Vida em Folhas Brasileira

Autor(a): Lucas Porto


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 16

 

Mākeke nui

Arredores.

— Acalme-se. Acalme-se... — repetia o senhor Edo para si mesmo, enquanto impacientemente andava de um lado para o outro, esperando receber alguma notícia sobre o paradeiro de seu filho e de Alissa.
Foi quando, ao olhar um pouco mais adiante, ele viu Kishi, que embora não tivesse quase nenhum machucado sério, por conta de sua regeneração, demonstrava grande cansaço enquanto carregava Alissa.

A menina por outro lado, estava com sérios ferimentos, além de ter toda a sua roupa suja com o sangue de seus inimigos. Uma visão terrível que chegou a assustar Edo à primeira vista.

— O que aconteceu com vocês?

— Alguns ninjas... Só isso…

— Não se esforce Alissa — dizia Kishi olhando para a mesma. — Me ajude a carregar ela pai, eu irei te explicar o que aconteceu no  caminho.

— Claro.

E de forma apressada, o trio caminhou para fora da cidade, adentrando a floresta e se escondendo por lá, visando despistar qualquer ninja remanescente que pudesse tentar os seguir.

O que eles não sabiam, era que nenhum ninja se dispôs a segui-los. Pelo contrário, eles tentavam acalmar Sinsha que gritava enfurecida enquanto sua mente era inundada com sua pior lembrança.


 

10 anos atrás.

Aldeia Duw.

— Eu preciso mesmo ir?

— Sim. Agora pare de se mexer. — disse enquanto arrumava o vestido da menina.

— Não posso vestir outra coisa então? Tá tão apertado. 

— Não Sinsha, quantas vezes terei que te dizer isso? — Ela apertou ainda mais a cintura do vestido fazendo a jovem Sinsha reclamar outra vez. — Pronto. Terminamos.

Um vestido azul bem decorado, um cabelo solto enfeitado com uma manacá-de-cheiro, uma flor roxa que se misturava bem com o restante do visual. Mesmo não querendo usar aquelas roupas, Sinsha se sentia a garota mais bela do mundo por um instante. Uma sensação reconfortante. 

— Você está maravilhosa Sinsha.

— Obrigada, Glenda. — Ela corou um pouco o rosto.

— Já me disse que pode me chamar de mamãe, ou de tia — respondeu com um sorriso bobo, ela adorava quando as outras crianças a chamavam assim.

— Obrigada, tia Glenda — ironizou sorrindo. — Melhor eu ir andando.

— Sim, tome cuidado e não volte tarde. Boa sorte no seu encontro.

"Não é um encontro." — retrucou em pensamentos, pensou em responder Glenda, mas desistiu, e com um aceno de despedida saiu de casa.

Caminhando pelas ruas simples daquela aldeia, constantemente Sinsha era alvejada por olhares alheios. Os masculinos, sorriam e admiravam a beleza da jovem. Os femininos, sorriam falsamente querendo estar no lugar dela. Para Sinsha, receber tantos sorrisos era desconfortável.

Enquanto se dirigia ao local, ela olhava para o chão pensando nos acontecimentos dos últimos dias. Enquanto brincava com seus irmãos, o filho mais velho do representante da cidade, Lori, foi até a mesma e a pediu em casamento.

O olhar de seus irmãos e irmãs curiosos e surpresos, esperaram pacientemente uma resposta de Sinsha que calmamente respondeu: Me desculpe, você não é atraente. Tanto Lori quanto seus irmãos e irmãs ficaram boquiabertos.

Sinsha deu uma risadinha, ver o rosto de todo mundo daquela forma foi engraçado.

Infelizmente Lori não desistiu. Ele foi até a casa dela e conversou pessoalmente com Glenda que ficou maravilhada com a notícia. Para uma órfã como ela, ter como marido o filho de uma pessoa tão importante poderia ser a salvação para sua vida. Com certeza até a Grande Família Nyune abençoaria o casamento. 

Mas Sinsha não via sentido em se casar. Quando olhava para o rapaz que tinha sua idade, quinze anos, ela não sentia nada. Ela já havia se deparado com outros homens e mulheres muito mais atraentes, admiráveis. Já Lori, era apenas um qualquer.

