Volume 1 – Arco 2
Capítulo 24
Hakuro corria a passos ligeiros quando enfim chegou próximo a Kishi, levantou seus braços e depois os descendo em alta velocidade, ele cortou o ar com suas garras de metais, quase atingindo seu alvo. Seus movimentos eram ligeiros, cada ataque visava apenas rasgar sua carne, e ele estava conseguindo.
Kishi tinha dificuldade para se esquivar, vez ou outra seu movimento ficava mais lento, utilizar o poder do noredan lhe dava grande força, mas também o deixava cada vez mais exausto. Segurando suas duas lâminas curvadas com força ele tentou um corte duplo em horizontal, mas o ninja em um salto sobre humano seguido por um mortal, se esquivou e caiu em sua esquerda, já contra-atacando e rasgando parte de seu abdômen.
Ele gritou de dor, e logo pegou distância para evitar outra série de ataques. Seu ferimento se curou devagar, seus olhos negros ocilaram por um instante. Ele avançou para cima dele, e quando estava prestes a realizar seu movimento um daqueles cadáveres entrou na frente do ataque, tentando morder ele.
Era uma alucinação, e mesmo sabendo disso ele parou seu movimento e desviou do ataque do morto, deixando Hakuro confuso. Antes que pudesse se perguntar o porquê daquele comportamento estranho ele viu surgir em sua frente duas pequenas lâminas curvadas, desviou com facilidade em um movimento giratório para a esquerda.
Entretanto as lâminas colidiram, mudando sua rota no mesmo instante o ninja se viu obrigado a erguer o braço deixando que a lâmina cravasse em sua carne. Aquilo doeu muito mais do que ele pensava.
Alguns mortos começaram a caminhar para a frente de Kishi, o cercando. Ele não conseguia ver e nem ouvir nada, além das lamentações que aqueles seres moribundos faziam. No meio deles surgiu Hakuro que em um pulo caiu em sua frente e começou outra série de ataques.
Os olhos negros desapareceram.
Quando os ataques das garras vieram ele teve que usar suas lâminas curvadas para se defender, e para sua surpresa no momento em que os metais se chocaram, deixando uma pequena faísca surgir, uma explosão ocorreu jogando ele um pouco para trás.
Pequenas explosões, como fogos de artifícios. Nas pontas das lâminas, haviam pequenas doses de pólvora, era um mecanismo relativamente simples; bastava um pouco de calor e ele era capaz de produzir pequenas explosões em seus ataques para confundir, atacar e quebrar a defesa de seu alvo. Mais uma brilhante invenção da Lótus Branca.
Mesmo com todos os seus reflexos, era impossível permanecer imóvel sempre que aquelas explosões ocorriam. Para piorar, sua visão se ofuscava por mero instante, o que permitiu um profundo corte em seu peito.
Kishi ergueu suas armas e desceu com força, tendo seu ataque segurado por Hakuro. Os dois se encaravam, medindo força. Seus olhos negros foram ativados mais uma vez, mesmo assim, a energia mágica fornecida pelo orbe deixava o potêncial físico daquele homem além do humano.
— Eu quero… Eu quero meu filho de volta! — trovejou um dos mortos, avançando contra ele.
Ele tentou se defender de um golpe fantasma, como imaginado, nada ocorreu. Com a guarda baixa, um chute direto em seu estômago o jogou contra o chão.
— Para onde está olhando idiota! — gritava enfurecido.
— Apenas tirei um cochilo — dizia enquanto se levantava com dificuldade, tentando ignorar os mortos que os rodeiam. — Não vai acontecer de novo.
— Está zombando de mim?
O corpo enrijecido fazia as veias saltarem pelos seus músculos. Aquele era o grande dia em que finalmente ele poderia matar um daqueles monstros que atormentam seus sonhos por tanto tempo.
Então porquê aquilo parecia tão errado? Porque o monstro se parecia mais com um garoto assustado?
Ele não sabia a resposta, e no fundo, não queria saber.
— Eu vou te mostrar — falou mudando sua postura de combate —, porque sou o líder da Lótus Negra!
Kishi não pode acreditar no que ele via em sua frente.
