Vida em Folhas Brasileira

Autor(a): Lucas Porto


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 11

 

Esconderijo da Lótus Negra
Escritório de Cicuta.


Cicuta suava muito, tinha dificuldade em segurar o pincel adequadamente, cobriu a boca com a mão fechada quando uma tosse apareceu. O cansaço percorria cada vez mais seu corpo, se não fosse por sua incrível resistência a venenos e outras toxinas, ele já estaria morto.

Em sua mente, Cicuta amaldiçoava aquele Noredan de olhos negros. Em outra ocasião ele estaria animado, tentaria o capturar e testaria todos os tipos de venenos, analisando friamente seu corpo. E não haveria problema, afinal, segundo o relatório de Olú – relatório esse que está completamente errado, visto que dizia no mesmo que o Noredan estava morto – aquele ser tinha uma grande capacidade regenerativa. Fascinante.

Continuou escrevendo no papel, ele precisa concluir aquela carta e mandá-la o quanto antes para a base principal. Infelizmente, sua genialidade lhe custou cara, o veneno que a tanto tempo está sendo preparado foi usado contra si e ele não teria tempo de fazer um antídoto.

"Mas quem precisa de antídoto?" — Pensou. — "Eu preparei meu corpo para lidar com todos os venenos, se estou sofrendo agora, apenas prova o quão incrível eu sou! Káká" 

Mesmo dizendo aquilo a si mesmo, quando terminou de escrever a carta para seu lorde Hakuro suas mãos tremeram. Ele estava ocultando o fato de usar civis inocentes em seus experimentos, Hakuro desconfiava da ética de Cicuta e por isso pediu para que os outros membros o espionassem, felizmente Cicuta descobriu quem eram e lidou com eles.

Controlar vidas é algo fascinante. Ver uma pessoa desesperada implorando para que ele o salvasse era o maior de todos os prazeres que um ser humano poderia ter. Agora estando de frente com a morte ele entendeu o que era medo. Ele não queria morrer, e o fato de estar desesperado o enchia de fúria.

— Patético — resmungou enquanto enrolava cuidadosamente o papel. Se apressou para amarrar a mensagem no seu gavião de estimação e mandou o pássaro voar. — Káká, pensava que Kiri era um homem de visão limitada, mas Hakuro? Ele é pior ainda, como os odeio.

Alguém bateu à porta.

O ninja desesperado não esperou uma resposta,  entrou correndo, ele abriu a boca para tentar pronunciar algo, infelizmente seu corpo foi atingido por trás antes que pudesse se explicar. O ninja caiu morto no chão deixando Cicuta surpreso.

Assim que se aproximou para ver o que tinha atingido seu subordinado, viu que se tratava de uma kunai que atingiu perfeitamente a nuca. Cicuta saiu de seu escritório e olhou para baixo, onde deveria estar os demais membros.

Todos estavam ali. Mas não inteiros.

Todos os ninjas foram massacrados, alguns foram cortados ao meio, outros tiveram sua cabeça quebrada, Cicuta não entendia como tudo aquilo aconteceu. Quem seria capaz de...

Havia um homem de pé ali.

 


Esconderijo da Lótus Negra
Redondezas. Alguns minutos antes.

Localizado no meio da floresta, perto de Prawf, os ninjas da Lótus Negras vigiavam despreocupados o local. O edifício principal ficava precisamente no meio do acampamento e possuía três andares, sendo um deste subterrâneo.

Perto de uma árvore, dois vigiam bocejavam enquanto mantinham a patrulha. Entediados, um deles começou a chutar uma pedrinha do chão. Em um dos chutes, a pedrinha voou para longe se perdendo em meio a grama. O outro ninja riu.

— Não vai buscar a pedra não?

— Cala a boca idiota.  Quanto tempo você acha que vamos ficar aqui?

— Eu não sei, só espero que seja pouco. Gostaria de voltar para a capital. — Caminhou até uma árvore que estava perto deles e encostou suas costas.

— E você quer voltar para a capital por causa daquela moça do bar? — O ninja deu uma risadinha enquanto via seu companheiro ficar vermelho e levemente desconfortável.

— Sim... — Ele abaixou a cabeça e deu um sorriso. — Ela é engraçada, simpática, nunca conheci uma pessoa assim antes.

— Você só conversou com ela uma vez. Você tem sorte de que ninguém o dedurou. Enquanto nós estávamos recolhendo informações, você estava trocando olhares com ela, faça-me o favor.