Mesmo tendo a ousadia de dizer isso para o rapaz, ele continuou a insistir. Glenda então interviu e propôs um acordo: caso ambos saíssem juntos e, durante esse passeio Sinsha não fosse conquistada, então Lori desistiria dela. Sem mais opções, a jovem garota concordou.

— Acho... Que é aqui. — Ela parou em frente a um grande portão que protegia uma mansão vinte vezes maior que sua casa. Ela hesitou um pouco, não soube o porquê, mas entrar em uma casa tão magnífica não a fazia se sentir bem por algum motivo.

— Olá madame. Você deve ser Sinsha, a convidada do jovem mestre. — Ela foi pega de surpresa. Quando olhou para trás viu um homem alto de pernas finas, cabelos grisalhos e um bigode elegantemente desarrumado.

 — Sou sim... — disse olhando para o bigode. O homem percebeu e prontamente o arrumou. — Quem seria você?

— Eu me chamo Sam, sou o mordomo da família Vestifh. — Assim que terminou de falar, seu bigode se desarrumou. — Com licença. — Ele ficou na frente dela e abriu o portão, fez uma reverência para que ela entrasse.

Sinsha adentrou a residência Vestifh.

Juntos, os dois andaram em silêncio pelo jardim até dentro de casa. Quando entraram na casa de fato, Sam disse para seguir em frente, e logo se encontraria com o jovem mestre Lori que deve estar treinando no salão de batalha. Sinsha agradeceu o mordomo e o avisou sobre seu bigode bagunçado novamente.

Enquanto caminhava, notou diversos itens de valor e uma decoração magistral, quadros e estátuas de mármore, mas nenhuma decoração de ferro. Os Vestifh representam a aldeia de Duw, logo, era de se esperar que os mesmos fossem absurdamente ricos. Agora o motivo de Glenda ter feito Sinsha usar aquele vestido caro e desconfortável fez um pouco mais de sentido.

Após seguir reto por sete minutos e pedir algumas orientações para outros funcionários da casa, ela chegou até a sala de treinamento. Um espaço enorme e vazio, com um cinza bem vivido e uma atmosfera que a fez brilhar os olhos. Um local de combate, o primeiro que ela viu na vida.

E no meio dessa extensa área duas pessoas trocavam golpes. O menor e mais jovem era Lori, ele estava sem camisa e tentava inutilmente acertar golpes no homem mais velho. O homem mais velho também estava sem camisa, todo o seu corpo estava cheio de cicatrizes de batalhas que o fez ficar com um aspecto mais másculo na visão da menina.

Nenhum deles havia a percebido. Ela também não se apressou para cumprimentá-los, sua fascinação era gigantesca, não pelos homens que lutavam ali, mas pelo combate que eles travavam.

Desde sempre Sinsha se metia em confusões triviais que poderiam ser facilmente resolvidas. O motivo era apenas um: brigar. Havia algo no combate que a fascinava, enfrentar um oponente seja ele mais fraco ou mais forte era algo que ela sempre quis fazer. Glenda sempre dava diversos sermões para ela sobre como uma mulher deveria se comportar, mas Sinsha nunca entendeu o porquê daquilo.

Ela não estava agindo como um homem, muito menos negligenciava seu lado frágil e delicado. Ela apenas queria lutar, enfrentar inimigos, o que havia de errado nisso? Talvez ela nunca tivesse a resposta.

— Hum? — O homem mais velho parou de trocar golpes com Lori e olhou para o lado, finalmente notando Sinsha. — Quem é aquela?

— Ah! Sinsha! — gritou o rapaz, correndo até ela. — Quando foi que você chegou aqui? Me desculpe, eu perdi a hora.

— Sem problemas, não estou com pressa. Conseguiu acertar um golpe nele?

— Bem... Não. Estávamos treinando meu equilíbrio, como você bem sabe, nós seguidores de Hanbi não podemos usar ferro ou armas feitas para matar, temos que melhorar nossos corpos-

— Lori — interrompeu —, não me explique o que eu já sei, por favor, vá se arrumar, não quero chegar tarde em casa.

O rapaz não respondeu nada. Visivelmente chateado, ele pediu licença e foi para fora daquela sala de treinamento. O homem mais velho olhou para Sinsha de forma curiosa, normalmente ele sentiria até a presença de um sútil gato, mas demorou para notar a dela. Será que a idade estava corroendo seus sentidos? Ele não soube responder.

— A quanto tempo você luta? — perguntou Sinsha.