Hakuro havia se multiplicado.
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No Deserto que Caminha.
Mais um havia tido sua cabeça decepada quando entrou em contato com a lâmina curvada de Kishi, mesmo assim ele continuava se movendo. Foi apenas quando ele o cortou inúmeras vezes, que enfim podia dizer que seu inimigo havia sido derrotado.
Outros se aproximavam e sofriam o mesmo destino; cortados, multilados, rasgados e fatiados. Eles haviam causado muitas feridas em seu corpo, sua respiração era ofegante, seu corpo inclinado para frente tentando permanecer de pé.
— Ahgr!
Foi com um grito de Fazy que ele recobrou a consciência. Um dos mortos havia mordido seu pescoço, o derrubando contra o chão. Quando iria ajudar seu amigo, um chute voou em sua face o derrubando.
Era ele.
Era Gaia.
— Fique no chão, Kishi — dizia o olhando com desdém, vendo-o tentando se levantar. — Eu prometo que isso vai acabar rápido.
— Seu maníaco… Nós éramos seus companheiros!
— Não, não eram. Nunca vi nenhum de vocês Arterianos como iguais.
— Do que está falando?
— Veja bem. — Ele puxou suas mangas, mostrando diversas tatuagens que brilhavam em amarelo, similares aos símbolos que estavam nas testas de seus companheiros já falecidos.
— Esses símbolos…
— São Runas. A especialidade das Ilhas do Oeste, não fico surpreso em você não reconhecê-las.
— Não pode ser…
— Ah sim, pode. Eu sou um dos sobreviventes das guerras que vocês Arterianos causaram. Um xamã que voltou para se vingar!
Ele sabia bem sobre aquilo, todos sabiam. Artéria era uma nação feita de aglomerados de povos de todo o mundo, intrigas e discussões sempre existiram antes das Dez Famílias serem fundadas, muitos refugiados buscaram algum tipo de segurança em Artéria por conta das constantes guerras envolvendo Jolder, mas esses povos foram recebidos por soldados, homens que não aceitavam os diferentes.
No fim, ao escaparem de uma guerra em seu país natal, acabaram iniciando outra no país que achavam que estariam seguros.
— Eu entendo que guarde rancor, mas isso já aconteceu a muito tempo…
— Não, Kishi! O meu povo é marginalizado! Eu prometi me vingar de cada um de vocês!
— Chega dessa ladainha! — gritou. — Vingança? Justiça? Eu não ligo para nada disso! Você matou os meus amigos, e por isso eu vou te matar!
Em um ataque repleto de fúria, as armas de Kishi quase atingiram Gaia que não esperava por aquilo. Ele se esquivou por sorte, e acertando um murro no nariz de seu agressor, o fez cambalear em recuo.
Encaixou outros dois golpes: um soco e um chute. Cada ataque tinha a força de 10 homens. Todo aquele poder provinha das runas em seu braço, runas que haviam sido forjadas por companheiros xamãs que deram suas vidas para que o corpo de Gaia fortalecesse.
Ele caiu e rolou no chão, logo se levantando e acertando o pescoço de um daqueles seres moribundos que tentou o atacar. Quando viu o xamã vindo para cima de si, jogou suas duas lâminas curvadas, que rodaram com velocidade.
Elas atravessaram para o outro lado, Gaia foi pego de surpresa quando em sua frente, outras duas lâminas pequenas surgiram acertando seu peito, o fazendo gritar de dor. As duas lâminas maiores voltaram para a mão de Kishi que se preparou para mais um ataque.
Mas errou, quando foi atingido por um dos mortos.
Outra vez ele rodou no chão, e quando estava prestes a atacar seu agressor o viu.
Era Fazy.
— Não…
Os golpes do defunto vinham em alta velocidade. Kishi se defendia, mas não contra atacava. Ele não queria o ferir, mesmo sabendo que o mesmo já estava morto.
Não foi nenhuma surpresa quando Fazy segurou seu pescoço, o enforcando.
— Idiota — falava Gaia, que via a cena toda.
— Vamos Fazy! Acorde! — Ele tentava gritar, mas sua garganta era cada vez mais apertada.
