Vida em Folhas Brasileira

Autor(a): Lucas Porto


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 15

 

Os olhares se chocaram.

Kishi dobrou as pernas a fim de se posicionar e iniciar sua corrida, seu avanço tinha como objetivo reduzir a distância entre ele e Sinsha, pois em sua tentativa de fuga, a mesma sempre se mantinha longe lançando facas e adagas em sua direção, para um lutador de perto como ele, era crucial se manter perto de seu adversário.

Sinsha que também estava em sua posição de combate, ao ver o início do avanço de Kishi abriu os braços em um angûlo de 60º graus, fazendo com que dois ninjas, seus subordinados, aparecem quase no mesmo, assustando Kishi e o fazendo recuar dois passos para trás.

— Droga, mais inimigos…

Cada um dos ninjas carregava uma corrente que estava anexada a um bracelete de couro. Com uma pressa e agilidade, eles rapidamente colocaram os braceletes nos braços de Sinsha, mostrando como aquela tarefa já era corriqueira para eles, e Sinsha, ainda sem tirar os olhos de Kishi, se adiantou para explicar a situação:

— Não fique exaltado, apenas não quis lhe faltar com respeito.

— Do que está falando?

— Aprendemos a manusear diversas armas durante os treinos da Lótus Negra, mas minha real afinidade é com essas correntes, e é claro, não poderia lutar de outra forma com você.

— Como se eu fosse esperar. — Ele começou com o primeiro ataque, uma investida rápida segurando a katana com ambas as mãos, um corte diagonal.

Os dois ninjas saltaram e retornaram às suas posições iniciais deixando Sinsha livre para agir como bem entendesse. Ela, quando notou a agressividade e o adiantamento de seu inimigo, sorriu em uma alegria contagiante, assim como a mesma, ele não conseguia esperar nem mais um segundo para iniciar aquele embate.

Saltou para trás se esquivando do ataque, e rodando a corrente de sua mão direita, a lançou contra Kishi que rapidamente se defendeu com sua arma. A corrente possuía um ponta afiada como de uma flecha, e ao colidir com o metal da lâmina da katana, desapareceu junto de Sinsha em um piscar de olhos.

Kishi olhou aos arredores com pressa procurando sua adversária, que como uma sombra surgiu balançando as correntes em um ataque horizontal, forçando ele a dar um salto, rodar suas costas no chão e se levantar depressa. Se não fosse pela sua força monstruosa que empurrava seu corpo o fazendo ter uma grande reação, ele teria sido atingido.

E ele realmente foi.

Uma flecha vinda de um dos prédios altos atingiu as costas de Kishi o fazendo berrar em dor. Ele nem podia se dar ao luxo de remover a flecha ou virar-se para ver onde o arqueiro que o atingiu estava, pois Sinsha, surgiu em todas as direções.

Osoi. Uma habilidade alto nível, aprendida apenas pelos generais da Lótus Negra, consiste em focar seu ry — a respiração especial desenvolvida por Ryoto, o fundador da lótus, que amplifica suas habilidades físicas — mais intensamente nos músculos das pernas para que o usuário se movimente em um ritmo constante que confunde o cérebro humano, criando uma ilusão de óptica.

Sinsha dominou essa técnica em seu primeiro ano como integrante da lótus, quebrando todos os recordes possíveis. Ela evitava a todo custo utilizar qualquer uma das técnicas de Ryoto e por puro capricho não dominou as demais, seus inimigos sempre ficavam ludibriados e as lutas acabavam em instantes, sem qualquer tipo de diversão.

Mas naquele momento, Sinsha tinha convicção que precisaria de tudo que tinha para eliminar a ameaça do Noredan. Então quando suas dezenas de cópias surgiram, por todos os lados e lançaram suas correntes na direção de Kishi, ele esperou ansiosa para ver como ele lidaria com isso.

Mas ela se decepcionou.

Kishi movimentou a katana a fim de se defender dos ataques, mas apenas atingiu uma das miragens, errando sua defesa. Isso custou caro. A verdadeira corrente atingiu o seu ombro esquerdo de o perfurando com força. Mais uma vez ele gritava de dor.

Antes que ela pudesse realizar mais algum ataque, Kishi segurou a corrente, a retirou de seu ombro e a puxou. Graças a força monstruosa que o Noredan o proporciona, Sinsha foi puxada com brutalidade, não tendo nem mesmo a chance de reagir. A ferida que a corrente causou, se curou em instantes assim que a mesma foi retirada.

Mas diferente do que se imaginava, ela já estava preparada para isso.