— Desde dos meus 10 anos. Eu vim da região oeste, fazia parte da Lótus Vermelha. — respondeu enquanto colocava sua camisa.

— Por que veio para cá então? Não sabia que a região sudeste é comandada pelos Nyune?

— Claro que sabia. Eu procurava relaxar em uma região mais pacífica, até que então os Vestifh me contrataram para treinar os garotos deles. São bons garotos, mas não levam jeito para a batalha. — Ele sorriu em ironia, seu ego inflou quando disse aquelas palavras, ele se sentiu um verdadeiro veterano de guerra.

— Você também não — caçoou do homem, o fazendo arregalar os olhos. — Eu entenderia se disse que cansou da violência, mas veio aqui apenas para relaxar? Poderia estar ajudando pessoas neste momento. Ao que me parece você é apenas...

Fraco.

Quando ouviu aquela última palavra, o homem se lembrou de seu capitão de batalhão. O capitão em questão o dispensou na frente de todos os outros soldados, lhe disse como seu ego era frágil ,ele se exibia para dos cadetes, mas quando os mesmos estavam em perigo, sendo torturados pelo inimigo, ele não pensou duas vezes antes de fugir e abandoná-los.

Seu capitão disse que ele era fraco.

E essa era a maior ofensa que alguém poderia dizer a ele.

Sem pensar nas consequências de seus atos, ele correu na direção de Sinsha e se preparou para desferir um soco com toda a sua força. A aura violenta dele foi sentida por Sinsha que estava de costas pronta para sair daquela sala. Sem muita dificuldade, ela deu alguns passos para trás e desviou do golpe.

Ele a olhou surpresa.

Já ela, afiou seu olhar.

Ele recuou, chocado.

— Sinsha eu voltei, agora nós podemos... — Lori parou de falar assim que abriu a porta e notou aquela sensação estranha. Suas pernas tremeram.

— Que bom que voltou, vamos. — Sinsha deu as costas para o homem e caminhou na direção de Lori. O rapaz olhava para seu treinador que estava pálido, como se tivesse visto algum tipo de demônio. Ele não ousou perguntar o que tinha acontecido.

Juntos ambos caminharam pelo jardim da parte de trás da casa. Constantemente Lori tentava tocar na mão de Sinsha ou até mesmo flertar com ela. Todas essas tentativas, no entanto, eram inúteis, Sinsha sempre desviava o olhar e fingia não ter escutado.

Lori não parecia ser alguém ruim. Por um instante ela pensou em dar uma risada falsa de alguma de suas piadas, mas não conseguiu. Ela foi obrigada a estar ali, se ele não tivesse insistido talvez pudessem ter se tornado bons amigos. 

E finalmente, aquele passeio entediante terminou.

 

 

Caminhando a passos lentos, Sinsha observava o azul do céu ser tingido por uma forte cor laranja conforme o Sol se abaixava. Ela se sentia cansada, mais cansada do que nunca, prometeu a si mesmo que nunca mais iria usar um vestido apertado como aquele.

Seu olhar andou pelos rostos cansados das pessoas. Todos tiveram um dia difícil assim como ela. Quando viu uma criança dormindo tranquilamente no ombro de sua mãe ela deixou um sorriso escapar.

Se lembrando de seus irmãos, ela se perguntou o que eles fizeram durante esse meio tempo em que estava fora. Com certeza, algo mais divertido do que conversar com Lori.

Chegou em casa. Antes do escurecer, como combinado. Tentando fazer o mínimo de barulho, abriu a porta principal e andou a passos leves. Se algum dos seus irmãozinhos a vissem com aquele vestido com certeza iriam a provocar.

Sinsha parou quando viu um amontoado de crianças paradas olhando para ela. No meio dessas crianças estava Glenda.

— Oi... — Sinsha disse sem jeito.

Ninguém disse nada.

Uma criança riu.

Acompanhado das demais crianças, todos os meninos começaram a rir de Sinsha a chamando de "donzela". Eles se divertiam vendo ela ficar vermelha e irritada. As meninas olhavam para Sinsha com admiração, todas queriam se tornar como ela, como sua irmã mais velha. 

Até mesmo Glenda soltou uma risada. Irritada ela tirou as sapatilhas e jogou contra eles, propositalmente errando para não machucar ninguém.

— Fiquem quietos! — resmungou subindo as escadas com passos pesados.