A criatura não respondia, apenas grunhia e o apertava mais.
— Ele já está morto. Custou toda a minha energia mágica fazer esses selos sanguessuga, não são simples palavras que vão reverter tudo. — Ele deu as costas, se voltando para o portão. — Mas você sempre foi uma criança, nunca escutava ninguém.
“Então sirva de sacrifício.”
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Atualmente.
Os Hakuros acertavam não paravam por nenhum segundo.
Um deles chutou o joelho de Kishi com força o suficiente para fazê-lo perder equilíbrio para logo em seguida, um segundo Hakuro chegar correndo com uma joelhada o mandando para trás.
Eram quatro no geral, como clones perfeitos, aquilo podia ser facilmente confundido com magia, Os dois que haviam acabado de o golpear avançaram para cima dele.
Quando duas lâminas curvadas perfuraram suas cabeças.
Os outros dois Hakuro ficaram em choque em como aquele ataque invisível havia surgido do nada. Ele conhecia um pouco da teoria, era similar ao Frich de Olú, mas possuía pequenas diferenças.
Não eram simples distrações, eram golpes minimamente arquitetados. Cada lâmina lançada, cada curva que elas faziam, seus pesos, tamanhos. Tudo, tudo fora projetado para cobrir uma série de situações diversas.
— Eu não tenho dúvidas… Então é você, Petálas.
— O que disse?
— Líder de um pequeno grupo de criminosos conhecido como Alopeke, no passado, fizeram um roubo histórico assaltando um banco real — comentava, incrédulo. Ele não podia acreditar que aquele homem era o infame líder daquele bando. — Toda a lótus Negra fora acionada, vocês viraram o assunto principal por semanas.
— Como você sabe o meu nome! — gritou enfurecido.
Hakuro sorriu.
— Diziam que o líder deles era um homem sem igual. Empunhando duas cimitarras, com um odor único de uma fragrância de rosas encontrada somente em algumas regiões de Artéria. O chamavam de Pétalas.
— Pare de repetir esse nome como se fosse algum título idiota!
— Acho que fiz você se lembrar de algumas memórias ruins, sinto muito. — Ele via o olhar enfurecido de Kishi o amaldiçoar, um ódio tão profundo que cegava.
Eles eram iguais, suas técnicas eram equivalentes.
Nunca se tratou de lâminas ocultas ou clones corpóreos, era reputação. A mente humana quando intimidada podia criar seus próprios pesadelos, uma hipótese autoimposta por simplesmente temer ou respeitar alguém.
Uma técnica que apenas pessoas altamente temidas e respeitadas poderiam colocar em prática.
Em um mundo onde a magia era a maior fonte de poder, pessoas como eles só podiam ser chamadas.
De trapaceiros.
Os dois Hakuros restantes correram contra Kishi, mais uma série de ataques, sempre que as armas de ambos colidiram pequenas explosões eram geradas ofuscando a visão de ambos, mas sem
distraí-los.
Até mesmo quando os mortos se aproximavam e o atacavam, nenhuma reação era esboçada. A lâmina curvada cortou o vento, rasgando a cabeça de cada um dos defuntos até enfim colidir contra as garras de metal do ninja, gerando outra pequena explosão.
Foi quando o ninja viu seu alvo desviando de seus golpes que ele percebeu algo estranho. Aqueles movimentos estranhamente exagerados, a maneira como sempre tentava buscar algum tipo de distância entre os dois.
Era uma armadilha.
Quando Hakuro parou, ele notou que seu clone havia sumido, ele tinha sido atingido por algo. De algum lugar, um golpe surpresa se aproximava. Ele olhou: Cima. Baixo. Esquerda. Direita. Nada, onde elas estavam?
Em todo o lugar.
Quarenta e duas lâminas curvadas, de inúmeros tamanhos, giravam e rodavam em alta velocidade para cima dele. Não havia escapatória, não havia defesa. Hakuro via os lábios de Kishi se moverem lentamente, soprando as palavras:
— Está na hora de…
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— … Acabar com isso.
A lâmina da arma perfurou o pescoço do cadáver de Fazy, e quando ele reduziu a força de seu aperto, teve seus braços cortados em instantes.
