preocupar em primeiro lugar.
Quando terminamos de comer, minha avó perguntou se eu poderia ajudá-la com algo.
— Eu estava pensando em reorganizar o sótão — ela explicou — mas tem tanta bagunça e tantas caixas pesadas que venho adiando. Um jovem forte como você seria o ajudante perfeito.
Eu ainda tinha bastante tempo antes de me encontrar com Akari, então aceitei ajudar. Usei a pequena escada que tínhamos no depósito para subir no sótão. Graças à iluminação proporcionada por uma única lâmpada nua, vi que havia várias caixas de papelão espalhadas pelo espaço abafado, e cada uma parecia bem pesada.
Comecei a descer as caixas individuais que minha avó me pediu uma a uma. Não demorou muito para eu começar a suar feito um porco; depois de um tempo, até derrubei uma caixa inteira e espalhei seu conteúdo pelo chão do sótão. Estava cheia de livros didáticos e outros materiais de referência.
— Deve ser do meu pai — falei para mim mesmo ao ver que todos eram relacionados à área de TI. Meu pai trabalhava como programador em Tóquio, e com base na quantidade de anotações nas margens, eu suponho que eram provavelmente de seus tempos de faculdade.
Peguei um caderno de composição ao meu pé e folheei. Cada página estava cheia de anotações metódicas, mas apressadas, na caligrafia angular característica dele. Tentar ler aquilo fez meus olhos doerem. Estava prestes a fechar o caderno e colocá-lo de volta na caixa, quando uma única palavra circulada com caneta vermelha chamou minha atenção. Parecia um termo técnico de computação, para o qual ele havia escrito a definição abaixo.
ROLLBACK
O processo de restaurar um banco de dados ou programa para um estado previamente definido, geralmente em resposta a algum erro crítico. Útil para recuperar dados e configurações que foram perdidos ou corrompidos devido a erros do usuário ou falhas do sistema.
— Rollback, hmm…
Murmurei, deixando a palavra pairar em meus lábios por um instante. Tinha um som bem maneiro — embora, a menos que eu decidisse seguir carreira em TI, suspeitava que nunca teria a chance de usá-la de verdade. Fechei o caderno e o coloquei de volta na caixa.
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Quando atravessei a parte abandonada da cidade correndo, só me restavam alguns minutos antes das cinco horas. Ajudar minha avó a reorganizar as coisas levou muito mais tempo do que eu imaginava, e agora eu corria o risco de chegar atrasado ao meu encontro com Akari. Corri o mais rápido que pude pelo distrito labiríntico, tropeçando ocasionalmente em buracos e no solo irregular. Pouco depois das cinco, avistei a saída do beco estreito. Finalmente diminuindo o ritmo para uma caminhada, tentei recuperar o fôlego ao entrar no parque.
Sob a cerejeira em flor, uma garota de uniforme da colégio Sodeshima olhava para cima, semicerrando os olhos enquanto observava a chuva de pétalas flutuando até o chão — quase como se estivesse se banhando nelas. Soube na hora que era Akari Hoshina, a garota com quem eu havia combinado de me encontrar ali, mas simplesmente não consegui chamá-la. A cena era tão deslumbrante que me fez esquecer completamente o motivo de estar ali. Só conseguia ficar parado, hipnotizado por sua beleza.
Quando Akari finalmente notou minha presença e nossos olhares se cruzaram, me atrapalhei.
— Ei! Há quanto tempo você tá aí parado?! Me avisa que chegou, moou! — disse ela, rindo de forma meio desajeitada.
— Ah… foi mal. Eu só tava me divertindo olhando…
Por pouco não deixei escapar a palavra você. Não tinha como eu soltar uma cantada dessas sem parecer um completo idiota.
— Oi? Você estava se divertindo olhando o quê, exatamente?
Ela inclinou a cabeça de um jeito fofo e provocador, me incentivando a terminar a frase. Eu precisava dar um jeito de sair dessa. Rápido. Eu estava olhando para… Ahm…
— Ah, não, eu… Eu estava me divertindo olhando uns álbuns de fotos antigos com a minha avó e perdi a noção do tempo. Por isso cheguei um pouco atrasado… Foi mal.