— A Sinsha é uma donzela, uma donzela fofinha. — Os meninos cantavam em um coral. Mesmo fechando a porta Sinsha conseguia ouvi-los.

Glenda subiu as escadas e entrou no quarto de Sinsha.

— Então me conta, como foi?

— Normal.

— Aah para com isso, não deixe eles te irritarem. — Glenda se sentou em uma das camas. O quarto feminino era bem grande, todas as garotas tinham uma cama para si mesmas.

— Não estou irritada... 

— Então você está com vergonha? — Sinsha a olhou, seu rosto ainda estava muito vermelho, e Glenda outra vez riu.

— Para de rir! — Ela jogou um travesseiro, dessa vez acertando em cheio o rosto de sua mãe.

— Como você cresceu rápido. Já é uma mulher tão forte.

— Eu sempre fui uma mulher forte. 

— Sim, sempre se metendo em confusões. Você não bateu nele, não é?

— Claro que não! Eu tenho modos.

— Tem?

Sinsha cerrou os punhos. Inconformada em ser tratada daquele jeito ela se sentou na cama e olhou para o chão.

— Você sabia que não ia dar em nada, então por que me fez ir até lá?

— Eu queria saber como você ficava de vestido. — Sinsha levantou a cabeça e olhou para ela com um olhar de desdém. — O que? Você fica bonita assim.

Sinsha suspirou e voltou a encarar o chão.

— Você quer...

— Sim mãe, eu vou contar o que aconteceu. — Quando disse aquilo, Glenda esboçou um enorme sorriso por ter sido chamada de mãe.

Alguém abriu a porta devagar a fazendo ranger. As duas olharam para frente e viram as meninas mais novas com seus olhos grandes e redondos. Elas estavam curiosas. Sinsha suspirou.

— Vocês querem saber o que aconteceu? 

— Sim! — Todas as meninas responderam ao mesmo tempo e correram para dentro do quarto.

— Eba! Vamos saber como foi o encontro da Sinsha — brincou Glenda.

— Não foi um encontro! — retrucou a garota mostrando a língua, sua mãe deu um tapa na cabeça dela como uma forma de punição pela malcriação. Todas as outras meninas riram.

Todas então prestaram a atenção em Sinsha que contava sobre aquela tarde. Esse foi sem dúvidas o melhor momento daquele dia.


 

Algumas horas depois.

Glenda estava ajoelhada em um quarto escuro. Duas velas postas de cada lado em um altar iluminavam o seu rosto. A mesma fazia uma oração em tom baixo, tomando todo o cuidado para que nenhuma das crianças acordassem.

— Abençoai-vos mãe de tudo e todos...

— Tia Glenda?

Em um susto, Glenda se virou para trás, ela não havia escutado os passos da criança. O pequeno garotinho olhava curioso sem entender o que ela estava fazendo.

— O que faz acordado Hian? 

— Eu tive um pesadelo. — Ele coçou os olhos enquanto se aproximava. Olhou para as velas e para o altar. — A senhora está orando?

— Estou.

— Para quem?

Ela hesitou em responder, mas conhecendo a grande curiosidade que aquela criança tinha já sabia que de nada adiantaria mentir. No pior dos casos as demais crianças também ficariam sabendo.

— Para a Deusa Iona.

— Iona? — A criança se aproximou e se ajoelhou ao lado dela. — Não é o nome de uma das Grandes famílias?

— É sim querido — respondeu acariciando sua cabeça. — Estava pedindo para que ela nos protegesse.

— Tia, Iona é uma Deusa legal? 

— Claro que é. Quando nós partimos, todos iremos nos encontrar com ela. Mas Hian, nunca cite o nome dela perto das outras pessoas está bem?

— Por quê?

— Porque sim.

— Ah… — Ele olhou para o altar inconformado. Se aquela Iona era uma boa pessoa, por que não podia contar isso para os outros? Se perguntou se Iona seria tímida igual algumas de suas irmãs. — Tia Glenda eu posso orar também?

— É claro querido. Junte as mãos assim. — Ela mostrou as mãos com os dedos entrelaçados. — Feche os olhos e pense em algo bom.

— Só isso?

— Sim, só isso.

— Tá bom.