Sinsha não veio ao encontro de Kishi graças ao puxão que o mesmo fez em sua corrente, ela também havia saltado em sua direção e quando ambos estavam próximos ela chutou seu estômago o fazendo quase vomitar e soltar a corrente.

E mais uma vez, ela desapareceu e reapareceu com centenas de clones.

— Filha da puta, arg! — xingou e retirou a flecha fincada em suas costas, permitindo que o ferimento se curasse. 

Outra chuva de ataques veio em sua direção. Dessa vez, no entanto, ele optou por se esquivar para a direita, logo em seguida mais duas flechas vieram em sua direção, flechas essa que por muito pouco ele conseguiu se esquivar rolando para trás.

E como de costume, outro ataque com as correntes, cortando o ar de forma vertical vindo na direção de suas costas que estavam completamente abertas. 

Ele se esquivou com extrema facilidade.

Um truque simples porém ardiloso, ao deixar suas costas como brecha ele já imaginava que ela o atacaria ali. Kishi então, após mover seu corpo para a direita novamente, focou toda a força que tinha em seus pés e avançou com uma velocidade impressionante, permitindo que sua katana que estava levantada, descesse e cortasse a pele de Sinsha.

Não, foi sua pele que foi perfurada.

Mais uma vez, ela desapareceu, abrindo espaço para outras duas flechas que atingiram o peito em cheio dele. Ele cambaleou para trás, fechando os olhos em uma ação instintiva, quando os abriu, Sinsha estava em sua frente, atingindo seu rosto com um soco potente, uma das correntes estava amarrada em volta de seu punho, o que deixou aquele soco bem mais dolorido.

Ainda preso naquela sequência infinita de golpes, ela saiu de sua frente abrindo espaço para que uma terceira flecha atingiu a coxa do Noredan o fazendo se ajoelhar para que em seguida, ela atingisse seu rosto com um chute.

 

 

Alissa subiu as escadas com pressa.

Após nocautear o homem que defendia a entrada, e por acidente quase quebrar sua própria mão, ela partiu com velocidade visando chegar no topo daquele edifício. Era um local já abandonado, as velhas paredes de madeira com mofo revelavam a idade ultrapassada do mesmo. Provavelmente, serviu como ponto de encontro de importantes comerciantes em algum momento.

E hoje, abriga os ninjas da Lótus Negra.

— Acertei de novo! — Alguém gritou em um dos cômodos de cima, assustando Alissa.

Ela se espreitava com certo receio, segurando em sua mão machucada a pequena faca de combate já característica da mesma. Tinha certeza que eles eram membros da lótus, e embora quisesse mentir para si, e dizer que poderia acabar com os mesmos, sabia que o nível que separava os dois era gigantesco.

Parou por um momento quando ouviu um pequeno barulho vindo do corredor. Se jogou para dentro de um dos cômodos e ficou lá esperando. Seu corpo fervia em uma ansiedade antes nunca sentida pela mesma, fugir era a palavra que aparecia em sua mente a cada instante. Kishi possuía treinamento, habilidades fora de série e uma criatura mística para o dar apoio já ela, era uma garota. Ele não precisava de sua ajuda.

E ao mesmo tempo que dizia isso, seu corpo se movia sozinho, notando que o barulho fora apenas um alarme falso ela continuou sua progressão. Os fatos estavam contra ela, mas Alissa não podia, por mais que quisesse muito, dar as costas para Kishi. Um forte senso de ajudar seus companheiros, herdado de seu pai, era o fato que a impulsionou a prosseguir.

— Quem infernos é você?

A fala seguiu com um corte rápido de uma kunai.

Alissa se jogou de forma desastrosa para trás, caindo de bunda no chão. Um ninja da lótus, com suas roupas características, quase perfurou seu crânio com sua arma. Ele não esperou ela se levantar e partiu para cima realizando um segundo ataque.

A garota no entanto lhe chutou no meio das pernas o fazendo largar a arma, e se levantando com uma investida, perfurou o pescoço do ninja com brutalidade, dando fim a sua curta vida.

Quando arrancou a faca de seu pescoço, o sangue jorrado sujou toda a sua roupa a fazendo quase gorfar. Suas mãos tremiam e ela teve que tampar sua própria boca para não começar a chorar. E continuou, deixando o cadáver e a poça de sangue para trás. Era aquilo que significava ser uma guerreira.

15 minutos depois.

A porta do cômodo bateu com força.

— Porra finalmente, o Kaleo trouxe nossa bebidas — disse um dos ninjas, abrindo a porta com rapidez e vendo seu companheiro ali. — Por que demorou tanto idiota…

O corpo do ninja caiu sobre seu companheiro que o segurou, surpreendendo os outros dois arqueiros que estavam na sala.