Parabéns, Kanae. Essa foi, sem dúvida, a desculpa mais patética da história da humanidade.
— Ah. Entendi. Mas relaxa, você só se atrasou uns minutinhos — disse Akari com um sorriso caloroso — mas percebi um leve tom de decepção em sua voz. Será que ela estava esperando que eu dissesse que me diverti olhando para ela…? Pfft, até parece. Eu só podia estar viajando.
Akari sugeriu que sentássemos, então me encostei no tronco da árvore. Segurando a saia, ela se acomodou ao meu lado, tão perto que nossos joelhos quase se tocavam. Comecei a ficar um pouco nervoso. Precisando me recompor rápido, tossi e fui direto ao ponto.
— Então, ontem à noite você disse que podia me contar tudo o que eu queria saber? Quer explicar melhor? — perguntei.
— Sim, então, basicamente… Ugh, por onde eu começo? Talvez seja mais fácil se você fizer algumas perguntas primeiro — ela sugeriu.
— Quer que eu pergunte? Beleza, hum…
Eu tinha um milhão de perguntas na cabeça, mas agora que ela jogou a responsabilidade para mim, parecia que nenhuma vinha à tona. Ainda queria saber por que ela escolheu esse parque para nos encontrarmos e o que aconteceu nos últimos quatro dias, mas que outras perguntas eu deveria fazer?
Vamos ver…
— Por que você tá de uniforme de novo hoje?
— Ahaha… Sério? Essa é a dúvida mais urgente na sua cabeça agora? Nossa, você deve amar uniformes, hm? — brincou ela, puxando a gola da jaqueta para se exibir.
— Não, idiota. É só que, er… Eu queria começar pelas perguntas fáceis…
Ela estava me deixando completamente desnorteado hoje, e eu sabia exatamente o motivo. Seu jeito de agir estava bem mais feminino e muito mais provocante do que o normal. Era como se cada pequeno gesto seu mexesse comigo de alguma forma. Akari sorriu divertida antes de finalmente responder à minha pergunta.
— Tô usando de novo porque acabei de voltar do funeral. Diferente do velório de ontem à noite, dessa vez tivemos que ir até o continente. Não tive tempo de trocar de roupa depois que voltamos pra casa, então vim direto pra cá assim.
— Ah. Faz sentido…
Se eu estivesse pensando com mais clareza, teria adivinhado isso. Era normal que o funeral acontecesse no dia seguinte ao velório. Me xinguei mentalmente por não refletir melhor antes de perguntar besteira e segui para a próxima dúvida da minha lista.
— Certo, isso explica isso. Agora, por que você achou que eu conhecia esse parque?
— Ué, porque foi você quem me mostrou esse lugar.
— O quê? Quando foi isso? Eu não lembro de nada disso.
— É claro que não. Porque, para você, isso ainda não aconteceu. Mas vai acontecer.
— O que isso quer dizer? — perguntei, sem a menor ideia do que ela queria dizer. Seu rosto ficou completamente sério.
— Você já ouviu falar na expressão salto quântico, certo?
Isso me pegou de surpresa. Ela tinha acabado de usar um termo tirado diretamente de um dos meus romances de ficção científica favoritos.
— Sim, é tipo… uma forma de viagem no tempo, certo?
— Certo.
— Ok. E o que tem isso?
Akari me olhou diretamente nos olhos e disse sem rodeios.
— É isso que está acontecendo com você, Kanae-kun. Você saltou no tempo.
— Hã?
Eu não conseguia entender. Não que qualquer um na minha posição fosse capaz de ouvir um "Ei, você acabou de viajar no tempo" e simplesmente responder "Ah, faz sentido!". Mas pelo menos eu podia dizer que Akari não estava brincando comigo. A ideia de ela me trazer para um parque deserto logo depois da morte do único irmão dela — apenas para me contar uma mentira absurda — era ainda mais improvável do que aquilo ser verdade.