O pequeno Hian juntou as mãos como Glenda havia mostrado. Ele fechou os olhos e desejou um monte de comida, desejou também vários amigos e uma roupa bonita. Sem nem perceber ele cochichou tudo aquilo em voz alta o que fez Glenda dar uma pequena risada.

— Protegeis a mim e as minhas crianças, mãe — orou com o tom baixo.

 

 

No dia seguinte.

Sinsha estava na feira da aldeia Duw. Com o olhar atento ela buscava o melhor tomate na pilha de tomates. Sempre que pegava um inspecionava para ter certeza que não estava estragado ou batido. Quando conferia que estava tudo certo ela colocava o tomate dentro da cesta.

O vendedor entediado sorria toda vez que o olhar dela se cruzava com o seu. Por dentro ele se perguntou quanto tempo mais ela demoraria escolhendo os tomates. Sinsha no entanto não se importava com o tempo que estava gastando, precisava ter certeza da qualidade dos tomates para que nenhum de seus irmãozinhos e irmãzinhas passassem mal.

— Certo acho que peguei todos. Aqui está. — Entregou o dinheiro.

Sinsha se afastou do vendedor e olhou para a lista de compras. Sinsha adorava fazer compras, se sentia útil.

Enquanto procurava o próximo item da lista, cebola, ela avistou um rosto familiar: Lori que caminhava no sentido contrário. Sinsha não teve tempo para se esconder ou mudar o trajeto, ele a viu e deu um grande sorriso, acelerando o passo na direção dela.

— Sinsha!

— Olá Lori...

— Está fazendo compras? Quer que eu a acompanhe até em casa? — Ele sorria esperando um sim. Ela suspirou.

— Tudo bem, eu estou procurando cebolas agora, sabe onde elas estão?

— Sim, por aqui — disse com grande felicidade.

Eles continuaram conversando enquanto realizavam os restantes das compras. Diferente do dia anterior, Lori parecia ter aceitado o fato que nunca conquistaria Sinsha e por isso estava a tratando de maneira diferente. 

Finalmente durante uma conversa Lori conseguiu fazer Sinsha sorrir de maneira sincera, e isso, o deixou muito feliz.

 

 

Hian e algumas outras crianças brincavam de bola. Hian adorava jogar bola com aqueles garotos, mesmo ele sendo extremamente ruim. Naquele dia, porém, uma das crianças que brincava com eles não tinha vindo.

— O que aconteceu com o Bryan? 

— Eu não sei. 

— Ele está doente — disse um garoto. — Parece que ele comeu alguma comida estragada e por isso não pode brincar.

— Nossa! Espero que ele fique bem. 

— Ele vai, vou pedir para a deusa Iona cuidar dele — disse Hian sorrindo, então ele levantou a bola.

— Agora vamos brincar!

— Vamos! — As outras duas crianças disseram ao mesmo tempo seguindo ele.

— Ei! crianças! 

Quando eles olharam para trás viram três homens muito bonitos. Eles usavam roupas grandes e espessas, Hian se perguntou se eles não estavam com calor, o dia estava bem quente hoje. O homem do meio se aproximou dele e se abaixou.

Ele era cheiroso, tinha uma pele clara e cabelos dourados. Seus olhos cinza-claro chamavam bastante a atenção. Sorrindo ele perguntou:

— Me diga, garotinho, onde você ouviu esse nome, Iona?

— Ah, a tia Glenda que me disse. Ela disse que Iona é uma Deusa muito boa.

Os outros dois homens se entreolharam.

— Essa tia Glenda, você poderia me levar até ela? Eu gostaria muito de conhecê-la.

Hian fez um sinal de sim com a cabeça.

 

 

— E com isso temos todos os ingredientes. 

— Demorou mais do que o esperado, preciso voltar logo para casa — falou Sinsha.

— A culpa é sua que demorou demais para escolher. Quem leva tanto tempo para escolher um rabanete?

— Hunf, todo mundo. — Ela virou o rosto. — Obrigada pela ajuda, acho melhor você voltar para casa agora.

— Nada disso, eu prometi que iria te levar em casa. Um homem nunca quebra sua promessa.

— Que seja, vamos logo.

Eles andaram até o orfanato juntos, conforme andavam notaram que um grande número de pessoas estava concentrado um pouco mais adiante. Era incomum ver tantas pessoas assim, apenas é claro, quando alguma notícia tinha que ser passada.