— Não seja assim Klaus. Ao menos me dê um parabéns, sabe como é difícil achar boas moças hoje em dia?

— Você precisa parar com isso.

— Isso o que?

— Com essa bobagem de amor. Estamos em uma guerra civil, somos os maiores criminosos do país! Quando eu era um cadete eu vi meus companheiros fazendo coisas horríveis apenas porque um superior mandou. Caso algum guarda se apaixone por ela, ela não terá outra escolha a não ser se casar com ele, ter filhos e viver uma vida miserável.

— A Carla não faria isso! — retrucou, tirando suas costas da árvore e assumindo uma postura mais séria. — Ela tem sonhos, desejos, você não falaria isso se a conhecesse como eu conheço.

— Sonhos e futuro não são nada, se quer ter uma vida comum abandone a lótus e volte correndo para sua amada. Mas quando ver ela com duas crianças no colo não diga que eu não avisei. — Klaus deu as costas ao seu colega que, não sabendo como responder, se calou.

 — Você... Disse que era um cadete, da Lótus Vermelha?

— Sim. Servi por um tempo.

— Os superiores sabem disso?

— Claro que sabem, acha que eu sou um espião? — reclamava o olhando de canto. — Quando o lorde Hakuro assumiu o comando a três anos atrás a Lótus Negra perdeu bastante de sua força. O rei matou vários dos nossos e alguns se opuseram à liderança de Hakuro. Bando de idiotas, não percebem que isso é para um bem maior?

— Não dá para culpá-los, o rei é poderoso demais. — Ele abaixou a cabeça por um instante, depois olhou para o edifício que ficava no meio do acampamento. — Olha o que a gente fez com a aldeia deles, até estamos usando um templo religioso como local de experimentos. Você ouve os gritos a noite também, não é?

— Ouço, mas não ligo. — Klaus tremeu o ombro. Mania que ele tinha quando estava mentindo. — Guerras sempre tem baixas, é inevitável.

— Sim...

— Você é muito coração mole, não serve como guerreiro.

— Talvez não, mas tenho um objetivo e só posso o concluir estando aqui.

— Objetivo? Que objetivo? 

— Depois que o lorde Hakuro vencer a guerra e estabelecer a paz em Artéria eu irei me casar com a Carla e ter dois meninos. Irei ensinar para eles que devem ser gentis com todos para assim, quando crescerem, eles não participem de guerras. — O ninja deu um sorriso bobo. Klaus não resistiu e também sorriu.

— Francamente… Boa sorte-

Como um meteoro, alguém caiu atrás do ninja que acabara de sorrir. O homem que surgiu estraçalhou o crânio do ninja com apenas um soco no rosto.

Klaus sacou a espada e tentou o atacar. Mas hesitou por medo quando viu que aquele homem não tinha pupila, apenas olhos totalmente negros como um céu sem estrelas. Esse homem segurou o pulso direito de Klaus onde estava a espada do mesmo. Desferiu um soco no seu peito.

Clack.

Os ossos se partiram em mil pedaços.

Kishi tirou a espada do cadáver e olhou para ver se havia mais algum ninja pela redondeza. Quando notou que não, correu para uma tenda próxima. Assim que entrou viu dois ninjas dormindo.

Eles não tiveram como reagir, ele cortou suas cabeças em um simples movimento. Após isso ele saiu em busca de mais inimigos. Precisava acabar com todos os que estavam ali, apenas assim seria possível salvar Alissa.

 

 

Esconderijo da Lótus Negra
Salão principal. Segundo Andar.

Cicuta olhava para baixo. Ele queria virar o rosto, mas não conseguia. Aqueles olhos negros o vigiava como se anunciasse que iria atacar a aqualquer instante. Kishi que olhava para cima, usou o dedão da mão esquerda para limpar um pouco de sangue que estava na sua bochecha. 

Além de Cicuta que beijava os braços da morte, mais nenhuma alma viva pairava naquele acampamento. Faltava apenas ele. O desgraçado que começou tudo aquilo.

— Não vai descer? 

— Vou... — Cicuta começou a andar, descendo as escadas devagar, um passo de cada vez. Seu rosto suava. — Káká, você fez um belo estrago, entretanto lembre-se que eu tenho reféns. Eles...

— Estão livres. Eu libertei todos.