— Eu sei, parece loucura — ela continuou. — Acredite, foi difícil de aceitar para mim também. Mas agora, eu preciso que você me escute.
Foi difícil para ela também? Será que Akari também tinha viajado no tempo?
Eu estava ficando cada vez mais confuso, mas precisava de todas as informações possíveis. Não custava nada ouvi-la.
— Tudo bem. Vamos ouvir — concordei. Sua expressão séria finalmente suavizou um pouco.
— Ótimo. Mas já vou avisando: isso vai ficar bem complicado. Vou tentar explicar da forma mais simples possível.
— Entendido. Obrigado.
— Ok, então só para garantir que estamos na mesma página: o que você mais quer saber agora é por que não tem nenhuma lembrança do período entre às 18h do dia 1º de abril e às 18h do dia 5 de abril, certo?
— E-Exatamente!
Eu queria perguntar como diabos ela sabia disso, mas parecia que ainda havia muito mais para ser dito, então guardei minhas perguntas para depois.
— Bom, o motivo disso — ela explicou — é que a sua consciência deu um salto quântico entre esses dois momentos no tempo. Está acompanhando?
— Minha… consciência? Não meu corpo inteiro?
— Correto. Isso não é como naqueles desenhos antigos. Você não entrou acidentalmente em uma máquina do tempo e foi enviado fisicamente para frente ou algo assim. Apenas sua mente fez a viagem… ou pelo menos, foi o que me disseram.
Eu podia sentir uma dor de cabeça se formando. "Foi o que me disseram"? Como eu poderia acreditar nela se ela mesma estava repetindo algo que ouviu de outra pessoa?
— Desculpa, mas quem exatamente te disse isso? — perguntei, desconfiado.
— Então, como eu estava dizendo antes… Na verdade, não. Vamos deixar isso para depois. Primeiro, vou me manter na linha e explicar tudo direitinho.
Algo não parecia certo no jeito como ela evitava certos assuntos, mas resolvi ficar quieto e deixar que continuasse.
— Então, eu já expliquei como você acabou nessa situação. Agora, vou te explicar o que vai acontecer daqui para frente. Essa parte é muito importante, então preste atenção — ela enfatizou, e eu assenti. — Certo. Aqui está o que vai acontecer: você vai reviver os últimos quatro dias, um por um, mas em ordem reversa.
— Hum… Como assim?
— Pense assim: a cada 24 horas, você será enviado de volta no tempo 48 horas. Tipo um passo para frente, dois para trás. Ah, e isso sempre vai acontecer exatamente às 18h. Esse processo vai continuar até que você tenha preenchido toda a lacuna de quatro dias na sua memória.
— Desculpa, acho que me perdi. É muita coisa para assimilar…
— Sim, é difícil explicar só com palavras… Espera um pouco.
Akari pegou um galho fino do chão e limpou um espaço grande na terra. Usando o galho como um lápis, ela escreveu "01/04 (18h)" e desenhou uma longa seta apontando para baixo. No final da seta, escreveu "05/04 (18h)" e depois apontou para a seta enquanto explicava.
— Vamos supor que isso representa o salto quântico inicial que você fez, certo? Você saltou das seis da tarde do dia 1º direto para as seis da tarde do dia 5. Me acompanhando até aqui?
— Sim, e é por isso que não tenho nenhuma memória dos últimos quatro dias… Continue.
Em seguida, Akari desenhou uma seta para a direita, onde escreveu "06/04 (18h)", então largou o galho e pegou o celular.
— Agora é dia 6 de abril e, em cerca de trinta minutos, serão seis da tarde… e, a partir desse momento, você será enviado de volta para às seis da tarde do dia 4 de abril.
Ela pegou o galho de novo e desenhou uma seta diagonal para baixo e para a esquerda, onde escreveu "04/04 (18h)". Segundo o diagrama, assim que eu chegasse ao fim do período de 24 horas, entre a noite do dia 5 e a noite do dia 6, eu seria enviado 48 horas para trás, para a noite do dia 4. Agora eu começava a entender por que ela explicou como "um passo para frente, dois para trás". Com o auxílio visual, parecia que finalmente eu estava pegando a ideia.