As pessoas cochichavam algo umas para as outras. Os dois se espremiam tentando atravessar para o outro lado. Sinsha ficou preocupada, aquela direção era onde o orfanato ficava, ela torceu para que nada de ruim tivesse acontecido.

Já Lori se perguntava se seriam os membros da família Nyune. Seu pai tinha dito que eles iriam visitar a cidade hoje à noite, para celebrar uma missa especial. O Aniversário de Hanbai estava próximo, seriam dias de grandes festas. Talvez eles tenham chegado mais cedo. 

Eles chegaram do outro lado.

Sinsha atravessou primeiro, Lori que vinha logo atrás sentiu um cheiro forte e bastante calor, como se estivessem queimando algo. Quando olhou para frente ele...

Ficou em choque.

Sinsha não conseguia dizer nada. Ela se recusava até mesmo a pensar. Mas os olhos não mentem, ela viu...

...

...

...

Varetas de madeira prendiam pessoas. Não, prendiam corpos já sem vidas. Sinsha não conseguia pensar, não conseguia se mover. Estavam na frente do orfanato queimando seus...

— Orais irmão!

Sinsha sem virar sua cabeça, ouvia a pessoa que estava gritando. Eram três homens, um deles estava em cima de uma caixa de madeira e falava bem alto para que todos pudessem ouvir. 

— Orais irmãos! Por esses pecadores contaminados pelo toque do diabo. Crianças maculadas por uma bruxa! Que Hanbai tenha piedade de suas almas imundas! 

Lori prestou atenção naquele homem. Sua roupa azul, cabelos amarelos e seu olhar cinzento deixavam mais que claro sua identidade: era um dos representantes dos Nyune que seu pai havia mencionado.

— Isso não é possível, eles estão executando pessoas em praça pública? 

— Ei... Lori...

— O que foi? — Ele se virou para Sinsha que olhava hipnotizada para o fogo queimando os corpos.

— Ele disse... Crianças?

Lori não respondeu.

Sinsha começou a andar lentamente em direção ao orfanato, se afastando da multidão. Um dos homens reparou na aproximação lenta de Sinsha.

Ele correu até ela e parou.

— O que pensa que está fazendo? Se afaste!

— Minha família... Eles moram aqui... — Ela tentava prosseguir para dentro da casa, mas era impedida pelo homem.

— Sua... — O homem olhou para o orfanato e, então, a questionou. — Você se chama Sinsha?

— Como você… 

— Era o que aqueles demônios estavam gritando, pediam ajuda de alguém chamada Sinsha. — Ele agarrou com força o braço dela. — Eu achei outra criança demônio!

— O quê?! — Aquele homem que antes gritava se calou e olhou para Sinsha. — Ali está uma delas! Uma das crianças do diabo!

Todas as pessoas ficaram chocadas, Lori não pôde acreditar quando ouviu aquilo. Ele deu alguns passos para trás. Com medo ele correu o mais longe que podia. "Uma seguidora de Iona?!", pensava, "Eles são os grandes inimigos dos Nyune, demônios que já mataram dezenas do nosso povo. Eu preciso avisar meu pai."

— Tia Glenda, Hian, Kellen, Mael, Gwen... — Sinsha repetia o nome de seus irmãos. Ela virou para o lado e viu uma multidão de pessoas indo até ela.

Eles estavam gritando algo, mas ela não conseguia ouvir. Seus olhares estavam cheios de ódio, como se tivessem extremamente irritados. Eles seguravam pedaços de madeira, outros tacaram pedras. Com dificuldade ela conseguiu ler seus lábios e assim entender o que eles estavam dizendo.

Demônio.

— Sim... Vocês os mataram porque eles eram demônios... — Ela foi jogada no chão por aquele homem que segurava seu braço, e depois recebeu um chute no estômago. 

Aquele homem se preparou para socá-la. Mas antes que pudesse sequer levantar o braço, ele caiu no chão com força batendo sua cabeça.

A multidão parou de avançar. Todos estavam boquiabertos vendo aquela menina, que havia se levantado com velocidade e derrubado um homem duas vezes maior do que ela.

Ela o socava com toda a força que tinha, e só parou, quando seus punhos estavam totalmente cobertos com o sangue dela.

Aquele fora o dia em que a cidade de Duw foi manchada de sangue.

Aquele foi o dia...

Em que Sinsha havia aceitado, que ela era um demônio.



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