— Astuto... — xingou mentalmente. Manter o Ry ativado era difícil por conta do veneno, pior ainda seria utilizar o Karan. A técnica precisava de uma grande precisão e seus olhos estavam começando a ficar embaçado. — Eu não sou igual ao restante deles, eu treinei por anos e-

— Não me importo. — Ele levantou a espada que roubo de um dos ninjas mortos. — Desça logo, estou com pressa.

Rangeu os dentes em desaprovação. Cicuta odiava ser interrompido enquanto falava, e isso tem acontecido constantemente. Ele terminou de descer as escadas e sacou suas juttes, começou a respirar pesado, era difícil se manter de pé.

Kishi notou a dificuldade na respiração de seu inimigo, mas não se importou. Ele correu na direção de Cicuta e desferiu um corte horizontal. Errou. Seu inimigo previu o movimento e dando um passo para trás viu a ponta da lâmina quase perfurar seus olhos. Ele está mais lento.

Dessa vez foi a vez de Cicuta atacar. Ele levantou o braço direito e desferiu um golpe de cima para baixo, Kishi se defendeu segurando com ambas as mãos no cabo da espada. O impacto dos metais se chocando fez o corpo dele vibrar, a força foi tanta que ele deu um passo para trás.

Outros dois ataques vieram. Esquerda. Direita. Ambos de cima para baixo, Kishi estava se defendendo com maestria. No terceiro ataque, Cicuta flexionou o braço para dentro do peito e o estendeu em um ataque horizontal. Kishi deu um pulo para trás fazendo com que o ataque não fosse tão efetivo e ao mesmo tempo saindo do combo de ataques.

Agora com espaço entre os dois, ele se abaixou um pouco enquanto corria. A lâmina estava virada para baixo, quando chegou perto o suficiente de Cicuta, ele ergueu todo o corpo trazendo a espada consigo. Um corte diagonal. 

Em um estado normal, Cicuta poderia ter se defendido, entretanto, com a reação lenta ele apenas raciocinou quando sua pele e sua roupa já haviam sido rasgadas pela arma. Quase perdeu a concentração. Movendo o braço esquerdo a jutte atingiu o queixo de Kishi o fazendo cuspir sangue.

Kishi tentou dar um passo para trás e seu ombro se levantou.

"Merda. De novo não" 

A estranha habilidade de Cicuta só precisava de um acerto para confundir os sentidos do inimigo. A regeneração de Kishi de nada adiantava nesse momento. Um segundo ataque estava vindo na direção dele, um golpe no peito usando a ponta da Jutte.

Em um movimento arriscado, Kishi movimentou a língua para a esquerda e por sorte seu braço esquerdo se moveu, abaixando a lâmina da espada fazendo com que aquele segundo ataque não o acertasse.

Cicuta não parou e mais uma vez entrou em um combo de ataques. Sem ter como se defender, Kishi moveu os ombros e abaixou o corpo. Esquivando dos ataques. Ele então tentou mexer a cabeça para que suas pernas se movessem e... O ombro mexeu.

Abaixado daquela forma, Kishi era um alvo fácil. Cicuta deu um chute em seu rosto, um dente se quebrou, a força do golpe o jogou para trás, fazendo ele arrastar as costas pelo chão. Ele gemeu de dor.

Uma tontura súbita atingiu Cicuta, ele perdeu o equilíbrio por um instante. Quanto mais utilizava o Ry mais seu corpo perecia. Não era momento de se queixar, ele se virou e viu seu inimigo no chão, correndo até ele e tentando o atingir com outro golpe da ponta da sua jutte.

"Vamos, vamos, vamos se mexer." — Kishi tentava se virar para esquivar do ataque, mas seu corpo não o obedecia. 

— Se mexa! — Ele gritou.

O gritou assustou Cicuta que por um instante hesitou, esse instante foi o suficiente para ele recuperar o controle de seu corpo. Quando viu o ataque de Cicuta vindo ele rolou para a direita. O golpe atingiu o chão com tanta força que o rachou.  

Kishi se levantou e partiu para cima. Dando fincadas com sua arma. Aquela era uma boa maneira de manter distância e atacar ao mesmo tempo. Cicuta se esquivava com dificuldade, ele teve seu rosto arranhado pela lâmina. Depois perdeu um fio de cabelo.

Quando Kishi desferiu a última fincada, Cicuta virou sua cabeça junto com o resto do corpo. Se virando em 360° ele atacou o noredan utilizando a jutte da mão direita, dando um golpe giratório potente.

Por reflexo, Kishi tentou se defender. Uma péssima decisão. A jutte além de partir a arma ao meio ainda atingiu o nariz de Kishi o quebrando. Depois disso ele levou outro golpe na cintura que o jogou ao chão.