— E a partir daí — Akari continuou — você terá mais 24 horas até chegar novamente às seis da tarde do dia 5, e então…
— Eu serei enviado de volta às seis da tarde do dia 3…?
— Isso mesmo! Viu? Você está pegando o jeito!
Akari então continuou esboçando o restante do diagrama — repetindo o padrão de um dia para frente, dois dias para trás algumas vezes — até chegar novamente às seis da tarde do dia 1º de abril. Por fim, ela finalizou com uma última linha horizontal ligando "01/04 (18h)" a "02/04 (18h)".
(N/SLAG: A tradução fonte é inglês; a data é composta por mês/dia/ano. Vou manter o nosso estilo no texto, mas não pretendo refazer o desenho. PM é depois do meio-dia e AM é antes do meio-dia.)
— Então, é isso — disse Akari, colocando o galho de volta no chão. — Era disso que eu estava falando quando disse que você reviveria os últimos quatro dias em ordem reversa. Chamamos isso de fenômeno Rollback.
— Espera. Rollback?
Eu já tinha uma noção razoável do processo nesse ponto, pelo menos em teoria, mas quanto mais ouvia Akari explicar, mais difícil ficava de acreditar. Cada pergunta que ela respondia só fazia surgir mais duas ou três na minha cabeça.
— Então, uh. Obviamente, tenho muitas perguntas — comecei. — Mas acho que, para começar: porque seis horas? Não, mais importante, como eu fui parar nesse fenômeno esquisito para começo de conversa?
— Não posso dizer com certeza... mas me disseram que pode ter algo a ver com o fato de você ter tocado a pedra dentro daquele santuário. Aconteceu exatamente às seis horas — mas acho que não há nenhum significado especial nesse horário.
— Oh... Certo, o santuário...
Para ser honesto, eu tinha me esquecido completamente disso. Levantei-me e fui dar outra olhada dentro do pequeno santuário do outro lado da grande cerejeira. A rocha pesada, com uma fenda no meio, ainda estava lá, exatamente onde eu me lembrava. Não havia se movido.
— Mas eu não entendo — eu disse. — Como tocar uma pedra idiota poderia fazer todas essas coisas sobrenaturais começarem a acontecer? Mesmo que ela tivesse algum tipo de poder mágico, por assim dizer... esse lance de reviver cada dia de trás para frente é específico demais. Não faz sentido.
— Bem, essa é apenas a minha teoria pessoal — disse Akari, caminhando até ficar ao meu lado. — Mas você se lembra daquela vez na escola primária, quando nos levaram em uma excursão até o grande santuário da ilha para aprendermos mais sobre a história de Sodeshima?
— Oh, é... Acho que me lembro disso.
Foi em algum momento do quarto ou quinto ano. Levaram a turma inteira ao Santuário de Sodeshima e deixaram o sacerdote xintoísta local nos ensinar por um dia. Ainda me lembrava vividamente de como o piso de madeira em que nos fizeram sentar era frio.
— Ok, pode me chamar de louca, mas... não mencionaram algo sobre como monges budistas costumavam fazer peregrinações até Sodeshima nos tempos antigos para passar por algum tipo de provação?
— Eu não lembro disso, para ser sincero, mas... Você está dizendo que acha que eu acidentalmente invoquei alguma provação antiga para mim mesmo?
— Digo, não seria mais absurdo do que qualquer outra explicação que já cogitamos, né...?
Tá bom, agora isso está ficando ridículo.
— E o que diabos eu estaria sendo testado, hm? Por quem? Isso não faz sentido. Além disso... Como você sabe de tudo isso, Akari? Sobre o Rollback, sobre eu ter tocado a pedra no santuário... Eu nunca contei isso para ninguém, então como você poderia saber?