Lágrimas desceram junto do corpo que colidia contra o chão, agora já sem vida.
— Pelos deuses que outrora andaram pelo mundo. Por todos os pecados expurgados da terra, abra, GyoDan!
Gaia proferia tais palavras como se fosse seu mantra, sua ideologia de vida. Lentamente o portão começava a se mover, arrastando pela areia, tremendo o solo e deixando um grande brilho escapar.
Cada um dos cadáveres que ainda mantinha algum tipo de “vida” caiam no chão, sendo sugados lentamente pela areia.
Era maravilhoso, o caminho final se abria, Gaia não conseguia guardar sua felicidade. Ele ria, chorava, transbordava em inúmeros sentimentos que até ele próprio desconhecia. Havia enfim chegado a hora.
O mundo veria o libertar…
Dos Noredan.
— Hoje não, filha da puta.
A arma de Kishi perfurou de um lado para o outro o corpo de Gaia. Que em seus últimos suspiros finais apenas conseguiu proferir sons desconexos enquanto se engasgava em seu próprio sangue.
Quando tirou a arma do corpo, ele se ajoelhou em frente ao portão que sugava a vida do último sacrifício.
Ele notou naquele instante, vislumbrando o brilho intenso que emanava do portão, que aquilo era o fim. Não havia mais sentido em continuar.
Se levantou, e começou a caminhar.
— É esse o caminho, não é?
Caminhava.
— Vocês aí, demônios do outro lado, podem me ouvir?
Continuava a caminhar.
— Abram algum espaço… Eu vou me juntar a vocês.
Kishi entrou no portão.
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Tudo foi finalizado em segundos.
Hakuro estava de pé, com lâminas perfurando todo o seu corpo. Ele já não emanava toda aquela aura perigosa que o fazia ser reconhecido como o líder da Lótus Negra.
Kishi chegou perto dele, observando.
Uma fraca respiração ainda podia ser ouvida se ele chegasse perto o bastante, era uma resistência impressionante, mas sem os cuidados apropriados ele não duraria muito.
— … — Kishi entendeu o braço, deixando a palma de sua mão na frente daquela runa mágica azul, no pescoço de Hakuro.
E pouco a pouco a runa fora desaparecendo, a energia ia pouco a pouco se acumulando na palma da mão do Noredan, se tornando um pequeno orbe azul.
Os mortos do local ficaram impressionados com aquele show de luzes. Eles se afastaram quando viram Kishi dando as costas e caminhando junto ao orbe para fora do recinto.
Nenhum deles teve coragem de dizer algo.
O confronto havia se encerrado.
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Alguns dias após o confronto.
Arredores da floresta.
O sol do meio dia esquentava o chão que fervia como uma panela. O calor não incomodava de forma alguma, na verdade ele sempre preferiu os dias quentes de verão do que as longas noites de inverno. Ele segurava sua mochila com cuidado, vez ou outra tocando-a para ter certeza que o orbe estava ali.
Ele parou, quando viu uma mulher sentada perto de uma árvore, observando as nuvens.
Com um pouco de constrangimento, ele se aproximou e se sentou ao lado dela.
— Você demorou…
— Foi uma viagem longa, eu tive que parar para descansar. Como você está?
— Você sabe a resposta.
— É, tem razão. Me desculpe.
Houve silêncio durante alguns minutos.
— Eu vinguei o meu pai — disse o pegando de surpresa.
— O quê? Você quer dizer que...
— Sim. Eu e seu pai estamos bem.
— Eu não sei o que te dizer…
— Poderia começar dizendo: “Me desculpe Alissa, eu fui um grande idiota e irresponsável te deixando aqui.”
— Eu… — Ele desistiu de argumentar, mas esperou alguns segundos antes de dizer. — Me desculpe.
Ela suspirou, jogando a cabeça para trás e fechando os olhos.
— Que bom que você está vivo, seu idiota.
Lágrimas lentas e silenciosas desceram pelo seu rosto.
Ele começou a soluçar, não se importou, não naquele momento, em esconder seus sentimentos.
— Sim… Que bom que eu estou.