— Kaleo! Mas que-

Uma kunai atingiu sua testa com velocidade e precisão, fazendo agora os dois corpos cairem no chão.
Alissa adentrou com rapidez o cômodo já com sua faca em mãos. Ela não tinha chance alguma em um confronto direto, mas em um ataque surpresa poderia sim ter alguma chance. Alissa desferiu um corte horizontal que por pouco não atingiu o arqueiro à sua frente.

Um pouco abalado com a morte de seus dois colegas, aquele ninja revidou socando o rosto da menina que recuou com dor. O outro arqueiro, puxou a corda de seu arco e tentou atirar na garota, mas diferente de seu colega ele estava abismado com o que havia acabado de acontecer. 

Por conta de sua perda de controle de seu Ry ele sentiu uma forte fadiga muscular, errando completamente o tiro. Felizmente Alissa aproveitou a chance para correr na direção desse segundo, passando pelo primeiro ninja que se surpreendeu com o erro do colega, e ela cortou, com uma precisão quase cirúrgica, o pescoço do mesmo.

Esse fora seu decimo assassinato naquele dia.

O ninja gritou em raiva e puxou a flecha de sua aljava, pronto para atingir Alissa que também se preparava para esquivar, seria uma tarefa simples visto a pouca distÂncia que os dis estava, isso claro, se seus olhos não tivessem por um momento se prendido a uma visão assustadora.

Fora daquele recinto, através da janela, Alissa viu uma linda mulher que portava duas correntes, ela caminhava com extrema calma para um homem todo ensanguentado, com mais de 15 flechas fincadas por todo seu corpo, que tinha dificuldades até mesmo para se manter de pé.

— Kishi… KISHI!

A flecha foi disparada.

 

 

Um chamado fraco por seu nome, o acordou.

Seu corpo estava todo perfurado por quinze flechas. Ele arfava e tentava se manter acordado, foi a primeira vez que sua regeneração havia o desapontado, sempre que tentava retirar uma das flechas, Sinsha o atingia com suas correntes o impedindo, enquanto as flechas não fossem retiradas Kishi não iria se curar.

O combate já havia se estendido por 10 minutos. E durante todos esses dez minutos Kishi não havia feito quase nenhum corte na general da Lótus Negra, a velocidade gigantesca que ela possuía combinada com sua técnica Osoi sempre a salvaram, e para ajudar, as flechas sempre pegavam seus pontos cegos.

— Decepcionante… — resmungava. — Eu tinha grandes expectativas por você, deveria ter sido uma grande luta!

— Por quê…

— Hum?

— Por que você quer tanto assim uma boa luta…

— Porque é divertido! O coração palpitando, o sangue fervendo. É o momento criado pela ansiedade e pelo instinto de sobrevivência que dá sentido ao caos desenfreado.

— É apenas… Violência generalizada… — Ele quase largou largou sua katana por um momento, era difícil manter a consciência.

— Não. Isso é apenas consequência. Lutar para comer, lutar para sobreviver, lutar para defender o que lhe é importante. Todas as lutas são uma manifestação dos nossos interesses, uma arte.

— Chega disso! — interrompeu e com dificuldade retirou duas flechas que o haviam perfurado. Fazendo o local das feridas se curar quase no mesmo instante. — Crie o motivo que quiser, mas violência é violência.

— As feridas lhe fizeram perder a razão? Não atire essas palavras em mim como se fosse melhor do que eu. Sabe qual é a grande diferença entre nós? Eu não escondo o fato que sou um demônio!

Kishi ergueu a cabeça, olhando para cima.

— Não Sinsha, eu não sou um demônio… Posso ter cometido erros e irei aceitar as punições, mas me recuso a aceitar que sou apenas isso.

— Embriagado com seu próprio senso de justiça. Que tolo. — A sua mão tremeu por um momento, quase como se seu corpo aceitasse aquelas palavras. Ela cerrou os olhos e continuou. — Vamos acabar logo com isso.

— Você não vai me matar.

— Acha que sua regeneração vai ajudar em algo? Tsc, você não pode me vencer só com isso. — Ela ergueu uma das mãos, fazendo um sinal com os dedos.

— Você tem razão, minha regeneração não pode lidar com você…

Mas a Alissa pode."

Uma flecha com alta velocidade e potência atingiu as costas de Sinsha a pegando completamente de surpresa. Kishi segurou a katana com as duas mãos e em um corte vertical rasgou a carne de sua inimiga. Um golpe certeiro.