Eu sentia meu tom ficando cada vez mais impaciente conforme as perguntas se acumulavam uma atrás da outra. Diante da minha frustração, Akari simplesmente olhou para mim — com gentileza, com um toque de verdadeira empatia no olhar — como se eu fosse a pessoa que precisava de consolo ali.
— Eu ouvi de você, Kanae-kun — ela disse.
— De mim? — Eu pisquei, surpreso.
— Isso mesmo. Tudo o que eu te contei aqui hoje, você me explicou antes. Em um passado que você ainda não viveu.
As palavras dela saíram medidas e lentas, como se quisesse garantir que cada sílaba fosse absorvida. Fechei os olhos, belisquei a ponte do nariz e soltei um longo e pesado suspiro.
— Desculpa, eu preciso de um tempo para processar tudo isso...
Depois de tanta ginástica mental, eu sentia como se precisasse de um cigarro — e eu nunca havia fumado na vida. Tentei ao máximo digerir tudo o que Akari me contou. Ainda era difícil de engolir, mas eu teria que lidar com isso aos poucos.
O fenômeno Rollback, hm?
Eu já conhecia o termo, é claro, desde que o vi mais cedo em um dos cadernos antigos do meu pai. Obviamente, era um termo da computação, mas parecia estranhamente adequado para o conceito de ser enviado de volta a momentos anteriores no tempo. Akari afirmou que fui eu quem explicou tudo isso para ela, o que, presumivelmente, significava que eu também inventei o nome do fenômeno. Havia muitos aspectos que eu ainda não conseguia entender completamente, mas agora eu finalmente sentia que havia organizado meus pensamentos o suficiente para liberar parte da capacidade de processamento do meu cérebro.
— Desculpa — eu disse — mas, sendo honesto, estou tendo muita dificuldade em aceitar essa ideia de salto temporal e o fato de que fui eu quem te contou tudo isso. Por outro lado, eu sei que você nunca mentiria sobre algo assim, então vou tentar ao máximo confiar no que você está dizendo.
— Obrigada. Eu realmente aprecio isso — ela sorriu. Sua expressão calorosa me tranquilizou.
— Cara, fala sério, que timing horrível, né? A única semana que eu volto para a cidade, e acabamos presos nessa maluquice sobrenatural. Sem contar que você já deve estar ocupada o suficiente com o funeral do seu irmão e—
Eu parei no meio da frase, porque, naquele exato momento, a última peça do quebra-cabeça se encaixou na minha cabeça.
O fenômeno Rollback.
A morte de Akito.
Pensa, Kanae — se você já vai voltar no tempo, então...
— Ei, uh, Akari? — perguntei. — Me lembra, exatamente quando o Akito faleceu?
— Entre meia-noite e duas da manhã do dia 2 de abril — ela respondeu com naturalidade, como se já estivesse esperando essa pergunta. — Pelo menos foi isso que a autópsia indicou.
Certo, entre meia-noite e duas da manhã do dia 2. Entendido.
Akari disse que eu reviveria tudo das 18h do dia 1º até as 18h do dia 5 — e a morte de Akito estava bem dentro deste período. Supondo que Akari não estivesse errada sobre nada disso, isso apresentava uma possibilidade muito interessante.
— Isso significa que podemos impedir a morte de Akito de acontecer...? — perguntei.
— Sim, significa — ela respondeu. Então, baixou o olhar para os pés por um momento, franzindo o rosto pensativa antes de voltar a me encarar diretamente nos olhos. — Kanae-kun, eu... eu quero que você salve meu irmão.
Suas palavras foram tão cristalinas em sua convicção que me pegaram de surpresa, me colocando em uma posição um tanto desconfortável. Vale lembrar que eu ainda estava apenas meio convencido de que toda essa história de rollback era realmente possível... Na verdade, talvez nem vinte por cento convencido.
Era difícil simplesmente pular e dizer "Claro, eu salvo a vida do seu irmão para você!" quando ainda havia tantas perguntas sem resposta. Mas, ao mesmo tempo, também não conseguia me forçar a dizer não. Independentemente de tudo isso ser real ou não, eu não podia deixar Akari na mão em um momento de necessidade. Eu tinha que acreditar na sinceridade que via em seu rosto.