Mais uma vez sem o controle do seu corpo. Seu nariz quebrado estava aos poucos se restaurando, entretanto o golpe que recebeu na cintura estava se curando bem mais rápido.

Cicuta foi caminhando a passos lentos, ele mal conseguia ficar de pé. Ao menos ele precisava matar o Noredan, fazer o que Ólu não conseguiu. Tossiu sangue, o cansaço persuasivo tentava fazer Cicuta desmaiar. Ele resistia a tentação, por enquanto.

Caído no chão, Kishi tentava achar uma solução para descobrir a fraqueza daquela técnica. Quando ele gritou para o corpo se mexer, o mesmo restaurou o controle. Cicuta estava chegando cada vez mais perto, a respiração acelerando a cada instante e sua mente entrando em um turbilhão de pensamentos.

Então ele parou.

Durante toda a luta tinha-se esquecido da maior de todas as suas armas. A arma letal que o fez derrotar todos os inimigos até agora, a arma que o tornou um grande assassino no passado.

— Foco... É isso... 

Fechando os olhos, Kishi acalmou sua respiração. Dentre todas as dores do corpo ele se concentrou especificamente na dor do nariz quebrado. Aquele foi o ataque mais forte que recebeu e foi o responsável pela técnica fazer efeito.

Aos poucos sua regeneração foi parando. Ele recebera vários cortes durante a luta contra os ninjas mais fracos, não tinha se importado até então pois sabia que seus ferimentos seriam curados. Porém agora ele tinha um ferimento mais sério para cuidar. A regeneração foi completamente focada no nariz quebrado que em instantes se regenerou.

O controle foi estabelecido.

E Cicuta finalmente chegou.

— Morra desgraçado! — Ele virou a jutte de ponta cabeça e o atacou com um golpe vertical de cima para baixo.

Cicuta achava que ele ainda não tinha recuperado o controle total do corpo. Subestimar a regeneração do Noredan foi seu maior descuido. Kishi deu uma rasteira que interrompeu o ataque e fez o Cicuta cair de costas no chão.

Kishi se levantou e fechou o punho.

Descarregando todo o ódio que ele sentia por aquele homem. Ele gritou enquanto seu punho descia. Cicuta estava surpreendido, sua última visão foi um demônio... Não. Sua última visão foi a ira de um homem, com olhos negros como um céu sem estrelas. Uma calamidade viva.

O soco quebrou todos os ossos do rosto de Cicuta o matando. Além disso, tal soco possuía tanta força que destruiu aquele frágil chão de madeira fazendo tanto o corpo de Cicuta quanto o de Kishi caírem no primeiro andar.

Uma nuvem de sujeira foi levantada.

Dela uma silhueta se levantou o vencedor do combate. 

Kishi, caminhou lentamente para fora daquele acampamento. As pessoas aprisionadas que estavam sendo usadas como cobaias já tinham partido, se perguntou de como será que foi a reação delas ao ver tantos ninjas mortos? Estariam com medo deles?

Com isso o pagamento foi concluído. Kishi olhou para o céu, devem ser cinco da tarde. Em pensar que tanta coisa aconteceu em um dia. Agora, tudo o que restava era levar Alissa até seu pai, para que então, os três continuassem sua jornada.

Ele estava arrastando os pés no chão. Seu corpo estava desgastado, usar as habilidades do Noredan por tanto tempo era difícil, mas aos poucos ele está se acostumando. Kishi sorriu. Ele estava feliz que ao menos dessa vez ele tinha passado por todos os obstáculos imposto a eles. Ao menos dessa vez ele conseguiria salvar alguém.

Um corpo se mexeu.

Ele olhou para o lado e não pôde acreditar no que viu. Um dos corpos estava se arrastando pelo chão. Um ninja está vivo. Kishi se lembrou das palavras de AlthoGron: Apenas você deve retornar vivo daquele lugar, caso contrário Alissa morrerá.

Kishi foi andando até aquele ninja. O ninja aparentemente perdeu o movimento das pernas, ele apenas tinha o controle da parte de cima do corpo. O ninja parou quando o viu em sua frente, ele suava frio. 

O ninja começou a chorar.

— Me desculpe — falou enquanto fechava o punho. — Eu não tenho outra opção.

O punho fechado desceu...

Não.

O punho parou no meio do ar, quando uma voz dentro da cabeça de Kishi ordenou.

Nós não somos demônios.



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