— Aquela maldita…

Na janela de um dos prédios, Kishi viu longos cabelos vermelhos dançando junto ao vento. Alissa que por muito pouco conseguiu se esquivar da flecha de seu inimigo não só o derrotou como agora estava com seu arco, fornecendo assistência para seu companheiro.

Ela se preparou, armou outra flecha no arco e disparou.

Infelizmente, dessa vez Sinsha havia utilizado seu Osoi para se esquivar do golpe e criar dezenas de miragens. Os dois ferimentos ardiam e lhe causavam muita dor, ela abaixou a guarda e subestimou aquela que antes Sinsha chamará de “peixe pequeno.”

Kishi aproveitou a situação para arrancar o máximo de flechas que estavam presas em seu corpo, permitindo que sua regeneração enfim fizesse seu trabalho. Ainda assim, o tempo de uso de suas habilidades estava chegando ao fim, ele precisava  terminar aquele confronto o quanto antes.

Alissa que estava usando o arco e flecha do ninja que ela recém derrotou, percebeu que seria impossível acertar Sinsha novamente, ela era rápida demais, então a garota focou sua mira nas janelas dos outros prédios, tentando atingir os demais arqueiros.

Sinsha atacou novamente, e Kishi que já esperava pelo ataque começou a correr para desviar das correntes, os ferimentos que a mulher recebeu deixaram seus golpes extremamente mais fracos e agora, Kishi conseguia se aproximar e com outro ataque, atingiu a mesma.

Ela segurou uma das correntes com ambas as mãos bloqueando assim a lâmina da espada. Os olhares se cruzaram, ambos faziam uma grande força, mas nesse duelo de habilidades físicas o Noredan havia se saído melhor.

Ele jogou o peso do seu corpo na perna esquerda e com um chute usando a perna direita, atingiu a cintura de Sinsha a mandou para longe. Um golpe potente que a fez cair de costas no chão e cuspir um pouco de sangue.

Entretanto, o tempo de uso demasiado das habilidades do Noredan cobrou seu preço, colocando a mão na cabeça, Kishi sentiu uma enorme dor de cabeça que quase o fez desativar seus poderes, dando tempo para que mais uma vez, a ofegante Sinsha pudesse se levantar.

Já Alissa, que já tinha acertado alguns arqueiros que estavam nas janelas, acabou se distraindo por um momento quando a ferida em sua testa, causada pela flecha que a pegou de raspão, jogou um pouco mais de sangue fazendo o mesmo cair sobre seus olhos. Uma distração de poucos segundos, mas que foi a abertura o suficiente para que um dos ninjas arqueiros disparasse sua flecha.

Um tiro perfeito no ombro direito.

A menina gritou de dor, e cambaleou para frente. Diferente de Kishi, ela não estava acostumada a lutar por tanto tempo e naquele momento sentiu a fadiga cair sobre seus ombros, a fazendo cair através da janela, colidindo com o telhado de uma das casas pequenas que estava na frente, e depois, contra o chão.

— Alissa! — gritou em desespero. 

Kishi pouco se importou com os arredores, ele correu com toda a velocidade que tinha para ajudar sua companheira dando as costas para Sinsha que já se preparava para o atacar.

Mas desistiu abruptamente.

Embora a técnica ry possa ampliar suas capacidades físicas e retirar qualquer fadiga que o corpo possua, basta um momento de distração para que seu efeito colateral ocorra: todo cansaço e dores musculares acumulados vem de uma vez, duas vezes pior do que normalmente seria. E Sinsha, por conta do extenso ferimento que recebeu da katana de Kishi, perdeu o controle de seu ry.

Ela se ajoelhou no chão, o suor escorria por todo o seu corpo, a dor era gigantesca como se mil navalhas cortassem sua pele e mesmo assim, ela se recusava a gritar. Talvez por conta da dor, quando olhou para seu adversário que tentava averriguar a situação de sua companheira, ele não viu um homem, mas sim, uma criatura demoniaca, com um par de olhos negros que riam do da dor que ela sentia. Pela primeira vez desde aqueles acontecimentos, Sinsha sentiu medo.

— Senhorita Sinsha! — chamou um dos ninjas que foi até o encontro de sua líder. — Acalme-se, rápido! Vamos recuar!

— Espere… — Ela tentou retrucar, mas sua voz não saia, não importa o quanto tentasse.

Outros dois ninjas chegaram e ajudaram a carregar Sinsha, que de longe via Kishi junto de Alissa fugindo. Correndo o máximo que conseguiam. O confronto parecia ter se encerrado, mas em sua mente, ela amaldiçoava o Noredan e principalmente, aquela menina de cabelos vermelhos.



Comentários