— Tudo bem. Vou fazer o que puder — disse, por fim. Akari assentiu enfaticamente.
— Certo, eu te disse o horário aproximado da morte — entre meia-noite e 2h da manhã do dia 2. Ele morreu de intoxicação alcoólica, e o corpo foi encontrado no terreno baldio atrás da antiga tabacaria.
Havia apenas uma tabacaria em toda Sodeshima. Era um lugar pequeno e decadente, localizado em uma viela estreita, e eu sabia exatamente onde ficava.
— O que Akito estava fazendo lá? Você sabe? — perguntei.
— A polícia achou que ele podia estar, hum... se aliviando no terreno baldio. Encontraram alguns vestígios por perto que sustentavam essa teoria, acho...
Bom, essa deve ter sido uma pergunta desconfortável para ela responder. Fiquei meio mal por ter perguntado. Ainda assim, se ela estivesse certa sobre essa coisa de rollback, salvar a vida de Akito não deveria ser nada difícil. Tudo o que eu precisaria fazer era garantir que ele não bebesse álcool naquele dia.
Ei, mesmo que eu não conseguisse fazer isso, eu sabia exatamente onde ele estaria e quando. Pensando bem, eu nunca cheguei a retribuir o favor dele ter me salvado daqueles valentões anos atrás... o que fazia desta a oportunidade perfeita para fazê-lo. No momento, eu era a única pessoa que podia salvar Akito.
— Ok, Kanae-kun. Está quase na hora — Akari disse, olhando para o celular. Fiz o mesmo e chequei o meu. Eram 5h57; se Akari estivesse certa, o próximo rollback ocorreria em apenas três minutos.
— Vamos ver... Então, você disse que eu serei enviado de volta para as seis horas do dia 4 de abril, certo?
— Sim. Quase certeza.
— Quase certeza?!
— Eu não sei o que você quer que eu diga, Kanae-kun. Eu não tenho provas disso. Só sei o que você mesmo me contou, como eu disse.
— Certo... Bom, justo — cedi. Percebi que pressioná-la sobre isso não faria bem para nenhum de nós.
— Mas eu posso te dizer uma coisa com certeza: os rollbacks acontecem. Ou, pelo menos, você já me deu razões mais do que suficientes para acreditar que acontecem — Akari disse. Sua voz era a mais sincera possível.
Nesse instante, o vento ficou mais forte. Alguns momentos de ansiedade depois, ele levantou uma nuvem de pétalas de cerejeira pelo céu, girando como um caleidoscópio de pequenas borboletas. O padrão espiralado das pétalas rosa-pálido brilhava lindamente contra o céu âmbar do entardecer. Não havia dúvidas — essas tinham que ser as flores mais deslumbrantes de toda a ilha.
Fiquei parado por um tempo, olhando para cima em um estado de paz, até ouvir o som de soluços ao meu lado. Me virei e vi Akari cobrindo o rosto com as mãos, os ombros tremendo. O som abafado do choro escapava por entre seus dedos. Não era apenas um soluço... Ela estava chorando. E, desta vez, era evidente que aquelas lágrimas não eram causadas por alergia ao pólen.
— A-Akari? Você tá bem? Aconteceu alguma coisa?
— Hic... N-Não, eu... eu s-só...
— O que deu em você de repente...?
E, antes que eu pudesse descobrir o motivo de suas lágrimas, fomos interrompidos pelo sino das seis horas. As notas melancólicas de Greensleeves anunciaram para nós dois que a hora havia chegado, e minha ansiedade disparou.
— Escuta, Kanae-kun — Akari disse, quase engasgando com as palavras enquanto erguia o rosto desalinhado e encharcado de lágrimas para me encarar sem hesitação. — Eu confio no seu julgamento. Então, por favor... Cuide da minha versão do passado, tá? O resto depende de—
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